ESAPL IPVC Licenciatura em Engenharia do Ambiente e dos Recursos Rurais Economia Ambiental Tema 7 Breves notas sobre Bens Privados, Bens Públicos e Bens Comuns Crescente Procura de Bens As empresas (incluindo as empresas agrárias) são instituições sociais encarregadas dos processos produtivos. Produzem bens, de uma forma perfeitamente consciente. É essa a forma que têm de maximizar os seus benefícios, ou lucros. Essa produção tenta dar resposta à crescente procura de bens que as sociedades (mais ou menos evoluídas) fazem junto dos vários sectores de actividade (incluindo o agrário). Trata-se fundamentalmente de uma procura de BENS PRIVADOS, indispensáveis ao bem-estar das populações. Mas, particularmente nas sociedades mais avançadas, nota-se desde há já alguns anos uma crescente procura de bens ambientais, ou seja, de BENS PÚBLICOS. Se pensarmos por exemplo no sector florestal, não restam dúvidas de que a procura de madeira é importante mas, cada vez mais ela vai perdendo importância face a outras procuras alternativas: a captura do CO2 atmosférico, a defesa da biodiversidade, a manutenção de paisagens de alto valor estético, a luta contra a erosão, a manutenção das reservas de água, etc.. A necessidade da Sustentabilidade Estas procuras de bens privados essenciais ao bem-estar da sociedade, e de bens públicos de natureza ambiental, devem ocorrer num contexto de gestão produtiva em equilíbrio com o meio natural – num contexto de sustentabilidade, onde se mantenha a estabilidade do stock de capital natural. Mas surgem desta forma novos problemas. Por um lado há um conflito de objectivos na orientação da gestão do meio natural. Normalmente as melhores práticas culturais, do ponto de vista da optimização da produção de bens privados, estão em conflito com as melhores práticas culturais, do ponto de vista da conservação do meio natural. Por outro lado existe uma ausência de mercado para a maioria dos bens e dos males ambientais. Não existe por exemplo mercado para a biodiversidade, para a captura de CO2, para o assoreamento das albufeiras, etc.. Bens com e sem Mercado Referimos “males ambientais”. Em muitos casos, são também as empresas que os produzem, ainda que devamos considerar que o fazem de forma involuntária. Vimos então que as empresas produzem bens privados, para os quais existe mercado, mas também produzem males ambientais (e sem dúvida também bens ambientais – consegue lembrar-se de algum ?). Estes bens e males ambientais, podem ser conceptualizados do ponto de vista da economia, como externalidades positivas e negativas (conforme vimos noutras apresentações). Para eles não existe mercado, e têm o carácter de bens públicos. Qual é então a real diferença entre Bens Privados e Bens Públicos ? Rivalidade e Exclusão Duas propriedades importantes servem-nos para distinguir os dois tipos de bens referidos: 1. Rivalidade – a rivalidade implica que o consumo de uma unidade de um bem privado por parte de um indivíduo, impeça o seu consumo por parte de outro indivíduo. Rivalidade implica portanto que, aquilo que eu consumo, mais ninguém pode consumir. 2. Exclusão – a exclusão implica que o consumo de um bem pode ser evitado. Por exemplo, quando no intervalo de uma aula tomamos uma chávena de café, estamos a evitar que outro indivíduo a tome (a mesma). E o nosso próprio consumo é evitável, já que nada nos obriga a tomar esse café. Exclusão implica portanto que se pode impedir a determinados indivíduos o consumo de um certo bem. Bens Privados versus Públicos Os Bens Privados caracterizam-se exactamente por possuírem as duas propriedades anteriormente descritas: RIVALIDADE e EXCLUSÃO. O exemplo da chávena de café é disso um bom exemplo. Em oposição a estes encontram-se os Bens Públicos, por possuírem exactamente as propriedades opostas: NÃO RIVALIDADE e NÃO EXCLUSÃO. O exemplo típico de um bem público é a Defesa Nacional. Sem dúvida que o consumo de uma unidade de defesa nacional por parte de um indivíduo não exclui que outro indivíduo da sociedade esteja consumindo a mesma unidade de defesa nacional, e além disso o seu consumo não é evitável, no sentido que anteriormente lhe demos. Uma paisagem pode também ser considerada como um bem público, já que o seu consumo não se reveste nem de rivalidade nem de exclusão. Importância da distinção No nosso contexto de estudo, a importância desta distinção entre bens privados e bens públicos reside no facto de que praticamente todos os bens e males ambientais produzidos pelos vários sectores de actividade têm o carácter de bens públicos (não rivalidade e não exclusão). Como se referiu, os bens públicos não têm mercado. A existência de males ambientais (externalidades negativas), e de bens ambientais (externalidades positivas) originam aquilo a que já chamámos de falhas do mercado. E que importância tem, por exemplo, que um determinado processo produtivo agrário produza bens ou males ambientais ? A resposta é simples: as virtudes dos equilíbrios de mercado que anteriormente estudámos deixam de funcionar. Tais equilíbrios deixam de representar uma utilização eficiente dos recursos. Produzem-se deste modo excedentes de males ambientais, enquanto que se verifica uma deficiência na produção de determinados bens, muito em particular dos bens ambientais. Consequências A principal consequência do que acaba de ser dito é que, se se deixar inteiramente à iniciativa privada o fornecimento de bens públicos (nomeadamente os bens ambientais), estes serão fornecidos em quantidade muito inferior à socialmente eficiente. Como a produção desses bens tem um custo, mas não se pode excluir ninguém do seu consumo mesmo que não paguem nada por eles, a iniciativa privada não poderá auferir dos rendimentos necessários para compensar a sua produção. Assim, na maioria das vezes, a intervenção do Estado, seja encarregando-se directamente da produção de tais bens, seja subsidiando a iniciativa privada, surge como a melhor solução para garantir uma oferta suficiente de bens públicos. Mas esta intervenção causa alguns problemas: por um lado determinar qual a oferta óptima do bem e, por outro, determinar sobre quem devem recair os custos da sua produção, e em que medida. Consequências (2) Suponhamos por exemplo que se planeia a construção de uma barragem na bacia hidrográfica de um rio. Muita gente beneficiará de tal iniciativa: os agricultores que passam a dispor de um sistema de rega; uma empresa hidroeléctrica que passa a produzir electricidade; as populações a jusante da barragem que recebem protecção contra possíveis cheias; a população em geral que se desloque para desfrutar das condições desportivas e de lazer proporcionadas pela albufeira; etc.. Mas se se tentar que a barragem seja custeada por quem dela possa vir a beneficiar, na proporção dos benefícios que dela possam vir a obter, não deixarão de aparecer muitos “parasitas”, também conhecidos por “free-riders”, que para fugirem ao pagamento não reconhecerão estar interessados na sua construção. Os free-riders são mais um problema na oferta de bens públicos, principalmente de bens ambientais, já que assumem que aquilo que os outros estão dispostos a pagar será suficiente para que eles possam gozar do serviço, sem terem de o custear. Os Bens Comuns Problemas semelhantes são os levantados pelos Bens Comuns. Estes, ainda que possuam as propriedades da rivalidade e da exclusão, tal como os bens privados, são pertença de um colectivo de indivíduos, pelo que se tornam muito semelhantes aos bens públicos. Para ilustrar o que se acaba de referir, podemos recorrer à imagem fornecida por Garrett Hardin no seu artigo “The Tragedy of the Commons”: Uma aldeia onde cada família é proprietária do seu gado, mas onde todas partilham o uso das áreas de pasto. Todas as famílias levam o gado a pastar aos terrenos comuns. Portanto, nenhuma se sente estimulada a cuidar das pastagens, a garantir que não se esgotem ou que não se estraguem, a controlar ou a reduzir o uso que o seu gado delas faz. Formalmente, este problema pode ser descrito como o modelo do “dilema do prisioneiro”. Os Bens Comuns – o dilema do prisioneiro Analisemos primeiro o chamado “dilema do prisioneiro”: Dois delinquentes são detidos e presos em celas isoladas, por forma a que não possam ter qualquer contacto entre si. As autoridades suspeitam que eles participaram conjuntamente no assalto a um banco, delito que daria a ambos uma pena de dez anos de prisão. Contudo, apenas possuem provas de um delito menor, que mais não permite do que uma pena de dois anos de prisão – a posse ilegal de armas. Assim, prometem a cada um dos detidos uma redução de 50% na pena a aplicar, se fornecerem provas que incriminem o outro do roubo do banco. As alternativas disponíveis para cada prisioneiro podem representar-se na forma de uma Matriz de Consequências. A estratégia “Lealdade” consiste em permanecer em silêncio e não fornecer provas para incriminar o companheiro. A estratégia “Traição” consiste no contrário. Dilema do Prisioneiro Matriz de Consequências (anos de prisão) Preso Y Lealdade Lealdade Preso X Traição Traição 2/2 10 / 1 1 / 10 5/5 Os Bens Comuns – o dilema do prisioneiro Dilema do Prisioneiro Matriz de Consequências (anos de prisão) Preso Y Lealdade Lealdade Preso X Traição Traição 2/2 10 / 1 1 / 10 5/5 As consequências à esquerda ou à direita da barra representam os anos de prisão a que é condenado o preso X e o preso Y respectivamente, consoante a estratégia adoptada por cada um. Ao não conhecer a estratégia do companheiro, é bem provável que cada prisioneiro adopte uma estratégia que minimize o pior que lhe possa acontecer. Assim, cada um deles optará por atraiçoar o companheiro (já que atraiçoar é a estratégia que pode conduzir ao menor número de anos de prisão). Só que ao adoptarem ambos a mesma estratégia, o resultado final é pior do que se ambos se tivessem mantido leais – ambos vão passar 5 anos de prisão, quando poderiam passar apenas 2). Este é talvez o jogo mais conhecido e estudado da Teoria de Jogos. Vejamos de seguida a sua relação com os Bens Comuns. Os Bens Comuns e o dilema do prisioneiro Também com os Bens Comuns (e de alguma forma com os Bens Públicos), à semelhança do descrito com o Dilema do Prisioneiro, há duas estratégias possíveis: cuidar deles, ou não cuidar deles. A ordem de preferência dos “jogadores” (que somos nós todos) é a seguinte: 1. (o mais preferido) que os demais sejam cuidadosos com as propriedades comuns, e eu não; 2. Que todos sejamos cuidadosos; 3. Que ninguém seja cuidadoso; 4. (o menos preferido) que eu seja cuidadoso e os demais não. Como consequência, a “melhor” estratégia para cada um será não cuidar da propriedade comum. O resultado, sem dúvida, será sempre pior do que se todos cuidassem dela. Claramente, mais uma situação de “falha do mercado”. Afinal, que tipos de Bens ? Os actuais problemas de contaminação ambiental, de esgotamento de recursos, e de espécies em vias de extinção, são claramente consequência deste velho problema entre Propriedade Pública e Propriedade Privada, ou manifestações modernas da tragédia dos comuns descrita por Hardin. A opção por cada uma delas é um problema de cada sociedade. Seja qual for a solução, direito público ou privado ou propriedade comum, as sociedades adoptam cada vez mais normas complexas que permitem uma exploração mais eficiente dos seus recursos. Pode mesmo dizer-se que o grau de desenvolvimento de uma sociedade está directamente relacionado com a complexidade das suas normas e direitos e com a eficácia atingida na exploração dos seus recursos. De alguma forma aparece também aqui a eterna guerra da ciência económica – estado ou mercado. Mas aqui estes aparecem apenas como soluções alternativas para a exploração racional dos recursos, sem que se pretenda nenhuma receita universal. Cada recurso e cada momento histórico implicam, em cada país, soluções diferenciadas. FIM Tema 7 Breves notas sobre Bens Privados, Bens Públicos e Bens Comuns