Roberto DaMatta
“Você sabe com quem está
falando?”
 É um rito de autoridade
 É um ritual tão brasileiro como as
situações de confraternização social,
como o carnaval >> seu simétrico
inverso.
 Constitui na “separação radical e
autoritária de duas posições sociais real
ou teoricamente diferenciadas”.
 É um rito “escondido”, pois mascara a
democracia racial e social do brasileiro.
 Forma velada de expressão dos
preconceitos.
 Subverte nosso orgulho da intimidade,
da suposta ausência de fronteiras >>
revela as hierarquias mascaradas pelo
carnaval, pelo futebol, pela praia.
 É a negação da simpatia: “Põe as coisas
no seu devido lugar”.
 Denota conflito >> por isso é negado.
 Hipótese do autor: no Brasil, o conflito é
evitado por que os lugares sociais estão
claros. Há uma profunda e clara hierarquia na
qual cada qual sabe seu lugar.
 É clara mas é implícita, daí o constrangimento
da frase.
 Revela o paradoxo de uma sociedade onde
tudo é universal e cordial, apesar de uma
hierarquia profundamente arraigada.
 Remete a uma identificação social vertical.
 É um instrumento social de uma sociedade na
qual a moral está nas relações pessoais.
 É uma atualização da cordialidade; uma
resposta à tentativa de imposição da lei
impessoal.
Variações:
 Quem você pensa que é?
 Onde você pensa que está?
 Recolha-se à sua insignificância.
 Vê se te enxerga!
 Essas frases restabelecem uma
hierarquia momentaneamente perdida.
 O oposto americano: a formalidade
reage à “malandragem” com o who do
you think you are?
 Na versão americana, a pergunta
aparece para restabelecer a igualdade, é
um rito igualitário.
Qual é, então, o dilema
brasileiro?
 Sociedade com dois ideais: igualdade e
hierarquia.
 “Aos meus amigos tudo; aos meus
inimigos a lei” (GV).
 O Brasil opera com duas noções
sobrepostas: pessoa E indivíduo.
Pessoa X indivíduo
 Indivíduo: lei universal, igualdade, anonimato.
 Pessoa: exige atenção enquanto alguém
diferenciado; quer a curvatura da lei à sua
personalidade.
 No Brasil há a sobreposição dessas duas noções.
>> Código duplo.
 EUA excluem a pessoa, Índia os indivíduos.
 Paradoxo brasileiro: o Estado moderno,
individualizante e cidadão, só existe para os
menos favorecidos.
 São duas formas de agir e conceber o
mundo social.
 O “você sabe...” é a tentativa drástica de
mudança de chave.
 O dilema brasileiro: Temos regras
universalizantes feitas para corrigir as
desigualdades. No entanto, elas as
reforçam.
Caso ocorrido em julho de 2002:
 Ao fazer cumprir a lei, a guarda de trânsito
Rosimeri Dionísio, no Rio de Janeiro,
recebendo uma punição inusitada: foi parar na
delegacia e autuada depois de multar o carro
do filho de um desembargador - um Golf - e
mais sete veículos estacionados em local
proibido (Rua Lacerda Coutinho, em
Copacabana). O desembargador era o
renomado jurista Eduardo Mayr, da 7ª Câmara
Criminal, o qual alegou desacato à autoridade
e abuso de poder para fazer o registro de
ocorrência na polícia contra a guarda de
trânsito.
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Damatta - Acadêmico de Direito da FGV