Suplemento integrante da ADVOCEF em Revista | Ano VIII | Nº 77 I Julho I 2009 Processo virtual e morosidade real Nem tudo é virtuoso no processo virtual. Enquanto solução para otimizar a tramitação do processo, que, segundo estudos, consome cerca de 70% do seu tempo, eliminando fases arcaicas da burocracia processual como juntadas, termos, remessas, formação dos autos etc, e enquanto instrumento de padronização e celeridade da realização e comunicação dos atos processuais, grande e indiscutível é sua virtude. Mas vale a reflexão: o mal maior do Judiciário não está na morosidade do tramitar, e sim no atraso em se julgar. 43 milhões de processos aguardam julgamento em todo país, segundo dados recentes do Conselho Nacional de Justiça (fevereiro/2008). O processo em fase de julgamento não está "tramitando"; apenas aguarda ser julgado. É como se 1/5 da população brasileira estivesse na fila esperando uma decisão judicial. Nesses casos, a burocracia processual, norte a ser enfrentado pelo processo virtual/digital, nada tem de relevante, pois em grande parte está superada. Por isso, solucionados os entraves que dispersam o processo no tempo, com a pretendida agilidade da virtualização, nem assim estarão solucionados os obstáculos que impedem uma célere prestação jurisdicional, ultimada pela prática do ato judicial: o decidir. O processo, mesmo eletrônico/virtual, não dispensa a manifestação real. A ação instrumental da máquina não substitui o pensar, o compreender, o criar, o solucionar. A experiência já obtida com processos eletrônicos/virtuais solucionados rapidamente, mesmo aos milhares, mas de regra relacionados a demandas de massa e seus processos repetitivos, com idênticos fatos e argumentos jurídicos, amplamente debatidos em todas as instâncias, julgados em "bloco" com um simples apertar de tecla, identificam-se apenas em parte, pequena parte, com os mais de 43 milhões de processos que aguardam julgamento. Essa experiência não pode servir de parâmetro para se reconhecer o êxito da integral virtualização judicial, e que se quer estender a todos os processos judiciais, cíveis ou criminais. O mesmo se diga com relação ao julgamento de um ou outro caso isolado e bem sucedido de processo eletrônico/virtual solucionado celeremente nos Tribunais de segundo grau, nos Tribunais Superiores e mesmo no Supremo Tribunal Federal. Nas experiências realizadas, a virtude da célere e definitiva prestação jurisdicional deu-se não só pela rápida E se a morosidade realmente incomoda, o processo eletrônico/virtual é que poderá vir a ser mais um elemento complicador tramitação eletrônica do processo mas também, e principalmente, pela própria prioridade que se definiu para os respectivos julgamentos, até porque traziam em si a desejada marca da inovação e do pioneirismo tecnológico. O fato é que o maior gargalo da morosidade do Judiciário não está na tramitação dos processos. Está, sim, na incapacidade humana em atender à descomunal proporção do número de proces- Alexandre Vidigal de Oliveira Juiz federal em Brasília (DF), doutorando em Direito Constitucional Internacional/Direito Internacional dos Direitos Humanos, pela UC3M, em Madri (Espanha). sos por Juiz, que impede se dar vazão ao grande número de ações que, desde o primeiro grau até o Supremo Tribunal Federal, aguardam julgamento, mesmo estando os magistrados brasileiros entre os mais produtivos do mundo, segundo estudos do Bird (dezembro/2007). Assim, sem uma adequada proporcionalidade entre o número de juízes e a efetiva demanda judicial, em todos os graus de jurisdição, como previsto na Constituição (art. 93, XIII), será difícil conhecer um mundo real de celeridade na prestação jurisdicional. E se a morosidade realmente incomoda, o processo eletrônico/virtual é que poderá vir a ser mais um elemento complicador aos desafios de um Judiciá- Julho | 2009 I rio rápido e eficiente. Sem a necessidade de se avançar em questões como o "apagão informático" ou a "lentidão do sistema", não tão eventuais, que nem mesmo as instituições financeiras, com seu poderio econômico, conseguem evitar, ou em questões sobre os danos à saúde que a exposição excessiva à tela do computador e ao teclado podem acarretar, há questões outras que podem comprometer o esperado sucesso da ampla virtualização judicial, e que dizem respeito às condicionantes estruturais do cérebro humano na tarefa criadora do pensar. Quando essa tarefa depende de prévia obtenção de informações, o meio em que elas são produzidas torna-se tanto mais relevante quanto sua capacidade em contribuir para o discernimento e seletividade do conteúdo, com seu aproveitamento ou descarte mais célere e eficiente. E esse meio está relacionado aos recursos que a mente humana se utiliza para aproveitar as informações. O ver e o ler, por exemplo, são recursos distintos. Nem tudo que se vê se lê: o analfabeto vê, mas não lê. Nem tudo que se lê se vê: o cego lê, mas não vê. Há, assim, uma diferença enorme entre o ver e o ler. O sentido da visão é o que o homem mais utiliza, e o faz mais vendo e menos lendo. O ver é constante, o ler é eventual. O ver, mesmo constante, não gera exaustão. Já o ler, longe da capacidade do quanto podemos ver, é naturalmente fatigante. O ver, assim, facilita a eficiência da assimilação mental da informação. Os autos processuais nada mais são do que um meio de armazenamento de informações, predominantemente escritas e disponíveis para serem recuperadas pelos protagonistas do processo: os advogados e o Ministério Público, em suas defesas, e o Juiz, em suas decisões. E aí está uma distinção relevantíssima do processo com papéis - "autos físicos" - em relação ao processo virtualizado/ digitalizado - "autos eletrônicos" - enquanto instrumentos hábeis a melhor proporcionar a assimilação e seletividade da informação desejada. Nos "autos físicos" é possível a percepção do conjunto, do todo; não é preciso ler peça por peça para se chegar aonde se quer. E aonde se quer chegar, com o manuseio de peças obtém-se informação célere, como placas a sinalizarem os ca- II Julho | 2009 minhos. A gama de subinformações disponíveis, pelas mais distintas características das folhas de papel, em razão da cor, da gramatura, da formatação, do tamanho, do seu estado de conservação, da sua posição nos autos etc, facilita o processo de assimilação mental do todo e a seletividade do conteúdo da informação desejada. Vai-se de peça a peça, de monte em monte, de frente para trás, de trás para frente com uma agilidade e desenvoltura quase que involuntária, automática, até mesmo intuitiva, e com uma rapidez de fazer inveja aos mais avançados recursos informáticos, frise-se, apenas vendo, como um esquema neurológico previamente formatado para uma interação cognitiva com aquele ambiente. O jornal, a revista e mesmo o livro estão disponíveis, há anos, em meio eletrônico. Nem por isso sepultaram-se suas publicações em papel Já nos "autos eletrônicos" não. As peças processuais vir tualizadas, desmaterializadas e padronizadas que são, em meio eletrônico, sem as distinções físicas do papel, onde as páginas, em imagens, aparecem isoladas do todo, impossibilitam selecionar a informação desejada apenas vendo-se. Tudo é, aparentemente, igual. A falta de subinformações como as oferecidas pelo papel - cores, tamanhos, gramaturas, estado de conservação - afunila as opções do cérebro em distinguir o que é o quê, exigindo como atalho o recurso da leitura. Para se identificar uma informação interessada, de regra, é necessário ler; apenas o ver já não leva a lugar algum. E a leitura constante, permanente, como única fonte de informação, do acesso e do conteúdo, fundindo sinalização e caminho em uma coisa só, é tarefa exaustiva a comprometer, no dia a dia de labuta, a disposição mental do corpo para produzir. Não se pode esquecer que o jornal, a revista e mesmo o livro estão disponíveis, há anos, em meio eletrônico. Nem por isso sepultaram-se suas publicações em papel, certamente pela vantagem funcional de consulta que o meio físico oferece para a linguagem escrita. Há profissões que já se utilizam quase que exclusivamente dos recursos do computador: engenharia, arquitetura e medicina são exemplos. Nessas, porém, o que predomina é o uso da imagem e não da escrita; é a necessidade do ver e não do ler. As resistências ao amplo alcance que se quer imprimir ao processo eletrônico não se traduzem apenas em se querer ou não aceitar suas inovações. E também não se trata somente de resistência cultural ao novo ou de oposição a "quebra de paradigmas". O homem é dotado de esquemas de cognição previamente programados, alguns instintivos, outros desenvolvidos, e as resistências ao processo eletrônico podem estar associadas, isso sim, à interferência em todo um complexo sistema mental de cognição e que a neurociência, a neurolinguística e a psicologia cognitiva podem auxiliar a melhor compreendê-las. O forte apelo ecológico, a redução de espaços físicos e a economia de gastos com pessoal, papel, tintas de impressão e outros materiais são virtudes do processo eletrônico que não podem ser desprezadas. Mas não podem também ultrapassar os limites daqueles específicos objetivos e resultados. Tais conquistas, ainda que associadas ao rápido tramitar, mas sem o correspondente rápido julgar, seguramente poderão aumentar ainda mais a triste e indesejável sensação de morosidade. A adoção de um processo misto ou híbrido, tal seja, virtual/eletrônico na burocracia processual - com os atos cartorários praticados e registrados apenas naquele ambiente - e material ou físico exclusivamente na formação de autos a reunirem as peças produzidas pelo Juiz, Ministério Público, advogados e partes, associado a uma política de adequação da proporcionalidade do número de juízes à efetiva demanda judicial, como manda a Constituição, talvez pudesse contribuir no desejado caminho de enfrentamento da real morosidade jurisdicional. Considerações acerca dos embargos de terceiro O presente trabalho objetiva uma breve análise sobre os embargos de terceiro, que possuem a natureza de ação, não sendo mero incidente processual. Trata-se de tema muito interessante e que é enfrentado pelos operadores do Direito no dia a dia forense. Iniciamos o estudo a partir do conceito de terceiro nos termos do artigo 1.046 do Código de Processo Civil.1 Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery asseveram que os embargos de terceiro constituem ação de conhecimento, constitutiva negativa, de procedimento especial sumário, cuja finalidade é livrar o bem ou direito de posse ou propriedade de terceiro da constrição judicial que lhe foi injustamente imposta em processo de que não faz parte. “O embargante pretende ou obter a liberação (manutenção ou reintegração na posse), ou evitar a alienação de bem ou direito indevidamente constrito ou ameaçado de o ser.” Terceiro é quem não é parte na relação jurídica processual, ou porque nunca o foi, ou porque dela tenha sido excluído, sendo partes na relação jurídica processual autor e réu, aquele que pede e aquele em face de quem se pede algo em juízo. Somente o terceiro, aquele não é parte no processo, possui legitimidade para opor embargos de terceiro, salvo na hipótese do artigo 1.046, § 2º, na qual se permite a quem é parte opor embargos de terceiro. Além de ostentar a posição de terceiro, este deve ser senhor ou possuidor da coisa ou direito que tenha sofrido constrição judicial. Aquele que poderia ter sido parte e não o foi, por ser terceiro, possui legitimidade para opor esses embargos.2 “Quem não foi parte no processo, nada obstante pudesse ter sido, tem legitimidade para opor embargos de terceiro” (RJTJSP 99/349). 1 2 Artigo 1.046, caput, do Código de Processo Civil “Quem, não sendo parte no processo, sofrer turbação ou esbulho na posse de seus bens por ato de apreensão judicial, em casos como o de penhora, depósito, arresto, seqüestro, alienação judicial, arrecadação, arrolamento, inventário, partilha, poderá requerer lhes sejam manutenidos ou restituídos por meio de embargos”. NERY JUNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de ocesso Civil comentado e Andrade. Código de Pr Processo legislação e xtra e. 10. ed. rev., ampl. e atuextra xtravvagant agante al. até 1º/10/2007. São Paulo: RT. 2007, p. 1.219. Luiz Rodrigues Wambier afirma que exercem os embargos de terceiro função de instrumento de defesa da posse contra atos ofensivos praticados por órgãos jurisdicionais, daí a legitimidade reservada ao terceiro possuidor ou senhor e possuidor (artigo 1.046, § 1º), devendo a exordial fazer prova sumária da posse (artigo 1.050). Aduz que o credor com garantia real possui legitimidade ativa para os embargos de terceiro.3 Conforme Humberto Theodoro Júnior, o princípio geral é apenas o patrimônio do devedor ficar sujeito à execução (artigo 591 do Código de Processo Civil), em que pese o fato de haver as exceções de responsabilidade de terceiros constantes no artigo 592. Os embargos de terceiro são o remédio processual para o terceiro prejudicado pelo esbulho judicial quando a execução ultrapassar os limites patrimoniais da responsabilidade pela obrigação ajuizada. O terceiro é aquele que, não sendo parte no processo, vem a sofrer turbação ou esbulho na posse de seus bens por ato de apreensão judicial. Equipara-se a terceiro a parte a qual, embora figure no processo, defende bens que, pelo título da aquisição ou pela qualidade em que os possui, não podem ser atingidos pela apreensão judicial (artigo 1.046, § 2º). Considera-se também terceiro o cônjuge quando defende a posse de bens dotais, próprios, reservados ou de sua meação (artigo 1.046, § 3º).4 É interessante citar o teor da Súmula nº 134 do Superior Tribunal de Justiça “Embora intimado da penhora em imóvel do casal, o cônjuge do executado pode opor embargos de terceiro para defesa de sua meação”. Afirmam os doutrinadores Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery que as partes nas ações secundárias previstas no capítulo de intervenção de terceiros (o litisdenunciado, o chamado ao processo, o opoente) possuem legitimidade para opor embargos de terceiro em decorrência de 3 4 so a WAMBIER, Luiz Rodrigues (Coord.). Cur Curso avvançado de Pr ocesso Civil Processo Civil. 6. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT. 2004. vol. 2. p. 358-362. ocesso de e THEODORO JÚNIOR, Humberto. Pr Processo exxecução cução. 21. ed. São Paulo: Leud. 2002, p. 414/416. Kátia Aparecida Mangone Advogada da CAIXA em São Paulo, especialista e mestranda em Direito Processual Civil, pela PUC/SP. constrição judicial ocorrida na ação principal, haja vista não serem partes na ação principal. O assistente simples não é parte no processo, porém simples interveniente, e tem legitimidade para opor embargos de terceiro. Já o assistente litisconsorcial é considerado litisconsorte da parte (artigo 54 do Código de Processo Civil). “A lide discutida na ação é, também, do assistente litisconsorcial, de sorte que é considerado parte na relação jurídica processual, pois será atingido diretamente pela coisa julgada material. Assim, não pode o assistente litisconsorcial opor embargos de terceiro, já que deles não necessita para defender o seu direito”.5 Cândido Rangel Dinamarco afirma que a condição de terceiro no processo é responsável pela adequação da tutela jurisdicional nos embargos de terceiro, sendo carecedor de ação quem for parte pela ausência do interesse-adequação. Os embargos de terceiro são um instrumento de defesa do terceiro contra os atos executivos. Para o autor, o conceito puro de terceiro é todo aquele que não figurar em um dos polos da relação processual e no contraditório instituído perante o juiz. Com relação ao artigo 1.046, § 1º, entende que a posse pode ser exercida ou não a título de propriedade. O autor, ao analisar o § 2º do artigo 1.046, afirma que o dispositivo equipara parte ao terceiro para a admissibilidade dos embargos de terceiro. Critica-o, aduzindo ser “inteiramente destoante do sistema e são raros os casos em que tem aplicação”. Exemplifica na hipótese daquele que adquire bens mediante contrato de financiamento e os enriquece com acessórios posteriormente.6 5 6 NERY JUNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Op. Cit., p. 1.219. DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direit o Pr ocessual Civil reito Processual Civil. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros. 2004. vol. IV, p. 732/734 e 737/738. Julho | 2009 III Ano VIII | Nº 77 I Julho I 2009 “Fora da hipótese excepcional contemplada no CPC 1046 § 2º, não tem legitimidade para embargar a execução na qualidade de terceiro quem nela é parte” (2º TACivSP, 3ª Câm., Ap. 574175-00/3, Rel. Juiz Milton Sanseverino, j. 30/05/2000). Olavo de Oliveira Neto afirma que “à exceção dos terceiros que são ilegalmente atingidos por ato executivo e atuam visando a se opor a ambas as partes, todos os demais não podem fazer uso de embargos de terceiro para defender seu direito”.7 José Horácio Cintra G. Pereira afirma que a legitimidade ativa resulta da somatória de duas situações jurídicas: a de terceiro ou parte a ele assemelhada e da titularidade de posse, domínio ou outro direito afetado pela constrição judicial. Como regra, o artigo 1.046 e seu § 1º estabelecem a legitimidade do terceiro, ou seja, quem não é parte no processo, (ou porque nunca o foi, ou porque dele fora excluído), é pessoa que não tem responsabilidade pelo cumprimento da obrigação. Em resumo, os terceiros legitimados aos embargos serão todos os que não são partes no processo.8 “Esse conceito de terceiro é, sem dúvida, exclusivamente processual, independentemente de relação jurídica de direito material; assim, o que deveria ter sido parte (e.g., litisconsórcio necessário não atendido) e não foi é terceiro.” Para precisar se uma pessoa é ou não parte em um processo, não é suficiente considerar sua identidade física, devendo-se, ao contrário, levar em consideração a qualidade jurídica em que compareceu no feito. Uma pessoa física pode ser ao mesmo tempo parte e terceiro com relação a determinado processo, se são diferentes os títulos jurídicos que justificam esse duplo papel que ela pretende representar, se são distintas as posições jurídicas que ela visa defender. Será terceiro se for titular de direito diverso daquele do processo principal. “Em 7 8 IV OLIVEIRA NETO, Olavo de. A def defesa exxecutaesa do e er ceir os na e orçada erceir ceiros exxecução fforçada orçada. São Paudo e dos tter lo: RT. 2000, p. 170. Ressalta o autor, no entanto, que o adquirente de coisa litigiosa, embora não seja parte no processo, não tem qualidade de terceiro e, por via de conseqüência, não tem legitimidade para ajuizar ação de embargos de terceiro, conforme o disposto no art. 42, § 3º, do CPC (REsp 79.878/ SP, Rel. Min. Carlos Alberto Direito, REsp 232.439/RJ, Rel. Min. Barros Monteiro, j. 14/12/ 2000). Julho | 2009 suma, o próprio condenado ou obrigado pode deduzir embargos de terceiro quanto aos bens que, pelo título ou pela qualidade em que os possuir, não devam ser atingidos pela diligência ordenada.” É necessário, ainda, que esse terceiro seja senhor e possuidor, ou somente possuidor do bem, destacando-se a posse em si mesma (seja direta ou indireta, justa ou injusta). Há a equiparação a terceiro no artigo 1.046, § 2º, a parte que, posto figure no processo, defende bens que, pelo título de sua aquisição ou pela qualidade em que os possuir, não podem ser atingidos pela apreensão judicial, sendo aqueles que, ainda que figurem no processo, não podem ser atingidos por qualquer ato de apreensão judicial. O autor José Horácio Cintra G. Pereira exemplifica o dispositivo nas seguintes situações: pelo título de sua aquisição: coisa recebida com a cláusula de inalienabilidade e penhorada em execução; pela qualidade que os possuir: o locatário ou arrendatário que, ao ser executado, vê penhorado bem locado ou arrendado, sob a suposição de que fosse o proprietário. Com relação ao § 3º do artigo 1.046, considera-se terceiro o cônjuge quando defende a posse de bens dotais (dote), próprios (constituem o patrimônio pessoal de cada cônjuge e não estão incluídos entre os bens comuns do casal), reservados (adquiridos pela mulher que exerce profissão lucrativa),9 ou de sua meação, o qual, ante seu teor, infere-se pela influência na hipótese do regime de bens instituído entre os cônjuges. Interessante afirmação é a de que o fato de o casal estar separado judicialmente não inibe a apresentação dos embargos de terceiro para defesa da meação em imóvel ainda não partilhado. A legitimidade do ex-cônjuge, nessa situação, poderia estar amparada no conceito exclusivo de terceiro ou, segundo os casos concretos, nos termos desse § 3º do artigo 1.046 (como em ação aforada contar o cônjuge antes da separação, porém diante de circunstâncias que permitissem a exclusão da meação).10 9 10 Conforme José Horácio Cintra G. Pereira, os bens reservados constituiriam figura insubsistente na vigente ordem constitucional, afrontando o princípio da igualdade, previsto nos artigos 5º e 226, § 5º, da Carta Magna. PEREIRA, José Horácio Cintra G. Dos embargos de tter er ceir o. São Paulo: Atlas. 2002, p. 28/32. erceir ceiro “Admissibilidade dos embargos de terceiro não se confunde com direito à liberação dos bens conscritos”, segundo Cândido Rangel Dinamarco. Com relação ao sócio e à sociedade, o autor esclarece que se os bens do primeiro forem penhorados por dívidas da segunda, se não houver sido citado, poderá opor embargos de terceiro. Para discutir sua responsabilidade com relação a obrigações sociais, o sócio citado deverá utilizar-se dos embargos de terceiro.11 Insta mencionar a Súmula nº 84 “É admissível a oposição de embargos de terceiro fundados em alegação de posse advinda do compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido do registro” (estando superado o entendimento contido na Súmula nº 621 do Colendo Supremo Tribunal Federal 12).13 Citam-se, ainda, as seguintes orientações do Egrégio Superior Tribunal de Justiça sobre a matéria: Súmula nº 303 “Em embargos de terceiro, quem deu causa à constrição indevida deve arcar com os honorários advocatícios”; Súmula nº 308 “A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel”. O breve estudo realizado sobre os embargos de terceiro demonstra a importância do tema na atuação do operador do Direito, diante dos aspectos doutrinários e jurisprudenciais enfocados, merecendo atenção e destaque pelos profissionais e pelo meio acadêmico. 11 12 13 DINAMARCO, Cândido Rangel. Op. Cit., p. 739/ 740 e 744. Súmula nº 621 do Supremo Tribunal Federal “Não enseja embargos de terceiro à penhora a promessa de compra e venda não inscrita no registro de imóveis”. Sem aplicação “Sem aplicação. A súmula não tem mais aplicação porque foi editada outra, sobre a mesma matéria e em sentido contrário, pelo STJ, que tem competência para dizer a última palavra sobre a interpretação da lei federal no País (CF 105 III a)”, in NERY JUNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Op. Cit., p. 1.627. Essa orientação vem sendo estendida, principalmente em julgados do Colendo Superior Tribunal de Justiça, a casos análogos em que o título que legitima a posse não foi levado a registro, sendo a condição indispensável a demonstração da posse sobre a coisa, como no caso do herdeiro que não levou o formal de partilha a registro, in WAMBIER, Luiz Rodrigues (Coord.). Op. Cit., p. 362. As matérias publicadas neste suplemento são de responsabilidade exclusiva de seus autores. O encarte pode ser acessado, na íntegra, no site da ADVOCEF (menu Publicações).