inovação
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Vamos
construir
pontes?
Maria Carmen*
C
omo gestora educacional
por mais de 20 anos, posso afirmar que a grande
maioria dos alunos e professores
com os quais interagi queixam-se da ineficiência da escola ou
universidade em cumprir verdadeiramente o seu papel como
agente de transformação social.
Para o aluno, o conhecimento
adquirido na escola ou universidade não possui nenhuma conexão com sua vida prática, haja
vista que as matrizes curriculares são construídas tendo por
base o conhecimento cumulativo. Fato é que o século XX produziu mais conhecimento do que
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Revista Linha Direta
toda a história da humanidade.
Além de trabalhar com conhecimento defasado, soma-se o fato
de que o saber compartimentado organizado em disciplinas
não permite uma formação holística, em que o aluno tenha
uma visão global de mundo,
nem uma formação utilitarista,
aplicada a um campo específico
do conhecimento. No dia a dia
da gestão escolar, é muito frequente a queixa, por parte dos
alunos, de que as disciplinas são
descontextualizadas, sem sentido prático e aplicação na vida
cotidiana, sendo um dos fatores
que mais colaboram com a evasão escolar.
Por outro lado, o corpo docente
se sente refém de uma matriz
curricular em que a produção do
conhecimento não reflete necessariamente a solução dos problemas globais, e se sente incapaz
de ser um facilitador da construção do conhecimento diante dos
avanços da ciência e da tecnologia, os quais tornam obsoleta
a maior parte do conhecimento
aprendido durante seu curso. As
condições ofertadas a um professor da iniciativa privada não
lhe permite avançar em sua formação, como deveria ocorrer
através do processo da educação
continuada. Na nova dinâmica do
conhecimento, as metodologias
e os modelos de avaliação até
então existentes já não respondem mais ao contexto da escola
do século XXI.
Uma pesquisa realizada recentemente pelo Massachusetts
­Institute of Technology aponta a
fragmentação do conhecimento e
a ausência de uma metodologia
interdisciplinar como o principal
fator impeditivo para que escolas
e universidades produzam contextos e ambientes prazerosos
na formação do indivíduo, consonantes com o conhecimento
produzido em tempo real e com
uma visão global das soluções demandadas pelo mundo moderno.
Numa perspectiva mais ampla,
desenvolver uma sociedade significa transformá-la a partir de
suas organizações, instituições,
através de seus atores. Nessa
acepção, podemos açular a reflexão sobre o papel que a escola ou
universidade possa desempenhar
na formação de profissionais com
uma visão holística, comprometidos com a transformação das
organizações e instituições, cujas
ações e práticas institucionais
poderão resultar na formação de
uma sociedade mais sustentável
e menos desigual, propondo um
modelo interdisciplinar que consiga responder aos desafios dos
problemas contemporâneos e às
transformações sociais e econômicas de caráter global.
Para a implementação de um
modelo interdisciplinar, é necessário romper com a estrutura
disciplinar clássica, porque o conhecimento tem outra estrutura
na atualidade. Segundo Raquel
Maria Bevilacqua, “a universidade deve ser um lugar prioritariamente em que se aprende e não
se ensina. O aluno aprende porque estuda. Para uma formação
mais eficaz não é necessária uma
extensa carga horária, portanto,
quanto menor a carga horária em
sala de aula, melhor para o aluno aprender por experimentação
em outros ambientes de aprendizagem. O máximo de quatro disciplinas no quadrimestre e nem
todos os créditos cumpridos com
aulas, mas com atividades e projetos complementares” (sic). O
mesmo se aplica no ensino básico, pois o currículo é composto
por disciplinas lineares, quando o
mundo não é mais assim. É preciso mudar as linhas mestras que
conduzem o currículo.
No Brasil, os modelos interdisciplinares, tanto no ensino básico
quanto no ensino superior, têm
avançado intra-área do conhecimento, em que duas ou mais
disciplinas dialogam em torno de
projetos integradores. Mas iniciativas interárea do conhecimento
ainda são pouco significativas.
Para Bursztyn, “alguns cruzamentos disciplinares vão se tornando
necessidades evidentes, diante
da incapacidade de se responder
a questões inquietantes da atua­
lidade.” Contudo, o aprimoramento das práticas interdisciplinares ainda é um desafio. Tornar
nossas instituições mais inovadoras, capacitar o corpo docente
para trabalhar de forma dialógica
e fazer com que o conhecimento
seja aprazível ao aluno é o que
nos capacitará a enfrentar uma
práxis falida, que vem se arrastando ao longo dos anos.
©iofoto/PhotoXpress
A adoção de novos modelos dependerá dos gestores e docentes
comprometidos com o desenvolvimento de novas competências,
em lugar da exaustiva prática de
transmissão de conhecimentos. É
fundamental preparar alunos com
uma visão crítica e criativa, com
capacidade para resolver problemas de variadas ordens do mundo
real, compreendendo não apenas
o momento histórico no qual estão inseridos, mas também os impactos das futuras soluções que
possam ser propostas. 
*Professora e mestre em Gestão
da Inovação
www.proinnovare.com.br
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