– Principais discussões conceituais sobre a interdisciplinaridade Prof. Dr. Holgonsi Soares Gonçalves Siqueira Todos os teóricos que trabalham com a questão da interdisciplinaridade, concordam que, a especialização contribuiu em muito para o avanço do conhecimento. Porém o grande problema é que, o nível (ou intensidade) das especializações aprofundou-se em demasia, chegando à época atual, a um estágio denominado “hiper- especialização” (ou, “ultra-especialização). Este estágio, além de não dar conta da complexidade que exige as mudanças contemporâneas para seu entendimento e ações no mundo globalizado (e complexo), fragmenta de tal forma as áreas do conhecimento que impede qualquer troca e ações comunicativas entre as mesmas. Edgar Morin destaca que “as disciplinas se fecharam sobre objetos mutilados. Assim, o conhecimento fechado destruiu ou ocultou em toda a parte as solidariedades, as articulações, a ecologia dos seres e dos atos, a existência!” (O Método, vol.01, p. 195). Tendo por base isto, destaco aqui um aspecto essencial em nosso estudo: a interdisciplinaridade não nega, nem é contrária à especialização. É contrária sim, a este estágio que a mesma chegou; é contrária à resistência em se estabelecer inter-relações, ao fechamento das disciplinas, e à insistência dos profissionais no trabalho isolado e na negação da importância dos diferentes saberes na construção do conhecimento. Portanto, ao entrar em cena o paradigma da complexidade (estudado no módulo 01), o mesmo trouxe consigo a necessidade/urgência de se tratar sobre a interação entre as áreas científicas. Estas interações, ou, inter-relações, podem acontecer em dois níveis, dos quais destaco seus termos mais comuns: multidisciplinaridade e interdisciplinaridade. Alguns teóricos, dentre os quais saliento Edgar Morin, defendem que estas interações efetivem-se através da chamada transdiciplinaridade. Assim, começarei nossa reflexão sobre a interdisciplinaridade tratando das discussões conceituais em torno da mesma. Olga Pombo, em seus estudos sobre interdisciplinaridade (especialmente no livro “Interdisciplinaridade: reflexão e experiência” , p.32) apresenta os conceitos, clara e resumidamente, através do seguinte esquema: (obs: pluri sinônimo de multi – disciplinaridade) Em “Interdisciplinaridade e patologia do saber”, Hilton Japiassu, destacando o trabalho de E.Jantsh, apresenta as seguintes distinções: - multidisciplinaridade: “é a gama de disciplinas que propomos simultaneamente, mas sem fazer aparecer as relações que podem existir entre elas"; "a justaposição de diversas - pluridisciplinaridade: disciplinas situadas geralmente no mesmo nível hierárquico e agrupadas de modo a fazer aparecer as relações existentes entre elas"; - interdisciplinaridade: "axiomática comum a um grupo de disciplinas conexas e definida no nível hierárquico imediatamente superior, o que introduz a noção de finalidade" transdisciplinaridade: “coordenação de todas as - disciplinas e interdisciplinas do sistema de ensino inovado, sobre a base de uma axiomática geral” (cfme pgs. 73-74) Já Ivani Fazenda em seu estudo “Integração e Interdisciplinaridade no ensino brasileiro: efetividade ou ideologia” discute largamente várias concepções sobre a interdisciplinaridade, apresentando a distinção terminológica em quatro níveis de G.Michaud: “Disciplina – conjunto específico de conhecimentos com suas próprias características sobre o plano do ensino, da formação dos mecanismos, dos métodos, das matérias. Multidisciplina – justaposição de disciplinas diversas, desprovidas de relação aparente entre elas. Ex.: música + matemática + história. Pluridisciplina – justaposição de disciplinas mais ou menos vizinhas nos domínios do conhecimento. Ex: domínio científico: matemática + física. Interdisciplina – interação existente entre duas ou mais disciplinas. Essa interação pode ir da simples comunicação de idéias à integração mútua dos conceitos diretores da epistemologia, da terminologia, da metodologia, dos procedimentos, dos dados e da organização referentes ao ensino e à pesquisa. Um grupo interdisciplinar compõe-se de pessoas que receberam sua formação em diferentes domínios do conhecimento (disciplinas), com seus métodos, conceitos, dados e termos próprios. Transdisciplina – resultado de uma axiomática comum a um conjunto de disciplinas (ex. Antropologia considerada como a "ciência do homem e de suas obras", segundo a definição de Linton)”. (cfme pg. 27) Na mesma obra, ao apresentar e criticar os tipos de relações interdisciplinares propostos pelo psicólogo alemão Heinz Heckhausen (p.29-31), Fazenda nos coloca algumas idéias que considero centrais para a compreensão da interdisciplinaridade, das quais saliento as seguintes: “A direção do processo interdisciplinar não pode estar a cargo de nenhuma ciência em particular. Converter a interdisciplinaridade numa Ciência das Ciências seria transformá-la numa nova ciência, com as ambições e preconceitos de ciência soberana” (p. 31) “A real interdisciplinaridade é antes uma questão de atitude; supõe uma postura única frente aos fatos a serem analisados, mas não significa que pretenda impor-se, desprezando suas particularidades” (p.31) “O que se pretende na interdisciplinaridade, não é anular a contribuição de cada ciência em particular, mas, apenas, uma atitude que venha a impedir que se estabeleça a supremacia de determinada ciência, em detrimento de outros aportes igualmente importantes” (p.31) “O conhecimento interdisciplinar deve ser uma lógica da descoberta, uma abertura recíproca, uma comunicação entre os domínios do saber, uma fecundação mútua e não um formalismo que neutraliza todas as significações, fechando todas as possibilidades” (p.32) Paulo Freire em “Contribuições da Interdisciplinaridade: para a ciência, para a educação, para o trabalho sindical" ao falar sobre interdisciplinaridade, faz a seguinte colocação: “A inter(ou trans)disciplinaridade é demanda da Natureza e da Realidade do Mundo” (p.23) E continuando, Freire conclui: “É como se ela dissesse: 'vocês, Humanos, podem conhecer-me, mas, para ajudá-los, eu vou logo dizendo que só me conhecerão com a condição de correlacionarem dialogicamente as múltiplas partes ou tendências que são necessárias a vocês” Observem que Freire usa: “OU”. Embora em suas falas utilizasse mais o termo transdisciplinaridade, nunca se deteve em uma diferenciação maior entre os dois termos. O que na verdade importava para Freire era que, a compreensão crítica do mundo, da sociedade e do homem dependia de uma inter-relação entre as disciplinas (ou ciências). Para ele, era impossível se dar conta da complexidade do real de maneira isolada e fragmentada. Tendo por base as tentativas de conceitualização da interdisciplinaridade expostas acima, a partir das distinções feitas pelos autores em torno de outros termos que também expressam níveis (diferentes) de integração, destaco que a interdisciplinaridade (que intera, ou inter-relaciona, ou faz convergir), pode ser considerada um “ponto de equilíbrio”, entre as justaposições da multidisciplinaridade e a unificação da transdisciplinaridade Na verdade, o termo interdisciplinar, por sua natureza, não se presta a uma definição consensual, única ou estável. O importante é o que é posto em xeque pela interdisciplinaridade, ou seja, a insuficiência do modelo de ciência construído com base naquele paradigma da simplicidade (introdução da 2ª parte do módulo 01 visto anteriormente). LEITURAS OBRIGATÓRIAS A interdisciplinaridade como superação da fragmentação Formação interdisciplinar: exigência sociopolítica para um mundo em rede