CLESIANE LUCAS DOS SANTOS
TUTELA ANTECIPADA X TUTELA CAUTELAR:
implicações na ordem jurídica
Monografia para obtenção do grau de
bacharel em Direito, apresentada à
Faculdade
de
Direito,
Ciências
Administrativas
e
Econômicas
da
Universidade Vale do Rio Doce.
Orientadora: Rosemeire Pereira da Silva
Governador Valadares
2009
CLESIANE LUCAS DOS SANTOS
TUTELA ANTECIPADA X TUTELA CAUTELAR:
implicações na ordem jurídica
Monografia apresentada como requisito para
obtenção do grau de bacharel em Direito
pela Faculdade de Direito, Ciências
Administrativas
e
Econômicas
da
Universidade Vale do Rio Doce.
Governador Valadares, 21 de março de 2009.
Banca Examinadora:
-----------------------------------------------------------------Rosemeire Pereira da Silva
Professora Orientadora
-----------------------------------------------------------------Lissandra Lopes Celho Rocha
Professora Convidada
-----------------------------------------------------------------Ronald Amaral Júnior
Professor Convidado
Aos meus pais, Fideles e Maria dos Anjos, dedico este trabalho.
Vocês me ensinaram a descobrir o valor da disciplina,
da persistência e da responsabilidade,
indispensáveis para a construção do meu projeto de vida.
Ao meu noivo Amilton, por ser uma pessoa admirável que sempre
me impulsionou a buscar os meus sonhos
e por ter aceito se privar de minha companhia pelos estudos,
concedendo a mim a oportunidade de me realizar ainda mais.
A meus irmãos e suas famílias pela força nessa longa caminhada.
AGRADECIMENTOS
Agradeço, primeiramente, a Deus,
pela inteligência que me permite discernir o justo do injusto.
Aos meus amados pais, Fideles e Maria dos Anjos,
pelo amor e pela lição de vida, simplicidade e honestidade.
Ao meu querido noivo, Amilton,
pelo encorajamento, ajuda, dedicação, paciência e carinho,
que sempre me incentivou ao longo dessa trajetória.
Aos meus irmãos, Clésio e Clesiní,
e à minha cunhada Vanessa,
que torceram pelo meu sucesso.
Aos meus sobrinhos lindos, Samara e Cauã,
simplesmente por fazerem
parte da minha história de vida.
Aos meus amigos, em especial, a minha amiga Daise,
companheira em todos os momentos,
pela diversão, pelo aprendizado, pela convivência e pela amizade.
À professora e orientadora, Rose Pereira, tenho muito a agradecer,
não só pela dedicada orientação e pela paciência,
mas pelo incentivo na realização do trabalho;
A todos os professores do curso de direito que contribuíram
na minha formação pessoal e no meu crescimento profissional.
“Quando amamos e acreditamos do fundo de nossa alma,
em algo, nos sentimos mais fortes que o mundo, e somos tomados de
uma serenidade que vem da certeza de que nada poderá vencer a nossa fé.
Esta força estranha faz com que sempre tomemos a decisão certa,
na hora exata e, quando atingimos nossos objetivos ficamos
surpresos com nossa própria capacidade”. (Paulo Coelho)
RESUMO
As tutelas de urgência são compostas pela tutela cautelar, prevista no art. 798 e
seguintes; e a tutela antecipada, prevista no art. 273, todos do Código de Processo
Civil. Ambas com finalidade preventiva para afastar a iminência de risco de dano. As
tutelas em apreço têm fundamento constitucional. Estão ligadas às garantias
fundamentais asseguradas pela Constituição Federal a quem litiga em juízo. O
indivíduo deve contar com instrumentos adequados para obtenção de seu direito.
Possuem características próprias, às quais são objeto de discussão em capítulos
específicos. O estudo particularizado das mesmas permite fixar melhor a identidade
dos institutos, bem como as características que as distanciam. A tutela cautelar visa
proteger o processo com vistas a garantir a utilidade e eficácia do provimento final. A
tutela antecipada objetiva tutelar o direito reclamado, esta antecipa os efeitos
práticos da sentença. Nesse sentido, a primeira prioriza a prevenção do dano ao
processo, a segunda, ao direito propriamente dito. Essa estreita relação entre as
tutelas cautelar e antecipada é objeto de estudo do presente trabalho que pontua
suas semelhanças e diferenças. Conclui demonstrando as alterações legislativas em
torno do art. 273 do Código de Processo Civil, analisando a fungibilidade do § 7º,
bem como a extinção aparente das medidas cautelares diante da fungibilidade das
tutelas antecipadas.
Palavras-chave:
Tutelas de Urgência. Cautelar. Antecipada. Fungibilidade.
Implicações Jurídicas.
ABSTRACT
The responsibilities of urgency are composed by guardianship, provided in article
798 et seq. and the early guardianship, in article 273, all of the code of civil
procedure. Both with preventive objective to remove the risk of imminence spittlebug.
They have constitutional basis. They are regarding bedding guarantees provided by
Federal Constitution which is in judgment. The person must have appropriated
instruments for his/her own rights. The person has characteristics which are object of
discussion by specific chapters. The detailed study of them allows to memorize better
the identity of the institutes, as well as the characteristics that far apart. Protection
precautionary aims to protect the process aimed at ensuring the usefulness and
efficiency of the contested final decision. The early guardianship of the right is
claimed, it anticipates the effects and information of the sentence. Accordingly the
first one prioritizes the prevention of the damage to the process, the second, the right
itself. This close connection between the responsibilities of caution and the advance
caution is the subject of this work, points out that there are similarities and
disagreement. Concludes demonstrating the legislative changes about article 273 of
the code of civil procedure, reviewing the fungibility of & - 7, as well as the apparent
extinction precautionary measures on trading of early guardianship.
KEYWORDS:
Responsabilities of urgencia. Interim. Advance. Fungibility. Legal
Implications.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...........................................................................................................10
1 TUTELAS DE URGÊNCIA......................................................................................12
1.1 LIMINAR...............................................................................................................15
1.2 TUTELA CAUTELAR............................................................................................16
1.2.1 Pressupostos para Concessão da Tutela Cautelar......................................19
1.2.1.1 Fumus boni iuris.............................................................................................19
1.2.1.2 Periculum in mora...........................................................................................21
1.2.2 Poder Geral de Cautela...................................................................................22
1.3 TUTELA ANTECIPADA........................................................................................24
1.3.1 Pressupostos para Concessão da Tutela Antecipada.................................25
1.3.1.1 Requerimento da parte...................................................................................26
1.3.1.2 Prova inequívoca............................................................................................27
1.3.1.3 Verossimilhança da alegação.........................................................................27
1.3.1.4 Fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação..........................28
1.3.1.5 Abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu.........29
1.3.1.6 Reversibilidade da situação fática alterada com a tutela antecipada.............30
1.3.2 Tutela Antecipatória Inibitória........................................................................31
1.3.2.1 Modalidades de tutela antecipatória inibitória e a sua prática processual.....33
1.3.2.2 Tutela de remoção do ilícito...........................................................................33
2 TUTELA CAUTELAR X TUTELA ANTECIPADA..................................................35
2.1 ASPECTOS COMUNS.........................................................................................35
2.1.1 Garantir o Acesso a Ordem Jurídica Justa...................................................35
2.1.2 Cognição Sumária...........................................................................................37
2.1.3 Provisoriedade.................................................................................................39
2.2 TRAÇOS DISTINTIVOS.......................................................................................40
2.2.1 Conservação e Satisfatividade.......................................................................40
2.2.2 Diferença de Pressupostos............................................................................41
2.2.3 Efeitos...............................................................................................................42
3 IMPLICAÇÕES NA ORDEM JURÍDICA.................................................................44
3.1 A SEGUNDA REFORMA DO CPC E A FUNGIBILIDADE ENTRE AS TUTELAS
DE URGÊNCIA...........................................................................................................44
3.2 A PROBLEMÁTICA INTERPRETAÇÃO DO § 7º DO ART. 273 DO CPC...........47
3.3 CASOS PARA APLICAÇÃO DA FUNGIBILIDADE ENTRE AS TUTELAS DE
URGÊNCIA.................................................................................................................51
3.3.1 Medida Cautelar Requerida como Antecipação de Tutela..........................52
3.3.2 Medida Antecipatória Requerida em Processo Cautelar.............................53
3.4 A EXTINÇÃO APARENTE DO PROCESSO CAUTELAR...................................57
CONCLUSÃO............................................................................................................62
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................................64
10
INTRODUÇÃO
O presente estudo tem por finalidade analisar as medidas de urgência,
que representam providências tomadas antes do desfecho natural e definitivo do
processo, para afastar situações graves de risco de dano à efetividade do
processo ou prejuízos que decorrem da sua inevitável demora e que ameaçam
consumar-se antes da prestação jurisdicional definitiva.
Contra esse tipo de risco de dano, é inoperante o procedimento
comum, visto que tem, antes do provimento de mérito, de cumprir o contraditório
e propiciar a ampla defesa.
Sabe-se que o direito de ação decorre da instituição da função
jurisdicional do estado, exercida tipicamente pelo Poder Judiciário. É esse poder
que irá desenvolver, intermediar e solucionar os conflitos, objetivando a aplicação
concreta da lei aos casos apresentados, buscando assim, alguma pacificação
social.
Ocorre, entretanto, que o exercício desse direito de ação, que envolve
necessariamente a relação triangular das partes e do juízo, está atrelado a
diversos fatores que interferem na velocidade do processo tornando-o mais lento.
Esses fatores são traduzidos na grande quantidade de recursos, no formalismo
exacerbado, na falta de funcionários, na dilação procedimental de alguns ritos e
outros fatores que acabam influenciando na eficácia do provimento final.
Sendo assim, o trânsito vagaroso do processo comum vinha causando
danos permanentes ao demandante que, ao fim de um longo e moroso processo,
via seu direito reconhecido de forma tardia: perdido no tempo. Algo precisaria ser
criado visando à proteção aos direitos postos à discussão perante o Judiciário.
E é neste cenário que surgem as tutelas de urgência, que são
providências de ritos diferenciados, mais ágeis e aptos a tornar o objeto da ação
íntegro até a decisão final, divididos hoje na legislação brasileira, após a reforma
advinda da Lei nº 8.952/1994, em duas modalidades: a tutela cautelar e a tutela
antecipada.
Tais tutelas, tendem a favorecer o pólo ativo da relação processual, por
isso, é indispensável a cautela no seu uso para evitar violação do necessário
tratamento isonômico entre as partes litigantes.
11
O tema será exposto de forma clara, precisa e de entendimento
imediato, sendo apresentado em três capítulos, com suas respectivas seções,
além das considerações finais e o rol das referências bibliográficas.
O primeiro capítulo apresenta um breve histórico sobre as tutelas de
urgência, realçando separadamente as características de cada instituto.
No capítulo subsequente faz-se um paralelo entre a tutela cautelar e a
tutela antecipada, demonstrando os seus aspectos comuns e os traços
distintivos.
Por sua vez, o último capítulo trabalhará o tema propriamente dito,
analisando as implicações jurídicas, principalmente após o grande passo dado
com a nova reforma processual de 2002, com a criação da Lei 10.444, na qual,
dentre outras importantíssimas alterações, acrescentou o § 7º ao art. 273 do
Código de Processo Civil que trata da fungibilidade entre as tutelas de urgência.
Em especial caberá a abordagem sobre a utilidade da tutela cautelar após o
advento da tutela antecipada e qual a finalidade de cada uma delas no contexto
processual.
No tocante à metodologia, a pesquisa desenvolveu-se com base em
material nacional, compreendendo doutrina, legislação e jurisprudências.
Explorou-se, portanto, o tipo de pesquisa bibliográfica.
12
1 TUTELAS DE URGÊNCIA
É impossível a completa solução do conflito de interesses sem que
medeie razoável espaço de tempo entre a formação do processo e a sentença final
proferida pelo magistrado. Por isso, o Código de Processo Civil prevê a concessão
de medidas de urgência quando houver uma situação de risco ao provimento final
decorrente da demora.
Segundo Misael Montenegro Filho:
percebemos que convivemos com dois primados antagônicos: de
um lado a necessidade da rápida solução do conflito de interesses,
sabido que justiça tardia é sinônimo de injustiça; de outro lado, a
necessidade de que sejam observados requisitos formais de
validade do processo, de que ao réu sejam assegurados o
contraditório e a ampla defesa em todos os seus contornos
estruturais. A ordem de coisas reclama que o magistrado aja com
equilíbrio, de modo a garantir a entrega da prestação jurisdicional no
tempo certo, nem antes nem depois dele.1
Ambas - a tutela cautelar e a tutela antecipada - são as medidas de
urgência que vêm sendo adotadas pelo legislador para o alcance de um processo de
resultados, visando afastar uma situação de risco.
Sobre o assunto dispõe Humberto Theodoro Júnior:
Ora, tanto na tutela cautelar como na antecipatória, a parte pede
uma providência urgente para fugir das conseqüências indesejáveis
do perigo de dano enquanto pende o processo de solução de mérito.
E o que distingue o procedimento de um e outro pedido de tutela de
urgência é a circunstância formal de que o pedido cautelar deve ser
processado à parte do feito principal enquanto o pedido
antecipatório se dá dentro do próprio processo de mérito.2
Uma das mais conhecidas e repetidas assertivas de todo aquele que
invoca a tutela jurisdicional do Estado, para assegurar-lhe um direito de que julgue
1
MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de Direito Processual Civil: Medidas de Urgência, Tutela
Antecipada e Ação Cautelar, Procedimentos Especiais. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 38.
2
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Processo de Execução e
Cumprimento de Sentença, Processo Cautelar e Tutela de Urgência. 39. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2006. p. 666.
13
merecedor, refere-se à demora dos ritos processuais que conduzem à solução da
lide levada à apreciação judicial. A expectativa desse tempo, sabidamente longo,
muitas vezes, leva o autor à autocomposição extrajudicial ou à renúncia, ou
desistência, de sua pretensão resistida, desobrigando o Judiciário de mais essa
causa, de mais esse processo.
O processo reclama uma prática sequenciada de atos como:
apresentação de petições, pronunciamentos judiciais em resposta, atuações de
auxiliares da justiça, realização de audiências e outros, que reclama a observância
de um tempo mínimo, afim de que todos os atos sejam praticados com perfeição de
forma, e às partes sejam garantidas a aplicação de princípios constitucionais
relevantes, destacando-se o contraditório, a ampla defesa, o juiz natural e a
motivação das decisões judiciais.
As medidas de urgência surgem pela necessidade de que o processo
seja desburocratizado e que a forma exacerbada seja desprestigiada, permitindo-se
o deferimento de cautelares e antecipações de tutelas, possibilitando ao autor obter
determinada providência jurisdicional, seja acautelatória ou satisfativa.
Na visão de Cássio Scarpinella Bueno:
O que, para o momento presente da exposição, justifica a menção
às chamadas tutela cautelar e tutela antecipada é que, em ambas, o
elemento constante, que legitima a pronta e imediata, até mesmo,
enérgica atuação do Estado-juiz, é a “urgência”, isto é, a
necessidade de atuação jurisdicional antes da consumação do
dano.3
A tutela cautelar foi o primeiro instituto voltado a amenizar potenciais
prejuízos desse “sem fim” dos processos judiciais.
Da idéia de existirem duas grandes formas de prestação definitiva da
tutela jurisdicional, a cognição e a execução, surge o Processo Cautelar, como uma
nova face da jurisdição contendo ao mesmo tempo as funções do processo de
conhecimento e de execução. O seu elemento específico é a prevenção.
A antecipação de tutela trata-se do mais recente instituto inserido no
Código de Processo Civil, pela Lei nº 8.952/94, buscando também permitir que
3
BUENO, Cássio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil: Teoria Geral de
Direito Processual Civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 283.
14
sejam adotadas precocemente decisões interlocutórias, igualmente provisórias e
passíveis de revisão, tendentes a minorar, se não evitar, danos irreparáveis ditados
pela demora na prolação da sentença. Sua aplicação é similar, nestes aspectos e
somente nestes, ao caso até aqui discutido das ações cautelares, mas voltada
somente às ações de conhecimento.
Ocorre que, uma medida de urgência concedida, seja em caráter
cautelar ou antecipatório, pode ser revista a qualquer tempo, não gerando a
segurança jurídica almejada pela parte, tanto à que requereu, quanto à que sofreu.
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso XXXV,
assegura a todas as pessoas, como garantia fundamental, o direito de ação, ou
melhor, o direito de acesso ao Poder Judiciário.
A esse respeito explica Fernanda Ruiz Tomazoni:
Além da possibilidade de concessão de medidas de urgência, o que
se tem buscado é a sumarização do processo, novas técnicas para
o alcance da cognição, a fim de não ferir princípios garantidos
constitucionalmente, de forma a garantir a satisfação do direito
pleiteado o mais rápido possível, tornando eficaz o provimento e
evitando o perecimento do direito.4
O certo é que modificações ocorridas na sociedade, na medida do
possível, devem ser acompanhadas pela ciência do direito, o que nem sempre
ocorre na mesma velocidade em que tais modificações se dão. A criação, discussão
e aprovação de novas leis que permitirão a adaptação do direito às necessidades da
sociedade é demorada e, por vezes tardia.
É insuficiente afirmar que a Constituição assegura o denominado
direito abstrato ou incondicionado de ação. É preciso identificar o que isso
efetivamente representa para o patrimônio jurídico da pessoa. Importante fixar que
todos têm, independentemente de quaisquer condições pessoais, não a certeza ou a
probabilidade de obter o reconhecimento de um direito mas, a possibilidade séria e
real de contar com instrumentos adequados para alcançar esse objetivo. Significa,
portanto, que a garantia constitucional de ação implica a existência da tutela
jurisdicional adequada à proteção do direito demonstrado em sede processual.
4
TOMAZONI, Fernanda Ruiz. Tutelas de Urgência: (IR) Reversibilidade. Curitiba: Juruá, 2007. p.
25.
15
1.1 LIMINAR
O processualista moderno está voltado cada vez mais para a
necessidade de agilizar a prestação jurisdicional, daí porque a importância das
tutelas de urgência, como a liminar, que vem sendo dia a dia enaltecida.
Liminar trata-se de provimento jurisdicional através do qual se
resguarda o resultado útil do processo ou se antecipa os efeitos da sentença, de
maneira a evitar a ineficácia da tutela caso deferida no final da contenda. A rigor,
liminar qualifica qualquer medida judicial tomada antes do debate contraditório do
tema que constitui o objeto do processo, e nessa categoria entraria diversos
procedimentos.
Na realidade, a maioria dos autores nacionais advogam a tese de que
liminar é uma medida cautelar, enquanto outros notáveis juristas negam essa
natureza, afirmando que a liminar, a depender da urgência e da necessidade da
tutela pretendida, pode se configurar em uma simples medida cautelar ou numa
verdadeira antecipação do direito.
Nas palavras de Humberto Theodoro Júnior: “Incorreta, portanto, a
tentativa de confundir sempre a natureza das liminares com a das medidas
cautelares”.5
A sua concessão está sujeita à presença conjunta de dois
pressupostos básicos: a fumaça do bom direito e o perigo na demora da prestação
jurisdicional.
A liminar é um instituto autônomo, com seus contornos próprios e
específicos.
É frequentemente confundida com medida cautelar por causa de dois
fatores: o primeiro, diz respeito ao fato de que a liminar, em determinadas situações,
assume uma função cautelar; o segundo, refere-se à coincidência de grande parte
das características das liminares com aquelas relativas às medidas cautelares. A
diferença, entretanto, está no fato de que a liminar pode apresentar uma natureza
cautelar, mas não tem necessariamente esta natureza.
5
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Processo de Execução e
Cumprimento de Sentença, Processo Cautelar e Tutela de Urgência. 39. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2006. p. 660.
16
Assim explica Luiz Orione Neto:
As medidas cautelares somente podem ser deferidas pelo juiz
dentro de uma ação cautelar. As liminares, ao revés, podem ser
concedidas nos mais variegados tipos de ação, como por exemplo,
na antecipação de tutela, no mandado de segurança individual e
coletivo, nas ações possessórias, na ação popular, na ação civil
pública, nos embargos de terceiro, etc.6
A liminar apresenta as seguintes características: urgência, cognição
sumária, provisoriedade e revogabilidade. A primeira delas legitima a própria razão
da existência da liminar, que não teria sentido sem a necessidade de uma medida
inadiável para tutelar o direito em perigo. Já a cognição há de ser sumária, ou seja,
simples, célere, através da qual se examina a aparência do direito em debate e o
perigo de dano, restando um estudo mais aprofundado da lide a ser realizado no
momento adequado: na sentença.
As demais particularidades da liminar é uma conseqüência da
sumariedade, pois a sua duração encontra limite no exame da lide, ocasião em que
a medida poderá ser substituída por um provimento definitivo ou simplesmente
revogada. O seu caráter provisório está, dessa forma, ligado à revogabilidade, sendo
válido destacar que a revogação pode ocorrer em qualquer fase do processo e não
apenas na sentença, desde que demonstrado que os pressupostos autorizadores da
medida não mais se fazem presentes.
1.2 TUTELA CAUTELAR
Tutela cautelar é aquela concedida por meio de um processo autônomo
que, entretanto, está relacionada com um processo principal, a fim de assegurar o
direito a ser tutelado futuramente. Nesse sentido, não têm as tutelas cautelares
aptidão para solução definitiva do litígio, sendo esta sua característica essencial.
Consiste no direito de o interessado provocar o órgão judicial a tomar
providências que conservem e assegurem os elementos do processo, eliminando a
6
ORIONE NETO, Luiz. Liminares no Processo Civil e Legislação Processual Civil Extravagante.
2. ed. São Paulo: Lejus, 2000. p. 13.
17
ameaça de perigo ou prejuízo iminente e irreparável ao interesse tutelado no
processo principal.
Sua função é, portanto, meramente auxiliar e subsidiária, de sorte que
não busca a composição do litígio, não procura satisfazer o direito material dos
litigantes, mas apenas garantir o direito a um resultado eficaz que será dado pelo
processo principal.
Na opinião de Marcus Vinícius Rios Gonçalves:
O resultado cautelar está sempre atrelado ao de outro processo; não
tem um fim em si mesmo. Daí sua natureza acessória. Ninguém o
objetiva, como fim último, como pretensão principal; o que se busca,
por seu intermédio, é proteger o provimento principal. O processo
cautelar é um instrumento que serve a outro processo, pois visa
assegurar e garantir o que neste se postula.7
Por ser processo autônomo, fruto de uma ação cautelar, sua natureza
e fim específico redunda em decisão judicial de eficácia temporária e provisória. Sua
duração e validade correspondem ao tempo em que se aguarda a solução do
processo principal. Destina-se, forçosamente, a ser, ao fim, substituída por outra
medida, a ser determinada em caráter definitivo naquele outro processo do qual é
acessório.
Trata-se assim, de medida provisória, passível de revisão ou cassação
a qualquer instante, o que freqüentemente ocorre antes mesmo da decisão do
mérito, e que se subordina ao que vier a ser decidido em outro processo, o principal.
Humberto Theodoro Júnior sustenta a seguinte lição doutrinária:
Toda medida cautelar é caracterizada pela provisoriedade, no
sentido de que a situação preservada ou constituída mediante o
provimento cautelar não se reveste de caráter definitivo, e, ao
contrário, se destina a durar por um espaço de tempo delimitado.8
7
GONÇALVES, Marcus Vinícius Rios. Novo Curso de Direito Processual Civil: Execução e
Processo Cautelar. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 244.
8
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Processo de Execução e
Cumprimento de sentença, Processo Cautelar e Tutela de Urgência. 39. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2006. p. 467.
18
Aplica-se àqueles casos em que, no curso de um processo de
conhecimento ou de execução, o juiz entende existir o risco que não deve ser
corrido de resultar em grave prejuízo o aguardar-se o fim do rito processual
ordinário, ou mesmo sumário, em todas as suas fases, sendo o impulso oficial,
quase sempre, insuficiente para agilizar o andamento de um processo.
Sobre o fator tempo, Marcus Vinícius Rios Gonçalves apresenta a
seguinte posição:
O tempo traz riscos que podem ter as mais diversas formas.
Se a demanda versa sobre um bem, há o risco de que pereça
ou desapareça; se se trata de quantia em dinheiro, há o perigo
de que o patrimônio do devedor reduza-se até que ele se torne
insolvente; as provas importantes para as partes podem ficar
prejudicadas pela modificação da situação fática, ou até
mesmo pelo desaparecimento das testemunhas; há o risco de
que, até a solução final do litígio, o direito pereça, tornando
ineficaz o provimento final.9
Em outras palavras, é indispensável que a tutela jurisdicional
dispensada pelo Estado a seus cidadãos seja idônea a realizar, em efetivo, o
objetivo para o qual foi criada. Pois, de nada valeria condenar o obrigado a entregar
a coisa devida, se esta já inexistir ao tempo da sentença; ou garantir à parte o direito
de colher um depoimento testemunhal, se a testemunha decisiva já estiver morta
quando chegar à fase instrutória do processo; ou ainda, declarar em sentença o
direito à percepção dos alimentos a quem, no curso da causa, vier a falecer por
carência dos próprios alimentos, podendo acontecer que o processo ao chegar ao
seu término não mais encontre existente a situação concreta sobre a qual a
jurisdição deveria atuar.
Sendo
assim, a tutela cautelar atua de maneira
preventiva,
acobertando e protegendo determinado direito subjetivo, ou estado de direito
legítimo, que se encontra sob ameaça de perecimento em virtude de um dano
sabido, iminente e de difícil reparação. Assegura a viabilidade da realização de um
direito não podendo realizá-lo. O resultado cautelar está sempre atrelado ao de outro
processo; não tem um fim em si mesmo, sendo de natureza acessória.
9
GONÇALVES, Marcus Vinícius Rios. Novo Curso de Direito Processual Civil: Execução e
Processo Cautelar. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 242.
19
1.2.1 Pressupostos para Concessão da Tutela Cautelar
Para que a tutela cautelar possa ser invocada e admitida, deverá
preencher, além das condições de qualquer ação, as condições específicas. Tais
requisitos, que se acham consagrados uniformemente pela doutrina, costumam ser
identificados nos conceitos de “fumus boni iuris” e do “periculum in mora”.
Nesse sentido, explica Luiz Orione Neto:
A lei, ao admitir as providências cautelares, exige a verificação de
certos requisitos, a fim de que o réu não fique inteiramente a mercê
das veleidades e caprichos do autor, ou por outras palavras, a fim
de que haja a segurança de que as cautelas pedidas pelo autor são
realmente justificadas e não constituem uma violência inútil ou
desnecessária.10
Considerado haver, na apresentação sumaríssima e superficial do
julgador, fumus boni iuris e periculum in mora, pode ser concedida a tutela cautelar,
reduzindo ou evitando que sobrevenham danos ou perdas irreparáveis, ou de difícil
reparação, ao detentor dos citados indícios de titularidade de um bem ou direito
reclamado, causados pela delonga das marchas e contramarchas típicas de um
processo.
1.2.1.1 Fumus boni iuris
O primeiro requisito para a concessão da tutela cautelar é o designado
pela expressão latina fumus boni iuris, que pode ser traduzida por fumaça do bom
direito.
Não implica na certeza do direito material, pois assim já se poderia ter
o julgamento definitivo e não uma simples cautelar e, essa plausibilidade do direito
material não significa que os fatos que o fundamentam serão profundamente
10
ORIONE NETO, Luiz. Liminares no Processo Civil e Legislação Processual Civil
Extravagante. 2. ed. São Paulo: Lejus, 2000. p. 210.
20
analisados, mas apenas e tão somente que o autor da cautelar tem direito ao
processo de mérito com possível provimento favorável.
Conforme ensinamento de Humberto Theodoro Júnior:
Para a ação cautelar, não é preciso demonstrar-se cabalmente a
existência do direito material em risco, mesmo por que esse,
frequentemente, é litigioso e só terá sua comprovação e declaração
no processo principal. Para merecer a tutela cautelar, o direito em
risco há de revelar-se apenas como o interesse que justifica o
“direito de ação”, ou seja, o direito ao processo de mérito.11
Sobre o mesmo assunto declara Alexandre Freitas Câmara: “a nosso
sentir, mais adequado se afigura definir o fumus boni iuris com base no conceito de
probabilidade, pois que este se liga, inexoravelmente, ao de cognição sumária”.12
Porém, de acordo com Ernani Fidélis dos Santos:
Se se trata de cautela, não se pode, nos estreitos limites do
processo cautelar, exigir, para seu deferimento, o mesmo critério
interpretativo do processo de conhecimento ou de execução, sob
pena de frustrar-se a própria finalidade da cautela, que é provisória.
Mas, se o juiz, em face das provas apresentadas, ou sendo a
questão apenas de direito, concluir, com juízo de completa certeza,
pela improcedência da pretensão, não deve deferir a cautela, ainda
que satisfeitas estejam as condições da ação dita principal. Tal
indeferimento, contudo, repita-se, só deve ser dado com inteiro
convencimento de que improcede o pedido satisfativo, sem qualquer
possibilidade de novas provas e mesmo de razoável dúvida
interpretativa do direito.13
Sendo assim, uma vez demonstrado que o autor da cautelar possui
todas as condições do direito de ação que lhe permitirão ingressar com o processo
principal, ou seja, que este é viável e não lhe será claramente adverso, terá ele
direito a tutela cautelar, pois a fumaça do bom direito consiste na existência do
11
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Processo de Execução e
Cumprimento de Sentença, Processo Cautelar e Tutela de Urgência. 39. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2006. p. 475.
12
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Lúmen
Júris: 2002. p. 30.
13
SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de Direito Processual Civil: Execução e Processo
Cautelar. 11.ed. São Paulo: 2007, p. 291.
21
interesse que justifica o direito de ação, sendo que na prática só não existe quando
a pretensão do requerente configurar o caso de inépcia judicial.
1.2.1.2 Periculum in mora
O fumus boni iuris não é requisito suficiente para a concessão da tutela
cautelar. O outro requisito exigido é o periculum in mora, ou seja, o perigo na
demora.
Refere-se ao interesse processual na justa e eficaz composição do
litígio, sendo que o dano corresponde a uma possível prejudicial alteração na
situação de fato existente ao tempo da propositura da ação. Devendo o receio do
autor da cautelar ser demonstrado por algum fato concreto e fundado, que possa
gerar dano durante o processo principal e que esse dano não permita uma
reparação específica e nem uma indenização, inclusive por falta de condições
econômicas da outra parte.
Misael Montenegro Filho resume com clareza tal entendimento:
No que se refere ao periculum in mora, deve o autor demonstrar que
o fato de o magistrado não intervir de forma imediata pode importar
o perecimento do direito substancial a ser disputado pelas partes na
ação principal, ou seja, de que o não atuar do magistrado resultará
prejuízo para a ação principal, com o perecimento do bem ou do
direito que seria naquele palco debatido, não se admitindo o
simples receio subjetivo do autor, reclamando-se a demonstração
objetiva de que a demora natural do processo ou que atos
manifestados pelo réu põem em risco o resultado do processo
principal.14
Alexandre Freitas Câmara nos apresenta o seguinte exemplo:
Imagine-se, agora, a hipótese daquele que pretende executar um
crédito de dinheiro, e verifica que o devedor está dilapidando todo
seu patrimônio antes do ajuizamento da demanda executiva. A
diminuição patrimonial não é capaz de lesar o direito de crédito mas,
14
MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de Direito Processual Civil: Medidas de Urgência, Tutela
Antecipada e Ação Cautelar, Procedimentos Especiais. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2006.p.86.
22
como parece óbvio, nenhum resultado prático será alcançado no
processo executivo se não houver bens penhoráveis no patrimônio
do executado. Para evitar o dano à efetividade do processo, revelase adequada a tutela cautelar, determinando-se a apreensão de
bens que serão, na futura execução, constritos através da
penhora.15
Assim sendo, toda vez que houver fundado receio de que a efetividade
de um processo venha a sofrer dano irreparável ou de difícil reparação, em razão do
tempo necessário para que possa ser entregue a tutela jurisdicional nele buscada,
estará presente o pressuposto do periculum in mora, exigido para a concessão da
tutela jurisdicional cautelar.
1.2.2 Poder Geral de Cautela
O poder geral de cautela dá poderes ao juiz para determinar as
medidas que julgar adequadas, mesmo não previstas em lei, a fim de evitar dano ou
lesão à parte, ou seja, corresponde à possibilidade de se conceder cautelar
inominada para situações não tipificadas pelo legislador.
Para Ernani Fidélis dos Santos:
Os litígios, além da possibilidade de caracterização por conteúdo
infinitamente variável, podem revelar necessidade de um semnúmero de medidas que garantam a eficácia do processo no seu
resultado prático e concreto, sem que haja previsão de pressupostos
especiais e procedimento próprio. Surge, então, a possibilidade de o
juiz conceder medidas cautelares que não estão previstas em lei.
São as medidas inominadas ou atípicas. Para concedê-las, o juiz se
veste do que se chama “Poder Geral de Cautela”. Não há dúvida de
que o protesto cambial traz prejuízos à parte, principalmente no que
se refere a empréstimos bancários, compras a crédito, participação
em concorrência pública etc. Quem vai promover a ação declaratória
negatória de dívida, ou pleitear a nulidade do título, cujo o resultado
final positivo evitará os inconvenientes do protesto, pode,
cautelarmente, pedir sua sustação até a decisão final. O sócio que
pretende anular deliberação de assembléia social pode pedir,
cautelarmente, a suspensão de seus efeitos, até a solução da lide,
15
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Lúmen
Júris: 2002. p. 32.
23
para evitar que atos dela decorrentes sejam praticados, com
prejuízos irreparáveis. 16
Alexandre Freitas Câmara ensina que:
O poder geral de cautela é instituto considerado necessário em
todos os quadrantes do planeta, e decorre da óbvia impossibilidade
de previsão abstrata de todas as situações de perigo para o
processo que podem vir a ocorrer em concreto. Por tal razão, tem-se
considerado necessário prever a possibilidade de o juiz conceder
medidas outras que não apenas aquelas expressamente previstas
pelas leis processuais.17
O autor, quando houver necessidade de uma tutela cautelar, ingressará
com a demanda identificando-a pelo seu nome, que poderá ser, por exemplo:
arresto, seqüestro, busca e apreensão, produção antecipada de provas ou alimentos
provisionais, etc.
Quando não for possível a identificação do nome da cautelar, pelo fato
de que a situação que se pretende tutelar não for descrita em lei, ingressará com
medida cautelar inominada, situação esta amparada e positivada no Código de
Processo Civil:
Art. 798. Além dos procedimentos cautelares específicos, que este
código regula no capítulo II deste livro, poderá o juiz determinar as
medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado
receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao
direito da outra lesão grave e de difícil reparação.
Com base no Poder Geral de Cautela, foram deferidas medidas
liminares que antecipavam os efeitos da sentença, entregando, portanto,
antecipadamente o bem material em litígio. Além disso, por diversas vezes,
satisfaziam de forma irreversível o direito do requerente, dispensando-o do ingresso
da ação principal. Essas liminares fundavam-se nos requisitos próprios da tutela
assecuratória, sendo denominadas cautelares satisfativas.
As medidas cautelares ultrapassavam sua finalidade de garantir a
viabilidade de futura prestação jurisdicional, sendo usadas com fim satisfativo e,
muitas vezes, sendo admitidas decisões irreversíveis que esgotavam a possibilidade
16
SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de Direito Processual Civil: Execução e Processo
Cautelar. 11.ed. São Paulo: 2007, p. 401-402.
17
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Lúmen
Júris: 2002. p. 41.
24
de posterior proposição de ação principal, afastando, portanto, o caráter instrumental
do processo cautelar.
Nesse contexto, o legislador introduziu no Código de Processo Civil a
chamada tutela antecipada ou, a antecipação dos efeitos da futura sentença de
procedência, com o intuito de evitar e esvaziar as cautelares satisfativas.
É importante notar que o poder geral de cautela não se deve confundir
com arbitrariedade ou mesmo dar ensejo a questionamentos sobre a segurança do
processo. Pelo contrário, para a concessão de medidas de natureza cautelar com
base nessa prerrogativa, devem estar presentes os requisitos previstos em lei. Além
disso, quando se busca cada vez mais a efetividade e instrumentalidade do
processo, o artigo acima citado trata-se de um dos importantes instrumentos para
proporcioná-los.
1.3 TUTELA ANTECIPADA
A tutela antecipada constitui, sem dúvida, o mais festejado instrumento
para a efetividade do processo e a tutela dos direitos. É uma técnica de distribuição
do ônus do tempo no processo. Generalizada no âmbito do processo de
conhecimento pela Lei nº 8.952 de 13 de dezembro de 1994, a experiência mostrou
as falhas do modelo legal, que veio a ser alterado posteriormente por meio da Lei nº
10.444 de 07 de maio de 2002.
Nos dizeres de Misael Montenegro Filho:
A tutela antecipada permite que o autor (e somente o autor) receba,
no curso da ação de conhecimento ou da ação de execução, parte
ou a totalidade do que lhe seria apenas conferido por ocasião da
sentença judicial, com força executiva suficiente para que a
providência judicial seja cumprida de imediato.18
Nosso ordenamento jurídico se enriqueceu com a possibilidade de
antecipação da tutela pretendida, por parte daquele que recorre à imparcialidade do
18
MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de Direito Processual Civil: Medidas de Urgência,
Tutela Antecipada e Ação Cautelar, Procedimentos Especiais. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2006.p.50.
25
Estado como forma de ver um direito seu, evidente e claro, assegurado
preventivamente, escapando de manobras dilatórias, meramente procrastinadoras,
daquele que sabe, no íntimo, que vai ser derrotado no litígio, por assistir razão à
outra parte.
Na lição de Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart:
A alteração do Código de Processo Civil foi necessária não apenas
em razão das novas situações de direito material, que se mostraram
carentes de tutela antecipatória, mas principalmente porque a
doutrina e os tribunais não admitiam a prestação da tutela satisfativa
fundada em cognição sumária, com base na técnica cautelar.19
Como a tutela antecipada é satisfativa, por ela se concede o exercício,
ainda que provisório, do próprio direito afirmado pelo autor, de maneira que a
decisão que a concede terá o mesmo conteúdo que a sentença definitiva, sendo que
a diferença será a provisoriedade.
Por ser provisória, não pode ser confundida com a antecipação da
própria tutela, o que representaria um julgamento antecipado da lide. O que é
antecipado é só os efeitos da tutela definitiva; por isso que a decisão concessiva da
tutela antecipada não faz coisa julgada material, podendo ser modificada depois em
vista da própria provisoriedade que deriva de uma cognição sumária.
A tutela antecipada, para ser concedida, exige a reunião de alguns
pressupostos. Assim, somente quando cumprida as exigências poderá o juiz
antecipar os efeitos da sentença.
1.3.1 Pressupostos para Concessão da Tutela Antecipada
A tutela antecipada não é uma ação e sim uma medida excepcional. A
sua principal preocupação foi a de tornar o processo apto a realizar seus objetivos e
melhor servir à sociedade. Somente deve ser concedida quando o demandante
19
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo Cautelar. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2008. p.60.
26
conseguir demonstrar a efetiva presença dos requisitos legais estatuídos no artigo
27320 do Código de Processo Civil.
1.3.1.1 Requerimento da parte
O caput do artigo é claro ao afirmar a necessidade de requerimento da
parte, isto é, do sujeito ativo. Em hipótese alguma a providência antecipatória poderá
ser concedida ex offício.
Sobre o assunto opina Luiz Gustavo Tardin que: “O sistema das tutelas
sumárias ajusta-se, nesse particular, ao sistema geral do Código de Processo Civil
quando reclama provocação da parte para recebimento da prestação jurisdicional”.21
A antecipação de tutela apenas pode ser deferida ao autor, pela lógica
razão de que é ele que formula as pretensões que se encontram dispostas na
petição inicial.
O réu não vem à demanda para obter ganhos processuais, mas tão
somente para tentar evitar a procedência da ação em favor do autor.
Mas, há situações onde o réu pode requerer a tutela antecipada, nos
casos em que lhe é permitido formular pedido, como na reconvenção, no pedido
contraposto, e outros, onde assume posição de autor.
20
Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da
tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da
verossimilhança da alegação e:
I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou
II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.
§ 1º Na decisão que antecipar a tutela, o juiz indicará, de modo claro e preciso, as razões do seu
convencimento.
§ 2º Não se concederá a antecipação de tutela quando houver perigo de irreversibilidade do
provimento antecipado.
§ 3º A efetivação da tutela antecipada observará, no que couber e conforme sua natureza, as normas
previstas nos arts. 588, 461, §§ 4º e 5º, e 461-A.
§ 4º A tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em decisão
fundamentada.
§ 5º Concedida ou não a antecipação da tutela, prosseguirá o processo até final julgamento.
§ 6º A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados,
ou parcela deles, mostrar-se incontroverso.
§ 7º Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o
juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental
do processo ajuizado.
21
TARDIN, Luiz Gustavo. Fungibilidade das Tutelas de Urgência. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2006. p. 127.
27
1.3.1.2 Prova inequívoca
Nenhuma prova é inequívoca e, essa expressão deve ser entendida
como a prova capaz de fazer o juiz formar um juízo de verossimilhança entre o fato e
o que é alegado. Não se exige a produção de prova plena para fins de deferimento
da tutela antecipada, não se admitindo, contudo, seja a providência deferida com
apoio em prova extremamente superficial, que não confere um nível de segurança,
necessário a se concluir que a verdade possivelmente pende em favor do autor da
empreitada jurídica.
Como lembra Misael Montenegro Filho:
A prova produzida pelo autor – geralmente documental – deve
conferir ao magistrado um alto grau de probabilidade de que o
direito pende em seu favor, de que as alegações trazidas aos autos
pelo promovente possivelmente são verdadeiras.22
Deve
ser
considerada
aquela
que
apresenta
um
grau
de
convencimento tal que, a seu respeito não possa ser oposta qualquer dúvida
razoável ou, em outros termos, cuja autenticidade ou veracidade seja provável.
Tal prova deve ser pré-constituída. É certo, porém, que outras provas
podem ser produzidas no curso do processo que autorizem o juiz, a requerimento da
parte, conceder a tutela antecipada. Tal prova deve permitir, por si só ou em
conexão necessária com outras também já existentes, pelo menos em juízo
provisório, definir o fato, isto é, tê-lo como verdadeiro.
1.3.1.3 Verossimilhança da alegação
O juízo de verossimilhança aproxima-se de um juízo de probabilidade.
Significa aquilo que não é verdadeiro, mas que parece ser verdadeiro. É mais do
22
MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de Direito Processual Civil: Medidas de Urgência,
Tutela Antecipada e Ação Cautelar, Procedimentos Especiais. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2006.p.55.
28
que fumus boni iuris, são alegações que se aproximem da verdade, embora não se
tenha uma posição definitiva a respeito das mesmas. Cabe ao juiz avaliar as
alegações e concluir pela sua aproximação com a verdade, em face dos princípios e
regras do ordenamento jurídico, especialmente, no que toca a situação concreta
examinada.
Para Luiz Gustavo Tardin:
Em virtude da exigência de prova robusta e suficiente à
caracterização da verossimilhança, a doutrina tem concluído que o
magistrado, ao apreciar o requerimento de tutela antecipada nos
autos da ação de conhecimento, exerce atividade cognitiva mais
aprofundada do que aquela realizada por ocasião da concessão das
medidas cautelares.23
Enfim, cada prova terá o seu valor, a ser pesado pelo juiz. Não
somente o conjunto probatório proporciona a verossimilhança, mas também o bem
jurídico ameaçado, a dificuldade encontrada pelo autor para comprovar suas
alegações, a credibilidade do alegado e a urgência alegada.
1.3.1.4 Fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação
O fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação é aquele
risco concreto, e não o hipotético ou eventual; atual, ou seja, o que se apresenta
iminente no curso do processo; e grave, apto a prejudicar o direito afirmado pela
parte e que exige um provimento jurisdicional imediato, sob pena de tornar-se
impraticável em momento posterior.
Pode-se dizer que há irreparabilidade quando os efeitos do dano não
são reversíveis; e o dano é de difícil reparação se as condições econômicas do réu
não autorizam supor que o dano será efetivamente reparado. Portanto, presentes os
demais requisitos autorizadores da tutela antecipada e, havendo fundado receio de
23
TARDIN, Luiz Gustavo. Fungibilidade das Tutelas de Urgência. São Paulo: Revista dos tribunais,
2006. p. 132.
29
dano irreparável ou de difícil reparação, esta deve ser concedida sob pena de
prejudicar o direito do litigante.
No entendimento de Misael Montenegro Filho:
Analisando o segundo dos requisitos, verificamos que muito se
parece com o periculum in mora, que se mostra como requisito para
o deferimento de liminares no palco das ações cautelares. Contudo,
no caso das cautelares, a preocupação maior é com o resultado útil
da ação principal, enquanto que no panorama da antecipação de
tutela evidente que a preocupação se volta para a satisfação do
próprio direito material agitado no processo.24
A legislação é clara sobre a necessidade de que o receio seja fundado,
que as circunstâncias fáticas levem à probabilidade de ocorrência do dano, caso o
pedido não seja imediatamente concedido.
1.3.1.5 Abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu
Além dos pressupostos de urgência e de dano, que são requisitos para
conceder a tutela antecipada, uma outra hipótese é vislumbrada pela lei: o abuso do
direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu, de caráter punitivo e que
não exige nenhum requisito de urgência ou dano para sua concessão.
Se a antecipação de tutela busca prestigiar a celeridade processual,
atos protelatórios estariam relacionados a obstáculos por parte do réu ao andamento
do processo. Seriam os atos ou omissões praticados fora do processo, ainda que a
ele relacionados, como não atendimento de diligências e ocultação de provas.
A função deste tipo de tutela é punir o réu, que usando de meios
escusos, meramente protelatórios, ou apresentando defesa infundada, se opõe ao
direito do autor, abusando assim, do seu direito de se defender.
Também visa tornar o processo um meio eficaz de tutela do direito que
não apóia, mas coibi as defesas abusivas e sem fundamento, que tem como único
objetivo atrapalhar o andamento processual.
24
MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de Direito Processual Civil: Medidas de Urgência,
Tutela Antecipada e Ação Cautelar, Procedimentos Especiais. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2006.p.57.
30
A esse respeito assinala Luiz Gustavo Tardin:
O autor cujo direito se apresenta como de provável existência não
pode ter a realização prática do mesmo retardado em virtude de
defesa inconsistente demonstrada pelo demandado. O raciocínio é
simples: o réu, possível sujeito passivo do direito material, não
atendeu ao comando inserto na regra de conduta de forma
voluntária, conforme deveria ter ocorrido. Agora ele se vale da
morosidade do processo para procrastinar ainda mais o
cumprimento da norma jurídica. O ônus do tempo do processo não
pode ser suportado por quem possua direito evidente.25
Difícil se torna caracterizar, através de critérios objetivos, o que é
defesa abusiva. Ao juiz caberá, diante do caso concreto, verificar e decidir, mediante
decisão fundamentada, se a defesa é ou não abusiva.
1.3.1.6 Reversibilidade da situação fática alterada com a tutela antecipada
O texto legal procurou proteger a possibilidade do restabelecimento do
status quo, caso a decisão venha a ser reformada pela sentença. Vislumbrando o
juiz, ao analisar o pedido de tutela antecipada, a probabilidade de que aquela
situação fática, caso venha a ser modificada, não possa mais se restabelecer, este
não estará autorizado a conceder a antecipação da tutela.
No entendimento de Fernanda Ruiz Tomazoni: “irreversibilidade é
sinônimo de providência jurisdicional definitiva, o que significaria relativizar ou ainda
mitigar direito de defesa e afronta à garantia do devido processo legal”.26
A irreversibilidade da situação fática anterior, no entanto, não deve ser
encarada de forma absoluta, como se fosse um obstáculo intransponível. Há casos
em que o direito a ser tutelado pelo provimento antecipatório é mais importante do
que a impossibilidade de se reverter o estado fático anterior.
Verificando que o prejuízo do autor é maior em não ver satisfeito
imediatamente seu “provável direito”, do que o do réu mantendo aquela situação,
25
TARDIN, Luiz Gustavo. Fungibilidade das Tutelas de Urgência. São Paulo: Revista dos tribunais,
2006. p. 138-139.
26
TOMAZONI, Fernanda Ruiz. Tutelas de Urgência: (IR) Reversibilidade. Curitiba: Juruá, 2007. p.
65.
31
deve-se conceder a tutela antecipatória independente da impossibilidade de
retornar-se ao status quo antes. Caso a sentença julgue improcedente o pedido do
autor, não havendo possibilidade de reposição da situação no seu estado anterior,
deve o autor indenizar o réu pelos prejuízos sofridos.
1.3.2 Tutela Antecipatória Inibitória
O advento do artigo 461 e seguintes afetou sobremaneira o sistema
processual civil.
Anteriormente com várias raízes fincadas na tríplice: conhecimento,
execução e cautelar, no qual a execução baseava-se principalmente em
ressarcimento, em especial nos casos de obrigações de fazer e não fazer, às quais,
na maioria das vezes, convertiam-se em perdas e danos, face à demora da
prestação e efetivação da tutela. O ingresso na esfera jurídica da parte contrária se
dava essencialmente após a prolação da sentença e seu trânsito em julgado.
Com efeito, o artigo 461 do Código de Processo Civil trata da tutela das
obrigações de fazer e não fazer, que pode ser específica ou mediante providências,
que assegurem resultado prático equivalente ao adimplemento.
A tutela inibitória é cabível quando se deseja conservar a integridade
do direito, evitando assim uma degradação, isto é, visa prevenir, ou impedir a
prática, ou a continuidade de um ilícito, garantindo a essência do direito em si.
Nos argumentos de Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart:
As novas situações substanciais evidenciaram a necessidade de se
tutelar apenas contra o ato contrário ao direito, e, assim, contra o
ilícito que prescinde da sua normal conseqüência, isto é, o fato
danoso. Basta lembrar que o Estado constitucional tem o dever de
editar normas proibidoras ou impositivas de condutas capazes de,
respectivamente, produzir ou impedir danos aos direitos
fundamentais. Para que os direitos protegidos por estas normas
sejam efetivamente protegidos, é imprescindível a tutela jurisdicional
contra o ato contrário ao direito que deixou efeitos concretos que se
propagam no tempo, como, por exemplo, o despejo de lixo tóxico
em local proibido pela legislação ambiental, ou a exposição à venda
de produto com composição afirmada nociva por norma de proteção
32
a saúde. O mesmo ocorre em relação a outras normas que, por
exemplo, protegem contra a concorrência desleal ou contra a
usurpação de direito de marca ou de patente de invenção.27
A tutela inibitória é prestada por meio de ação de conhecimento, e não
se liga instrumentalmente a nenhuma ação que possa ser dita principal. Trata-se de
ação de conhecimento de natureza preventiva, destinada a impedir a prática,
repetição ou a continuação do ilícito.
A sua importância deriva do fato de que constitui ação de
conhecimento que efetivamente pode inibir o ilícito. Sendo conseqüência necessária
do novo perfil do Estado e das novas situações de direito substancial. Ou seja, a sua
estruturação, ainda que dependente de teorização adequada, tem relação com as
novas regras jurídicas, de conteúdo preventivo, bem como a necessidade de se
conferir verdadeira tutela preventiva aos direitos, especialmente de conteúdo não
patrimonial.
Quanto aos pressupostos para concessão da tutela inibitória, a
exigência é mais amena com relação à verossimilhança e ao perigo de dano. Luiz
Guilherme Marinoni diferencia os pressupostos considerando a natureza das tutelas
pleiteadas:
A tutela antecipatória inibitória não tem como pressuposto um
‘fundado receio de dano’. A tutela antecipatória inibitória, justamente
por que visa prevenir o ilícito, tem como pressuposto, ‘um justificado
receio’ de que o ilícito seja praticado (ou que seja repetido ou
continuado) antes do trânsito em julgado. Frise-se que o ‘justificado
receio’ não é dano; o justificado receio é de que o ilícito seja
praticado ou possa prosseguir ou se repetir.28
Luiz Gustavo Tardin compartilha do mesmo entendimento:
Frise-se, nas ações inibitórias não há de se falar em dano. O que
ações dessa natureza visam é prevenir o ilícito ou sua continuação,
independente do dano. Pouco importa para as ações inibitórias a
ocorrência e a demonstração do dano, tampouco cabe ao juiz
perguntar sobre ele. Além disso, não se perquire dolo ou culpa em
ações dessa natureza.29
27
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo Cautelar. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2008. p. 71.
28
MARINONI, Luiz Guilherme. A Antecipação de Tutela. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2006. p. 137.
29
TARDIN, Luiz Gustavo. Fungibilidade das Tutelas de Urgência. São Paulo: Revista dos tribunais,
2006. p. 56.
33
1.3.2.1 Modalidades de tutela antecipatória inibitória e a sua prática processual
A tutela inibitória pode ser de duas formas, quais sejam: a negativa e a
positiva. No primeiro caso, o direito visa o que ocorre na maioria dos casos – evitar a
prática, repetição ou a continuação de uma conduta comissiva, e já no caso da
positiva esta terá aplicação quando se teme uma omissão, ou mesmo a sua
reiteração ou repetição.
Tanto na positiva, quanto na negativa, a tutela poderá surgir antes da
prática do ilícito, oportunidade em que irá impedir que o ilícito seja consumado, ou
poderá surgir após a prática do mesmo, quando incidirá sobre a repetição, isto é,
impedirá a sua continuidade.
Em nosso ordenamento jurídico a tutela inibitória está inserida nos
artigos 461 do Código de Processo Civil e 84 do Código de Defesa do Consumidor,
que rezam:
Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer
ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou
determinará providência que assegure o resultado prático
equivalente ao do adimplemento.
Neste mesmo dispositivo é concedida ao juiz a possibilidade de
concessão da medida inibitória sob pena de multa, e inclusive em sede de tutela
antecipada, oferecendo assim aos operadores do direito os instrumentos capazes de
garantir a prestação da tutela inibitória efetiva e adequada.
1.3.2.2 Tutela de remoção do ilícito
Se a ação inibitória se destina a impedir a prática, a repetição ou a
continuação do ilícito, como o próprio nome indica, a tutela de remoção do ilícito,
dirige-se a remover os efeitos de uma ação ilícita que já ocorreu.
A prática de ato contrário ao direito, como é óbvio, já é suficiente para
colocar o processo civil em funcionamento, dando-lhe a possibilidade de remover o
34
ilícito e, assim, de tutelar adequadamente os direitos e de realizar o desejo
preventivo do direito material.
Assim se manifesta Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart:
A tutela de remoção do ilícito é posterior à prática do ato ilícito. Ela
não inibe o ilícito. Ela se dirige contra o ilícito, independentemente
de o ilícito ter, ou não, provocado dano. Tal tutela objetiva remover
ou eliminar os efeitos concretos do ilícito, isto é, a causa do dano;
não visa ao ressarcimento pelo dano. No caso de tutela de remoção
do ilícito, é suficiente a transgressão de um comando jurídico, pouco
importando se o interesse privado tutelado pela norma foi
efetivamente lesado ou se ocorreu um dano.30
Assim, como a ação inibitória, a ação de remoção do ilícito é
decorrência do próprio direito material, especialmente das normas que estabelecem
condutas de não fazer para proteger os direitos.
Determinadas situações, quando contrárias a certos direitos, devem ser
removidas. Porém, a evidência da necessidade da remoção do ilícito está na
necessidade de se dar efetividade às normas de direito material que, objetivando a
prevenção, proíbem certas condutas.
30
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo Cautelar. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2008. p.77.
35
2 TUTELA CAUTELAR X TUTELA ANTECIPADA
A tutela antecipatória e a tutela cautelar, ambas previstas em nosso
ordenamento jurídico e espécie do gênero tutela de urgência, apesar de
apresentarem algumas características similares, não devem ser confundidas, pois
são institutos com finalidade nitidamente diversa.
2.1 ASPECTOS COMUNS
A urgência é o maior ponto de afinidade entre as medidas cautelares e
antecipatórias, devido ao perigo na demora.
A tutela antecipada destina-se a adiantar o mérito e a cautelar
assegura o resultado útil do processo.
Porém, as duas tutelas possuem a urgência em seu procedimento,
buscando a proteção do bem litigioso.
Mesmo havendo entendimento dominante de que a tutela antecipada e
tutela cautelar não se confundem, existem, entre esses dois institutos, alguns
aspectos comuns, como será abordado a seguir.
2.1.1 Garantir o Acesso à Ordem Jurídica Justa
O réu sem razão não pode encontrar no processo um mecanismo
eficaz a protelar indefinidamente o adimplemento da obrigação.
A existência do perigo e a perspectiva de demora na prestação da
tutela cognitiva criou a necessidade, cada vez maior, de se invocar as chamadas
tutelas de urgência, como meio de aceleração processual, mas atendendo os
direitos fundamentais envolvidos em sua concessão.
36
A respeito do assunto, Fernanda Ruiz Tomazoni apresenta a seguinte
posição:
Sobre esse ponto, importante notar que, quando se trata de tutelas
de urgência, conflitam direitos fundamentais: direito à efetividade do
processo (acesso à justiça) versus segurança jurídica (cognição
plena e exauriente antes da condenação, independente de sua
natureza). O que se tem, entretanto, é que por vezes esse segundo
direito é sacrificado quando se verificam os requisitos autorizadores
da concessão das tutelas de urgência. 31
O fator tempo é um dos obstáculos a serem transpostos a fim de obter
um efetivo acesso à justiça, que é garantido como direito fundamental nos mais
diversos ordenamentos jurídicos.
A finalidade comum entre a tutela cautelar e a tutela antecipada é
garantir o pleno exercício do direito de ação, visto hoje não como a oferta de meios
para ingressar em juízo, mas sim como o acesso à ordem jurídica justa, sendo
aquela que oferece ao titular do direito material todas as condições para o pleno
exercício do seu direito.
Por intermédio dos provimentos cautelares e antecipatórios, impede-se
que o tempo ameace ou lese o exercício de direitos no plano fático.
Ao imprimir efetividade à atividade judicial, as tutelas cautelar e
antecipada, cumprem a missão constitucional de garantir o acesso do cidadão ao
processo civil de resultados.
Cada uma delas, com as suas especificidades, busca criar condições
concretas, isto é, fora do plano do processo, de imunização de ameaças. Seja
quando o Estado-juiz apenas imuniza a ameaça pura e simplesmente (impede a
reprodução de matéria jornalística ofensiva à honra ou à imagem de alguém, por
exemplo) – campo tradicionalmente ocupado pela tutela cautelar – seja quando o
Estado-juiz, para evitar que a ameaça se transforme em lesão, autoriza a fruição
imediata de determinado bem jurídico (permite a internação de pessoa portadora de
doença grave que necessite ser internada com urgência e não consiga obter
autorização do seu plano de saúde, por exemplo) – espaço usualmente ocupado
pela chamada tutela antecipada.
31
TOMAZONI, Fernanda Ruiz. Tutelas de Urgência: (IR) Reversibilidade. Curitiba: Juruá, 2007. p.
27.
37
Como lembra João Antonio Lima Castro:
A eficácia da tutela jurisdicional está intimamente relacionada não só
com o desenvolvimento em concreto do instrumento pelo qual opera
(entenda-se existência de um processo formalmente concebido),
mas principalmente com os resultados necessários obtidos,
portanto, com os mecanismos adequados às exigências das
relações materiais, ou seja, pode-se afirmar que visa a efetividade
dos resultados pretendidos. 32
Independentemente da medida de urgência a ser tomada, isto é, seja
visando garantir a utilidade de outro processo, no caso da tutela cautelar; ou
entregando ao autor antecipadamente o próprio bem jurídico, com a tutela
antecipatória, as providências exercem a mesma função de assegurar um processo
dotado de efetividade, que ao final, tenha o condão de produzir resultados práticos.
2.1.2 Cognição Sumária
A constante busca pela efetividade e instrumentalidade torna a técnica
da cognição sumária de extrema relevância para o processo civil atualmente.
Qualquer das tutelas urgentes é concedida sob cognição não exauriente, sendo um
elemento comum a ambas, que tem como função impedir que o tempo comprometa
a efetividade do processo.
As tutelas de urgência – sejam do tipo cautelar ou antecipatória –
apresentam uma característica que lhes é peculiar, qual seja, a sumarização
procedimental. Este recurso consiste na redução do lapso destinado ao
conseguimento da providência jurisdicional, emitida em forma de liminar inaudita
altera parte ou após justificação prévia, mas, em qualquer caso, sempre norteada
por uma cognição sumária.
O que torna a sumariedade uma característica inamovível no
oferecimento da tutela jurisdicional de urgência é que nesta, a prestação há de ser
pronta e imediata, sob pena de perder a sua própria eficácia, diante da possibilidade
de grave dano, prejuízo irreparável ou de difícil reparação.
32
CASTRO, João Antônio Lima. Direito Processual: Enfoque Constitucional, Coletânea de
Artigos. Belo Horizonte: PUC Minas, Instituto de Educação Continuada, 2008. p. 49.
38
O juiz, ao apreciar requerimento de tutela antecipada ou cautelar, não
possui o compromisso de exaurir a análise das afirmações de fato para concluir se o
requerente possui ou não o direito alegado. Pode ele, se conformar com uma
alegação verossímil. A urgência da situação autoriza o não aprofundamento.
A
cognição
sumária
se
caracteriza
por
ser
superficial.
Em
conseqüência dessa superficialidade é que se diz buscar com tal cognição um juízo
de probabilidade e de verossimilhança.
Na cognição sumária, o juiz decide sempre em termos do que é
plausível, razão pela qual jamais o direito é tutelado de forma definitiva.
O conhecimento sumário se reduz a análise das provas escritas, que
instruem a peça inicial, e/ou testemunhais, produzidas em audiência de justificação,
unilateralmente, suficientemente capazes de respaldar um juízo preliminar,
provisório ou temporário, visando assegurar a utilidade e eficácia do provimento
definitivo.
As tutelas de urgência buscam fundamento na provável existência do
direito que constituirá, ou já constitui, objeto do processo de cognição plena.
Sobre o assunto Luiz Gustavo Tardin lembra que:
Com base nos documentos juntados na petição inicial de uma ação
cautelar ou de conhecimento, bem como na oitiva de testemunhas e
depoimento da parte realizada em uma audiência de justificação,
estará o juiz autorizado a proferir decisão regulando provisoriamente
a lide ou garantindo meios para assegurar a utilidade prática do
processo. Importa registrar que o juízo de probabilidade, típico da
técnica de cognição sumária, não reclama o contraditório. Logo, a
decisão proferida com base em cognição sumária convive
harmonicamente com a ausência momentânea do contraditório.
Este, após, será resgatado.33
Sendo assim, há casos em que não se justifica a cognição plena e
exauriente dos fatos constitutivos do direito material afirmado, pois o objetivo de
atuação da regra de pacificação pode ser alcançado com menos atividade, menor
esforço e com maior rapidez.
33
TARDIN, Luiz Gustavo. Fungibilidade das Tutelas de Urgência. São Paulo: Revista dos tribunais,
2006. p. 81-82.
39
2.1.3 Provisoriedade
Outro ponto relevante é a provisoriedade, pois os dois institutos são
provisórios, razão pela qual sua duração é limitada no tempo, porém a tutela
antecipada tende a se tornar definitiva.
A provisoriedade é a conseqüência imediata da sumariedade das
tutelas de urgência: cautelar e antecipada.
Por se tratar de medida provisória, não definitiva, ainda que tenha
satisfeito o direito do demandante, como no caso da tutela antecipada, estará sujeita
ao juízo de retratação por parte de seu prolator.
É facultativa a revogação, invalidação total, modificação ou alteração
de alguns pontos da medida, dependendo dos fatos novos que têm o condão de
alterar a convicção do juiz, ou seja, novas provas apresentadas pelo réu, tão ou
mais convincentes do que as apresentadas pelo autor.
Conforme explica Luiz Gustavo Tardin:
A doutrina costuma intitular a tutela antecipada como provisória e a
tutela cautelar como temporária. Assim, as medidas cautelares
seriam caracterizadas pela sua temporariedade, ao passo que as
antecipatórias pela provisoriedade. De início, para a doutrina que
prima pela distinção, o curial é fazer a conceituação do que vem a
ser provisório e temporário. Provisório é aquilo que existe até que
venha a ser substituído por outra coisa com caráter de definitividade.
O estado de provisoriedade se conserva, mas agora com caráter
definitivo. Há, portanto, uma identidade de estado fático entre o
provisório e o definitivo. Temporário, por seu turno, é aquilo que tem
duração limitada no tempo. O conteúdo do provimento temporário,
cuja duração é limitada, não se confunde com o conteúdo do
provimento definitivo, como ocorre nos provimentos provisórios.34
Com isso, entende-se que temporário é, simplesmente, aquilo que não
dura para sempre, aquilo que, independentemente da superveniência de outro
evento, tem por si mesmo duração limitada. Provisório equivale a interino: ambas as
expressões representam aquilo que é estabelecido para durar somente aquele
tempo intermediário que precede o evento esperado.
34
TARDIN, Luiz Gustavo. Fungibilidade das Tutelas de Urgência. São Paulo: Revista dos tribunais,
2006. p. 84.
40
Como elemento integrante das tutelas de urgência, a provisoriedade ou
a temporariedade significam a não definitividade da providência judicial concedida, a
qual dependerá sempre de uma sentença de mérito cautelar ou de uma sentença de
mérito propriamente dita, isto é, a que decide a respeito da pretensão de direito
material articulada na petição inaugural, proferida em processo principal ou no
próprio feito, se nele ocorreu a concessão ou a denegação da medida, que a
confirme ou revogue.
2.2 TRAÇOS DISTINTIVOS
A reforma processual, ao identificar alguns pontos de estrangulamento
que concorrem para demora da prestação jurisdicional, deu sua contribuição,
inserindo no artigo 273 do Código de Processo Civil a tutela antecipatória com o
objetivo de evitar, durante o decorrer processual, lesões a um direito, ante a
cognição plena e exaustiva, onde a prova é ampla e demorada.
Com isso, houve a necessidade de se traçar uma diferenciação entre a
nova tutela e a tutela cautelar. Os doutrinadores, em sua grande maioria, fazem
distinções entre esses dois tipos de tutela de urgência; cumpre-nos então ressaltar
algumas delas.
2.2.1 Conservação e Satisfatividade
De início, pode-se observar que a tutela cautelar é preventiva, tendo como
função única e específica garantir o resultado útil do processo principal, de
modo que não decide o mérito da lide, não podendo influir nessa decisão. Já
a tutela antecipada realiza de imediato a pretensão, não se limitando a
assegurar a viabilidade da realização do direito afirmado como a cautelar,
mas satisfazendo esse direito, embora em caráter provisório.
41
A tutela cautelar tem como características a instrumentalidade, a referibilidade
a um processo principal e a dependência, que não estão presentes na tutela
antecipada, já que esta encontra-se dentro do processo principal.
A cautelar é uma ação, com todas as características desta, é autônoma,
pressupõe a existência das condições da ação, possui custas, termina com
uma sentença, da qual cabe recurso ordinário; pode ser intentada antes
mesmo de existir um processo principal e forma novos autos. A antecipação
da tutela se dá mediante uma simples decisão interlocutória que resolve um
incidente processual, não se formando autos apartados e, dessa decisão
cabe agravo.
A antecipação de tutela abrangerá extensa área, antes ocupada pela
chamada tutela cautelar inominada, normalmente de cunho satisfativo. Assim,
houve, portanto, o enfraquecimento do processo cautelar, e uma ampliação
da tutela jurídica para tornar mais eficaz e adequada a tutela jurisdicional, por
que a tutela cautelar típica também sofrerá desfalque. É inegável que a tutela
antecipatória prevista no artigo 273 do CPC, não se confunde com liminares
possessórias, nem tampouco com as medidas cautelares. Seu escopo é
emprestar eficácia executiva, provisória, ao provimento judicial proferido em
qualquer fase do processo, diferentemente das cautelares, as quais visam
salvaguardar os efeitos do provimento final.
2.2.2 Diferença de Pressupostos
A tutela cautelar tem como pressupostos específicos o fumus boni juris e o
periculum in mora. São dois requisitos de suma importância à sua
caracterização, que compreendem a probabilidade do direito material alegado
realmente existir e o fundado receio de que uma parte, antes do julgamento
da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação, de modo
que haja risco de ineficácia da futura tutela jurídica; enquanto que na tutela
antecipatória, a probabilidade de existência do direito material é mais forte
42
que a mera plausibilidade desse direito, que na prática reside no próprio
direito ao processo principal e na simples aparência de que poder-se-á dele
sair vencedor, estando contidos nesse contexto a verossimilhança e a prova
inequívoca dos fatos alegados pelo autor (ou o réu na reconvenção). Além
dessa, abriga ainda a hipótese de abuso de direito de defesa e de manifesto
propósito protelatório do réu, independente da existência de perigo na demora
da prestação definitiva.
A antecipação da tutela deve ser provocada pela parte, e, portanto, não pode
ser concedida de ofício. No caso das cautelares, como já dito, além de poder
ser provocada pela parte há também a possibilidade da concessão das
mesmas ex officio ante o poder geral de cautela do juiz.
A tutela antecipada não pode ser concedida se houver perigo de
irreversibilidade dos efeitos práticos do provimento.
A instrumentalidade, referibilidade e a dependência constituem característica
da tutela cautelar. Não se exige a reversibilidade que é atributo da tutela
antecipada.
Assim, como ação autônoma, a cautelar pode ocorrer na execução, sob a
forma de incidente ou mesmo de forma preparatória e a tutela antecipada só
ocorre no processo de conhecimento.
2.2.3 Efeitos
A decisão que antecipa a tutela antecipa os efeitos do provimento, nunca,
porém, o julgamento, o mérito. Já as cautelares são decididas por sentença,
mas como já se viu, também não decide sobre o mérito, por isso essa
sentença não fará coisa julgada material, só formal, logo, poderá ou não ser
revogada ou modificada pelo juiz. Como já visto anteriormente, apenas no
43
caso de se acolher a prescrição ou decadência é que pode a cautelar fazer
coisa julgada material.
A tutela antecipada concedida não pode ser mais ampla, nem de natureza
diversa da tutela definitiva. Deve respeitar os limites subjetivos e objetivos da
demanda. O objeto cujo gozo se antecipará não pode ser qualitativamente
diferente, nem quantitativamente maior do que àquele que foi pedido na
inicial. O objeto deve guardar correlação entre o provimento e a demanda. A
antecipação da tutela tem a mesma natureza da decisão definitiva, incidindo
sobre todo ou parte do objeto da lide, pois seu caráter é satisfativo, logo,
incide o direito à tutela específica, sendo que o que ficará a cargo do juiz é
apenas a escolha dos atos que se mostrem mais adequados. No que
concerne à cautelar, não deve ter ela a mesma natureza que a tutela do
processo principal, não deve ter o mesmo objeto para não ter caráter
satisfativo, concedendo justamente aquilo que se pede, inclusive não incide o
direito à tutela específica. Também encontramos na cautelar, no princípio da
fungibilidade, a possibilidade de modificação das medidas, pela qual pode o
juiz determinar concretamente qual a medida mais adequada ao caso, de
sorte que o requerente não pode exigir a que pediu se aquela diversa que o
juiz determinou assegurar a eficácia do processo principal, pois o requerente
não tem, como no processo principal, o direito subjetivo a uma prestação
determinada, não há o direito a uma tutela específica. Esse princípio da
fungibilidade está fundamentado no art. 805 do CPC, que prevê a
possibilidade de substituição de ofício ou a requerimento da parte, da medida
cautelar por outra menos gravosa para o requerido.
Essas são as diferenças básicas, mas relevante é ter em vista que a
cautelar visa a assegurar a efetividade do resultado final do processo principal,
enquanto que a antecipação dos efeitos da tutela incide sobre o próprio direito
pleiteado satisfazendo-o provisoriamente. Bastando isso para delimitar o campo de
uma e de outra, pois nesta o que se busca não é a mera preservação da situação
através da conservação de bens, provas e mesmo da proteção de pessoas, mas a
satisfação do próprio direito pleiteado.
44
3 IMPLICAÇÕES NA ORDEM JURÍDICA
3.1 A SEGUNDA REFORMA DO CPC E A FUNGIBILIDADE ENTRE AS TUTELAS
DE URGÊNCIA
O Código de Processo Civil desde seu advento, em 1973, vem sendo
objeto de polêmicas discussões alimentadas pelas novas idéias doutrinárias e pela
necessidade de adequação às novas exigências da sociedade moderna.
Depois da reforma processual de 1994, que introduziu o regime
generalizado da antecipação dos efeitos da tutela, a Comissão Revisora, agora
dirigida pelos Ministros Sálvio Figueiredo Teixeira e Athos Gusmão Carneiro, em
prosseguimento ao trabalho iniciado e, atenta aos problemas de praxe forense,
resolveu introduzir novas reformas. As Leis 10.352 e 10.356 de 2001 e a Lei 10.444
de 2002 integram a chamada Segunda Reforma do Código de Processo Civil, ou
ainda, a Reforma da Reforma.
Com a promulgação da Lei 10.444/02, o art. 273 do Código de
Processo Civil, além do acréscimo de dois parágrafos, teve sua redação modificada
em um dos seus parágrafos anteriores.
Importa principalmente ao presente estudo a redação atribuída ao
parágrafo 7º da referida disposição legal:
§ 7º Se o autor, a título de antecipação dos efeitos da tutela,
requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando
presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em
caráter incidental do processo ajuizado.
Na exposição de motivos do anteprojeto nº 13, que foi objeto da Lei
10.444 de 2002, ao tratar da norma supracitada, os Ministros Sálvio Figueiredo
Teixeira e Athos Gusmão Carneiro justificaram sua inclusão no ordenamento
processual civil em razão do princípio da economia processual, com a adoção da
fungibilidade procedimental entre as tutelas de urgência.
Porém, essa nova disposição legal causa na doutrina e nos tribunais
certa divergência, sendo a atual problemática das tutelas de urgência.
45
O acréscimo desse dispositivo foi motivado pela constante confusão
feita pelos operadores do direito entre os dois institutos: tutela antecipada e tutela
cautelar, o que prejudicava sobremaneira o direito pleiteado. Tais confusões tem
origem no fato de, até o advento da nova redação do artigo 273, a medida cautelar
ter sido utilizada como instrumento para concessão de tutela antecipatória, o que
desvirtuava sua natureza.
Assim, devido às confusões sobre qual procedimento de urgência
deveria adotar as partes, é que surge o § 7º do artigo 273 do Código de Processo
Civil, para tentar a princípio facilitar a cognição do magistrado e garantir a parte uma
tutela jurisdicional de urgência que venha satisfazer naquele momento a sua
pretensão. Agora, o juiz poderá adequar o pedido de antecipação de tutela feito pelo
autor, na ação de conhecimento, concedendo a tutela cautelar, liminarmente, desde
que presentes os pressupostos ensejadores do deferimento. Antes da reforma, a
tutela cautelar só podia ser concedida em processo autônomo, de forma preparatória
ou incidental, e era sempre dependente de uma ação principal, que poderia ser de
conhecimento ou de execução.
Embora possuam a mesma função, muitas eram as dúvidas quanto
aos requisitos de uma e de outra, uma vez que as suas interpretações se
confundem, por exemplo, quanto à exigência de prova inequívoca e da fumaça do
bom direito.
Na prática, o que tem ocorrido é que muitos operadores do direito,
ingressam em juízo com medidas cautelares inominadas pleiteando liminares para
obtenção de medida urgente, fundada em cognição sumária.
Todavia, mesmo em análise sumária percebe-se que a medida
almejada pelos advogados e pelas partes é, na essência, o pedido da ação principal.
Essa prática era legitimada por uma suposta omissão no sistema processual, que
não teria previsto a concessão de medidas reguladoras diversas das cautelares,
exceto nos casos especificamente previstos em Lei.
A generalização da antecipação dos efeitos da tutela, com a Lei
8.952/94, veio a suprir suposta omissão, inserida no processo de conhecimento,
possibilitando ao magistrado a concessão de medidas que antecipam os efeitos da
sentença.
Essa inovação legal, enquadrada em procedimento diverso daquele
destinado à tutela cautelar, foi fundamental para a consagração da doutrina e da
46
jurisprudência que defendiam e defendem a distinção total entre a tutela cautelar e a
antecipada. Quando requerida providência urgente de natureza cautelar, utilizandose o procedimento inadequado da antecipação de tutela, ou vice-versa, a
providência era negada e, às vezes, extinta a própria ação, por fundamentos
formais, sem exame do mérito. Isso gerava prejuízo aos litigantes, assim como
insegurança jurídica, normalmente por que existem casos em que a natureza da
medida pleiteada não se mostra evidente.
Vê-se que antes da reforma processual ocorrida em 2002, a
jurisprudência de diversos Tribunais, inclusive o Superior Tribunal de Justiça, se
deparou com situações, onde o argumento essencial para a denegação de pleitos
cautelares se fundou exclusivamente na satisfatividade da pretensão, conforme
demonstra abaixo:
PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO REGIMENTAL – PETIÇÃO
INICIAL – INDEFERIMENTO – MEDIDA CAUTELAR – TUTELA
ANTECIPADA – 1. Petição inicial indeferida sob o entendimento de
que a pretensão dita como cautelar tem, em seu núcleo, efeitos de
tutela antecipada. 2. Recurso especial intentado sem enfrentar os
pressupostos da medida cautelar e a convicção do julgador que
impôs o indeferimento. 3. Fundamentação do recurso que aponta
violação aos artigos 151, II, do CTN e 19 da Lei nº 8.870/94, bem
como do art. 9º, parágrafo 4º, da Lei nº 6.830/80. 4. Ausência de
pressupostos para a admissibilidade do recurso especial, haja vista
que a discussão está limitada, apenas, a saber se o pedido tem
feição cautelar ou de tutela antecipada, aspectos não enfrentados
pelos recorrentes. 5. Agravo regimental improvido.35
TRIBUTÁRIO.
COMPENSAÇÃO
DE
TRIBUTOS.
AÇÃO
CAUTELAR. INADMISSIBILIDADE. É inadequada a ação cautelar
para requerer compensação de tributos, tanto pela sua
satisfatividade, quanto pela ausência de demonstração de perigo na
demora, uma vez que a autoridade fazendária não pode impigir
constrição num direito que é futuro, qual seja o de compensar
créditos tributários inexistentes à época do ajuizamento da ação.36
Nesse contexto, a doutrina e a jurisprudência preocupada com a
instrumentalidade das formas e com a efetiva prestação jurisdicional, passaram a
admitir a fungibilidade entre essas medidas. O legislador, atento ao problema, optou
35
STJ. AGRESP 283217. RJ. 1ª T. Rel. Min. José Delgado. DJU 13.08.2001.
STJ. ERESP 183627. SP. 1ª Seção. Embargos de Divergência no Recurso Especial. Rel. Min.
Nancy Andrighi. DJU 10.05.2000.
36
47
por tornar expressa essa possibilidade. Esse é justamente o conteúdo do novo § 7º
do artigo 273 do CPC, introduzido pela Lei 10.444 de maio de 2002.
Assim, a fungibilidade entre as tutelas de urgência, tem-se, atualmente,
um novo dispositivo legal que regula a matéria. Porém, sua interpretação vem
gerando divergências doutrinárias e jurisprudenciais quanto ao seu alcance.
A questão é atual e importante, pois envolve não apenas regra
procedimental imprescindível à boa marcha do processo, como está diretamente
relacionada com aspectos constitucionais, atinentes à efetividade da prestação
jurisdicional.
3.2 A PROBLEMÁTICA INTERPRETAÇÃO DO § 7º DO ARTIGO 273 DO CPC
A fungibilidade entre a tutela cautelar e a tutela antecipada, prevista no
novel § 7º do artigo 273 do diploma processual civil pátrio, vem ocasionando na
doutrina e nos Tribunais interpretações diversas. Existe forte debate sobre a
possibilidade inversa, a de ser deferida medida antecipatória quando requerida via
processo cautelar, assim como se discute a concessão de medidas cautelares
nominadas nos autos do dito processo principal, além das questões procedimentais
decorrentes de sua aplicação. O problema é a amplitude de tal dispositivo, ou seja, a
possibilidade ou não da fungibilidade de mão dupla, se uma tutela pode ser
substituída pela outra sendo a recíproca verdadeira.
O ponto de partida para buscar entender a fungibilidade entre as
chamadas medidas de urgência repousa na premissa de que a interpretação jurídica
deve ser sistemática, isto é, deve visualizar o direito como um sistema integrado de
normas. Nesse sistema, a Constituição Federal e seus princípios representam o
norte orientador.
Da própria Constituição Federal surge o primeiro problema, pois nela
são consagrados certos direitos fundamentais a quem litiga em juízo, como a
efetividade da jurisdição e a segurança jurídica. Ocorre que, muitas vezes, o sistema
jurídico permite conflitos entre direitos fundamentais, por exemplo, a intimidade da
vida privada e a liberdade de informação jornalística. Na perspectiva da demora e da
segurança da decisão proferida ao final do processo, revela-se a tensão entre a
48
entrega efetiva e tempestiva da prestação jurisdicional, ou seja, a efetividade da
jurisdição; e a decisão justa e adequada do litígio com as garantias do contraditório,
da ampla defesa e da interposição de recursos, ou seja, a segurança jurídica.
O poder de decretar medidas provisórias ou o exercício da função
jurisdicional acautelatória, entendida de forma a englobar as várias espécies de
tutela provisória, entre elas a cautelar propriamente dita e a antecipatória, tem
justificativa em nossa Carta Maior como mecanismo capaz de harmonizar a tensão
entre direitos fundamentais assegurados a quem litiga em juízo. Essa legitimidade
constitucional da função acautelatória é o elemento de identidade entre a tutela
cautelar e a tutela antecipada, pois as medidas de urgência têm verdadeira função
constitucional de harmonização dos conflitos entre a efetividade da jurisdição e a
segurança jurídica, sendo razoável afirmar que são garantidoras de princípios
fundamentais.
Luiz Guilherme Marinoni assevera que a Constituição Federal, ao
prever que “nenhuma lei excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou
ameaça de lesão a direito”, acabou por garantir aos cidadãos, através do princípio
da inafastabilidade do controle judiciário, o acesso à justiça. Além disso, esse
acesso deve ser entendido não só como o direito de ingressar em juízo, mas sim,
como o direito do jurisdicionado receber a prestação da tutela justa, adequada e
tempestiva, através de procedimentos preordenados37.
Mas a problemática interpretação do § 7º do artigo 273 do Código de
Processo Civil não fica somente nas premissas constitucionais da tutela de urgência.
É fundamental ressaltar que o próprio instituto das tutelas urgentes ainda não foram
bem assimilados pela doutrina e pela jurisprudência. Não é preciso dizer que as
posições divergentes acabam por dificultar o trato dessa matéria.
Como referido, com o advento da antecipação de tutela, a doutrina
resolveu apartar os dois institutos, buscando conceitos técnicos capazes de
diferenciar totalmente as espécies de medidas de urgência: cautelar e antecipada.
Esse é mais um problema para interpretação do novel parágrafo.
A tutela cautelar e a tutela antecipada são espécies do mesmo gênero
e, como tal, devem ser tratadas da forma mais próxima possível.
37
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento e
Tutela Jurisdicional Através do Processo de Conhecimento. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2001. p. 50.
49
Cândido Rangel Dinamarco preocupado com a busca insistente pela
separação técnica entre as duas tutelas recomenda um tratamento semelhante para
elas, afastando, dessa forma, o rigor formal que impede a realização de direitos
urgentes.38
É interessante observar que, um dos mais importantes institutos
processuais, a antecipação de tutela, está regulamentado em apenas um artigo, com
dois incisos e sete parágrafos, enquanto a tutela cautelar, está prevista em um Livro
composto por 94 artigos e seus parágrafos. Conclui pela evidente disparidade de
tratamento, sendo, portanto, insuficiente a legislação destinada à tutela antecipada.
Importante dizer que o principal fundamento que a doutrina abraça
para distinguir as espécies de tutelas de urgência é justamente a afirmação de que a
primeira assegura uma pretensão, enquanto a outra realiza de imediato essa
pretensão.
Sendo assim, parte da doutrina vem se posicionando de maneira
negativa, aduzindo que o referido dispositivo não trouxe a possibilidade de
fungibilidade ampla, mas apenas em uma única via de direção, desde que presentes
os pressupostos, é claro, isto é, não está autorizado o juiz a conceder medida
antecipatória de tutela quando pleiteada medida de natureza cautelar.
Outra parte da doutrina segue a tese do “duplo sentido vetorial” que
defende a fungibilidade de mão dupla ocasionando a possibilidade de substituição
de um instituto pelo outro e vice-versa, também com a presença dos pressupostos
de uma ou de outra para a sua viabilização, o que leva ao raciocínio de que a
fungibilidade não pode ser aplicada em uma só mão de direção.
Luiz Gustavo Tardin afirma em sua obra:
Em relação à questão exposta, existem atualmente, duas
orientações firmadas. A primeira admite a fungibilidade apenas na
expressão da norma, ou seja, em mão única. Argumentam, em
resumo, que os pressupostos para concessão da tutela antecipada
são mais robustos do que os pressupostos das medidas cautelares.
Logo, a ser requerida providência cautelar não pode o magistrado,
concluindo pela satisfatividade da medida, conceder tutela
antecipada. A própria exposição de motivos justificaria esse
entendimento. A outra corrente, por sinal majoritária, admite a
38
DINAMARCO, Cândido Rangel. A Reforma da Reforma. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 9091.
50
chamada fungibilidade em mão dupla. Com a propositura de ação
cautelar e presente os pressupostos de antecipação de tutela, fica o
juiz, nessa concepção, autorizado a conceder a tutela antecipada
requerida sob rótulo cautelar.39
Apesar dos diferentes entendimentos, ambos concordam que: o § 7º
tem a qualidade de permitir, explicitamente, a obtenção de uma medida cautelar no
bojo do próprio processo principal, fato este que antes da reforma de 2002 não era
possível no sistema processual brasileiro, segundo a doutrina majoritária; e, o texto
prevê uma fungibilidade de pedidos e não de procedimentos.
Em relação ao primeiro item não há dificuldades, haja vista que o
dispositivo mencionado é explícito ao autorizar a adoção de uma medida cautelar no
próprio processo principal; contudo, o segundo, traz a tona questões que terão total
influência sobre a possibilidade ou não da fungibilidade ampla, uma vez que,
tratando-se de simples fungibilidade de pedidos, sem uma mudança ou conversão
do procedimento, a mesma não será possível.
Para os defensores da fungibilidade em uma única via de direção, o
raciocínio da fungibilidade de pedidos justifica apenas a possibilidade de ocorrência
da chamada fungibilidade regressiva, isto é, de antecipação de tutela para
providência cautelar. O contrário, ou seja, a fungibilidade progressiva não seria
possível, já que a mera fungibilidade de pedidos não explica como o juiz
recepcionará uma ação cautelar inominada incidental ou preparatória tal qual fosse
um pedido de antecipação de tutela sem substituir o procedimento cautelar utilizado
pela parte, pelo rito comum, ordinário ou sumário.
Já os defensores da fungibilidade de mão dupla defendem que, embora
a própria leitura do § 7º do artigo 273 dirija ao pensamento de que somente é
permitida a fungibilidade regressiva, ou seja, apreciar um pedido de tutela
antecipada como cautelar, a boa doutrina e a jurisprudência, já vem entendendo a
possibilidade também de se admitir o contrário, a saber, a fungibilidade progressiva.
Ademais, analisando o texto da lei, verifica-se a inexistência de
ressalvas ou condições para a aplicação da fungibilidade: a lei somente observou o
preenchimento dos respectivos requisitos.
39
TARDIN, Luiz Gustavo. Fungibilidade das Tutelas de Urgência. São Paulo: Revista dos tribunais,
2006. p. 171.
51
3.3 CASOS PARA APLICAÇÃO DA FUNGIBILIDADE ENTRE AS TUTELAS DE
URGÊNCIA
Esse ponto é de suma importância, pois nele, procura-se identificar
como o magistrado pode proceder em face das situações processuais decorrentes
da fungibilidade entre as tutelas de urgência. Para isso, cabe identificar quais são
essas situações: medida cautelar requerida incidentalmente como antecipação de
tutela e medida antecipatória requerida em processo cautelar preparatório ou
incidental.
Pode-se dizer que, para parte da doutrina, a fungibilidade entre as
tutelas de urgência também segue os requisitos da fungibilidade recursal que era
previsto no artigo 810 do CPC de 1939 e, apesar de não haver previsão expressa no
atual Código de Processo Civil, a doutrina e a jurisprudência admite sua aplicação,
sendo eles: a inexistência de erro grosseiro ou má-fé e, a dúvida objetiva, isto é,
dúvida plausível sobre qual a medida cabível.
Porém, não seria essa a melhor alternativa, uma vez que, alguns
doutrinadores não admitem o requisito negativo da má-fé, tendo em vista a extrema
dificuldade para fixar os contornos e pressupostos caracterizadores da mesma.
Esses juristas afirmam que os requisitos para a aplicação da fungibilidade nos
recursos são a dúvida objetiva e a inexistência de erro grosseiro.
Segundo João Antonio Lima Castro:
Daí pode-se concluir que não seria possível a concessão, mediante
aplicação da fungibilidade, de medida cautelar típica, uma vez que o
sistema legal é expresso sobre as suas hipóteses de cabimento,
seus requisitos específicos e seu procedimento a ser adotado.40
De certo há de analisar que o objeto da inovação legislativa é o de
aproveitar pedido incidental articulado equivocadamente pela parte, evitando seu
indeferimento de plano, preservando, assim, a segurança do bem da vida litigioso ou
a incolumidade do próprio processo.
40
CASTRO, João Antônio Lima. Direito Processual: Enfoque Constitucional, Coletânea de
Artigos. Belo Horizonte: PUC Minas, Instituto de Educação Continuada, 2008. p. 60.
52
Restringe, portanto, a aplicação da fungibilidade apenas nos casos em
que as circunstâncias demonstrem uma verdadeira “zona cinzenta”.
O fundamento principal para a fungibilidade entre as tutelas de
urgência é o fato de que o jurisdicionado não pode ser prejudicado por questões de
formalismo.
3.3.1 Medida Cautelar Requerida como Antecipação de Tutela
Essa hipótese é justamente a prevista na Lei 10.444/2002. Se antes a
jurisprudência já admitia a fungibilidade, a lei agora consagrou sua aplicação.
Entretanto, a doutrina continua a divergir quanto ao procedimento a ser adotado.
A interpretação literal do mencionado dispositivo legal leva a crer que a
medida cautelar deve ser concedida, desde que preenchidos os respectivos
requisitos, e processadas nos próprios autos do processo principal.
Resolverá o assunto tal como resolveria um pedido de antecipação de
tutela, ou seja, nos próprios autos no que difere do procedimento das medidas
cautelares.
Misael Montenegro Filho expressa em sua obra que:
O pedido de antecipação de tutela é satisfativo, objetivando venha o
autor a conviver com os efeitos da sentença antes mesmo de esta
ser prolatada. Na hipótese de o autor ingressar com a ação de
conhecimento com pleito de tutela antecipada, quando seria a
hipótese de pedido liminar situado no âmbito de ação cautelar, por
força do § 7º do art. 273 do CPC, pode o magistrado conhecer do
pedido como se estivesse diante de uma cautelar incidental.
Evidente, nesse caso, que o autor pretende obter medida preventiva
(e não satisfativa), não tendo preenchido os requisitos da
antecipação de tutela, mas os requisitos menores, a saber: fumus
boni iuris e periculum in mora. O juiz apreciará a pretensão do autor
nos próprios autos.41
41
MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de Direito Processual Civil: Medidas de Urgência,
Tutela Antecipada e Ação Cautelar, Procedimentos Especiais. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2006.p.7273.
53
Certamente que esse procedimento está em conformidade com a
economia processual, sem, contudo, deixar de servir como instrumento para a
efetiva, adequada e tempestiva tutela jurisdicional.
Por fim, cumpre atender ao atual estado de espírito da tutela de
urgência.
Diante
da
larga
discussão
em
sede
doutrinária,
dos
diversos
entendimentos jurisprudenciais e da legislação positiva em vigor, conclui-se que o
procedimento a ser seguido, pelo menos por enquanto, deve ser uma opção da
parte. Se o requerente entender que o melhor é pleitear medida cautelar em
processo autônomo, que assim o faça; se preferir, todavia, pleiteá-la incidentalmente
ao processo ajuizado, não existe óbice.
3.3.2 Medida Antecipatória Requerida em Processo Cautelar
Esse é o ponto mais polêmico dessa nova produção legislativa: a
aceitação, ou não, de fungibilidade na hipótese inversa, isto é, se pode ser deferida
medida antecipatória requerida sob a veste cautelar, seja preparatória, seja
incidental. Tudo isso por que a lei não expressou claramente o limite da
fungibilidade, não disse que poderia, tampouco que não.
Arruda Alvim lidera os juristas que entendem ser inviável a chamada
hipótese inversa, sendo a fungibilidade via de uma mão só. Afirma que a lei não
autorizou esse procedimento, apenas prevê uma forma de fungibilidade, no caso da
parte requerer inadequadamente providência cautelar sob a veste de antecipação de
tutela, nos próprios autos do processo principal e desde que preenchidos os
respectivos requisitos. Fundamenta que a hipótese inversa importaria em conceder o
mais tendo sido pedido o menos.42
Isso se deve por que os requisitos para a concessão da tutela
antecipada necessitam de grau maior de densidade do que os requisitos da tutela
cautelar. Esses requisitos são ontologicamente e fundamentalmente os mesmos,
mas a verossimilhança necessária para a medida antecipatória requer grau mais
42
ALVIM, Arruda. Notas Sobre a Disciplina da Antecipação da Tutela na Lei 10.444 de 07 de
maio de 2002. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p.107.
54
intenso, uma exigência maior de certeza sobre o direito do que o fumus boni iuris da
tutela cautelar.
Em sentido contrário, Humberto Teodoro Júnior lembra bem que
ambas as tutelas integram a um só gênero, o das tutelas de urgência e, no caso do
magistrado se ater ao rigor técnico classificatório, corre-se o risco de indeferir
medida de urgência somente por uma questão de ordem formal prejudicando o
litigante na efetividade do processo.43
Para os juristas dessa linha, as razões de ordem formal não devem
obstar que a parte obtenha a seu favor provimento cujo sentido e função sejam o de
gerar condições à plena eficácia da providência jurisdicional pleiteada. Sem
desrespeitar posição em contrário, preferem optar pela assertiva de que questões
meramente terminológicas e procedimentais não devem impedir o reconhecimento
do direito, principalmente porque não se consegue identificar profundas diferenças
entre a tutela conservativa e a antecipatória, mesmo entre as típicas, pois podem ser
substituídas por outras, nominadas ou não, conforme o caso. O próprio legislador,
ao positivar medidas notadamente antecipatórias no Livro III destinado ao processo
cautelar, acabou por ignorar supostas diferenças entre as duas tutelas de urgência,
na época não existia tal separação.
Alcides Munhoz da Cunha assim se manifesta:
Desde logo cabe adiantar que a ideologia instrumentalista não
se compadece com formalismos estéreis. As fórmulas cautelar
conservativa e cautelar antecipatória, ou ainda, (que seja!)
medida cautelar e medida antecipatória, não foram
suficientemente assimiladas, compreendidas, distinguidas ou
aproximadas pela doutrina e jurisprudência. Exatamente por
isso as imprecisões conceituais não deveriam turbar a
efetividade dessas tutelas de urgência; pois não se pode
objetivamente considerar como erro grosseiro as questões que
são objeto de divergências atuais na doutrina e na
jurisprudência. Não obstante, a preocupação em demonstrar a
adesão a essa ou aquela concepção tem motivado a negativa
de tutela adequada às situações de urgência.44
43
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Processo de Execução e
Cumprimento de Sentença, Processo Cautelar e Tutela de Urgência. 39. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2006. p. 666.
44
CUNHA, Alcides Munhoz da. Comentários ao Código de Processo Civil: Do Processo Cautelar,
arts. 796 a 812. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 335.
55
O legislador, ao consagrar a fungibilidade procedimental entre as
tutelas de urgência, objetiva alcançar o princípio da economia processual. Caso seja
negada a chamada via de mão dupla ou hipótese inversa, não seria alcançada a
economia processual. Apenas causaria mais transtornos ao litigante que espera
providência urgente, tudo em razão de questões formais.
Sobre o assunto, Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart
apresenta a seguinte posição:
Frise-se, não obstante, que o § 7º do artigo 273, ao admitir a
confusão entre as tutelas cautelar e antecipatória, sublinha a
distinção entre ambas. Isto por uma razão de lógica elementar:
somente coisas distintas podem ser confundidas. Com efeito, o § 7º
do artigo 273 não supõe a identidade entre tutela cautelar e tutela
antecipatória. Tal norma, partindo do pressuposto de que, em alguns
casos, pode haver confusão entre as tutelas cautelar e antecipatória,
deseja apenas ressalvar a possibilidade de se conceder tutela
urgente no processo de conhecimento, nos casos em que houver
dúvida fundada e razoável quanto a sua natureza (antecipatória ou
cautelar).45
Humberto Theodoro Júnior complementa:
O que não pode deixar de ser observado é o atendimento dos
pressupostos justificadores da providência de urgência. Assim,
mesmo que veiculado o pedido, por via procedimental imprópria, o
exame de sua admissibilidade terá de levar em conta não o
procedimento eleito mas a natureza mesma da medida. Se, por
exemplo, se requereu medida satisfativa dentro do procedimento
próprio da ação cautelar atípica, o provimento preventivo somente
será deferido se presentes os requisitos do artigo 273, e não apenas
os do artigo 798 do CPC.46
Seguindo o mesmo raciocínio, João Antonio Lima Castro apresenta seu
entendimento:
Não obstante a importante discussão mencionada, conclui-se que a
inovação visa a segurança das garantias constitucionais através da
efetividade da tutela jurisdicional. Entretanto, o dispositivo não pode
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento e
Tutela Jurisdicional Através do Processo de Conhecimento. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2001. p. 69.
46
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Processo de Execução e
Cumprimento de Sentença, Processo Cautelar e Tutela de Urgência. 39. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2006. p. 667.
45
56
ser usado como meio fraudulento, para conversibilidade da
antecipação de tutela em cautelar, onde os requisitos para sua
concessão são muito menos intensos, sob pena de se jogar por
terra toda evolução do processo civil em criar e consagrar as suas
duas espécies de tutela de urgência, uma de cunho conservativo e
outra de cunho satisfativo, bem como de um retorno às incertezas já
solucionadas, incentivando o uso da cautelar satisfativa.47
Elucidando melhor o tema, o jurista Fredie Didier Júnior, vai mais além,
ao defender além da fungibilidade em duplo sentido vetorial, ou seja, também a
fungibilidade progressiva, defende a possibilidade de aplicação, no caso concreto,
do disposto no artigo 295, V, do Código de Processo Civil48, isto é, verificando a
possibilidade de concessão da tutela antecipada em troca da cautelar, converte-se o
procedimento para o rito comum, intimando-se o autor para que emende a peça
inicial.
Assim é o entendimento desse jurista:
Se a parte requerer medida antecipatória/satisfativa via processo
cautelar, e o magistrado entender que os requisitos da tutela
antecipada estão preenchidos, deve ele conceder a medida, desde
que determine a conversão do procedimento para o rito comum
(ordinário ou sumário, conforme seja), intimando o autor para que
proceda, se assim o desejar ou for necessário, às devidas
adaptações em sua petição inicial, antes da citação do réu. Essa
medida pode ser tomada de ofício, com base no artigo 295, V, do
CPC. Em hipótese alguma deve determinar a extinção do feito, sob
a absurda rubrica da ausência de interesse de agir. A
conversibilidade do procedimento é uma das maiores manifestações
do princípio da instrumentalidade das formas, e não pode ser
olvidada. Trata-se, aqui, de adaptação da fungibilidade dos
provimentos de urgência, junto com uma adaptação procedimental:
acaso requerida uma medida antecipatória pelo procedimento
equivocado (cautelar), corrige-o o juiz – em situação contrária, como
49
visto, não é necessária essa conversão procedimental.
47
CASTRO, João Antônio Lima. Direito Processual: Enfoque Constitucional, Coletânea de
Artigos. Belo Horizonte: PUC Minas, Instituto de Educação Continuada, 2008. p. 63.
48
Art. 295. A petição inicial será indeferida:
I – ...
V – quando o tipo de procedimento, escolhido pelo autor, não corresponder à natureza da causa ou
ao valor da ação; caso em que só não será indeferida, se puder adaptar-se ao tipo de procedimento
legal.
49
JORGE, Flávio Cheim; DIDIER JÚNIOR, Fredie; RODRIGUES, Marcelo Abelha. A Nova Reforma
Processual. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 92.
57
3.4 A EXTINÇÃO APARENTE DO PROCESSO CAUTELAR
Após a redação da Lei nº 8.952 de 13 de dezembro de 1994, que criou
o instituto da tutela antecipada, tem-se dito e discutido que as medidas cautelares
não poderiam satisfazer um interesse plausível, pois essa satisfação implicaria
realização antecipada do próprio direito subjetivo.
Assim é que, se eventualmente, através da função cautelar se
antecipava efeitos, a medida cautelar estaria, a princípio, invadindo função do
processo principal, por que satisfazia a pretensão material do autor. Todavia, essa
usurpação seria tolerável juridicamente, por parte de alguns magistrados, porque o
ordenamento não previa formas de sumarização do direito subjetivo.
Na inexistência de tutela antecipada no procedimento comum, o
cotidiano forense admitia o manuseio da ação cautelar para fazer às vezes da
medida antecipatória, ou seja, alguns juízes, ciente da insuficiência do ordenamento
jurídico de então, aceitava a ação como cautelar, mas por necessidade, devido à
situação jurídica de uma época.
Desta forma, a tutela cautelar acabava exercendo uma função residual,
aceitável em face do regime da cautelaridade.
No entanto, após a inserção dos artigos 273 e 461 no CPC a prática
passou a ser repudiada, em virtude da existência de mecanismo adequado. Logo,
ocorreu uma purificação do processo cautelar.
Dessa forma, a sistematização da tutela antecipada, especialmente
após as alterações advindas por meio da Lei Nº 10.444/02, serviu para potencializar
os questionamentos a respeito da utilidade das medidas cautelares.
O advento da tutela antecipada, postulada na ação de conhecimento,
nos moldes do artigo 273 do Código de Processo Civil, eliminou o poder geral de
cautela do juiz e enfraqueceu o processo cautelar de sua importante função
assecuratória.
Eliminou o poder geral de cautela do juiz por que ele estava adstrito a
conceder a medida cautelar atípica, e uma vez verificados três requisitos, quais
sejam: ausência de medida cautelar típica que se revele adequada para a hipótese
deduzida em juízo, fumus boni iuris e periculum in mora. Hoje não há mais
necessidade de ingressar em juízo com cautelar atípica.
58
O processo cautelar esvaziou-se. O principal argumento para tal
posicionamento diz respeito à efetividade do provimento prestado, de forma que a
antecipação de tutela se prestaria melhor para tanto.
Fala-se muito em falência do processo cautelar, ele está previsto no
Código de Processo Civil, continua lá, mas perdeu sua razão de existir.
Aparentemente foi extinto, pois é muito mais conveniente, cômodo e barato utilizar a
antecipação da tutela. Não há porquê ajuizar demanda autônoma, cuja finalidade
pode ser perfeitamente alcançada nos próprios autos da demanda principal, de
forma cognitiva, caso fosse proposto como tutela antecipada.
Para os defensores da tutela cautelar, a sobrevivência da mesma se
faz indispensável em virtude de que, na antecipação de tutela há congruência entre
o seu objeto e o pedido principal, devendo, desta forma, ser demonstrada a
verossimilhança inequivocamente, enquanto que, no provimento cautelar não se
exige tanto. Ou seja, não haveria razões para se descaracterizar o instituto, uma vez
que, para as hipóteses em que se busca apenas a segurança de um direito, o qual
não coincida com a pretensão final, a medida cautelar autônoma e instrumental
servirá perfeitamente ao resultado esperado, tornando eficaz o pleito principal.
Inobstante as discussões acerca do tema, não há que se negar que o
processo cautelar começou a perder espaço com a reforma de 1994, que introduziu
a antecipação de tutela no ordenamento jurídico brasileiro, principalmente quanto às
chamadas ações cautelares inominadas, previstas no artigo 798 do CPC, as quais
serviam de instrumento para obter qualquer tutela de urgência não prevista
expressamente entre as cautelares típicas. A imensa redução na utilização de tais
medidas se deu porque, na sua maioria, possuíam natureza antecipatória, ou seja,
passaram a sujeitar-se não mais ao regime de ação autônoma, mas sim ao previsto
no artigo 273, podendo, desta forma, ser obtidas no próprio processo de
conhecimento.
Além disso, urge inferir que a previsão da fungibilidade das tutelas de
urgência no § 7º do artigo 273 veio, praticamente, mitigar a aplicabilidade do
processo cautelar na atividade jurisdicional e tornou mais consistente a tese
favorável a perda da utilidade de sua função assecuratória.
Sendo assim, cumpre ao magistrado, com lastro na instrumentalidade,
na efetividade do processo e na fungibilidade que tem sua razão de ser na
59
realização efetiva dos direitos, conhecer do pedido segundo a sua natureza jurídica
em função da essência do que é postulado e não pelo rótulo que vem externado.
As ementas abaixo transcritas confirmam tal posicionamento:
DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO CAUTELAR
PREPARATÓRIA DE SUSTAÇÃO DE PROTESTO. Desconstituição
da sentença que extinguiu o processo com força no art. 267, inciso I,
c/c o art. 295, inciso V, ambos do CPC, sob o fundamento de que
medida cautelar é incabível para os casos de antecipação de tutela.
A Lei nº 10.444, de 07/05/2002, introduziu o par. 7º, no art. 273, do
CPC, criando regra de fungibilidade processual recíproca entre
medidas cautelares e tutelas antecipatórias, observados os
requisitos que lhes são respectivos, deste modo consolidando
orientação jurisprudencial que rejeitava a sacralização das formas
processuais, evitava a criação de estado de perplexidade jurídica
para o jurisdicionado e afirmar que o processo judicial não é um fim
em si mesmo. Apelo provido. Sentença desconstituída.50
CAUTELAR. SUSTAÇÃO DE PROTESTO. POSSIBILIDADE.
Ensina a doutrina à relatividade da distinção entre a antecipação da
tutela de conhecimento e a tutela cautelar. Nada obsta a apreciação
da providência buscada pelo autor em ação cautelar preparatória,
não obstante pudesse ter sido pleiteada na ação revisional, como
antecipação de tutela. Sentença desconstituída. Apelação provida.51
Essa parece a solução ideal, pelo menos enquanto não for revisado o
processo cautelar e sua utilização, momento oportuno para as mudanças nas leis
vigentes, adequando o gênero das tutelas de urgência ao contexto em que vivemos.
Restará ao processo cautelar autônomo duas únicas utilidades, quais
sejam: como ação cautelar incidental, conforme o art. 800 do CPC, tendo em vista a
necessária estabilização da demanda acautelada, que já fora ajuizada, e também
como forma de não tumultuar o processo com o novo requerimento e, nas hipóteses
em que a ação cautelar é daquelas que dispensam o ajuizamento da ação principal,
exatamente por que não se trata de medida cautelar, por exemplo exibição e
caução; ou porque não se trata de medida cautelar constritiva como a produção
antecipada de provas.
50
TJRS. Apelação Cível nº 70004267977. 14ª Câmara Cível. Relator: Aymoré Roque Pottes de Mello.
Julgado em 12/09/2002.
51
TJRS. Apelação Cível nº 70000454371. 13ª Câmara Cível. Relator: Des. Márcio Borges Fortes.
Julgado em 16/12/1999.
60
Inclusive, já há um Projeto de Lei no Senado Federal Nº 186 de 2005
para modificar os §§ 4º e 5º do art. 273 e acrescentar os arts. 273-A, 273-B, 273-C e
273-D ao Código de Processo Civil, com a finalidade de permitir a estabilização da
tutela antecipada. O referido Projeto de Lei traz as seguintes disposições:
Art. 273 ...
§ 4º A tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada,
fundamentadamente, enquanto não se produza a preclusão da
decisão que a concedeu (§ 1º do art. 273-B e art. 273-C).
§ 5º Na hipótese do inciso I deste artigo, o juiz só concederá a tutela
antecipada sem ouvir a parte contrária em caso de extrema urgência
ou quando verificar que o réu, citado, poderá torna-la ineficaz.
Art. 273-A A antecipação de tutela poderá ser requerida em
procedimento antecedente ou na pendência do processo.
Art. 273-B Aplicam-se ao procedimento previsto no art. 273-A, no
que couber, as disposições do Livro III, Título Único, Capítulo I deste
Código.
§ 1º Preclusa a decisão que concedeu a tutela antecipada, é
facultado, no prazo de 60 (sessenta) dias:
a) ao réu, propor demanda que vise à sentença de mérito;
b) ao autor, em caso de antecipação parcial, propor demanda que
vise à satisfação integral da pretensão.
§ 2º Não intentada a ação, a medida antecipatória adquirirá força de
coisa julgada nos limites da decisão proferida.
Art. 273-C Preclusa a decisão que concedeu a tutela antecipada no
curso do processo, é facultado à parte interessada requerer seu
prosseguimento, no prazo de 30 (trinta) dias, objetivando o
julgamento de mérito.
Parágrafo Único. Não pleiteado o prosseguimento do processo, a
medida antecipatória adquirirá força de coisa julgada nos limites da
decisão proferida.
Art. 273-D Proposta a demanda (§ 1º do art. 273-B) ou retomado o
curso do processo (art. 273-C), sua eventual extinção, sem
julgamento do mérito, não ocasionará a ineficácia da medida
antecipatória, ressalvada a carência da ação, se incompatíveis as
decisões.
Se o Projeto de Lei 186/2005 for aprovado vai agravar ainda mais a
situação do Processo Cautelar, isso por que a proposta de estabilização da tutela
antecipada procura, em síntese, tornar definitivo e suficiente o comando
estabelecido por ocasião da decisão antecipatória. Não importa se se trata de
antecipação total ou parcial.
O que se pretende, por razões de ordem prática – mas não destituídas
de embasamento teórico – é deixar que as próprias partes decidam sobre a
conveniência, ou não, da instauração ou do prosseguimento da demanda. Pois, a
61
tutela antecipada poderá ser requerida em processos pendentes ou em processos
antecedentes.
Se o ponto definido na decisão antecipatória é o que as partes
efetivamente pretendiam e deixam isso claro por meio de atitude omissiva
consistente em não propor a demanda posterior que vise à sentença de mérito (em
se tratando de antecipação em procedimento antecedente) ou em não requerer o
prosseguimento do processo (quando a antecipação é concedida no curso deste),
tem-se por solucionado o conflito existente entre as partes.
A continuidade do processo (processos pendentes) deve dar-se no
prazo de 30 dias e a demanda posterior (processos antecedentes) deve dar-se no
prazo de 60 dias e, tanto o autor (antecipação parcial) como o réu (antecipação total)
pode requerer a continuidade ou a demanda posterior processual, visando a
cognição exauriente. Caso não seja requerida a continuidade ou instaurada a nova
relação processual nos prazos referidos, a decisão que antecipou a tutela torna-se-á
definitiva com o selo da coisa julgada.
Enquanto essa lei não é aprovada, a tutela de urgência não deve ser
restringida, deve sim, ser interpretada de forma extensiva, de forma a possibilitar o
alcance dos princípios constitucionalmente consagrados, como a garantia do acesso
à ordem jurídica justa e à prestação efetiva, adequada e tempestiva da jurisdição
constitucional.
Porém,
ressalte-se
que
qualquer
liminar,
salvo
em
casos
excepcionalíssimos em que se deve fazer incidir o princípio da proporcionalidade,
devem gerar alterações no mundo jurídico passíveis de serem revertidas. Isto por
que é preciso estar atento aos riscos e prejuízos que serão ocasionados em razão
de tal concessão.
62
CONCLUSÃO
O bom funcionamento da justiça é de interesse público difuso, eis que
afeta os cidadãos em sua totalidade. Em razão disto, o Poder Judiciário deve ser
dinâmico e ágil por que através destas características constrói-se uma sociedade
justa e igualitária, protegendo a democracia e o estado de direito.
A responsabilidade social do judiciário somente é efetiva quando há
uma estrutura capaz de minimizar a morosidade da prestação jurisdicional.
Visando esse objetivo, o Processo Civil moderno encontra-se em
evidente processo de desburocratização, ou seja, há um consenso na doutrina e nos
legisladores de que o processo é um instrumento para a aquisição ou proteção de
um direito e não um fim em si mesmo.
Com isso, várias mudanças foram feitas na legislação processual,
todas com vista a proteger o bem tutelado que se encontra em risco, não se
importando, para tanto, com maiores rigores formalísticos, como exemplo tem-se a
utilização de tutela cautelar satisfativa, o que discrepa frontalmente da função
cautelar.
Se outrora eram toleradas, ante a reforma do Código de Processo Civil,
operada em meados da década passada e que instituiu a antecipação de tutela,
deixou de ser lícita a utilização de tal expediente. No entanto, vê-se todos os dias
ingressarem em juízo, ainda hoje, cautelares de cunho nitidamente satisfativo,
espaço este que deveria estar sendo ocupado pela antecipação dos efeitos da
tutela, prevista no artigo 273 do Código de Processo Civil.
A gravidade do problema é percebida mais claramente quando
observa-se que os requisitos para a obtenção da antecipação dos efeitos da tutela
no processo de conhecimento são mais rígidos do que o juízo de verossimilhança
requerido pela tutela cautelar. Logo, a utilização da cautelar satisfativa implica, em
última análise, burlar a lei. Os efeitos da tutela pretendida só podem ser outorgados
após cognição plena e exauriente, enquanto a cautelar representa uma forma de
sumarização por excelência, portanto uma forma de tutela incompatível com a
antecipação de efeitos correspondentes aos buscados no processo acautelado.
Porém, com o objetivo de amenizar o problema, o legislador positivou
no § 7º do artigo 273 do Código de Processo Civil, a fungibilidade entre as tutelas de
63
urgência, que representa uma manifestação do princípio da instrumentalidade das
formas. É irrelevante para a efetiva prestação da tutela jurisdicional se a providência
pleiteada é nominada tutela antecipada ou tutela cautelar. Em todos os casos, deve
o magistrado analisar o pedido, com o cuidado de examinar os pressupostos
específicos de cada medida, concedendo-a, se preenchidos os requisitos.
O que justifica a menção das chamadas tutela cautelar e tutela
antecipada é que, em ambas, o elemento constante, que legitima a pronta e
imediata, até mesmo, enérgica atuação do Estado-juiz, é a urgência, isto é, a
necessidade de atuação jurisdicional antes da consumação do dano. As duas visam
afastar uma situação de risco. Mas de forma distinta. Na tutela antecipada, pela
satisfação antecipada do direito do autor, em caráter provisório; na tutela cautelar,
pela tomada de providências acautelatórias que afastam o perigo.
De fato, é inquestionável a vocação do processo cautelar a operar
somente no campo do direito processual, gerando efeitos indiretos no campo do
direito material. Se a um dos litigantes, for permitido com mera verossimilhança obter
uma liminar na tutela cautelar, não irá ocupar-se em produzir prova inequívoca para
obter a tutela antecipada.
Sendo assim, o processo cautelar tende a desaparecer, pois a
concessão de medidas cautelares no curso do próprio processo ajuizado,
conhecimento ou execução, parece ser o caminho mais prático e econômico.
Mesmo assim, enquanto a lei que regulamenta as tutelas de urgência não é objeto
de profunda revisão, entende-se que a parte pode optar entre o requerimento de
medida acautelatória nos autos do processo principal ou a instauração de processo
autônomo.
Por fim, percebe-se que as tutelas de urgência no Brasil tiveram uma
sensível melhora pela introdução do § 7º ao artigo 273, porém, não sendo um marco
final.
Mostra-se
conveniente
uma
reestruturação
total
dos
procedimentos
antecipados – antecipação de tutela e tutela cautelar – através de um livro único que
regule a matéria, evitando assim interpretações divergentes sobre expedientes tão
necessários aos operadores do direito.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALVIM, Arruda. Notas Sobre a Disciplina da Antecipação da Tutela na Lei 10.444
de 07 de maio de 2002. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
BUENO, Cássio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil:
Teoria Geral do Direito Processual Civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 4. ed. Rio de
Janeiro: Lúmen Júris, 2002.
CARNEIRO, Athos Gusmão. Da Antecipação de Tutela. 3. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2002.
CASTRO, João Antonio Lima. Direito Processual: Enfoque Constitucional,
Coletânea de Artigos. Belo Horizonte: PUC Minas, Instituto de Educação
Continuada, 2008.
CUNHA, Alcides Munhoz da. Comentários ao Código de Processo Civil: Do
Processo Cautelar, arts. 796 a 812. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.
DINAMARCO, Cândido Rangel. A Reforma da Reforma. 3. ed. São Paulo:
Malheiros, 2002.
FERREIRA, Pinto. Medidas Cautelares. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1990.
GONÇALVES, Marcus Vinícius Rios. Novo Curso de Direito Processual Civil:
Execução e Processo Cautelar. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
JORGE, Flávio Cheim; DIDIER JÚNIOR, Fredie; RODRIGUES, Marcelo Abelha. A
Nova Reforma Processual. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.
MACHADO, Antonio Cláudio da Costa. Código de Processo Civil Interpretado:
Artigo por Artigo, Parágrafo por Parágrafo. 6. ed. São Paulo: Manole, 2007.
MARINONI, Luiz Guilherme. A Antecipação da Tutela. 9. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2006.
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de
Conhecimento e Tutela Jurisdicional Através do Processo de Conhecimento.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo Cautelar. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de Direito Processual Civil: Medidas de
Urgência, Tutela Antecipada e Ação Cautelar, Procedimentos Especiais. 3. ed.
São Paulo: Atlas, 2006.
ORIONE NETO, Luiz. Liminares no Processo Civil e Legislação Processual Civil
Extravagante. 2. ed. São Paulo: Lejus, 2000.
SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de Direito Processual Civil: Execução e
Processo Cautelar. 11. ed. São Paulo: 2007.
SANTOS, Ozéias j. Tutela Jurisdicional Antecipada: Teoria, Legislação,
Jurisprudência e Prática. São Paulo: LED, 2000.
TARDIN, Luiz Gustavo. Fungibilidade das Tutelas de Urgência. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2006.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Processo de
Execução e Cumprimento de Sentença, Processo Cautelar e Tutela de
Urgência. 39. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006.
TOMAZONI, Fernanda Ruiz. Tutelas de Urgência: (IR) Reversibilidade. Curitiba:
Juruá, 2007.
Download

CLESIANE LUCAS DOS SANTOS TUTELA ANTECIPADA