CLESIANE LUCAS DOS SANTOS TUTELA ANTECIPADA X TUTELA CAUTELAR: implicações na ordem jurídica Monografia para obtenção do grau de bacharel em Direito, apresentada à Faculdade de Direito, Ciências Administrativas e Econômicas da Universidade Vale do Rio Doce. Orientadora: Rosemeire Pereira da Silva Governador Valadares 2009 CLESIANE LUCAS DOS SANTOS TUTELA ANTECIPADA X TUTELA CAUTELAR: implicações na ordem jurídica Monografia apresentada como requisito para obtenção do grau de bacharel em Direito pela Faculdade de Direito, Ciências Administrativas e Econômicas da Universidade Vale do Rio Doce. Governador Valadares, 21 de março de 2009. Banca Examinadora: -----------------------------------------------------------------Rosemeire Pereira da Silva Professora Orientadora -----------------------------------------------------------------Lissandra Lopes Celho Rocha Professora Convidada -----------------------------------------------------------------Ronald Amaral Júnior Professor Convidado Aos meus pais, Fideles e Maria dos Anjos, dedico este trabalho. Vocês me ensinaram a descobrir o valor da disciplina, da persistência e da responsabilidade, indispensáveis para a construção do meu projeto de vida. Ao meu noivo Amilton, por ser uma pessoa admirável que sempre me impulsionou a buscar os meus sonhos e por ter aceito se privar de minha companhia pelos estudos, concedendo a mim a oportunidade de me realizar ainda mais. A meus irmãos e suas famílias pela força nessa longa caminhada. AGRADECIMENTOS Agradeço, primeiramente, a Deus, pela inteligência que me permite discernir o justo do injusto. Aos meus amados pais, Fideles e Maria dos Anjos, pelo amor e pela lição de vida, simplicidade e honestidade. Ao meu querido noivo, Amilton, pelo encorajamento, ajuda, dedicação, paciência e carinho, que sempre me incentivou ao longo dessa trajetória. Aos meus irmãos, Clésio e Clesiní, e à minha cunhada Vanessa, que torceram pelo meu sucesso. Aos meus sobrinhos lindos, Samara e Cauã, simplesmente por fazerem parte da minha história de vida. Aos meus amigos, em especial, a minha amiga Daise, companheira em todos os momentos, pela diversão, pelo aprendizado, pela convivência e pela amizade. À professora e orientadora, Rose Pereira, tenho muito a agradecer, não só pela dedicada orientação e pela paciência, mas pelo incentivo na realização do trabalho; A todos os professores do curso de direito que contribuíram na minha formação pessoal e no meu crescimento profissional. “Quando amamos e acreditamos do fundo de nossa alma, em algo, nos sentimos mais fortes que o mundo, e somos tomados de uma serenidade que vem da certeza de que nada poderá vencer a nossa fé. Esta força estranha faz com que sempre tomemos a decisão certa, na hora exata e, quando atingimos nossos objetivos ficamos surpresos com nossa própria capacidade”. (Paulo Coelho) RESUMO As tutelas de urgência são compostas pela tutela cautelar, prevista no art. 798 e seguintes; e a tutela antecipada, prevista no art. 273, todos do Código de Processo Civil. Ambas com finalidade preventiva para afastar a iminência de risco de dano. As tutelas em apreço têm fundamento constitucional. Estão ligadas às garantias fundamentais asseguradas pela Constituição Federal a quem litiga em juízo. O indivíduo deve contar com instrumentos adequados para obtenção de seu direito. Possuem características próprias, às quais são objeto de discussão em capítulos específicos. O estudo particularizado das mesmas permite fixar melhor a identidade dos institutos, bem como as características que as distanciam. A tutela cautelar visa proteger o processo com vistas a garantir a utilidade e eficácia do provimento final. A tutela antecipada objetiva tutelar o direito reclamado, esta antecipa os efeitos práticos da sentença. Nesse sentido, a primeira prioriza a prevenção do dano ao processo, a segunda, ao direito propriamente dito. Essa estreita relação entre as tutelas cautelar e antecipada é objeto de estudo do presente trabalho que pontua suas semelhanças e diferenças. Conclui demonstrando as alterações legislativas em torno do art. 273 do Código de Processo Civil, analisando a fungibilidade do § 7º, bem como a extinção aparente das medidas cautelares diante da fungibilidade das tutelas antecipadas. Palavras-chave: Tutelas de Urgência. Cautelar. Antecipada. Fungibilidade. Implicações Jurídicas. ABSTRACT The responsibilities of urgency are composed by guardianship, provided in article 798 et seq. and the early guardianship, in article 273, all of the code of civil procedure. Both with preventive objective to remove the risk of imminence spittlebug. They have constitutional basis. They are regarding bedding guarantees provided by Federal Constitution which is in judgment. The person must have appropriated instruments for his/her own rights. The person has characteristics which are object of discussion by specific chapters. The detailed study of them allows to memorize better the identity of the institutes, as well as the characteristics that far apart. Protection precautionary aims to protect the process aimed at ensuring the usefulness and efficiency of the contested final decision. The early guardianship of the right is claimed, it anticipates the effects and information of the sentence. Accordingly the first one prioritizes the prevention of the damage to the process, the second, the right itself. This close connection between the responsibilities of caution and the advance caution is the subject of this work, points out that there are similarities and disagreement. Concludes demonstrating the legislative changes about article 273 of the code of civil procedure, reviewing the fungibility of & - 7, as well as the apparent extinction precautionary measures on trading of early guardianship. KEYWORDS: Responsabilities of urgencia. Interim. Advance. Fungibility. Legal Implications. SUMÁRIO INTRODUÇÃO...........................................................................................................10 1 TUTELAS DE URGÊNCIA......................................................................................12 1.1 LIMINAR...............................................................................................................15 1.2 TUTELA CAUTELAR............................................................................................16 1.2.1 Pressupostos para Concessão da Tutela Cautelar......................................19 1.2.1.1 Fumus boni iuris.............................................................................................19 1.2.1.2 Periculum in mora...........................................................................................21 1.2.2 Poder Geral de Cautela...................................................................................22 1.3 TUTELA ANTECIPADA........................................................................................24 1.3.1 Pressupostos para Concessão da Tutela Antecipada.................................25 1.3.1.1 Requerimento da parte...................................................................................26 1.3.1.2 Prova inequívoca............................................................................................27 1.3.1.3 Verossimilhança da alegação.........................................................................27 1.3.1.4 Fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação..........................28 1.3.1.5 Abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu.........29 1.3.1.6 Reversibilidade da situação fática alterada com a tutela antecipada.............30 1.3.2 Tutela Antecipatória Inibitória........................................................................31 1.3.2.1 Modalidades de tutela antecipatória inibitória e a sua prática processual.....33 1.3.2.2 Tutela de remoção do ilícito...........................................................................33 2 TUTELA CAUTELAR X TUTELA ANTECIPADA..................................................35 2.1 ASPECTOS COMUNS.........................................................................................35 2.1.1 Garantir o Acesso a Ordem Jurídica Justa...................................................35 2.1.2 Cognição Sumária...........................................................................................37 2.1.3 Provisoriedade.................................................................................................39 2.2 TRAÇOS DISTINTIVOS.......................................................................................40 2.2.1 Conservação e Satisfatividade.......................................................................40 2.2.2 Diferença de Pressupostos............................................................................41 2.2.3 Efeitos...............................................................................................................42 3 IMPLICAÇÕES NA ORDEM JURÍDICA.................................................................44 3.1 A SEGUNDA REFORMA DO CPC E A FUNGIBILIDADE ENTRE AS TUTELAS DE URGÊNCIA...........................................................................................................44 3.2 A PROBLEMÁTICA INTERPRETAÇÃO DO § 7º DO ART. 273 DO CPC...........47 3.3 CASOS PARA APLICAÇÃO DA FUNGIBILIDADE ENTRE AS TUTELAS DE URGÊNCIA.................................................................................................................51 3.3.1 Medida Cautelar Requerida como Antecipação de Tutela..........................52 3.3.2 Medida Antecipatória Requerida em Processo Cautelar.............................53 3.4 A EXTINÇÃO APARENTE DO PROCESSO CAUTELAR...................................57 CONCLUSÃO............................................................................................................62 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................................64 10 INTRODUÇÃO O presente estudo tem por finalidade analisar as medidas de urgência, que representam providências tomadas antes do desfecho natural e definitivo do processo, para afastar situações graves de risco de dano à efetividade do processo ou prejuízos que decorrem da sua inevitável demora e que ameaçam consumar-se antes da prestação jurisdicional definitiva. Contra esse tipo de risco de dano, é inoperante o procedimento comum, visto que tem, antes do provimento de mérito, de cumprir o contraditório e propiciar a ampla defesa. Sabe-se que o direito de ação decorre da instituição da função jurisdicional do estado, exercida tipicamente pelo Poder Judiciário. É esse poder que irá desenvolver, intermediar e solucionar os conflitos, objetivando a aplicação concreta da lei aos casos apresentados, buscando assim, alguma pacificação social. Ocorre, entretanto, que o exercício desse direito de ação, que envolve necessariamente a relação triangular das partes e do juízo, está atrelado a diversos fatores que interferem na velocidade do processo tornando-o mais lento. Esses fatores são traduzidos na grande quantidade de recursos, no formalismo exacerbado, na falta de funcionários, na dilação procedimental de alguns ritos e outros fatores que acabam influenciando na eficácia do provimento final. Sendo assim, o trânsito vagaroso do processo comum vinha causando danos permanentes ao demandante que, ao fim de um longo e moroso processo, via seu direito reconhecido de forma tardia: perdido no tempo. Algo precisaria ser criado visando à proteção aos direitos postos à discussão perante o Judiciário. E é neste cenário que surgem as tutelas de urgência, que são providências de ritos diferenciados, mais ágeis e aptos a tornar o objeto da ação íntegro até a decisão final, divididos hoje na legislação brasileira, após a reforma advinda da Lei nº 8.952/1994, em duas modalidades: a tutela cautelar e a tutela antecipada. Tais tutelas, tendem a favorecer o pólo ativo da relação processual, por isso, é indispensável a cautela no seu uso para evitar violação do necessário tratamento isonômico entre as partes litigantes. 11 O tema será exposto de forma clara, precisa e de entendimento imediato, sendo apresentado em três capítulos, com suas respectivas seções, além das considerações finais e o rol das referências bibliográficas. O primeiro capítulo apresenta um breve histórico sobre as tutelas de urgência, realçando separadamente as características de cada instituto. No capítulo subsequente faz-se um paralelo entre a tutela cautelar e a tutela antecipada, demonstrando os seus aspectos comuns e os traços distintivos. Por sua vez, o último capítulo trabalhará o tema propriamente dito, analisando as implicações jurídicas, principalmente após o grande passo dado com a nova reforma processual de 2002, com a criação da Lei 10.444, na qual, dentre outras importantíssimas alterações, acrescentou o § 7º ao art. 273 do Código de Processo Civil que trata da fungibilidade entre as tutelas de urgência. Em especial caberá a abordagem sobre a utilidade da tutela cautelar após o advento da tutela antecipada e qual a finalidade de cada uma delas no contexto processual. No tocante à metodologia, a pesquisa desenvolveu-se com base em material nacional, compreendendo doutrina, legislação e jurisprudências. Explorou-se, portanto, o tipo de pesquisa bibliográfica. 12 1 TUTELAS DE URGÊNCIA É impossível a completa solução do conflito de interesses sem que medeie razoável espaço de tempo entre a formação do processo e a sentença final proferida pelo magistrado. Por isso, o Código de Processo Civil prevê a concessão de medidas de urgência quando houver uma situação de risco ao provimento final decorrente da demora. Segundo Misael Montenegro Filho: percebemos que convivemos com dois primados antagônicos: de um lado a necessidade da rápida solução do conflito de interesses, sabido que justiça tardia é sinônimo de injustiça; de outro lado, a necessidade de que sejam observados requisitos formais de validade do processo, de que ao réu sejam assegurados o contraditório e a ampla defesa em todos os seus contornos estruturais. A ordem de coisas reclama que o magistrado aja com equilíbrio, de modo a garantir a entrega da prestação jurisdicional no tempo certo, nem antes nem depois dele.1 Ambas - a tutela cautelar e a tutela antecipada - são as medidas de urgência que vêm sendo adotadas pelo legislador para o alcance de um processo de resultados, visando afastar uma situação de risco. Sobre o assunto dispõe Humberto Theodoro Júnior: Ora, tanto na tutela cautelar como na antecipatória, a parte pede uma providência urgente para fugir das conseqüências indesejáveis do perigo de dano enquanto pende o processo de solução de mérito. E o que distingue o procedimento de um e outro pedido de tutela de urgência é a circunstância formal de que o pedido cautelar deve ser processado à parte do feito principal enquanto o pedido antecipatório se dá dentro do próprio processo de mérito.2 Uma das mais conhecidas e repetidas assertivas de todo aquele que invoca a tutela jurisdicional do Estado, para assegurar-lhe um direito de que julgue 1 MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de Direito Processual Civil: Medidas de Urgência, Tutela Antecipada e Ação Cautelar, Procedimentos Especiais. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 38. 2 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Processo de Execução e Cumprimento de Sentença, Processo Cautelar e Tutela de Urgência. 39. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 666. 13 merecedor, refere-se à demora dos ritos processuais que conduzem à solução da lide levada à apreciação judicial. A expectativa desse tempo, sabidamente longo, muitas vezes, leva o autor à autocomposição extrajudicial ou à renúncia, ou desistência, de sua pretensão resistida, desobrigando o Judiciário de mais essa causa, de mais esse processo. O processo reclama uma prática sequenciada de atos como: apresentação de petições, pronunciamentos judiciais em resposta, atuações de auxiliares da justiça, realização de audiências e outros, que reclama a observância de um tempo mínimo, afim de que todos os atos sejam praticados com perfeição de forma, e às partes sejam garantidas a aplicação de princípios constitucionais relevantes, destacando-se o contraditório, a ampla defesa, o juiz natural e a motivação das decisões judiciais. As medidas de urgência surgem pela necessidade de que o processo seja desburocratizado e que a forma exacerbada seja desprestigiada, permitindo-se o deferimento de cautelares e antecipações de tutelas, possibilitando ao autor obter determinada providência jurisdicional, seja acautelatória ou satisfativa. Na visão de Cássio Scarpinella Bueno: O que, para o momento presente da exposição, justifica a menção às chamadas tutela cautelar e tutela antecipada é que, em ambas, o elemento constante, que legitima a pronta e imediata, até mesmo, enérgica atuação do Estado-juiz, é a “urgência”, isto é, a necessidade de atuação jurisdicional antes da consumação do dano.3 A tutela cautelar foi o primeiro instituto voltado a amenizar potenciais prejuízos desse “sem fim” dos processos judiciais. Da idéia de existirem duas grandes formas de prestação definitiva da tutela jurisdicional, a cognição e a execução, surge o Processo Cautelar, como uma nova face da jurisdição contendo ao mesmo tempo as funções do processo de conhecimento e de execução. O seu elemento específico é a prevenção. A antecipação de tutela trata-se do mais recente instituto inserido no Código de Processo Civil, pela Lei nº 8.952/94, buscando também permitir que 3 BUENO, Cássio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil: Teoria Geral de Direito Processual Civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 283. 14 sejam adotadas precocemente decisões interlocutórias, igualmente provisórias e passíveis de revisão, tendentes a minorar, se não evitar, danos irreparáveis ditados pela demora na prolação da sentença. Sua aplicação é similar, nestes aspectos e somente nestes, ao caso até aqui discutido das ações cautelares, mas voltada somente às ações de conhecimento. Ocorre que, uma medida de urgência concedida, seja em caráter cautelar ou antecipatório, pode ser revista a qualquer tempo, não gerando a segurança jurídica almejada pela parte, tanto à que requereu, quanto à que sofreu. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso XXXV, assegura a todas as pessoas, como garantia fundamental, o direito de ação, ou melhor, o direito de acesso ao Poder Judiciário. A esse respeito explica Fernanda Ruiz Tomazoni: Além da possibilidade de concessão de medidas de urgência, o que se tem buscado é a sumarização do processo, novas técnicas para o alcance da cognição, a fim de não ferir princípios garantidos constitucionalmente, de forma a garantir a satisfação do direito pleiteado o mais rápido possível, tornando eficaz o provimento e evitando o perecimento do direito.4 O certo é que modificações ocorridas na sociedade, na medida do possível, devem ser acompanhadas pela ciência do direito, o que nem sempre ocorre na mesma velocidade em que tais modificações se dão. A criação, discussão e aprovação de novas leis que permitirão a adaptação do direito às necessidades da sociedade é demorada e, por vezes tardia. É insuficiente afirmar que a Constituição assegura o denominado direito abstrato ou incondicionado de ação. É preciso identificar o que isso efetivamente representa para o patrimônio jurídico da pessoa. Importante fixar que todos têm, independentemente de quaisquer condições pessoais, não a certeza ou a probabilidade de obter o reconhecimento de um direito mas, a possibilidade séria e real de contar com instrumentos adequados para alcançar esse objetivo. Significa, portanto, que a garantia constitucional de ação implica a existência da tutela jurisdicional adequada à proteção do direito demonstrado em sede processual. 4 TOMAZONI, Fernanda Ruiz. Tutelas de Urgência: (IR) Reversibilidade. Curitiba: Juruá, 2007. p. 25. 15 1.1 LIMINAR O processualista moderno está voltado cada vez mais para a necessidade de agilizar a prestação jurisdicional, daí porque a importância das tutelas de urgência, como a liminar, que vem sendo dia a dia enaltecida. Liminar trata-se de provimento jurisdicional através do qual se resguarda o resultado útil do processo ou se antecipa os efeitos da sentença, de maneira a evitar a ineficácia da tutela caso deferida no final da contenda. A rigor, liminar qualifica qualquer medida judicial tomada antes do debate contraditório do tema que constitui o objeto do processo, e nessa categoria entraria diversos procedimentos. Na realidade, a maioria dos autores nacionais advogam a tese de que liminar é uma medida cautelar, enquanto outros notáveis juristas negam essa natureza, afirmando que a liminar, a depender da urgência e da necessidade da tutela pretendida, pode se configurar em uma simples medida cautelar ou numa verdadeira antecipação do direito. Nas palavras de Humberto Theodoro Júnior: “Incorreta, portanto, a tentativa de confundir sempre a natureza das liminares com a das medidas cautelares”.5 A sua concessão está sujeita à presença conjunta de dois pressupostos básicos: a fumaça do bom direito e o perigo na demora da prestação jurisdicional. A liminar é um instituto autônomo, com seus contornos próprios e específicos. É frequentemente confundida com medida cautelar por causa de dois fatores: o primeiro, diz respeito ao fato de que a liminar, em determinadas situações, assume uma função cautelar; o segundo, refere-se à coincidência de grande parte das características das liminares com aquelas relativas às medidas cautelares. A diferença, entretanto, está no fato de que a liminar pode apresentar uma natureza cautelar, mas não tem necessariamente esta natureza. 5 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Processo de Execução e Cumprimento de Sentença, Processo Cautelar e Tutela de Urgência. 39. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 660. 16 Assim explica Luiz Orione Neto: As medidas cautelares somente podem ser deferidas pelo juiz dentro de uma ação cautelar. As liminares, ao revés, podem ser concedidas nos mais variegados tipos de ação, como por exemplo, na antecipação de tutela, no mandado de segurança individual e coletivo, nas ações possessórias, na ação popular, na ação civil pública, nos embargos de terceiro, etc.6 A liminar apresenta as seguintes características: urgência, cognição sumária, provisoriedade e revogabilidade. A primeira delas legitima a própria razão da existência da liminar, que não teria sentido sem a necessidade de uma medida inadiável para tutelar o direito em perigo. Já a cognição há de ser sumária, ou seja, simples, célere, através da qual se examina a aparência do direito em debate e o perigo de dano, restando um estudo mais aprofundado da lide a ser realizado no momento adequado: na sentença. As demais particularidades da liminar é uma conseqüência da sumariedade, pois a sua duração encontra limite no exame da lide, ocasião em que a medida poderá ser substituída por um provimento definitivo ou simplesmente revogada. O seu caráter provisório está, dessa forma, ligado à revogabilidade, sendo válido destacar que a revogação pode ocorrer em qualquer fase do processo e não apenas na sentença, desde que demonstrado que os pressupostos autorizadores da medida não mais se fazem presentes. 1.2 TUTELA CAUTELAR Tutela cautelar é aquela concedida por meio de um processo autônomo que, entretanto, está relacionada com um processo principal, a fim de assegurar o direito a ser tutelado futuramente. Nesse sentido, não têm as tutelas cautelares aptidão para solução definitiva do litígio, sendo esta sua característica essencial. Consiste no direito de o interessado provocar o órgão judicial a tomar providências que conservem e assegurem os elementos do processo, eliminando a 6 ORIONE NETO, Luiz. Liminares no Processo Civil e Legislação Processual Civil Extravagante. 2. ed. São Paulo: Lejus, 2000. p. 13. 17 ameaça de perigo ou prejuízo iminente e irreparável ao interesse tutelado no processo principal. Sua função é, portanto, meramente auxiliar e subsidiária, de sorte que não busca a composição do litígio, não procura satisfazer o direito material dos litigantes, mas apenas garantir o direito a um resultado eficaz que será dado pelo processo principal. Na opinião de Marcus Vinícius Rios Gonçalves: O resultado cautelar está sempre atrelado ao de outro processo; não tem um fim em si mesmo. Daí sua natureza acessória. Ninguém o objetiva, como fim último, como pretensão principal; o que se busca, por seu intermédio, é proteger o provimento principal. O processo cautelar é um instrumento que serve a outro processo, pois visa assegurar e garantir o que neste se postula.7 Por ser processo autônomo, fruto de uma ação cautelar, sua natureza e fim específico redunda em decisão judicial de eficácia temporária e provisória. Sua duração e validade correspondem ao tempo em que se aguarda a solução do processo principal. Destina-se, forçosamente, a ser, ao fim, substituída por outra medida, a ser determinada em caráter definitivo naquele outro processo do qual é acessório. Trata-se assim, de medida provisória, passível de revisão ou cassação a qualquer instante, o que freqüentemente ocorre antes mesmo da decisão do mérito, e que se subordina ao que vier a ser decidido em outro processo, o principal. Humberto Theodoro Júnior sustenta a seguinte lição doutrinária: Toda medida cautelar é caracterizada pela provisoriedade, no sentido de que a situação preservada ou constituída mediante o provimento cautelar não se reveste de caráter definitivo, e, ao contrário, se destina a durar por um espaço de tempo delimitado.8 7 GONÇALVES, Marcus Vinícius Rios. Novo Curso de Direito Processual Civil: Execução e Processo Cautelar. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 244. 8 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Processo de Execução e Cumprimento de sentença, Processo Cautelar e Tutela de Urgência. 39. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 467. 18 Aplica-se àqueles casos em que, no curso de um processo de conhecimento ou de execução, o juiz entende existir o risco que não deve ser corrido de resultar em grave prejuízo o aguardar-se o fim do rito processual ordinário, ou mesmo sumário, em todas as suas fases, sendo o impulso oficial, quase sempre, insuficiente para agilizar o andamento de um processo. Sobre o fator tempo, Marcus Vinícius Rios Gonçalves apresenta a seguinte posição: O tempo traz riscos que podem ter as mais diversas formas. Se a demanda versa sobre um bem, há o risco de que pereça ou desapareça; se se trata de quantia em dinheiro, há o perigo de que o patrimônio do devedor reduza-se até que ele se torne insolvente; as provas importantes para as partes podem ficar prejudicadas pela modificação da situação fática, ou até mesmo pelo desaparecimento das testemunhas; há o risco de que, até a solução final do litígio, o direito pereça, tornando ineficaz o provimento final.9 Em outras palavras, é indispensável que a tutela jurisdicional dispensada pelo Estado a seus cidadãos seja idônea a realizar, em efetivo, o objetivo para o qual foi criada. Pois, de nada valeria condenar o obrigado a entregar a coisa devida, se esta já inexistir ao tempo da sentença; ou garantir à parte o direito de colher um depoimento testemunhal, se a testemunha decisiva já estiver morta quando chegar à fase instrutória do processo; ou ainda, declarar em sentença o direito à percepção dos alimentos a quem, no curso da causa, vier a falecer por carência dos próprios alimentos, podendo acontecer que o processo ao chegar ao seu término não mais encontre existente a situação concreta sobre a qual a jurisdição deveria atuar. Sendo assim, a tutela cautelar atua de maneira preventiva, acobertando e protegendo determinado direito subjetivo, ou estado de direito legítimo, que se encontra sob ameaça de perecimento em virtude de um dano sabido, iminente e de difícil reparação. Assegura a viabilidade da realização de um direito não podendo realizá-lo. O resultado cautelar está sempre atrelado ao de outro processo; não tem um fim em si mesmo, sendo de natureza acessória. 9 GONÇALVES, Marcus Vinícius Rios. Novo Curso de Direito Processual Civil: Execução e Processo Cautelar. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 242. 19 1.2.1 Pressupostos para Concessão da Tutela Cautelar Para que a tutela cautelar possa ser invocada e admitida, deverá preencher, além das condições de qualquer ação, as condições específicas. Tais requisitos, que se acham consagrados uniformemente pela doutrina, costumam ser identificados nos conceitos de “fumus boni iuris” e do “periculum in mora”. Nesse sentido, explica Luiz Orione Neto: A lei, ao admitir as providências cautelares, exige a verificação de certos requisitos, a fim de que o réu não fique inteiramente a mercê das veleidades e caprichos do autor, ou por outras palavras, a fim de que haja a segurança de que as cautelas pedidas pelo autor são realmente justificadas e não constituem uma violência inútil ou desnecessária.10 Considerado haver, na apresentação sumaríssima e superficial do julgador, fumus boni iuris e periculum in mora, pode ser concedida a tutela cautelar, reduzindo ou evitando que sobrevenham danos ou perdas irreparáveis, ou de difícil reparação, ao detentor dos citados indícios de titularidade de um bem ou direito reclamado, causados pela delonga das marchas e contramarchas típicas de um processo. 1.2.1.1 Fumus boni iuris O primeiro requisito para a concessão da tutela cautelar é o designado pela expressão latina fumus boni iuris, que pode ser traduzida por fumaça do bom direito. Não implica na certeza do direito material, pois assim já se poderia ter o julgamento definitivo e não uma simples cautelar e, essa plausibilidade do direito material não significa que os fatos que o fundamentam serão profundamente 10 ORIONE NETO, Luiz. Liminares no Processo Civil e Legislação Processual Civil Extravagante. 2. ed. São Paulo: Lejus, 2000. p. 210. 20 analisados, mas apenas e tão somente que o autor da cautelar tem direito ao processo de mérito com possível provimento favorável. Conforme ensinamento de Humberto Theodoro Júnior: Para a ação cautelar, não é preciso demonstrar-se cabalmente a existência do direito material em risco, mesmo por que esse, frequentemente, é litigioso e só terá sua comprovação e declaração no processo principal. Para merecer a tutela cautelar, o direito em risco há de revelar-se apenas como o interesse que justifica o “direito de ação”, ou seja, o direito ao processo de mérito.11 Sobre o mesmo assunto declara Alexandre Freitas Câmara: “a nosso sentir, mais adequado se afigura definir o fumus boni iuris com base no conceito de probabilidade, pois que este se liga, inexoravelmente, ao de cognição sumária”.12 Porém, de acordo com Ernani Fidélis dos Santos: Se se trata de cautela, não se pode, nos estreitos limites do processo cautelar, exigir, para seu deferimento, o mesmo critério interpretativo do processo de conhecimento ou de execução, sob pena de frustrar-se a própria finalidade da cautela, que é provisória. Mas, se o juiz, em face das provas apresentadas, ou sendo a questão apenas de direito, concluir, com juízo de completa certeza, pela improcedência da pretensão, não deve deferir a cautela, ainda que satisfeitas estejam as condições da ação dita principal. Tal indeferimento, contudo, repita-se, só deve ser dado com inteiro convencimento de que improcede o pedido satisfativo, sem qualquer possibilidade de novas provas e mesmo de razoável dúvida interpretativa do direito.13 Sendo assim, uma vez demonstrado que o autor da cautelar possui todas as condições do direito de ação que lhe permitirão ingressar com o processo principal, ou seja, que este é viável e não lhe será claramente adverso, terá ele direito a tutela cautelar, pois a fumaça do bom direito consiste na existência do 11 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Processo de Execução e Cumprimento de Sentença, Processo Cautelar e Tutela de Urgência. 39. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 475. 12 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris: 2002. p. 30. 13 SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de Direito Processual Civil: Execução e Processo Cautelar. 11.ed. São Paulo: 2007, p. 291. 21 interesse que justifica o direito de ação, sendo que na prática só não existe quando a pretensão do requerente configurar o caso de inépcia judicial. 1.2.1.2 Periculum in mora O fumus boni iuris não é requisito suficiente para a concessão da tutela cautelar. O outro requisito exigido é o periculum in mora, ou seja, o perigo na demora. Refere-se ao interesse processual na justa e eficaz composição do litígio, sendo que o dano corresponde a uma possível prejudicial alteração na situação de fato existente ao tempo da propositura da ação. Devendo o receio do autor da cautelar ser demonstrado por algum fato concreto e fundado, que possa gerar dano durante o processo principal e que esse dano não permita uma reparação específica e nem uma indenização, inclusive por falta de condições econômicas da outra parte. Misael Montenegro Filho resume com clareza tal entendimento: No que se refere ao periculum in mora, deve o autor demonstrar que o fato de o magistrado não intervir de forma imediata pode importar o perecimento do direito substancial a ser disputado pelas partes na ação principal, ou seja, de que o não atuar do magistrado resultará prejuízo para a ação principal, com o perecimento do bem ou do direito que seria naquele palco debatido, não se admitindo o simples receio subjetivo do autor, reclamando-se a demonstração objetiva de que a demora natural do processo ou que atos manifestados pelo réu põem em risco o resultado do processo principal.14 Alexandre Freitas Câmara nos apresenta o seguinte exemplo: Imagine-se, agora, a hipótese daquele que pretende executar um crédito de dinheiro, e verifica que o devedor está dilapidando todo seu patrimônio antes do ajuizamento da demanda executiva. A diminuição patrimonial não é capaz de lesar o direito de crédito mas, 14 MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de Direito Processual Civil: Medidas de Urgência, Tutela Antecipada e Ação Cautelar, Procedimentos Especiais. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2006.p.86. 22 como parece óbvio, nenhum resultado prático será alcançado no processo executivo se não houver bens penhoráveis no patrimônio do executado. Para evitar o dano à efetividade do processo, revelase adequada a tutela cautelar, determinando-se a apreensão de bens que serão, na futura execução, constritos através da penhora.15 Assim sendo, toda vez que houver fundado receio de que a efetividade de um processo venha a sofrer dano irreparável ou de difícil reparação, em razão do tempo necessário para que possa ser entregue a tutela jurisdicional nele buscada, estará presente o pressuposto do periculum in mora, exigido para a concessão da tutela jurisdicional cautelar. 1.2.2 Poder Geral de Cautela O poder geral de cautela dá poderes ao juiz para determinar as medidas que julgar adequadas, mesmo não previstas em lei, a fim de evitar dano ou lesão à parte, ou seja, corresponde à possibilidade de se conceder cautelar inominada para situações não tipificadas pelo legislador. Para Ernani Fidélis dos Santos: Os litígios, além da possibilidade de caracterização por conteúdo infinitamente variável, podem revelar necessidade de um semnúmero de medidas que garantam a eficácia do processo no seu resultado prático e concreto, sem que haja previsão de pressupostos especiais e procedimento próprio. Surge, então, a possibilidade de o juiz conceder medidas cautelares que não estão previstas em lei. São as medidas inominadas ou atípicas. Para concedê-las, o juiz se veste do que se chama “Poder Geral de Cautela”. Não há dúvida de que o protesto cambial traz prejuízos à parte, principalmente no que se refere a empréstimos bancários, compras a crédito, participação em concorrência pública etc. Quem vai promover a ação declaratória negatória de dívida, ou pleitear a nulidade do título, cujo o resultado final positivo evitará os inconvenientes do protesto, pode, cautelarmente, pedir sua sustação até a decisão final. O sócio que pretende anular deliberação de assembléia social pode pedir, cautelarmente, a suspensão de seus efeitos, até a solução da lide, 15 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris: 2002. p. 32. 23 para evitar que atos dela decorrentes sejam praticados, com prejuízos irreparáveis. 16 Alexandre Freitas Câmara ensina que: O poder geral de cautela é instituto considerado necessário em todos os quadrantes do planeta, e decorre da óbvia impossibilidade de previsão abstrata de todas as situações de perigo para o processo que podem vir a ocorrer em concreto. Por tal razão, tem-se considerado necessário prever a possibilidade de o juiz conceder medidas outras que não apenas aquelas expressamente previstas pelas leis processuais.17 O autor, quando houver necessidade de uma tutela cautelar, ingressará com a demanda identificando-a pelo seu nome, que poderá ser, por exemplo: arresto, seqüestro, busca e apreensão, produção antecipada de provas ou alimentos provisionais, etc. Quando não for possível a identificação do nome da cautelar, pelo fato de que a situação que se pretende tutelar não for descrita em lei, ingressará com medida cautelar inominada, situação esta amparada e positivada no Código de Processo Civil: Art. 798. Além dos procedimentos cautelares específicos, que este código regula no capítulo II deste livro, poderá o juiz determinar as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação. Com base no Poder Geral de Cautela, foram deferidas medidas liminares que antecipavam os efeitos da sentença, entregando, portanto, antecipadamente o bem material em litígio. Além disso, por diversas vezes, satisfaziam de forma irreversível o direito do requerente, dispensando-o do ingresso da ação principal. Essas liminares fundavam-se nos requisitos próprios da tutela assecuratória, sendo denominadas cautelares satisfativas. As medidas cautelares ultrapassavam sua finalidade de garantir a viabilidade de futura prestação jurisdicional, sendo usadas com fim satisfativo e, muitas vezes, sendo admitidas decisões irreversíveis que esgotavam a possibilidade 16 SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de Direito Processual Civil: Execução e Processo Cautelar. 11.ed. São Paulo: 2007, p. 401-402. 17 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris: 2002. p. 41. 24 de posterior proposição de ação principal, afastando, portanto, o caráter instrumental do processo cautelar. Nesse contexto, o legislador introduziu no Código de Processo Civil a chamada tutela antecipada ou, a antecipação dos efeitos da futura sentença de procedência, com o intuito de evitar e esvaziar as cautelares satisfativas. É importante notar que o poder geral de cautela não se deve confundir com arbitrariedade ou mesmo dar ensejo a questionamentos sobre a segurança do processo. Pelo contrário, para a concessão de medidas de natureza cautelar com base nessa prerrogativa, devem estar presentes os requisitos previstos em lei. Além disso, quando se busca cada vez mais a efetividade e instrumentalidade do processo, o artigo acima citado trata-se de um dos importantes instrumentos para proporcioná-los. 1.3 TUTELA ANTECIPADA A tutela antecipada constitui, sem dúvida, o mais festejado instrumento para a efetividade do processo e a tutela dos direitos. É uma técnica de distribuição do ônus do tempo no processo. Generalizada no âmbito do processo de conhecimento pela Lei nº 8.952 de 13 de dezembro de 1994, a experiência mostrou as falhas do modelo legal, que veio a ser alterado posteriormente por meio da Lei nº 10.444 de 07 de maio de 2002. Nos dizeres de Misael Montenegro Filho: A tutela antecipada permite que o autor (e somente o autor) receba, no curso da ação de conhecimento ou da ação de execução, parte ou a totalidade do que lhe seria apenas conferido por ocasião da sentença judicial, com força executiva suficiente para que a providência judicial seja cumprida de imediato.18 Nosso ordenamento jurídico se enriqueceu com a possibilidade de antecipação da tutela pretendida, por parte daquele que recorre à imparcialidade do 18 MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de Direito Processual Civil: Medidas de Urgência, Tutela Antecipada e Ação Cautelar, Procedimentos Especiais. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2006.p.50. 25 Estado como forma de ver um direito seu, evidente e claro, assegurado preventivamente, escapando de manobras dilatórias, meramente procrastinadoras, daquele que sabe, no íntimo, que vai ser derrotado no litígio, por assistir razão à outra parte. Na lição de Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart: A alteração do Código de Processo Civil foi necessária não apenas em razão das novas situações de direito material, que se mostraram carentes de tutela antecipatória, mas principalmente porque a doutrina e os tribunais não admitiam a prestação da tutela satisfativa fundada em cognição sumária, com base na técnica cautelar.19 Como a tutela antecipada é satisfativa, por ela se concede o exercício, ainda que provisório, do próprio direito afirmado pelo autor, de maneira que a decisão que a concede terá o mesmo conteúdo que a sentença definitiva, sendo que a diferença será a provisoriedade. Por ser provisória, não pode ser confundida com a antecipação da própria tutela, o que representaria um julgamento antecipado da lide. O que é antecipado é só os efeitos da tutela definitiva; por isso que a decisão concessiva da tutela antecipada não faz coisa julgada material, podendo ser modificada depois em vista da própria provisoriedade que deriva de uma cognição sumária. A tutela antecipada, para ser concedida, exige a reunião de alguns pressupostos. Assim, somente quando cumprida as exigências poderá o juiz antecipar os efeitos da sentença. 1.3.1 Pressupostos para Concessão da Tutela Antecipada A tutela antecipada não é uma ação e sim uma medida excepcional. A sua principal preocupação foi a de tornar o processo apto a realizar seus objetivos e melhor servir à sociedade. Somente deve ser concedida quando o demandante 19 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo Cautelar. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p.60. 26 conseguir demonstrar a efetiva presença dos requisitos legais estatuídos no artigo 27320 do Código de Processo Civil. 1.3.1.1 Requerimento da parte O caput do artigo é claro ao afirmar a necessidade de requerimento da parte, isto é, do sujeito ativo. Em hipótese alguma a providência antecipatória poderá ser concedida ex offício. Sobre o assunto opina Luiz Gustavo Tardin que: “O sistema das tutelas sumárias ajusta-se, nesse particular, ao sistema geral do Código de Processo Civil quando reclama provocação da parte para recebimento da prestação jurisdicional”.21 A antecipação de tutela apenas pode ser deferida ao autor, pela lógica razão de que é ele que formula as pretensões que se encontram dispostas na petição inicial. O réu não vem à demanda para obter ganhos processuais, mas tão somente para tentar evitar a procedência da ação em favor do autor. Mas, há situações onde o réu pode requerer a tutela antecipada, nos casos em que lhe é permitido formular pedido, como na reconvenção, no pedido contraposto, e outros, onde assume posição de autor. 20 Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu. § 1º Na decisão que antecipar a tutela, o juiz indicará, de modo claro e preciso, as razões do seu convencimento. § 2º Não se concederá a antecipação de tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado. § 3º A efetivação da tutela antecipada observará, no que couber e conforme sua natureza, as normas previstas nos arts. 588, 461, §§ 4º e 5º, e 461-A. § 4º A tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em decisão fundamentada. § 5º Concedida ou não a antecipação da tutela, prosseguirá o processo até final julgamento. § 6º A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso. § 7º Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado. 21 TARDIN, Luiz Gustavo. Fungibilidade das Tutelas de Urgência. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 127. 27 1.3.1.2 Prova inequívoca Nenhuma prova é inequívoca e, essa expressão deve ser entendida como a prova capaz de fazer o juiz formar um juízo de verossimilhança entre o fato e o que é alegado. Não se exige a produção de prova plena para fins de deferimento da tutela antecipada, não se admitindo, contudo, seja a providência deferida com apoio em prova extremamente superficial, que não confere um nível de segurança, necessário a se concluir que a verdade possivelmente pende em favor do autor da empreitada jurídica. Como lembra Misael Montenegro Filho: A prova produzida pelo autor – geralmente documental – deve conferir ao magistrado um alto grau de probabilidade de que o direito pende em seu favor, de que as alegações trazidas aos autos pelo promovente possivelmente são verdadeiras.22 Deve ser considerada aquela que apresenta um grau de convencimento tal que, a seu respeito não possa ser oposta qualquer dúvida razoável ou, em outros termos, cuja autenticidade ou veracidade seja provável. Tal prova deve ser pré-constituída. É certo, porém, que outras provas podem ser produzidas no curso do processo que autorizem o juiz, a requerimento da parte, conceder a tutela antecipada. Tal prova deve permitir, por si só ou em conexão necessária com outras também já existentes, pelo menos em juízo provisório, definir o fato, isto é, tê-lo como verdadeiro. 1.3.1.3 Verossimilhança da alegação O juízo de verossimilhança aproxima-se de um juízo de probabilidade. Significa aquilo que não é verdadeiro, mas que parece ser verdadeiro. É mais do 22 MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de Direito Processual Civil: Medidas de Urgência, Tutela Antecipada e Ação Cautelar, Procedimentos Especiais. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2006.p.55. 28 que fumus boni iuris, são alegações que se aproximem da verdade, embora não se tenha uma posição definitiva a respeito das mesmas. Cabe ao juiz avaliar as alegações e concluir pela sua aproximação com a verdade, em face dos princípios e regras do ordenamento jurídico, especialmente, no que toca a situação concreta examinada. Para Luiz Gustavo Tardin: Em virtude da exigência de prova robusta e suficiente à caracterização da verossimilhança, a doutrina tem concluído que o magistrado, ao apreciar o requerimento de tutela antecipada nos autos da ação de conhecimento, exerce atividade cognitiva mais aprofundada do que aquela realizada por ocasião da concessão das medidas cautelares.23 Enfim, cada prova terá o seu valor, a ser pesado pelo juiz. Não somente o conjunto probatório proporciona a verossimilhança, mas também o bem jurídico ameaçado, a dificuldade encontrada pelo autor para comprovar suas alegações, a credibilidade do alegado e a urgência alegada. 1.3.1.4 Fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação O fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação é aquele risco concreto, e não o hipotético ou eventual; atual, ou seja, o que se apresenta iminente no curso do processo; e grave, apto a prejudicar o direito afirmado pela parte e que exige um provimento jurisdicional imediato, sob pena de tornar-se impraticável em momento posterior. Pode-se dizer que há irreparabilidade quando os efeitos do dano não são reversíveis; e o dano é de difícil reparação se as condições econômicas do réu não autorizam supor que o dano será efetivamente reparado. Portanto, presentes os demais requisitos autorizadores da tutela antecipada e, havendo fundado receio de 23 TARDIN, Luiz Gustavo. Fungibilidade das Tutelas de Urgência. São Paulo: Revista dos tribunais, 2006. p. 132. 29 dano irreparável ou de difícil reparação, esta deve ser concedida sob pena de prejudicar o direito do litigante. No entendimento de Misael Montenegro Filho: Analisando o segundo dos requisitos, verificamos que muito se parece com o periculum in mora, que se mostra como requisito para o deferimento de liminares no palco das ações cautelares. Contudo, no caso das cautelares, a preocupação maior é com o resultado útil da ação principal, enquanto que no panorama da antecipação de tutela evidente que a preocupação se volta para a satisfação do próprio direito material agitado no processo.24 A legislação é clara sobre a necessidade de que o receio seja fundado, que as circunstâncias fáticas levem à probabilidade de ocorrência do dano, caso o pedido não seja imediatamente concedido. 1.3.1.5 Abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu Além dos pressupostos de urgência e de dano, que são requisitos para conceder a tutela antecipada, uma outra hipótese é vislumbrada pela lei: o abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu, de caráter punitivo e que não exige nenhum requisito de urgência ou dano para sua concessão. Se a antecipação de tutela busca prestigiar a celeridade processual, atos protelatórios estariam relacionados a obstáculos por parte do réu ao andamento do processo. Seriam os atos ou omissões praticados fora do processo, ainda que a ele relacionados, como não atendimento de diligências e ocultação de provas. A função deste tipo de tutela é punir o réu, que usando de meios escusos, meramente protelatórios, ou apresentando defesa infundada, se opõe ao direito do autor, abusando assim, do seu direito de se defender. Também visa tornar o processo um meio eficaz de tutela do direito que não apóia, mas coibi as defesas abusivas e sem fundamento, que tem como único objetivo atrapalhar o andamento processual. 24 MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de Direito Processual Civil: Medidas de Urgência, Tutela Antecipada e Ação Cautelar, Procedimentos Especiais. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2006.p.57. 30 A esse respeito assinala Luiz Gustavo Tardin: O autor cujo direito se apresenta como de provável existência não pode ter a realização prática do mesmo retardado em virtude de defesa inconsistente demonstrada pelo demandado. O raciocínio é simples: o réu, possível sujeito passivo do direito material, não atendeu ao comando inserto na regra de conduta de forma voluntária, conforme deveria ter ocorrido. Agora ele se vale da morosidade do processo para procrastinar ainda mais o cumprimento da norma jurídica. O ônus do tempo do processo não pode ser suportado por quem possua direito evidente.25 Difícil se torna caracterizar, através de critérios objetivos, o que é defesa abusiva. Ao juiz caberá, diante do caso concreto, verificar e decidir, mediante decisão fundamentada, se a defesa é ou não abusiva. 1.3.1.6 Reversibilidade da situação fática alterada com a tutela antecipada O texto legal procurou proteger a possibilidade do restabelecimento do status quo, caso a decisão venha a ser reformada pela sentença. Vislumbrando o juiz, ao analisar o pedido de tutela antecipada, a probabilidade de que aquela situação fática, caso venha a ser modificada, não possa mais se restabelecer, este não estará autorizado a conceder a antecipação da tutela. No entendimento de Fernanda Ruiz Tomazoni: “irreversibilidade é sinônimo de providência jurisdicional definitiva, o que significaria relativizar ou ainda mitigar direito de defesa e afronta à garantia do devido processo legal”.26 A irreversibilidade da situação fática anterior, no entanto, não deve ser encarada de forma absoluta, como se fosse um obstáculo intransponível. Há casos em que o direito a ser tutelado pelo provimento antecipatório é mais importante do que a impossibilidade de se reverter o estado fático anterior. Verificando que o prejuízo do autor é maior em não ver satisfeito imediatamente seu “provável direito”, do que o do réu mantendo aquela situação, 25 TARDIN, Luiz Gustavo. Fungibilidade das Tutelas de Urgência. São Paulo: Revista dos tribunais, 2006. p. 138-139. 26 TOMAZONI, Fernanda Ruiz. Tutelas de Urgência: (IR) Reversibilidade. Curitiba: Juruá, 2007. p. 65. 31 deve-se conceder a tutela antecipatória independente da impossibilidade de retornar-se ao status quo antes. Caso a sentença julgue improcedente o pedido do autor, não havendo possibilidade de reposição da situação no seu estado anterior, deve o autor indenizar o réu pelos prejuízos sofridos. 1.3.2 Tutela Antecipatória Inibitória O advento do artigo 461 e seguintes afetou sobremaneira o sistema processual civil. Anteriormente com várias raízes fincadas na tríplice: conhecimento, execução e cautelar, no qual a execução baseava-se principalmente em ressarcimento, em especial nos casos de obrigações de fazer e não fazer, às quais, na maioria das vezes, convertiam-se em perdas e danos, face à demora da prestação e efetivação da tutela. O ingresso na esfera jurídica da parte contrária se dava essencialmente após a prolação da sentença e seu trânsito em julgado. Com efeito, o artigo 461 do Código de Processo Civil trata da tutela das obrigações de fazer e não fazer, que pode ser específica ou mediante providências, que assegurem resultado prático equivalente ao adimplemento. A tutela inibitória é cabível quando se deseja conservar a integridade do direito, evitando assim uma degradação, isto é, visa prevenir, ou impedir a prática, ou a continuidade de um ilícito, garantindo a essência do direito em si. Nos argumentos de Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart: As novas situações substanciais evidenciaram a necessidade de se tutelar apenas contra o ato contrário ao direito, e, assim, contra o ilícito que prescinde da sua normal conseqüência, isto é, o fato danoso. Basta lembrar que o Estado constitucional tem o dever de editar normas proibidoras ou impositivas de condutas capazes de, respectivamente, produzir ou impedir danos aos direitos fundamentais. Para que os direitos protegidos por estas normas sejam efetivamente protegidos, é imprescindível a tutela jurisdicional contra o ato contrário ao direito que deixou efeitos concretos que se propagam no tempo, como, por exemplo, o despejo de lixo tóxico em local proibido pela legislação ambiental, ou a exposição à venda de produto com composição afirmada nociva por norma de proteção 32 a saúde. O mesmo ocorre em relação a outras normas que, por exemplo, protegem contra a concorrência desleal ou contra a usurpação de direito de marca ou de patente de invenção.27 A tutela inibitória é prestada por meio de ação de conhecimento, e não se liga instrumentalmente a nenhuma ação que possa ser dita principal. Trata-se de ação de conhecimento de natureza preventiva, destinada a impedir a prática, repetição ou a continuação do ilícito. A sua importância deriva do fato de que constitui ação de conhecimento que efetivamente pode inibir o ilícito. Sendo conseqüência necessária do novo perfil do Estado e das novas situações de direito substancial. Ou seja, a sua estruturação, ainda que dependente de teorização adequada, tem relação com as novas regras jurídicas, de conteúdo preventivo, bem como a necessidade de se conferir verdadeira tutela preventiva aos direitos, especialmente de conteúdo não patrimonial. Quanto aos pressupostos para concessão da tutela inibitória, a exigência é mais amena com relação à verossimilhança e ao perigo de dano. Luiz Guilherme Marinoni diferencia os pressupostos considerando a natureza das tutelas pleiteadas: A tutela antecipatória inibitória não tem como pressuposto um ‘fundado receio de dano’. A tutela antecipatória inibitória, justamente por que visa prevenir o ilícito, tem como pressuposto, ‘um justificado receio’ de que o ilícito seja praticado (ou que seja repetido ou continuado) antes do trânsito em julgado. Frise-se que o ‘justificado receio’ não é dano; o justificado receio é de que o ilícito seja praticado ou possa prosseguir ou se repetir.28 Luiz Gustavo Tardin compartilha do mesmo entendimento: Frise-se, nas ações inibitórias não há de se falar em dano. O que ações dessa natureza visam é prevenir o ilícito ou sua continuação, independente do dano. Pouco importa para as ações inibitórias a ocorrência e a demonstração do dano, tampouco cabe ao juiz perguntar sobre ele. Além disso, não se perquire dolo ou culpa em ações dessa natureza.29 27 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo Cautelar. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 71. 28 MARINONI, Luiz Guilherme. A Antecipação de Tutela. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 137. 29 TARDIN, Luiz Gustavo. Fungibilidade das Tutelas de Urgência. São Paulo: Revista dos tribunais, 2006. p. 56. 33 1.3.2.1 Modalidades de tutela antecipatória inibitória e a sua prática processual A tutela inibitória pode ser de duas formas, quais sejam: a negativa e a positiva. No primeiro caso, o direito visa o que ocorre na maioria dos casos – evitar a prática, repetição ou a continuação de uma conduta comissiva, e já no caso da positiva esta terá aplicação quando se teme uma omissão, ou mesmo a sua reiteração ou repetição. Tanto na positiva, quanto na negativa, a tutela poderá surgir antes da prática do ilícito, oportunidade em que irá impedir que o ilícito seja consumado, ou poderá surgir após a prática do mesmo, quando incidirá sobre a repetição, isto é, impedirá a sua continuidade. Em nosso ordenamento jurídico a tutela inibitória está inserida nos artigos 461 do Código de Processo Civil e 84 do Código de Defesa do Consumidor, que rezam: Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providência que assegure o resultado prático equivalente ao do adimplemento. Neste mesmo dispositivo é concedida ao juiz a possibilidade de concessão da medida inibitória sob pena de multa, e inclusive em sede de tutela antecipada, oferecendo assim aos operadores do direito os instrumentos capazes de garantir a prestação da tutela inibitória efetiva e adequada. 1.3.2.2 Tutela de remoção do ilícito Se a ação inibitória se destina a impedir a prática, a repetição ou a continuação do ilícito, como o próprio nome indica, a tutela de remoção do ilícito, dirige-se a remover os efeitos de uma ação ilícita que já ocorreu. A prática de ato contrário ao direito, como é óbvio, já é suficiente para colocar o processo civil em funcionamento, dando-lhe a possibilidade de remover o 34 ilícito e, assim, de tutelar adequadamente os direitos e de realizar o desejo preventivo do direito material. Assim se manifesta Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart: A tutela de remoção do ilícito é posterior à prática do ato ilícito. Ela não inibe o ilícito. Ela se dirige contra o ilícito, independentemente de o ilícito ter, ou não, provocado dano. Tal tutela objetiva remover ou eliminar os efeitos concretos do ilícito, isto é, a causa do dano; não visa ao ressarcimento pelo dano. No caso de tutela de remoção do ilícito, é suficiente a transgressão de um comando jurídico, pouco importando se o interesse privado tutelado pela norma foi efetivamente lesado ou se ocorreu um dano.30 Assim, como a ação inibitória, a ação de remoção do ilícito é decorrência do próprio direito material, especialmente das normas que estabelecem condutas de não fazer para proteger os direitos. Determinadas situações, quando contrárias a certos direitos, devem ser removidas. Porém, a evidência da necessidade da remoção do ilícito está na necessidade de se dar efetividade às normas de direito material que, objetivando a prevenção, proíbem certas condutas. 30 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo Cautelar. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p.77. 35 2 TUTELA CAUTELAR X TUTELA ANTECIPADA A tutela antecipatória e a tutela cautelar, ambas previstas em nosso ordenamento jurídico e espécie do gênero tutela de urgência, apesar de apresentarem algumas características similares, não devem ser confundidas, pois são institutos com finalidade nitidamente diversa. 2.1 ASPECTOS COMUNS A urgência é o maior ponto de afinidade entre as medidas cautelares e antecipatórias, devido ao perigo na demora. A tutela antecipada destina-se a adiantar o mérito e a cautelar assegura o resultado útil do processo. Porém, as duas tutelas possuem a urgência em seu procedimento, buscando a proteção do bem litigioso. Mesmo havendo entendimento dominante de que a tutela antecipada e tutela cautelar não se confundem, existem, entre esses dois institutos, alguns aspectos comuns, como será abordado a seguir. 2.1.1 Garantir o Acesso à Ordem Jurídica Justa O réu sem razão não pode encontrar no processo um mecanismo eficaz a protelar indefinidamente o adimplemento da obrigação. A existência do perigo e a perspectiva de demora na prestação da tutela cognitiva criou a necessidade, cada vez maior, de se invocar as chamadas tutelas de urgência, como meio de aceleração processual, mas atendendo os direitos fundamentais envolvidos em sua concessão. 36 A respeito do assunto, Fernanda Ruiz Tomazoni apresenta a seguinte posição: Sobre esse ponto, importante notar que, quando se trata de tutelas de urgência, conflitam direitos fundamentais: direito à efetividade do processo (acesso à justiça) versus segurança jurídica (cognição plena e exauriente antes da condenação, independente de sua natureza). O que se tem, entretanto, é que por vezes esse segundo direito é sacrificado quando se verificam os requisitos autorizadores da concessão das tutelas de urgência. 31 O fator tempo é um dos obstáculos a serem transpostos a fim de obter um efetivo acesso à justiça, que é garantido como direito fundamental nos mais diversos ordenamentos jurídicos. A finalidade comum entre a tutela cautelar e a tutela antecipada é garantir o pleno exercício do direito de ação, visto hoje não como a oferta de meios para ingressar em juízo, mas sim como o acesso à ordem jurídica justa, sendo aquela que oferece ao titular do direito material todas as condições para o pleno exercício do seu direito. Por intermédio dos provimentos cautelares e antecipatórios, impede-se que o tempo ameace ou lese o exercício de direitos no plano fático. Ao imprimir efetividade à atividade judicial, as tutelas cautelar e antecipada, cumprem a missão constitucional de garantir o acesso do cidadão ao processo civil de resultados. Cada uma delas, com as suas especificidades, busca criar condições concretas, isto é, fora do plano do processo, de imunização de ameaças. Seja quando o Estado-juiz apenas imuniza a ameaça pura e simplesmente (impede a reprodução de matéria jornalística ofensiva à honra ou à imagem de alguém, por exemplo) – campo tradicionalmente ocupado pela tutela cautelar – seja quando o Estado-juiz, para evitar que a ameaça se transforme em lesão, autoriza a fruição imediata de determinado bem jurídico (permite a internação de pessoa portadora de doença grave que necessite ser internada com urgência e não consiga obter autorização do seu plano de saúde, por exemplo) – espaço usualmente ocupado pela chamada tutela antecipada. 31 TOMAZONI, Fernanda Ruiz. Tutelas de Urgência: (IR) Reversibilidade. Curitiba: Juruá, 2007. p. 27. 37 Como lembra João Antonio Lima Castro: A eficácia da tutela jurisdicional está intimamente relacionada não só com o desenvolvimento em concreto do instrumento pelo qual opera (entenda-se existência de um processo formalmente concebido), mas principalmente com os resultados necessários obtidos, portanto, com os mecanismos adequados às exigências das relações materiais, ou seja, pode-se afirmar que visa a efetividade dos resultados pretendidos. 32 Independentemente da medida de urgência a ser tomada, isto é, seja visando garantir a utilidade de outro processo, no caso da tutela cautelar; ou entregando ao autor antecipadamente o próprio bem jurídico, com a tutela antecipatória, as providências exercem a mesma função de assegurar um processo dotado de efetividade, que ao final, tenha o condão de produzir resultados práticos. 2.1.2 Cognição Sumária A constante busca pela efetividade e instrumentalidade torna a técnica da cognição sumária de extrema relevância para o processo civil atualmente. Qualquer das tutelas urgentes é concedida sob cognição não exauriente, sendo um elemento comum a ambas, que tem como função impedir que o tempo comprometa a efetividade do processo. As tutelas de urgência – sejam do tipo cautelar ou antecipatória – apresentam uma característica que lhes é peculiar, qual seja, a sumarização procedimental. Este recurso consiste na redução do lapso destinado ao conseguimento da providência jurisdicional, emitida em forma de liminar inaudita altera parte ou após justificação prévia, mas, em qualquer caso, sempre norteada por uma cognição sumária. O que torna a sumariedade uma característica inamovível no oferecimento da tutela jurisdicional de urgência é que nesta, a prestação há de ser pronta e imediata, sob pena de perder a sua própria eficácia, diante da possibilidade de grave dano, prejuízo irreparável ou de difícil reparação. 32 CASTRO, João Antônio Lima. Direito Processual: Enfoque Constitucional, Coletânea de Artigos. Belo Horizonte: PUC Minas, Instituto de Educação Continuada, 2008. p. 49. 38 O juiz, ao apreciar requerimento de tutela antecipada ou cautelar, não possui o compromisso de exaurir a análise das afirmações de fato para concluir se o requerente possui ou não o direito alegado. Pode ele, se conformar com uma alegação verossímil. A urgência da situação autoriza o não aprofundamento. A cognição sumária se caracteriza por ser superficial. Em conseqüência dessa superficialidade é que se diz buscar com tal cognição um juízo de probabilidade e de verossimilhança. Na cognição sumária, o juiz decide sempre em termos do que é plausível, razão pela qual jamais o direito é tutelado de forma definitiva. O conhecimento sumário se reduz a análise das provas escritas, que instruem a peça inicial, e/ou testemunhais, produzidas em audiência de justificação, unilateralmente, suficientemente capazes de respaldar um juízo preliminar, provisório ou temporário, visando assegurar a utilidade e eficácia do provimento definitivo. As tutelas de urgência buscam fundamento na provável existência do direito que constituirá, ou já constitui, objeto do processo de cognição plena. Sobre o assunto Luiz Gustavo Tardin lembra que: Com base nos documentos juntados na petição inicial de uma ação cautelar ou de conhecimento, bem como na oitiva de testemunhas e depoimento da parte realizada em uma audiência de justificação, estará o juiz autorizado a proferir decisão regulando provisoriamente a lide ou garantindo meios para assegurar a utilidade prática do processo. Importa registrar que o juízo de probabilidade, típico da técnica de cognição sumária, não reclama o contraditório. Logo, a decisão proferida com base em cognição sumária convive harmonicamente com a ausência momentânea do contraditório. Este, após, será resgatado.33 Sendo assim, há casos em que não se justifica a cognição plena e exauriente dos fatos constitutivos do direito material afirmado, pois o objetivo de atuação da regra de pacificação pode ser alcançado com menos atividade, menor esforço e com maior rapidez. 33 TARDIN, Luiz Gustavo. Fungibilidade das Tutelas de Urgência. São Paulo: Revista dos tribunais, 2006. p. 81-82. 39 2.1.3 Provisoriedade Outro ponto relevante é a provisoriedade, pois os dois institutos são provisórios, razão pela qual sua duração é limitada no tempo, porém a tutela antecipada tende a se tornar definitiva. A provisoriedade é a conseqüência imediata da sumariedade das tutelas de urgência: cautelar e antecipada. Por se tratar de medida provisória, não definitiva, ainda que tenha satisfeito o direito do demandante, como no caso da tutela antecipada, estará sujeita ao juízo de retratação por parte de seu prolator. É facultativa a revogação, invalidação total, modificação ou alteração de alguns pontos da medida, dependendo dos fatos novos que têm o condão de alterar a convicção do juiz, ou seja, novas provas apresentadas pelo réu, tão ou mais convincentes do que as apresentadas pelo autor. Conforme explica Luiz Gustavo Tardin: A doutrina costuma intitular a tutela antecipada como provisória e a tutela cautelar como temporária. Assim, as medidas cautelares seriam caracterizadas pela sua temporariedade, ao passo que as antecipatórias pela provisoriedade. De início, para a doutrina que prima pela distinção, o curial é fazer a conceituação do que vem a ser provisório e temporário. Provisório é aquilo que existe até que venha a ser substituído por outra coisa com caráter de definitividade. O estado de provisoriedade se conserva, mas agora com caráter definitivo. Há, portanto, uma identidade de estado fático entre o provisório e o definitivo. Temporário, por seu turno, é aquilo que tem duração limitada no tempo. O conteúdo do provimento temporário, cuja duração é limitada, não se confunde com o conteúdo do provimento definitivo, como ocorre nos provimentos provisórios.34 Com isso, entende-se que temporário é, simplesmente, aquilo que não dura para sempre, aquilo que, independentemente da superveniência de outro evento, tem por si mesmo duração limitada. Provisório equivale a interino: ambas as expressões representam aquilo que é estabelecido para durar somente aquele tempo intermediário que precede o evento esperado. 34 TARDIN, Luiz Gustavo. Fungibilidade das Tutelas de Urgência. São Paulo: Revista dos tribunais, 2006. p. 84. 40 Como elemento integrante das tutelas de urgência, a provisoriedade ou a temporariedade significam a não definitividade da providência judicial concedida, a qual dependerá sempre de uma sentença de mérito cautelar ou de uma sentença de mérito propriamente dita, isto é, a que decide a respeito da pretensão de direito material articulada na petição inaugural, proferida em processo principal ou no próprio feito, se nele ocorreu a concessão ou a denegação da medida, que a confirme ou revogue. 2.2 TRAÇOS DISTINTIVOS A reforma processual, ao identificar alguns pontos de estrangulamento que concorrem para demora da prestação jurisdicional, deu sua contribuição, inserindo no artigo 273 do Código de Processo Civil a tutela antecipatória com o objetivo de evitar, durante o decorrer processual, lesões a um direito, ante a cognição plena e exaustiva, onde a prova é ampla e demorada. Com isso, houve a necessidade de se traçar uma diferenciação entre a nova tutela e a tutela cautelar. Os doutrinadores, em sua grande maioria, fazem distinções entre esses dois tipos de tutela de urgência; cumpre-nos então ressaltar algumas delas. 2.2.1 Conservação e Satisfatividade De início, pode-se observar que a tutela cautelar é preventiva, tendo como função única e específica garantir o resultado útil do processo principal, de modo que não decide o mérito da lide, não podendo influir nessa decisão. Já a tutela antecipada realiza de imediato a pretensão, não se limitando a assegurar a viabilidade da realização do direito afirmado como a cautelar, mas satisfazendo esse direito, embora em caráter provisório. 41 A tutela cautelar tem como características a instrumentalidade, a referibilidade a um processo principal e a dependência, que não estão presentes na tutela antecipada, já que esta encontra-se dentro do processo principal. A cautelar é uma ação, com todas as características desta, é autônoma, pressupõe a existência das condições da ação, possui custas, termina com uma sentença, da qual cabe recurso ordinário; pode ser intentada antes mesmo de existir um processo principal e forma novos autos. A antecipação da tutela se dá mediante uma simples decisão interlocutória que resolve um incidente processual, não se formando autos apartados e, dessa decisão cabe agravo. A antecipação de tutela abrangerá extensa área, antes ocupada pela chamada tutela cautelar inominada, normalmente de cunho satisfativo. Assim, houve, portanto, o enfraquecimento do processo cautelar, e uma ampliação da tutela jurídica para tornar mais eficaz e adequada a tutela jurisdicional, por que a tutela cautelar típica também sofrerá desfalque. É inegável que a tutela antecipatória prevista no artigo 273 do CPC, não se confunde com liminares possessórias, nem tampouco com as medidas cautelares. Seu escopo é emprestar eficácia executiva, provisória, ao provimento judicial proferido em qualquer fase do processo, diferentemente das cautelares, as quais visam salvaguardar os efeitos do provimento final. 2.2.2 Diferença de Pressupostos A tutela cautelar tem como pressupostos específicos o fumus boni juris e o periculum in mora. São dois requisitos de suma importância à sua caracterização, que compreendem a probabilidade do direito material alegado realmente existir e o fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação, de modo que haja risco de ineficácia da futura tutela jurídica; enquanto que na tutela antecipatória, a probabilidade de existência do direito material é mais forte 42 que a mera plausibilidade desse direito, que na prática reside no próprio direito ao processo principal e na simples aparência de que poder-se-á dele sair vencedor, estando contidos nesse contexto a verossimilhança e a prova inequívoca dos fatos alegados pelo autor (ou o réu na reconvenção). Além dessa, abriga ainda a hipótese de abuso de direito de defesa e de manifesto propósito protelatório do réu, independente da existência de perigo na demora da prestação definitiva. A antecipação da tutela deve ser provocada pela parte, e, portanto, não pode ser concedida de ofício. No caso das cautelares, como já dito, além de poder ser provocada pela parte há também a possibilidade da concessão das mesmas ex officio ante o poder geral de cautela do juiz. A tutela antecipada não pode ser concedida se houver perigo de irreversibilidade dos efeitos práticos do provimento. A instrumentalidade, referibilidade e a dependência constituem característica da tutela cautelar. Não se exige a reversibilidade que é atributo da tutela antecipada. Assim, como ação autônoma, a cautelar pode ocorrer na execução, sob a forma de incidente ou mesmo de forma preparatória e a tutela antecipada só ocorre no processo de conhecimento. 2.2.3 Efeitos A decisão que antecipa a tutela antecipa os efeitos do provimento, nunca, porém, o julgamento, o mérito. Já as cautelares são decididas por sentença, mas como já se viu, também não decide sobre o mérito, por isso essa sentença não fará coisa julgada material, só formal, logo, poderá ou não ser revogada ou modificada pelo juiz. Como já visto anteriormente, apenas no 43 caso de se acolher a prescrição ou decadência é que pode a cautelar fazer coisa julgada material. A tutela antecipada concedida não pode ser mais ampla, nem de natureza diversa da tutela definitiva. Deve respeitar os limites subjetivos e objetivos da demanda. O objeto cujo gozo se antecipará não pode ser qualitativamente diferente, nem quantitativamente maior do que àquele que foi pedido na inicial. O objeto deve guardar correlação entre o provimento e a demanda. A antecipação da tutela tem a mesma natureza da decisão definitiva, incidindo sobre todo ou parte do objeto da lide, pois seu caráter é satisfativo, logo, incide o direito à tutela específica, sendo que o que ficará a cargo do juiz é apenas a escolha dos atos que se mostrem mais adequados. No que concerne à cautelar, não deve ter ela a mesma natureza que a tutela do processo principal, não deve ter o mesmo objeto para não ter caráter satisfativo, concedendo justamente aquilo que se pede, inclusive não incide o direito à tutela específica. Também encontramos na cautelar, no princípio da fungibilidade, a possibilidade de modificação das medidas, pela qual pode o juiz determinar concretamente qual a medida mais adequada ao caso, de sorte que o requerente não pode exigir a que pediu se aquela diversa que o juiz determinou assegurar a eficácia do processo principal, pois o requerente não tem, como no processo principal, o direito subjetivo a uma prestação determinada, não há o direito a uma tutela específica. Esse princípio da fungibilidade está fundamentado no art. 805 do CPC, que prevê a possibilidade de substituição de ofício ou a requerimento da parte, da medida cautelar por outra menos gravosa para o requerido. Essas são as diferenças básicas, mas relevante é ter em vista que a cautelar visa a assegurar a efetividade do resultado final do processo principal, enquanto que a antecipação dos efeitos da tutela incide sobre o próprio direito pleiteado satisfazendo-o provisoriamente. Bastando isso para delimitar o campo de uma e de outra, pois nesta o que se busca não é a mera preservação da situação através da conservação de bens, provas e mesmo da proteção de pessoas, mas a satisfação do próprio direito pleiteado. 44 3 IMPLICAÇÕES NA ORDEM JURÍDICA 3.1 A SEGUNDA REFORMA DO CPC E A FUNGIBILIDADE ENTRE AS TUTELAS DE URGÊNCIA O Código de Processo Civil desde seu advento, em 1973, vem sendo objeto de polêmicas discussões alimentadas pelas novas idéias doutrinárias e pela necessidade de adequação às novas exigências da sociedade moderna. Depois da reforma processual de 1994, que introduziu o regime generalizado da antecipação dos efeitos da tutela, a Comissão Revisora, agora dirigida pelos Ministros Sálvio Figueiredo Teixeira e Athos Gusmão Carneiro, em prosseguimento ao trabalho iniciado e, atenta aos problemas de praxe forense, resolveu introduzir novas reformas. As Leis 10.352 e 10.356 de 2001 e a Lei 10.444 de 2002 integram a chamada Segunda Reforma do Código de Processo Civil, ou ainda, a Reforma da Reforma. Com a promulgação da Lei 10.444/02, o art. 273 do Código de Processo Civil, além do acréscimo de dois parágrafos, teve sua redação modificada em um dos seus parágrafos anteriores. Importa principalmente ao presente estudo a redação atribuída ao parágrafo 7º da referida disposição legal: § 7º Se o autor, a título de antecipação dos efeitos da tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado. Na exposição de motivos do anteprojeto nº 13, que foi objeto da Lei 10.444 de 2002, ao tratar da norma supracitada, os Ministros Sálvio Figueiredo Teixeira e Athos Gusmão Carneiro justificaram sua inclusão no ordenamento processual civil em razão do princípio da economia processual, com a adoção da fungibilidade procedimental entre as tutelas de urgência. Porém, essa nova disposição legal causa na doutrina e nos tribunais certa divergência, sendo a atual problemática das tutelas de urgência. 45 O acréscimo desse dispositivo foi motivado pela constante confusão feita pelos operadores do direito entre os dois institutos: tutela antecipada e tutela cautelar, o que prejudicava sobremaneira o direito pleiteado. Tais confusões tem origem no fato de, até o advento da nova redação do artigo 273, a medida cautelar ter sido utilizada como instrumento para concessão de tutela antecipatória, o que desvirtuava sua natureza. Assim, devido às confusões sobre qual procedimento de urgência deveria adotar as partes, é que surge o § 7º do artigo 273 do Código de Processo Civil, para tentar a princípio facilitar a cognição do magistrado e garantir a parte uma tutela jurisdicional de urgência que venha satisfazer naquele momento a sua pretensão. Agora, o juiz poderá adequar o pedido de antecipação de tutela feito pelo autor, na ação de conhecimento, concedendo a tutela cautelar, liminarmente, desde que presentes os pressupostos ensejadores do deferimento. Antes da reforma, a tutela cautelar só podia ser concedida em processo autônomo, de forma preparatória ou incidental, e era sempre dependente de uma ação principal, que poderia ser de conhecimento ou de execução. Embora possuam a mesma função, muitas eram as dúvidas quanto aos requisitos de uma e de outra, uma vez que as suas interpretações se confundem, por exemplo, quanto à exigência de prova inequívoca e da fumaça do bom direito. Na prática, o que tem ocorrido é que muitos operadores do direito, ingressam em juízo com medidas cautelares inominadas pleiteando liminares para obtenção de medida urgente, fundada em cognição sumária. Todavia, mesmo em análise sumária percebe-se que a medida almejada pelos advogados e pelas partes é, na essência, o pedido da ação principal. Essa prática era legitimada por uma suposta omissão no sistema processual, que não teria previsto a concessão de medidas reguladoras diversas das cautelares, exceto nos casos especificamente previstos em Lei. A generalização da antecipação dos efeitos da tutela, com a Lei 8.952/94, veio a suprir suposta omissão, inserida no processo de conhecimento, possibilitando ao magistrado a concessão de medidas que antecipam os efeitos da sentença. Essa inovação legal, enquadrada em procedimento diverso daquele destinado à tutela cautelar, foi fundamental para a consagração da doutrina e da 46 jurisprudência que defendiam e defendem a distinção total entre a tutela cautelar e a antecipada. Quando requerida providência urgente de natureza cautelar, utilizandose o procedimento inadequado da antecipação de tutela, ou vice-versa, a providência era negada e, às vezes, extinta a própria ação, por fundamentos formais, sem exame do mérito. Isso gerava prejuízo aos litigantes, assim como insegurança jurídica, normalmente por que existem casos em que a natureza da medida pleiteada não se mostra evidente. Vê-se que antes da reforma processual ocorrida em 2002, a jurisprudência de diversos Tribunais, inclusive o Superior Tribunal de Justiça, se deparou com situações, onde o argumento essencial para a denegação de pleitos cautelares se fundou exclusivamente na satisfatividade da pretensão, conforme demonstra abaixo: PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO REGIMENTAL – PETIÇÃO INICIAL – INDEFERIMENTO – MEDIDA CAUTELAR – TUTELA ANTECIPADA – 1. Petição inicial indeferida sob o entendimento de que a pretensão dita como cautelar tem, em seu núcleo, efeitos de tutela antecipada. 2. Recurso especial intentado sem enfrentar os pressupostos da medida cautelar e a convicção do julgador que impôs o indeferimento. 3. Fundamentação do recurso que aponta violação aos artigos 151, II, do CTN e 19 da Lei nº 8.870/94, bem como do art. 9º, parágrafo 4º, da Lei nº 6.830/80. 4. Ausência de pressupostos para a admissibilidade do recurso especial, haja vista que a discussão está limitada, apenas, a saber se o pedido tem feição cautelar ou de tutela antecipada, aspectos não enfrentados pelos recorrentes. 5. Agravo regimental improvido.35 TRIBUTÁRIO. COMPENSAÇÃO DE TRIBUTOS. AÇÃO CAUTELAR. INADMISSIBILIDADE. É inadequada a ação cautelar para requerer compensação de tributos, tanto pela sua satisfatividade, quanto pela ausência de demonstração de perigo na demora, uma vez que a autoridade fazendária não pode impigir constrição num direito que é futuro, qual seja o de compensar créditos tributários inexistentes à época do ajuizamento da ação.36 Nesse contexto, a doutrina e a jurisprudência preocupada com a instrumentalidade das formas e com a efetiva prestação jurisdicional, passaram a admitir a fungibilidade entre essas medidas. O legislador, atento ao problema, optou 35 STJ. AGRESP 283217. RJ. 1ª T. Rel. Min. José Delgado. DJU 13.08.2001. STJ. ERESP 183627. SP. 1ª Seção. Embargos de Divergência no Recurso Especial. Rel. Min. Nancy Andrighi. DJU 10.05.2000. 36 47 por tornar expressa essa possibilidade. Esse é justamente o conteúdo do novo § 7º do artigo 273 do CPC, introduzido pela Lei 10.444 de maio de 2002. Assim, a fungibilidade entre as tutelas de urgência, tem-se, atualmente, um novo dispositivo legal que regula a matéria. Porém, sua interpretação vem gerando divergências doutrinárias e jurisprudenciais quanto ao seu alcance. A questão é atual e importante, pois envolve não apenas regra procedimental imprescindível à boa marcha do processo, como está diretamente relacionada com aspectos constitucionais, atinentes à efetividade da prestação jurisdicional. 3.2 A PROBLEMÁTICA INTERPRETAÇÃO DO § 7º DO ARTIGO 273 DO CPC A fungibilidade entre a tutela cautelar e a tutela antecipada, prevista no novel § 7º do artigo 273 do diploma processual civil pátrio, vem ocasionando na doutrina e nos Tribunais interpretações diversas. Existe forte debate sobre a possibilidade inversa, a de ser deferida medida antecipatória quando requerida via processo cautelar, assim como se discute a concessão de medidas cautelares nominadas nos autos do dito processo principal, além das questões procedimentais decorrentes de sua aplicação. O problema é a amplitude de tal dispositivo, ou seja, a possibilidade ou não da fungibilidade de mão dupla, se uma tutela pode ser substituída pela outra sendo a recíproca verdadeira. O ponto de partida para buscar entender a fungibilidade entre as chamadas medidas de urgência repousa na premissa de que a interpretação jurídica deve ser sistemática, isto é, deve visualizar o direito como um sistema integrado de normas. Nesse sistema, a Constituição Federal e seus princípios representam o norte orientador. Da própria Constituição Federal surge o primeiro problema, pois nela são consagrados certos direitos fundamentais a quem litiga em juízo, como a efetividade da jurisdição e a segurança jurídica. Ocorre que, muitas vezes, o sistema jurídico permite conflitos entre direitos fundamentais, por exemplo, a intimidade da vida privada e a liberdade de informação jornalística. Na perspectiva da demora e da segurança da decisão proferida ao final do processo, revela-se a tensão entre a 48 entrega efetiva e tempestiva da prestação jurisdicional, ou seja, a efetividade da jurisdição; e a decisão justa e adequada do litígio com as garantias do contraditório, da ampla defesa e da interposição de recursos, ou seja, a segurança jurídica. O poder de decretar medidas provisórias ou o exercício da função jurisdicional acautelatória, entendida de forma a englobar as várias espécies de tutela provisória, entre elas a cautelar propriamente dita e a antecipatória, tem justificativa em nossa Carta Maior como mecanismo capaz de harmonizar a tensão entre direitos fundamentais assegurados a quem litiga em juízo. Essa legitimidade constitucional da função acautelatória é o elemento de identidade entre a tutela cautelar e a tutela antecipada, pois as medidas de urgência têm verdadeira função constitucional de harmonização dos conflitos entre a efetividade da jurisdição e a segurança jurídica, sendo razoável afirmar que são garantidoras de princípios fundamentais. Luiz Guilherme Marinoni assevera que a Constituição Federal, ao prever que “nenhuma lei excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de lesão a direito”, acabou por garantir aos cidadãos, através do princípio da inafastabilidade do controle judiciário, o acesso à justiça. Além disso, esse acesso deve ser entendido não só como o direito de ingressar em juízo, mas sim, como o direito do jurisdicionado receber a prestação da tutela justa, adequada e tempestiva, através de procedimentos preordenados37. Mas a problemática interpretação do § 7º do artigo 273 do Código de Processo Civil não fica somente nas premissas constitucionais da tutela de urgência. É fundamental ressaltar que o próprio instituto das tutelas urgentes ainda não foram bem assimilados pela doutrina e pela jurisprudência. Não é preciso dizer que as posições divergentes acabam por dificultar o trato dessa matéria. Como referido, com o advento da antecipação de tutela, a doutrina resolveu apartar os dois institutos, buscando conceitos técnicos capazes de diferenciar totalmente as espécies de medidas de urgência: cautelar e antecipada. Esse é mais um problema para interpretação do novel parágrafo. A tutela cautelar e a tutela antecipada são espécies do mesmo gênero e, como tal, devem ser tratadas da forma mais próxima possível. 37 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento e Tutela Jurisdicional Através do Processo de Conhecimento. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 50. 49 Cândido Rangel Dinamarco preocupado com a busca insistente pela separação técnica entre as duas tutelas recomenda um tratamento semelhante para elas, afastando, dessa forma, o rigor formal que impede a realização de direitos urgentes.38 É interessante observar que, um dos mais importantes institutos processuais, a antecipação de tutela, está regulamentado em apenas um artigo, com dois incisos e sete parágrafos, enquanto a tutela cautelar, está prevista em um Livro composto por 94 artigos e seus parágrafos. Conclui pela evidente disparidade de tratamento, sendo, portanto, insuficiente a legislação destinada à tutela antecipada. Importante dizer que o principal fundamento que a doutrina abraça para distinguir as espécies de tutelas de urgência é justamente a afirmação de que a primeira assegura uma pretensão, enquanto a outra realiza de imediato essa pretensão. Sendo assim, parte da doutrina vem se posicionando de maneira negativa, aduzindo que o referido dispositivo não trouxe a possibilidade de fungibilidade ampla, mas apenas em uma única via de direção, desde que presentes os pressupostos, é claro, isto é, não está autorizado o juiz a conceder medida antecipatória de tutela quando pleiteada medida de natureza cautelar. Outra parte da doutrina segue a tese do “duplo sentido vetorial” que defende a fungibilidade de mão dupla ocasionando a possibilidade de substituição de um instituto pelo outro e vice-versa, também com a presença dos pressupostos de uma ou de outra para a sua viabilização, o que leva ao raciocínio de que a fungibilidade não pode ser aplicada em uma só mão de direção. Luiz Gustavo Tardin afirma em sua obra: Em relação à questão exposta, existem atualmente, duas orientações firmadas. A primeira admite a fungibilidade apenas na expressão da norma, ou seja, em mão única. Argumentam, em resumo, que os pressupostos para concessão da tutela antecipada são mais robustos do que os pressupostos das medidas cautelares. Logo, a ser requerida providência cautelar não pode o magistrado, concluindo pela satisfatividade da medida, conceder tutela antecipada. A própria exposição de motivos justificaria esse entendimento. A outra corrente, por sinal majoritária, admite a 38 DINAMARCO, Cândido Rangel. A Reforma da Reforma. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 9091. 50 chamada fungibilidade em mão dupla. Com a propositura de ação cautelar e presente os pressupostos de antecipação de tutela, fica o juiz, nessa concepção, autorizado a conceder a tutela antecipada requerida sob rótulo cautelar.39 Apesar dos diferentes entendimentos, ambos concordam que: o § 7º tem a qualidade de permitir, explicitamente, a obtenção de uma medida cautelar no bojo do próprio processo principal, fato este que antes da reforma de 2002 não era possível no sistema processual brasileiro, segundo a doutrina majoritária; e, o texto prevê uma fungibilidade de pedidos e não de procedimentos. Em relação ao primeiro item não há dificuldades, haja vista que o dispositivo mencionado é explícito ao autorizar a adoção de uma medida cautelar no próprio processo principal; contudo, o segundo, traz a tona questões que terão total influência sobre a possibilidade ou não da fungibilidade ampla, uma vez que, tratando-se de simples fungibilidade de pedidos, sem uma mudança ou conversão do procedimento, a mesma não será possível. Para os defensores da fungibilidade em uma única via de direção, o raciocínio da fungibilidade de pedidos justifica apenas a possibilidade de ocorrência da chamada fungibilidade regressiva, isto é, de antecipação de tutela para providência cautelar. O contrário, ou seja, a fungibilidade progressiva não seria possível, já que a mera fungibilidade de pedidos não explica como o juiz recepcionará uma ação cautelar inominada incidental ou preparatória tal qual fosse um pedido de antecipação de tutela sem substituir o procedimento cautelar utilizado pela parte, pelo rito comum, ordinário ou sumário. Já os defensores da fungibilidade de mão dupla defendem que, embora a própria leitura do § 7º do artigo 273 dirija ao pensamento de que somente é permitida a fungibilidade regressiva, ou seja, apreciar um pedido de tutela antecipada como cautelar, a boa doutrina e a jurisprudência, já vem entendendo a possibilidade também de se admitir o contrário, a saber, a fungibilidade progressiva. Ademais, analisando o texto da lei, verifica-se a inexistência de ressalvas ou condições para a aplicação da fungibilidade: a lei somente observou o preenchimento dos respectivos requisitos. 39 TARDIN, Luiz Gustavo. Fungibilidade das Tutelas de Urgência. São Paulo: Revista dos tribunais, 2006. p. 171. 51 3.3 CASOS PARA APLICAÇÃO DA FUNGIBILIDADE ENTRE AS TUTELAS DE URGÊNCIA Esse ponto é de suma importância, pois nele, procura-se identificar como o magistrado pode proceder em face das situações processuais decorrentes da fungibilidade entre as tutelas de urgência. Para isso, cabe identificar quais são essas situações: medida cautelar requerida incidentalmente como antecipação de tutela e medida antecipatória requerida em processo cautelar preparatório ou incidental. Pode-se dizer que, para parte da doutrina, a fungibilidade entre as tutelas de urgência também segue os requisitos da fungibilidade recursal que era previsto no artigo 810 do CPC de 1939 e, apesar de não haver previsão expressa no atual Código de Processo Civil, a doutrina e a jurisprudência admite sua aplicação, sendo eles: a inexistência de erro grosseiro ou má-fé e, a dúvida objetiva, isto é, dúvida plausível sobre qual a medida cabível. Porém, não seria essa a melhor alternativa, uma vez que, alguns doutrinadores não admitem o requisito negativo da má-fé, tendo em vista a extrema dificuldade para fixar os contornos e pressupostos caracterizadores da mesma. Esses juristas afirmam que os requisitos para a aplicação da fungibilidade nos recursos são a dúvida objetiva e a inexistência de erro grosseiro. Segundo João Antonio Lima Castro: Daí pode-se concluir que não seria possível a concessão, mediante aplicação da fungibilidade, de medida cautelar típica, uma vez que o sistema legal é expresso sobre as suas hipóteses de cabimento, seus requisitos específicos e seu procedimento a ser adotado.40 De certo há de analisar que o objeto da inovação legislativa é o de aproveitar pedido incidental articulado equivocadamente pela parte, evitando seu indeferimento de plano, preservando, assim, a segurança do bem da vida litigioso ou a incolumidade do próprio processo. 40 CASTRO, João Antônio Lima. Direito Processual: Enfoque Constitucional, Coletânea de Artigos. Belo Horizonte: PUC Minas, Instituto de Educação Continuada, 2008. p. 60. 52 Restringe, portanto, a aplicação da fungibilidade apenas nos casos em que as circunstâncias demonstrem uma verdadeira “zona cinzenta”. O fundamento principal para a fungibilidade entre as tutelas de urgência é o fato de que o jurisdicionado não pode ser prejudicado por questões de formalismo. 3.3.1 Medida Cautelar Requerida como Antecipação de Tutela Essa hipótese é justamente a prevista na Lei 10.444/2002. Se antes a jurisprudência já admitia a fungibilidade, a lei agora consagrou sua aplicação. Entretanto, a doutrina continua a divergir quanto ao procedimento a ser adotado. A interpretação literal do mencionado dispositivo legal leva a crer que a medida cautelar deve ser concedida, desde que preenchidos os respectivos requisitos, e processadas nos próprios autos do processo principal. Resolverá o assunto tal como resolveria um pedido de antecipação de tutela, ou seja, nos próprios autos no que difere do procedimento das medidas cautelares. Misael Montenegro Filho expressa em sua obra que: O pedido de antecipação de tutela é satisfativo, objetivando venha o autor a conviver com os efeitos da sentença antes mesmo de esta ser prolatada. Na hipótese de o autor ingressar com a ação de conhecimento com pleito de tutela antecipada, quando seria a hipótese de pedido liminar situado no âmbito de ação cautelar, por força do § 7º do art. 273 do CPC, pode o magistrado conhecer do pedido como se estivesse diante de uma cautelar incidental. Evidente, nesse caso, que o autor pretende obter medida preventiva (e não satisfativa), não tendo preenchido os requisitos da antecipação de tutela, mas os requisitos menores, a saber: fumus boni iuris e periculum in mora. O juiz apreciará a pretensão do autor nos próprios autos.41 41 MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de Direito Processual Civil: Medidas de Urgência, Tutela Antecipada e Ação Cautelar, Procedimentos Especiais. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2006.p.7273. 53 Certamente que esse procedimento está em conformidade com a economia processual, sem, contudo, deixar de servir como instrumento para a efetiva, adequada e tempestiva tutela jurisdicional. Por fim, cumpre atender ao atual estado de espírito da tutela de urgência. Diante da larga discussão em sede doutrinária, dos diversos entendimentos jurisprudenciais e da legislação positiva em vigor, conclui-se que o procedimento a ser seguido, pelo menos por enquanto, deve ser uma opção da parte. Se o requerente entender que o melhor é pleitear medida cautelar em processo autônomo, que assim o faça; se preferir, todavia, pleiteá-la incidentalmente ao processo ajuizado, não existe óbice. 3.3.2 Medida Antecipatória Requerida em Processo Cautelar Esse é o ponto mais polêmico dessa nova produção legislativa: a aceitação, ou não, de fungibilidade na hipótese inversa, isto é, se pode ser deferida medida antecipatória requerida sob a veste cautelar, seja preparatória, seja incidental. Tudo isso por que a lei não expressou claramente o limite da fungibilidade, não disse que poderia, tampouco que não. Arruda Alvim lidera os juristas que entendem ser inviável a chamada hipótese inversa, sendo a fungibilidade via de uma mão só. Afirma que a lei não autorizou esse procedimento, apenas prevê uma forma de fungibilidade, no caso da parte requerer inadequadamente providência cautelar sob a veste de antecipação de tutela, nos próprios autos do processo principal e desde que preenchidos os respectivos requisitos. Fundamenta que a hipótese inversa importaria em conceder o mais tendo sido pedido o menos.42 Isso se deve por que os requisitos para a concessão da tutela antecipada necessitam de grau maior de densidade do que os requisitos da tutela cautelar. Esses requisitos são ontologicamente e fundamentalmente os mesmos, mas a verossimilhança necessária para a medida antecipatória requer grau mais 42 ALVIM, Arruda. Notas Sobre a Disciplina da Antecipação da Tutela na Lei 10.444 de 07 de maio de 2002. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p.107. 54 intenso, uma exigência maior de certeza sobre o direito do que o fumus boni iuris da tutela cautelar. Em sentido contrário, Humberto Teodoro Júnior lembra bem que ambas as tutelas integram a um só gênero, o das tutelas de urgência e, no caso do magistrado se ater ao rigor técnico classificatório, corre-se o risco de indeferir medida de urgência somente por uma questão de ordem formal prejudicando o litigante na efetividade do processo.43 Para os juristas dessa linha, as razões de ordem formal não devem obstar que a parte obtenha a seu favor provimento cujo sentido e função sejam o de gerar condições à plena eficácia da providência jurisdicional pleiteada. Sem desrespeitar posição em contrário, preferem optar pela assertiva de que questões meramente terminológicas e procedimentais não devem impedir o reconhecimento do direito, principalmente porque não se consegue identificar profundas diferenças entre a tutela conservativa e a antecipatória, mesmo entre as típicas, pois podem ser substituídas por outras, nominadas ou não, conforme o caso. O próprio legislador, ao positivar medidas notadamente antecipatórias no Livro III destinado ao processo cautelar, acabou por ignorar supostas diferenças entre as duas tutelas de urgência, na época não existia tal separação. Alcides Munhoz da Cunha assim se manifesta: Desde logo cabe adiantar que a ideologia instrumentalista não se compadece com formalismos estéreis. As fórmulas cautelar conservativa e cautelar antecipatória, ou ainda, (que seja!) medida cautelar e medida antecipatória, não foram suficientemente assimiladas, compreendidas, distinguidas ou aproximadas pela doutrina e jurisprudência. Exatamente por isso as imprecisões conceituais não deveriam turbar a efetividade dessas tutelas de urgência; pois não se pode objetivamente considerar como erro grosseiro as questões que são objeto de divergências atuais na doutrina e na jurisprudência. Não obstante, a preocupação em demonstrar a adesão a essa ou aquela concepção tem motivado a negativa de tutela adequada às situações de urgência.44 43 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Processo de Execução e Cumprimento de Sentença, Processo Cautelar e Tutela de Urgência. 39. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 666. 44 CUNHA, Alcides Munhoz da. Comentários ao Código de Processo Civil: Do Processo Cautelar, arts. 796 a 812. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 335. 55 O legislador, ao consagrar a fungibilidade procedimental entre as tutelas de urgência, objetiva alcançar o princípio da economia processual. Caso seja negada a chamada via de mão dupla ou hipótese inversa, não seria alcançada a economia processual. Apenas causaria mais transtornos ao litigante que espera providência urgente, tudo em razão de questões formais. Sobre o assunto, Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart apresenta a seguinte posição: Frise-se, não obstante, que o § 7º do artigo 273, ao admitir a confusão entre as tutelas cautelar e antecipatória, sublinha a distinção entre ambas. Isto por uma razão de lógica elementar: somente coisas distintas podem ser confundidas. Com efeito, o § 7º do artigo 273 não supõe a identidade entre tutela cautelar e tutela antecipatória. Tal norma, partindo do pressuposto de que, em alguns casos, pode haver confusão entre as tutelas cautelar e antecipatória, deseja apenas ressalvar a possibilidade de se conceder tutela urgente no processo de conhecimento, nos casos em que houver dúvida fundada e razoável quanto a sua natureza (antecipatória ou cautelar).45 Humberto Theodoro Júnior complementa: O que não pode deixar de ser observado é o atendimento dos pressupostos justificadores da providência de urgência. Assim, mesmo que veiculado o pedido, por via procedimental imprópria, o exame de sua admissibilidade terá de levar em conta não o procedimento eleito mas a natureza mesma da medida. Se, por exemplo, se requereu medida satisfativa dentro do procedimento próprio da ação cautelar atípica, o provimento preventivo somente será deferido se presentes os requisitos do artigo 273, e não apenas os do artigo 798 do CPC.46 Seguindo o mesmo raciocínio, João Antonio Lima Castro apresenta seu entendimento: Não obstante a importante discussão mencionada, conclui-se que a inovação visa a segurança das garantias constitucionais através da efetividade da tutela jurisdicional. Entretanto, o dispositivo não pode MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento e Tutela Jurisdicional Através do Processo de Conhecimento. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 69. 46 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Processo de Execução e Cumprimento de Sentença, Processo Cautelar e Tutela de Urgência. 39. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 667. 45 56 ser usado como meio fraudulento, para conversibilidade da antecipação de tutela em cautelar, onde os requisitos para sua concessão são muito menos intensos, sob pena de se jogar por terra toda evolução do processo civil em criar e consagrar as suas duas espécies de tutela de urgência, uma de cunho conservativo e outra de cunho satisfativo, bem como de um retorno às incertezas já solucionadas, incentivando o uso da cautelar satisfativa.47 Elucidando melhor o tema, o jurista Fredie Didier Júnior, vai mais além, ao defender além da fungibilidade em duplo sentido vetorial, ou seja, também a fungibilidade progressiva, defende a possibilidade de aplicação, no caso concreto, do disposto no artigo 295, V, do Código de Processo Civil48, isto é, verificando a possibilidade de concessão da tutela antecipada em troca da cautelar, converte-se o procedimento para o rito comum, intimando-se o autor para que emende a peça inicial. Assim é o entendimento desse jurista: Se a parte requerer medida antecipatória/satisfativa via processo cautelar, e o magistrado entender que os requisitos da tutela antecipada estão preenchidos, deve ele conceder a medida, desde que determine a conversão do procedimento para o rito comum (ordinário ou sumário, conforme seja), intimando o autor para que proceda, se assim o desejar ou for necessário, às devidas adaptações em sua petição inicial, antes da citação do réu. Essa medida pode ser tomada de ofício, com base no artigo 295, V, do CPC. Em hipótese alguma deve determinar a extinção do feito, sob a absurda rubrica da ausência de interesse de agir. A conversibilidade do procedimento é uma das maiores manifestações do princípio da instrumentalidade das formas, e não pode ser olvidada. Trata-se, aqui, de adaptação da fungibilidade dos provimentos de urgência, junto com uma adaptação procedimental: acaso requerida uma medida antecipatória pelo procedimento equivocado (cautelar), corrige-o o juiz – em situação contrária, como 49 visto, não é necessária essa conversão procedimental. 47 CASTRO, João Antônio Lima. Direito Processual: Enfoque Constitucional, Coletânea de Artigos. Belo Horizonte: PUC Minas, Instituto de Educação Continuada, 2008. p. 63. 48 Art. 295. A petição inicial será indeferida: I – ... V – quando o tipo de procedimento, escolhido pelo autor, não corresponder à natureza da causa ou ao valor da ação; caso em que só não será indeferida, se puder adaptar-se ao tipo de procedimento legal. 49 JORGE, Flávio Cheim; DIDIER JÚNIOR, Fredie; RODRIGUES, Marcelo Abelha. A Nova Reforma Processual. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 92. 57 3.4 A EXTINÇÃO APARENTE DO PROCESSO CAUTELAR Após a redação da Lei nº 8.952 de 13 de dezembro de 1994, que criou o instituto da tutela antecipada, tem-se dito e discutido que as medidas cautelares não poderiam satisfazer um interesse plausível, pois essa satisfação implicaria realização antecipada do próprio direito subjetivo. Assim é que, se eventualmente, através da função cautelar se antecipava efeitos, a medida cautelar estaria, a princípio, invadindo função do processo principal, por que satisfazia a pretensão material do autor. Todavia, essa usurpação seria tolerável juridicamente, por parte de alguns magistrados, porque o ordenamento não previa formas de sumarização do direito subjetivo. Na inexistência de tutela antecipada no procedimento comum, o cotidiano forense admitia o manuseio da ação cautelar para fazer às vezes da medida antecipatória, ou seja, alguns juízes, ciente da insuficiência do ordenamento jurídico de então, aceitava a ação como cautelar, mas por necessidade, devido à situação jurídica de uma época. Desta forma, a tutela cautelar acabava exercendo uma função residual, aceitável em face do regime da cautelaridade. No entanto, após a inserção dos artigos 273 e 461 no CPC a prática passou a ser repudiada, em virtude da existência de mecanismo adequado. Logo, ocorreu uma purificação do processo cautelar. Dessa forma, a sistematização da tutela antecipada, especialmente após as alterações advindas por meio da Lei Nº 10.444/02, serviu para potencializar os questionamentos a respeito da utilidade das medidas cautelares. O advento da tutela antecipada, postulada na ação de conhecimento, nos moldes do artigo 273 do Código de Processo Civil, eliminou o poder geral de cautela do juiz e enfraqueceu o processo cautelar de sua importante função assecuratória. Eliminou o poder geral de cautela do juiz por que ele estava adstrito a conceder a medida cautelar atípica, e uma vez verificados três requisitos, quais sejam: ausência de medida cautelar típica que se revele adequada para a hipótese deduzida em juízo, fumus boni iuris e periculum in mora. Hoje não há mais necessidade de ingressar em juízo com cautelar atípica. 58 O processo cautelar esvaziou-se. O principal argumento para tal posicionamento diz respeito à efetividade do provimento prestado, de forma que a antecipação de tutela se prestaria melhor para tanto. Fala-se muito em falência do processo cautelar, ele está previsto no Código de Processo Civil, continua lá, mas perdeu sua razão de existir. Aparentemente foi extinto, pois é muito mais conveniente, cômodo e barato utilizar a antecipação da tutela. Não há porquê ajuizar demanda autônoma, cuja finalidade pode ser perfeitamente alcançada nos próprios autos da demanda principal, de forma cognitiva, caso fosse proposto como tutela antecipada. Para os defensores da tutela cautelar, a sobrevivência da mesma se faz indispensável em virtude de que, na antecipação de tutela há congruência entre o seu objeto e o pedido principal, devendo, desta forma, ser demonstrada a verossimilhança inequivocamente, enquanto que, no provimento cautelar não se exige tanto. Ou seja, não haveria razões para se descaracterizar o instituto, uma vez que, para as hipóteses em que se busca apenas a segurança de um direito, o qual não coincida com a pretensão final, a medida cautelar autônoma e instrumental servirá perfeitamente ao resultado esperado, tornando eficaz o pleito principal. Inobstante as discussões acerca do tema, não há que se negar que o processo cautelar começou a perder espaço com a reforma de 1994, que introduziu a antecipação de tutela no ordenamento jurídico brasileiro, principalmente quanto às chamadas ações cautelares inominadas, previstas no artigo 798 do CPC, as quais serviam de instrumento para obter qualquer tutela de urgência não prevista expressamente entre as cautelares típicas. A imensa redução na utilização de tais medidas se deu porque, na sua maioria, possuíam natureza antecipatória, ou seja, passaram a sujeitar-se não mais ao regime de ação autônoma, mas sim ao previsto no artigo 273, podendo, desta forma, ser obtidas no próprio processo de conhecimento. Além disso, urge inferir que a previsão da fungibilidade das tutelas de urgência no § 7º do artigo 273 veio, praticamente, mitigar a aplicabilidade do processo cautelar na atividade jurisdicional e tornou mais consistente a tese favorável a perda da utilidade de sua função assecuratória. Sendo assim, cumpre ao magistrado, com lastro na instrumentalidade, na efetividade do processo e na fungibilidade que tem sua razão de ser na 59 realização efetiva dos direitos, conhecer do pedido segundo a sua natureza jurídica em função da essência do que é postulado e não pelo rótulo que vem externado. As ementas abaixo transcritas confirmam tal posicionamento: DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO CAUTELAR PREPARATÓRIA DE SUSTAÇÃO DE PROTESTO. Desconstituição da sentença que extinguiu o processo com força no art. 267, inciso I, c/c o art. 295, inciso V, ambos do CPC, sob o fundamento de que medida cautelar é incabível para os casos de antecipação de tutela. A Lei nº 10.444, de 07/05/2002, introduziu o par. 7º, no art. 273, do CPC, criando regra de fungibilidade processual recíproca entre medidas cautelares e tutelas antecipatórias, observados os requisitos que lhes são respectivos, deste modo consolidando orientação jurisprudencial que rejeitava a sacralização das formas processuais, evitava a criação de estado de perplexidade jurídica para o jurisdicionado e afirmar que o processo judicial não é um fim em si mesmo. Apelo provido. Sentença desconstituída.50 CAUTELAR. SUSTAÇÃO DE PROTESTO. POSSIBILIDADE. Ensina a doutrina à relatividade da distinção entre a antecipação da tutela de conhecimento e a tutela cautelar. Nada obsta a apreciação da providência buscada pelo autor em ação cautelar preparatória, não obstante pudesse ter sido pleiteada na ação revisional, como antecipação de tutela. Sentença desconstituída. Apelação provida.51 Essa parece a solução ideal, pelo menos enquanto não for revisado o processo cautelar e sua utilização, momento oportuno para as mudanças nas leis vigentes, adequando o gênero das tutelas de urgência ao contexto em que vivemos. Restará ao processo cautelar autônomo duas únicas utilidades, quais sejam: como ação cautelar incidental, conforme o art. 800 do CPC, tendo em vista a necessária estabilização da demanda acautelada, que já fora ajuizada, e também como forma de não tumultuar o processo com o novo requerimento e, nas hipóteses em que a ação cautelar é daquelas que dispensam o ajuizamento da ação principal, exatamente por que não se trata de medida cautelar, por exemplo exibição e caução; ou porque não se trata de medida cautelar constritiva como a produção antecipada de provas. 50 TJRS. Apelação Cível nº 70004267977. 14ª Câmara Cível. Relator: Aymoré Roque Pottes de Mello. Julgado em 12/09/2002. 51 TJRS. Apelação Cível nº 70000454371. 13ª Câmara Cível. Relator: Des. Márcio Borges Fortes. Julgado em 16/12/1999. 60 Inclusive, já há um Projeto de Lei no Senado Federal Nº 186 de 2005 para modificar os §§ 4º e 5º do art. 273 e acrescentar os arts. 273-A, 273-B, 273-C e 273-D ao Código de Processo Civil, com a finalidade de permitir a estabilização da tutela antecipada. O referido Projeto de Lei traz as seguintes disposições: Art. 273 ... § 4º A tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada, fundamentadamente, enquanto não se produza a preclusão da decisão que a concedeu (§ 1º do art. 273-B e art. 273-C). § 5º Na hipótese do inciso I deste artigo, o juiz só concederá a tutela antecipada sem ouvir a parte contrária em caso de extrema urgência ou quando verificar que o réu, citado, poderá torna-la ineficaz. Art. 273-A A antecipação de tutela poderá ser requerida em procedimento antecedente ou na pendência do processo. Art. 273-B Aplicam-se ao procedimento previsto no art. 273-A, no que couber, as disposições do Livro III, Título Único, Capítulo I deste Código. § 1º Preclusa a decisão que concedeu a tutela antecipada, é facultado, no prazo de 60 (sessenta) dias: a) ao réu, propor demanda que vise à sentença de mérito; b) ao autor, em caso de antecipação parcial, propor demanda que vise à satisfação integral da pretensão. § 2º Não intentada a ação, a medida antecipatória adquirirá força de coisa julgada nos limites da decisão proferida. Art. 273-C Preclusa a decisão que concedeu a tutela antecipada no curso do processo, é facultado à parte interessada requerer seu prosseguimento, no prazo de 30 (trinta) dias, objetivando o julgamento de mérito. Parágrafo Único. Não pleiteado o prosseguimento do processo, a medida antecipatória adquirirá força de coisa julgada nos limites da decisão proferida. Art. 273-D Proposta a demanda (§ 1º do art. 273-B) ou retomado o curso do processo (art. 273-C), sua eventual extinção, sem julgamento do mérito, não ocasionará a ineficácia da medida antecipatória, ressalvada a carência da ação, se incompatíveis as decisões. Se o Projeto de Lei 186/2005 for aprovado vai agravar ainda mais a situação do Processo Cautelar, isso por que a proposta de estabilização da tutela antecipada procura, em síntese, tornar definitivo e suficiente o comando estabelecido por ocasião da decisão antecipatória. Não importa se se trata de antecipação total ou parcial. O que se pretende, por razões de ordem prática – mas não destituídas de embasamento teórico – é deixar que as próprias partes decidam sobre a conveniência, ou não, da instauração ou do prosseguimento da demanda. Pois, a 61 tutela antecipada poderá ser requerida em processos pendentes ou em processos antecedentes. Se o ponto definido na decisão antecipatória é o que as partes efetivamente pretendiam e deixam isso claro por meio de atitude omissiva consistente em não propor a demanda posterior que vise à sentença de mérito (em se tratando de antecipação em procedimento antecedente) ou em não requerer o prosseguimento do processo (quando a antecipação é concedida no curso deste), tem-se por solucionado o conflito existente entre as partes. A continuidade do processo (processos pendentes) deve dar-se no prazo de 30 dias e a demanda posterior (processos antecedentes) deve dar-se no prazo de 60 dias e, tanto o autor (antecipação parcial) como o réu (antecipação total) pode requerer a continuidade ou a demanda posterior processual, visando a cognição exauriente. Caso não seja requerida a continuidade ou instaurada a nova relação processual nos prazos referidos, a decisão que antecipou a tutela torna-se-á definitiva com o selo da coisa julgada. Enquanto essa lei não é aprovada, a tutela de urgência não deve ser restringida, deve sim, ser interpretada de forma extensiva, de forma a possibilitar o alcance dos princípios constitucionalmente consagrados, como a garantia do acesso à ordem jurídica justa e à prestação efetiva, adequada e tempestiva da jurisdição constitucional. Porém, ressalte-se que qualquer liminar, salvo em casos excepcionalíssimos em que se deve fazer incidir o princípio da proporcionalidade, devem gerar alterações no mundo jurídico passíveis de serem revertidas. Isto por que é preciso estar atento aos riscos e prejuízos que serão ocasionados em razão de tal concessão. 62 CONCLUSÃO O bom funcionamento da justiça é de interesse público difuso, eis que afeta os cidadãos em sua totalidade. Em razão disto, o Poder Judiciário deve ser dinâmico e ágil por que através destas características constrói-se uma sociedade justa e igualitária, protegendo a democracia e o estado de direito. A responsabilidade social do judiciário somente é efetiva quando há uma estrutura capaz de minimizar a morosidade da prestação jurisdicional. Visando esse objetivo, o Processo Civil moderno encontra-se em evidente processo de desburocratização, ou seja, há um consenso na doutrina e nos legisladores de que o processo é um instrumento para a aquisição ou proteção de um direito e não um fim em si mesmo. Com isso, várias mudanças foram feitas na legislação processual, todas com vista a proteger o bem tutelado que se encontra em risco, não se importando, para tanto, com maiores rigores formalísticos, como exemplo tem-se a utilização de tutela cautelar satisfativa, o que discrepa frontalmente da função cautelar. Se outrora eram toleradas, ante a reforma do Código de Processo Civil, operada em meados da década passada e que instituiu a antecipação de tutela, deixou de ser lícita a utilização de tal expediente. No entanto, vê-se todos os dias ingressarem em juízo, ainda hoje, cautelares de cunho nitidamente satisfativo, espaço este que deveria estar sendo ocupado pela antecipação dos efeitos da tutela, prevista no artigo 273 do Código de Processo Civil. A gravidade do problema é percebida mais claramente quando observa-se que os requisitos para a obtenção da antecipação dos efeitos da tutela no processo de conhecimento são mais rígidos do que o juízo de verossimilhança requerido pela tutela cautelar. Logo, a utilização da cautelar satisfativa implica, em última análise, burlar a lei. Os efeitos da tutela pretendida só podem ser outorgados após cognição plena e exauriente, enquanto a cautelar representa uma forma de sumarização por excelência, portanto uma forma de tutela incompatível com a antecipação de efeitos correspondentes aos buscados no processo acautelado. Porém, com o objetivo de amenizar o problema, o legislador positivou no § 7º do artigo 273 do Código de Processo Civil, a fungibilidade entre as tutelas de 63 urgência, que representa uma manifestação do princípio da instrumentalidade das formas. É irrelevante para a efetiva prestação da tutela jurisdicional se a providência pleiteada é nominada tutela antecipada ou tutela cautelar. Em todos os casos, deve o magistrado analisar o pedido, com o cuidado de examinar os pressupostos específicos de cada medida, concedendo-a, se preenchidos os requisitos. O que justifica a menção das chamadas tutela cautelar e tutela antecipada é que, em ambas, o elemento constante, que legitima a pronta e imediata, até mesmo, enérgica atuação do Estado-juiz, é a urgência, isto é, a necessidade de atuação jurisdicional antes da consumação do dano. As duas visam afastar uma situação de risco. Mas de forma distinta. Na tutela antecipada, pela satisfação antecipada do direito do autor, em caráter provisório; na tutela cautelar, pela tomada de providências acautelatórias que afastam o perigo. De fato, é inquestionável a vocação do processo cautelar a operar somente no campo do direito processual, gerando efeitos indiretos no campo do direito material. Se a um dos litigantes, for permitido com mera verossimilhança obter uma liminar na tutela cautelar, não irá ocupar-se em produzir prova inequívoca para obter a tutela antecipada. Sendo assim, o processo cautelar tende a desaparecer, pois a concessão de medidas cautelares no curso do próprio processo ajuizado, conhecimento ou execução, parece ser o caminho mais prático e econômico. Mesmo assim, enquanto a lei que regulamenta as tutelas de urgência não é objeto de profunda revisão, entende-se que a parte pode optar entre o requerimento de medida acautelatória nos autos do processo principal ou a instauração de processo autônomo. Por fim, percebe-se que as tutelas de urgência no Brasil tiveram uma sensível melhora pela introdução do § 7º ao artigo 273, porém, não sendo um marco final. Mostra-se conveniente uma reestruturação total dos procedimentos antecipados – antecipação de tutela e tutela cautelar – através de um livro único que regule a matéria, evitando assim interpretações divergentes sobre expedientes tão necessários aos operadores do direito. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVIM, Arruda. Notas Sobre a Disciplina da Antecipação da Tutela na Lei 10.444 de 07 de maio de 2002. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. BUENO, Cássio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil: Teoria Geral do Direito Processual Civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2002. CARNEIRO, Athos Gusmão. Da Antecipação de Tutela. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. CASTRO, João Antonio Lima. 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