É preciso muito mais que dinheiro para segurar
os talentos
Por Vicky Bloch
À medida que a economia do Brasil começou a crescer nas últimas décadas, aquecendo o mercado
de trabalho, um assunto se tornou crucial: a retenção de talentos.
O aumento da competitividade aliado ao surgimento de novas oportunidades trouxe às empresas a
ameaça de não conseguirem manter no seu quadro os melhores profissionais. Sem tais lideranças
promissoras, a capacidade de inovação e de diferenciação diminuem e inicia-se assim um processo
de descontinuidade prejudicial ao sucesso de qualquer negócio.
Gosto de uma definição de talento utilizada em um artigo da "The Economist" publicado alguns
anos atrás: é aquele que tem as competências para resolver problemas inéditos e complexos, ou
inventar novas soluções. É aquele que faz diferença constante dentro e fora da organização.
Mas será que há algo mais profundo que faz com que as empresas percam seus talentos com tanta
facilidade? Entender o contexto faz muito sentido quando abordamos a retenção.
Vale lembrar que o trabalhador do conhecimento, que surgiu neste novo século, substituiu o
chamado trabalhador organizacional - aquele caracterizado pela dependência e fidelidade à
empresa detentora do conhecimento e representava poder.
Esse profissional de hoje atua de forma independente e sua fidelidade se dá em torno de uma
causa, um significado. O conhecimento não tem mais dono e é compartilhado nas redes, assim
como o número de relações se tornou exponencial.
Afetadas pelo movimento de demissões da década de 1990, que causou o sofrimento de milhares
de trabalhadores (inclusive executivos) que não conseguiram reatar com seu ofício, as gerações
seguintes ficaram desencantadas. Essa mudança pressionou gradativamente as relações internas
nas organizações. Hoje, existe um enorme conflito de mentalidade entre as diferentes gerações
que ainda convivem dentro do ambiente empresarial.
As lideranças que foram formadas na era do trabalhador organizacional não entendiam - e até
hoje não entendem - essa relação que não depende mais da hierarquia e, sim, requer um
investimento na transparência. Cansamos de ver executivos "das antigas" tratando seus
subordinados com uma postura agressiva, hierárquica e professoral, enquanto as novas gerações
querem liberdade, flexibilidade e troca.
Muitos administradores acharam que conseguiriam reter suas equipes apenas por meio de
mecanismos monetários. Muito mais do que reter, tentaram aprisionar. Esse movimento se
distanciou do conceito inicial de retenção, que deveria ser a discussão de como encantar
novamente as pessoas no ambiente organizacional.
As companhias ainda não compreenderam, na profundidade necessária, essa ruptura, e não
preparam as lideranças para entender seu papel. Estas, por sua vez, também não estão
encantadas, exercendo suas funções sem paixão e com base em um sistema chamado de retenção
que foca na relação monetária.
É só isso que queremos tirar do trabalho? É fundamental refletir sobre quais são as trocas que
desejamos ter nesse ambiente. Conseguiremos pensar nos significados e no que fazemos de
diferença na vida quando passamos dez horas por dia fechados em um escritório, colocando ali
toda nossa energia? Qual é o sinal que damos com o sistema de "retenção" que desenhamos?
Acredito que deveríamos começar a introduzir um sistema de trocas simbólicas em que o foco está
no conteúdo de uma relação que permite transparência de ambas as partes, de forma que
possamos enxergar nosso crescimento em um ambiente organizacional respeitoso e digno. Cobrar
de nossas lideranças comportamentos que elas próprias gostariam de receber não é pedir demais.
É essencial criar uma relação que questione e gratifique esse comportamento de cidadão.
Com tudo isso, questiono se temos o direito de reclamar que as pessoas não desejam mais
permanecer nas organizações. Frequentemente se compara o trabalho a um casamento, em que os
divórcios fazem parte do processo. Mas como podemos colocar lado a lado uma relação afetiva
com uma sociotécnica? Cada uma delas tem um tipo de investimento emocional diferente, que
devemos compreender na profundidade para suportar o organizacional do jeito que lhe cabe.
Vicky Bloch é professora da FGV, do MBA de recursos humanos da FIA e fundadora
da Vicky Bloch Associados
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