Apelação Cível n. 2013.066714-7, da Capital Relator: Des. João Henrique Blasi APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. TERRENO PERTENCENTE AO ESTADO. CONTRATO DE LOCAÇÃO FIRMADO POR ASSOCIAÇÃO DE SERVIDORES (DA FUNDAÇÃO HOSPITALAR DE SANTA CATARINA) COM TERCEIRO PARA EXPLORAÇÃO DE QUIOSQUE. AUSÊNCIA DO ESTADO NA CELEBRAÇÃO DA AVENÇA. INCOMPETÊNCIA DA ASSOCIAÇÃO LOCADORA. INEXISTÊNCIA DE PROCESSO LICITATÓRIO. NULIDADE DE PLENO DIREITO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2013.066714-7, da comarca da Capital (3ª Vara da Fazenda Pública), em que é apelante Sandro Machado ME e apelado Estado de Santa Catarina: A Segunda Câmara de Direito Público decidiu, por votação unânime, negar provimento ao recurso. Custas legais. Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Exmos. Srs. Desembargadores Sérgio Baasch Luz, que o presidiu, e Cid Goulart. Florianópolis, 4 de fevereiro de 2014 João Henrique Blasi RELATOR RELATÓRIO Sandro Machado ME, representada pelo Advogado Luiz Fernando Chaves da Silva, deduziu apelo em face de sentença proferida pelo Juiz Hélio do Valle Pereira (fls. 128 a 131), que julgou procedente ação de reintegração de posse aforada pelo Estado de Santa Catarina, representado pela Procuradora Rosângela Conceição de Oliveira Mello. O apelante aduz, preliminarmente, cerceio de defesa, à vista do julgamento antecipado da lide, pois deixou de ser realizada audiência de justificação prévia e de instrução e julgamento, onde produziria prova do seu direito, requerendo, por isso, a nulidade da sentença. Assere, ainda, que o Estado havia doado o imóvel, "à Fundação Hospitalar de Santa Catarina, portanto, não pertencia a ele a posse direta, ou mesmo indireta da área em questão" (fl. 142), descabendo, assim, ação reintegratória (e cabendo reivindicatória). No mérito, afirma que a retomada do imóvel causará problemas de ordem social, deixando-o e seus empregados sem trabalho e sustento; que não há caracterização de esbulho possessório, por tratar-se de posse velha (mais de 20 anos) mansa e pacífica, justa e de boa-fé, além do que "não há nenhum risco concreto, atual e iminente que fundamente a liminar revigorada" (fl. 143). Requer, por fim, sucessivamente, retenção e indenização por benfeitorias (fls. 135 a 148). Houve contrarrazões de aplauso ao decidido (fls. 196 a 204). É o relatório. VOTO De pronto, não vejo como albergar a preliminar de cerceamento de defesa. Afinal, como é ressabido, dependendo da natureza e das nuanças da causa, não há necessidade da realização de audiência. Foi o que sucedeu no caso dos autos, visto que os elementos colacionados revelaram-se suficientes para o julgamento antecipado da lide, pois, a teor do art. 130 do Código de Processo Civil: Art. 130. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias. Afinal, o que pretendia o acionante/recorrente com a prova testemunhal requerida (demonstrar posse justa e de boa-fé e esclarecer os poderes de gestão da Associação dos Servidores da Fundação Hospitalar - fl. 141) ficou evidenciado pela documentação adunada e de forma detrimentosa a ele, conforme adiante será visto. Não há, falar, portanto, em cerceamento de defesa. Quanto à via eleita, resta indene de dúvida que a ação de reintegração de posse apresenta-se como meio processual adequado à pretensão do Estado de reaver a posse de bem seu, in casu, parte do pátio da Maternidade Carmela Dutra, nesta Capital, onde o réu/apelante instalou uma lanchonete, denominada -Kioske do Gabinete Des. João Henrique Blasi Evaristo-. Confira-se, mutatis mutandis, o seguinte precedente desta Corte: A permissão de uso é ato unilateral pelo qual a administração permite a utilização precária de um bem público, no interesse exclusivo, ou predominante do permissionário, e pode ser revogado a qualquer tempo, dando ensejo à ação de reintegração de posse, uma vez que não se configura como contrato de locação com caráter de direito privado, visto ser o Poder Público parte sujeita a direitos e obrigações distintas dos concernentes aos particulares. (RT 616/140). (AI n. 2004.036776-8, rel. Des. Pedro Manoel Abreu, j. 3.5.2005) A decantada inadequação da via processual eleita, ao que se observa, também não tem como medrar. No mais, o "contrato de locação" avençado entre a Associação dos Servidores da Fundação Hospitalar de Santa Catarina e o recorrente mostra-se nulo de pleno direito, pois firmado por quem não tinha competência para fazê-lo, haja vista cuidar-se de imóvel pertencente ao Estado, conforme destacado na decisão singular: 2. Não há dúvida de que o réu tem a posse de um quiosque no pátio de maternidade pública. Impossível negar, então, que sua titularidade seja estatal – nem sequer existe insinuação de que a área não seja realmente pública. Menciona-se, é certo, que a gleba pertenceu à Fundação Hospitalar de Santa Catarina, mas notoriamente essa entidade foi extinta e incorporada pela Administração Direta. Evidente, portanto, que a titularidade da unidade de saúde e de seu entorno são do Estado. É esse realmente o conceito de posse: a potencialidade de ter a disposição, o respeito social à aparência (note-se que não estou tratando sequer de domínio, de propriedade, que é coisa diversa). Aponta-se, bem verdade, que houve contrato de locação com a Associação dos Servidores da Fundação Hospitalar. Porém, não poderia gerar efeito perante terceiros. Trata-se do princípio da relatividade dos negócios jurídicos, que não geram consequências perante aqueles que não o correspondente vínculo. (fl. 129) Então, apenas o Estado poderia dispor do imóvel em foco e, ainda assim, mediante processo licitatório. E, sendo nulo o contrato, não se há de cogitar de locação, senão que de posse ilegal, de esbulho possessório, pois, notificada para deixar o local, em 2011 (fl. 30), a ré/apelante manteve-se inerte, permanecendo no bem público de forma írrita, mesmo porque, além de nulo o contrato de locação, tem-se que ele expirou nos idos de 1999 (fls. 96 a 98). Por outro vértice, acertado desnuda-se também o posicionamento do Magistrado a quo no tocante ao alegado aspecto social do empreendimento. Veja-se: [...] Já antecipo – conhecidos os argumentos defensivos que geralmente surgem neste tipo de processo – que não me sensibilizam alegações de que o estabelecimento comercial tem cunho social. Ora, pode-se trabalhar sob as mais diversas formas. Não é imprescindível que se dê a alguém esse tipo de vantagem, própria de um período colonial. Isso, na realidade, cria uma disparidade, pois cria privilégios para alguns, até mesmo com ofensa à livre concorrência. (fl. 48) O discurso com tintas sociais não me convence. O réu é livre para trabalhar. Pode explicar (sic) comércio onde desejar. Mas não há sentido em fazê-lo às custas do patrimônio estatal, que tem formas rígidas de destinação. Indevido que, a poucos metros, todos os comerciantes tenham que lutar para pagar um verdadeiro aluguel ou adquirir um ponto enquanto o Gabinete Des. João Henrique Blasi demandado tenha o privilégio de explorar um espaço estatal. (fls. 130 e 131) Alusivamente ao pedido de retenção e de indenização por conta de benfeitorias, também recorro a excerto da decisão recorrida. Observe-se: 6. Tenho que não caiba retenção ou indenização por benfeitorias (que, aliás, nem sequer são discriminadas). Ao que se entende, houve acessão (a construção de um quiosque: fls. 84), mas sabidamente sobre espaço público. Não há como imaginar que a tal edificação venha a ser ressarcida pelo réu – que nunca teve nenhum interesse em se adonar daquela edificação, feita, inclusive, à sua revelia. Ofende, na verdade, a boa-fé que o réu, que se aproveitou por anos e anos de uma situação indevida, ainda busque proveito. Enquanto qualquer outro comerciante teria feito investimentos para bancar o lucro havido, o demandado ainda teria o benefício de um ressarcimento pleno. Seria um caso único de investimento empresarial reembolsável. (fls. 130 e 131) E tal como consignado em aresto deste Sodalício, invocando prejulgado do Superior Tribunal de Justiça: [...] Inadmissível que um particular retenha imóvel público, sob qualquer fundamento, pois seria reconhecer, por via transversa, a posse privada de bem coletivo, o que está em desarmonia com o Princípio da Indisponibilidade do Patrimônio Público (REsp n. 945.055/DF, rel. Min. Hermann Benjamin, DJ de 20.8.2008) (AC n. 2010.030121-9, de Blumenau, rel. Des. Vanderlei Romer, j. 9.11.2010 - transcrito à fl. 204) Em remate, insta assinalar que o provimento liminar, revigorado sentencialmente, com espeque no art. 461-A do Código de Processo Civil, faz todo sentido, como timbrado em acórdão de minha lavra, versante sobre questão deveras assemelhada à sob análise, contendo a ementa que segue: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. CONTRATO DE LOCAÇÃO FIRMADO POR DIREÇÃO DE ESCOLA PÚBLICA ESTADUAL E DE ASSOCIAÇÃO DE PAIS E PROFESSORES – APP COM PARTICULAR PARA A EXPLORAÇÃO DE CANTINA NO ESTABELECIMENTO. BEM UTILIZADO INDEVIDAMENTE. INEXISTÊNCIA DE PROCEDIMENTO LICITÁTORIO. INCOMPETÊNCIA DOS CONTRATANTES/ LOCADORES. AUSÊNCIA DO ENTE ESTATAL NA CELEBRAÇÃO DO CONTRATO. NULIDADE DE PLENO DIREITO DA AVENÇA. MEDIDA DE URGÊNCIA, TOMADA PELO MAGISTRADO 'A QUO', PARA A RETIRADA DA PESSOA CONTRATADA DO LOCAL, 'EX VI' DO ART. 461-A DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. MEDIDA IRREPROCHÁVEL. AGRAVO DESPROVIDO (AI n. 2010.057330-8, da Capital) O recurso, enfim, imerece provimento. É como voto. Gabinete Des. João Henrique Blasi