Apelação Cível n. 2012.053732-2, de Sombrio
Relator: Des. João Henrique Blasi
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. ACIDENTE DE
TRÂNSITO. MICRO-ÔNIBUS DO MUNICÍPIO-RÉU PARADO EM
LOCAL IMPRÓPRIO (PARTE DA PISTA DE ROLAMENTO).
VEÍCULO (CAMINHÃO) DO AUTOR QUE, AO DELE DESVIAR,
ADENTROU À PISTA CONTRÁRIA, VINDO A COLIDIR COM
OUTRO CAMINHÃO QUE TRAFEGAVA NO SENTIDO
INVERSO.
NEXO
CAUSAL
COMPROVADO.
RESPONSABILIDADE DO MUNICÍPIO POSITIVADA. DEVER
DE INDENIZAR. DANOS MATERIAIS PATENTEADOS.
ORÇAMENTOS IDÔNEOS. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO
DESPROVIDO.
I. Restando provado que o acidente ocorreu quando o veículo
(caminhão) do autor, ao ter de desviar de micro-ônibus do
Município-réu que havia, indevidamente, parado sobre a pista de
rolamento, colidiu com outro caminhão que vinha em sentido
contrário, exitosa há de restar a busca jurisdicional por ele
empreendida no sentido de ver-se ressarcido pela
Municipalidade.
II. "Se o autor apresentou orçamentos idôneos sobre os
danos sofridos e ausente contraprova por parte da Ré, não há
falar em redução do montante indenizatório, sobretudo porque o
'status quo ante' deve ser restabelecido" (TJSC, Apelação Cível
n. 2008.062147-5, de São Bento do Sul, rel. Des. Victor Ferreira,
j. em 25.3.11).
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n.
2012.053732-2, da comarca de Sombrio (1ª Vara), em que é apelante Município de
Sombrio e apelado Mario de Oliveira Santos:
A Segunda Câmara de Direito Público decidiu, por votação unânime,
negar provimento ao recurso. Custas legais.
Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Exmos. Srs.
Desembargadores Nelson Schaefer Martins e Cid Goulart.
Florianópolis, 11 de setembro de 2012
João Henrique Blasi
RELATOR E PRESIDENTE
RELATÓRIO
Município de Sombrio, representado pelo Advogado André Barreto,
interpôs apelação em face de sentença lavrada pela Juíza Alessandra Meneghetti (fls.
136 a 141), que assim decidiu ação de reparação de dano causado em acidente de
veículo contra ele movida por Mário Oliveira dos Santos, representado pelo Advogado
Emir Chaquibe Souki:
[...] julgo procedente (CPC, art. 269, I) o pedido [...] para condená-lo [Município
de Sombrio] a pagar à parte autora o valor de R$ 45.383,00, acrescido de
correção monetária (CGJ/SC – INPC) a partir do protocolo da ação (13-9-2010) e
juros de 12% a.a. desde a citação (24-1-2011). Condeno a parte ré ao pagamento
de honorários advocatícios fixados em 10% do valor da condenação (CPC, art. 20,
§ 3º). O Município é isento do pagamento de custas, conforme art. 35, alínea 'h',
da Lei Complementar 156/97 [...] (fls. 141).
Contrafeito, o Município apelante aduz que inexiste registro de dano
material no boletim de ocorrência do acidente, e que não restou comprovado o nexo
causal entre a conduta do motorista do seu veículo e o evento danoso (fls. 148 a 156).
Lavrou parecer o Procurador de Justiça João Fernando Quagliarelli
Borrelli, dizendo inexistir interesse justificativo da intervenção do Parquet (fl. 172).
É o relatório.
VOTO
De pronto, insta anotar que o Município, a teor da denominada "teoria
objetiva", faz-se responsável pelos danos causados por seus agentes a terceiros,
conforme o regrado pelo art. 37, § 6º, da Constituição Federal:
Art. 37. [...]
[...]
§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras
de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa
qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o
responsável nos casos de dolo ou culpa.
Sobre o dispositivo em comento pertinente é transcrever o escólio de
Hely Lopes Meirelles:
O exame desse dispositivo revela que o constituinte estabeleceu para todas as
entidades estatais e seus desmembramentos administrativos a obrigação de
Gabinete Des. João Henrique Blasi
indenizar o dano causado a terceiros por seus servidores, independentemente da
prova de culpa no cometimento da lesão (in Direito Administrativo Brasileiro, 27.
ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 622).
Nota-se, assim, que o ordenamento jurídico pátrio adota a "teoria
objetiva" ou "do risco administrativo", pela qual o ente municipal tem o dever de
indenizar os danos que suas atividades causem a terceiros, bastando, para tanto, a
comprovação do efetivo prejuízo e a imbricação deste com a sua conduta, dispensada
a demonstração de culpa ou dolo.
Da lição de José dos Santos Carvalho Filho, a propósito, extrai-se:
Para configurar esse tipo de responsabilidade, bastam três pressupostos: o
primeiro deles é a ocorrência do fato administrativo, assim considerado como
qualquer forma de conduta, comissiva ou omissiva, legítima ou ilegítima, singular
ou coletiva atribuída ao Poder Público. [...]
O segundo pressuposto é o dano. Já vimos que não há falar em
responsabilidade civil sem que a conduta haja provocado um dano. Não importa a
natureza do dano: tanto é indenizável o dano patrimonial como o dano moral.
Logicamente, se o dito lesado não prova que a conduta estatal lhe causou
prejuízo, nenhuma reparação terá a postular.
O último pressuposto é o nexo causal (ou relação de causalidade) entre o fato
administrativo e o dano. Significa dizer que ao lesado cabe apenas demonstrar
que o prejuízo sofrido se originou da conduta estatal, sem qualquer consideração
sobre o dolo ou a culpa. (In: Manual de Direito Administrativo, 15 ed. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 458).
Pois bem. No caso dos autos é incontestável que o autor/apelado,
condutor do caminhão Mercedes Benz/LS, ano 1993, placa KTQ-3342, envolveu-se
em acidente de trânsito, quando, ao desviar do micro-ônibus de propriedade do
Município réu/apelante, inadequadamente parado sobre parte da pista de rolamento,
veio a colidir com outro caminhão, este de propriedade de Nivaldo Souza Elias, que
trafegava em sentido contrário, resultando danos diversos em ambos os veículos.
Bem analisando as provas produzidas, averbou a Magistrada
sentenciante:
Compulsando o conjunto probatório carreados aos autos, em especial os
depoimentos testemunhais, dessume-se que de fato o motorista da parte ré
estava parado parcialmente sobre a pista de rolamento no momento do
acidente. Nesse diapasão, confira-se as declarações da testemunha de visu
Sérgio Eliseu Ramos, que estava de carona no caminhão conduzido por Nivaldo
de Souza Elias:
"Saímos de Jacinto Machado com o caminhão carregado e próximo a
Morro do Cipó a gente passou por um micro-ônibus, tava a nossa esquerda,
estava indo para Sombrio, e quando passamos o ônibus uma carreta
desgovernada fez um 'L' na nossa frente, fazendo com que a gente colidisse
com esse caminhão e caísse numa grota".
A testemunha também destacou que seria impossível que dois veículos
cruzassem a pista com o micro-ônibus parado parcialmente sobre ela, sendo que
certamente haveria uma colisão "espelho com espelho".
Dos demais depoimentos infere-se que a rodovia possuía acostamento,
porém demasiadamente estreito, de forma que é impossível parar um
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veículo sem que parte dele fique sobre a pista. Ademais, não havia
passageiros no micro-ônibus e o motorista ao ser questionado acerca do
motivo da parada, informou que era para "entregar uma encomenda".
Outrossim, diante das provas amealhadas aos autos, vislumbro que o acidente
envolvendo o caminhão da parte autora decorreu da conduta imprudente do
motorista da parte ré, que parou o micro-ônibus em local inadequado e sem
qualquer sinalização. Ademais, se o motivo da parada foi a entrega de uma
encomenda, caberia ao motorista estacionar o veículo em local adequado para
realizar tal desiderato.
Aliás, já se decidiu que: "Não há presunção de culpa do motorista que
colide com a parte traseira de veículo parado em pista de rolagem
decorrente de acidente de trânsito que vem, de forma inopinada,
surpreendê-lo, já que a presunção é afeta às paradas obrigatórias" (TJSC AC n.º 2005.037050-0, de Araranguá. Rel. Des. Fernando Carioni, j. em 25/05/
2006). No caso dos autos, a parte autora sequer colidiu na traseira do
micro-ônibus, porquanto conseguiu desviar, porém perdeu o controle da direção
invadindo a pista contrária.
[...]
Nesse contexto, é evidente o nexo de causalidade entre o acidente que
envolveu o veículo da parte autora e a conduta do motorista da parte ré. No
tocante aos danos, embora a parte ré tenha ressaltado que o boletim de
ocorrências destacou a inexistência de danos materiais nos veículos
envolvidos, é cediço que suas assertivas gozam de presunção juris tantum,
e portanto, podem ser derruídas por prova em contrário (fls. 137 e 139 negritei).
Pelas provas obtidas resta indene de dúvida que o acidente de trânsito
decorreu da postura imprudente do motorista do micro-ônibus municipal, que,
violando regra de trânsito, parou parcialmente sobre a pista de rolamento, sem sequer
sinalizar, ocasionando o acidente, na medida em que o autor, ao dele desviar, acabou
colidindo com outro caminhão, sobrevindo danos de monta aos dois veículos
envolvidos.
Quanto a esses danos, embora o boletim de ocorrência, elaborado no
local do acidente, pelos agentes policiais que atenderam à ocorrência - e que,
consabidamente, goza de presunção juris tantum de veracidade -, tenha consignado,
com evidente erronia, que eles não aconteceram ("sem danos" - fls. 10 e 11), está
mais do que provado que aconteceram, o que ficou positivado não apenas pelas
testemunhas, mas também pelas diversas fotografias de fls. 26 a 33 e pelos vários
orçamentos de fls. 14 a 25.
Portanto, a referida presunção foi infirmada pelo conjunto probatório, a
ele cedendo.
Comprovados estão, portanto, os requisitos tipificadores da
responsabilidade civil do Município réu: fato lesivo, dano e nexo etiológico entre
ambos.
Da sentença, aliás, calha transcrever outro trecho elucidativo:
Há nos autos robusta prova documental acerca dos danos materiais sofridos,
assim como as fotografias de fls. 26/33 ilustram os estragos. Ademais, como foi
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mencionado pela testemunha Sérgio Eliseu Ramos, o caminhão conduzido pelo
Sr. Nivaldo "caiu numa grota". Dessa feita, não há que se cogitar a inexistência de
danos materiais, porquanto num acidente em tais circunstâncias é patente a
ocorrência de danos materiais.
Logo, demonstrados o dano e o nexo de causalidade, cabe fixar o montante
indenizatório. Com o condão de provar o dispêndio suportado, a parte autora
amealhou aos autos os documentos de fls. 14/25. Nesse ponto, impende salientar
que a parte autora pagou ao Sr. Nivaldo de Souza Elias os danos materiais
causados em seu caminhão, buscando nesta actio o devido ressarcimento. Tal
fato foi confirmado pelo Sr. Nivaldo de Souza Elias em seu depoimento
testemunhal.
Em que pese a parte ré ter impugnado os documentos colacionados pela parte
autora, sob o argumento de que não são meios idôneos de prova, admito-os como
hábeis ao fim colimado, pois "A impugnação aos comprovantes de despesas
materiais decorrentes de sinistro de trânsito deve vir embasada em contraprova
específica e concreta, apta a desconstituir a idoneidade ou validade dos mesmos,
sob pena de não ser acolhida" (Apelação Cível n. 2005.017335-3, de Ipumirim,
Relator: Des. Edson Ubaldo).
Outrossim, registre-se que "a juntada de orçamentos, pelo autor, dos prejuízos
sofridos em acidente de trânsito é suficiente à procedência do pedido relativo à
indenização por danos materiais, mormente se não eficazmente desconstituídos
pelos réus, ex vi do art. 333, II, do CPC" (TJSC, Apelação Cível nº 2003.029429-5,
de São Lourenço do Oeste, Rel. Des. Wilson Augusto do Nascimento) - (fl. 140).
Em caso análogo já decidiu esta Corte:
RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO POR ACIDENTE DE TRÂNSITO.
MANOBRA DE DESVIO INTENTADA POR PARTICULAR EM DECORRÊNCIA
DE MAQUINÁRIOS E CAMINHÕES DO MUNICÍPIO NA PISTA PARA OBRAS.
INVASÃO DE PISTA CONTRÁRIA E COLISÃO COM MOTOCICLETA QUE
TRAFEGAVA EM SENTIDO OPOSTO. INEXISTÊNCIA DE SINALIZAÇÃO NO
LOCAL.
OMISSÃO
DA
MUNICIPALIDADE
CARACTERIZADA.
RESPONSABILIDADE OBJETIVA. ART. 37, § 6º DA CONSTITUIÇÃO DA
REPÚBLICA. NEXO CAUSAL DEMONSTRADO. DEVER DE INDENIZAR.
1. Comprovada a existência de maquinários do Município na pista de rolamento
para a realização de obras, sem a devida sinalização, inafastável o dever de
indenizar do ente público os danos advindos de acidente ocasionado por particular
que realizou manobra de desvio, invadiu pista contrária e colidiu com moto que
trafegava em sentido oposto.
2. De acordo com o § 6º, do artigo 37 da Constituição Federal, os entes
públicos devem indenizar o dano causado por seus agentes a terceiros,
independente da prova de culpa pela lesão
3. [...] (AC n. 2004.033150-5, de Jaguaruna, rel. Des. Nicanor da Silveira, j.
27.10.05).
Obrou, pois, com acerto a Magistrada sentenciante ao condenar o
Município ao pagamento dos danos materiais com base nos valores dos menores
orçamentos exibidos pelo apelado.
Ora, é de trivial sabença que incumbe ao réu, no mister de impugnar os
orçamentos apresentados pelo autor, trazer para os autos avaliações outras que
comprovem a desconformidade dos preços apresentados com a realidade do
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mercado, ou então a inidoneidade das empresas/oficinas que os emitiram, o que não
foi feito no caso concreto.
A propósito, colaciono decisão desta Corte:
Se o autor apresentou orçamentos idôneos sobre os danos sofridos e ausente
contraprova por parte da Ré, não há falar em redução do montante indenizatório,
sobretudo porque o status quo ante deve ser restabelecido (AC n. 2008.062147-5,
de São Bento do Sul, rel. Des. Victor Ferreira, j. 25.3.11).
Assim, porque não desconstituídos os orçamentos, correta remanesce a
fixação do quantum indenizatório com esteio neles.
Ressalte-se, alfim, que meras alegações de que o autor/apelado não
trafegava em velocidade compatível ou que o fazia com desatenção, não se prestam
para que se lhe imponha qualquer responsabilidade pelo evento danoso.
Portanto, é de ser negado provimento ao apelo.
Gabinete Des. João Henrique Blasi
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Apelação Cível n. 2012.053732-2, de Sombrio Relator