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Questão 10
Examine o seguinte texto para responder ao que se pede.
POÉTICA
De manhã escureço
De dia tardo
De tarde anoiteço
De noite ardo
A oeste a morte
Contra quem vivo
Do sul cativo
O este é meu norte.
Outros que contem
Passo por passo:
Eu morro ontem
Nasço amanhã
Ando onde há espaço
— Meu tempo é quando.
Vinicius de Moraes, Antologia poética.
a) Do ponto de vista da organização formal dada ao conjunto do poema, o poeta mostra-se vinculado à tradição literária. Essa afirmação tem fundamento? Justifique sua resposta.
b) Do ponto de vista da mensagem configurada no poema, o poeta expressa sua oposição até mesmo a coordenadas fundamentais da experiência. Você concorda com essa afirmação? Justifique sua resposta.
Resolução
a) Do ponto de vista da organização estrófica, “Poética” se inscreve na categoria formal do soneto: quatro
estrofes, sendo as duas primeiras quadras (quatro versos) e as duas últimas tercetos (três versos). Trata-se
de uma forma clássica, consagrada pela tradição poética ocidental. No entanto, o poema se distancia dessa
mesma tradição, na medida em que não segue a regularidade métrica convencional do soneto (versos decassílabos ou alexandrinos), adotando a polimetria, com predomínio de versos de quatro sílabas.
b) Neste poema, o eu lírico faz uma revisão radical dos lugares-comuns associados à ordem da vida. Embora
seu título (“Poética”) remeta à noção clássica de conjunto de preceitos fixos para a composição da poesia,
seu tema central é a transgressão sistemática de parâmetros rígidos para a condução da existência. Na
primeira estrofe, por exemplo, empregando flexões verbais que contrastam com seus respectivos adjuntos
adverbiais (“De noite escureço”, “De dia tardo” e “De tarde anoiteço”), o eu lírico compõe uma disjunção
temporal entre o ritmo natural da vida e seu compasso acelerado. Na segunda, usa as noções de espaço
(associando a morte ao “oeste”, região do poente, e a vida ao “este”, região do nascente) para revelar
um impulso contra a fatalidade do perecimento (“O este é meu norte”). Os tercetos reforçam a atitude
contestadora e atuante do eu lírico, que, recusando os dados vistos como naturais, constrói suas próprias
coordenadas de tempo (“Eu morro ontem”, “Nasço amanhã”) e espaço (“Ando onde há espaço”).
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