▼ Questão 10 Examine o seguinte texto para responder ao que se pede. POÉTICA De manhã escureço De dia tardo De tarde anoiteço De noite ardo A oeste a morte Contra quem vivo Do sul cativo O este é meu norte. Outros que contem Passo por passo: Eu morro ontem Nasço amanhã Ando onde há espaço — Meu tempo é quando. Vinicius de Moraes, Antologia poética. a) Do ponto de vista da organização formal dada ao conjunto do poema, o poeta mostra-se vinculado à tradição literária. Essa afirmação tem fundamento? Justifique sua resposta. b) Do ponto de vista da mensagem configurada no poema, o poeta expressa sua oposição até mesmo a coordenadas fundamentais da experiência. Você concorda com essa afirmação? Justifique sua resposta. Resolução a) Do ponto de vista da organização estrófica, “Poética” se inscreve na categoria formal do soneto: quatro estrofes, sendo as duas primeiras quadras (quatro versos) e as duas últimas tercetos (três versos). Trata-se de uma forma clássica, consagrada pela tradição poética ocidental. No entanto, o poema se distancia dessa mesma tradição, na medida em que não segue a regularidade métrica convencional do soneto (versos decassílabos ou alexandrinos), adotando a polimetria, com predomínio de versos de quatro sílabas. b) Neste poema, o eu lírico faz uma revisão radical dos lugares-comuns associados à ordem da vida. Embora seu título (“Poética”) remeta à noção clássica de conjunto de preceitos fixos para a composição da poesia, seu tema central é a transgressão sistemática de parâmetros rígidos para a condução da existência. Na primeira estrofe, por exemplo, empregando flexões verbais que contrastam com seus respectivos adjuntos adverbiais (“De noite escureço”, “De dia tardo” e “De tarde anoiteço”), o eu lírico compõe uma disjunção temporal entre o ritmo natural da vida e seu compasso acelerado. Na segunda, usa as noções de espaço (associando a morte ao “oeste”, região do poente, e a vida ao “este”, região do nascente) para revelar um impulso contra a fatalidade do perecimento (“O este é meu norte”). Os tercetos reforçam a atitude contestadora e atuante do eu lírico, que, recusando os dados vistos como naturais, constrói suas próprias coordenadas de tempo (“Eu morro ontem”, “Nasço amanhã”) e espaço (“Ando onde há espaço”).