▼ Questão 7 Poética I De De De De manhã, escureço dia, tardo tarde anoiteço noite ardo A oeste a morte Contra quem vivo Do sul cativo O este é meu norte. Outros que contem Passo por passo Eu morro ontem Nasço amanhã Ando onde há espaço. — Meu tempo é quando. Nova York, 1950 (Vinicius de Moraes, Antologia poética. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p. 272.) a) A poesia é um lugar privilegiado para constatarmos que a língua é muito mais produtiva do que preveem as normas gramaticais. Isso é particularmente visível no modo como o poema explora os marcadores temporais e espaciais. Comente dois exemplos presentes no poema que confirmem essa afirmação. b) As duas últimas estrofes apresentam uma oposição entre o eu lírico e os outros. Explique o sentido dessa oposição. Resolução a) O poema de Vinicius de Moraes subverte as noções de tempo e de espaço difundidas pelo senso comum. As marcações temporais estão mais evidenciadas na primeira estrofe, em expressões como “De manhã”, “De dia”, “De tarde”, “De noite”. A sequência em que estão colocadas segue a temporalidade natural; no entanto, os verbos associados a cada uma delas produzem efeito de estranhamento. Assim, a manhã, que remete à claridade, no texto é o momento da escuridão (“escureço”); o dia é focalizado em sua porção mais adiantada (“tardo”), como se estivesse próximo do seu fim; a tarde é engolida pela noite (“anoiteço”); a noite, suposta hora do frescor e da penumbra, é também — e, nesse caso, não só para o poeta — o instante em que ele se entrega mais intensamente à plenitude sexual (“ardo”). A subversão temporal atinge o auge no último verso — chave de ouro do sonetilho —, no qual a temporalidade é definitivamente incorporada ao universo íntimo do poeta: “Meu tempo é quando”. Os verbos em primeira pessoa contribuem decisivamente para o caráter subversivo do poema: mostram a experiência subjetiva de estados naturais, na medida em que o próprio eu lírico passa pelas sensações de escurecer, entardecer e anoitecer. A segunda estrofe traz subversões de caráter espacial. As marcações espaciais são: “oeste”, “sul”, “este”, “norte”. O poeta estabelece com esses pontos cardeais uma relação bastante particular, conferindo a eles sentidos que transcendem a determinação física. Assim, associa o “oeste” à “morte” e, ao se colocar contra esta, define a vida como seu rumo preferencial (“meu norte”). O “sul”, do qual o poeta se diz “cativo”, possui tanto uma conotação política (identificação com a dor e a miséria daqueles povos que ocupam parte substancial do hemisfério sul) quanto erótica (referindo-se ao baixo corporal, em que se destaca a sexualidade). As duas conotações confirmam o propósito do texto em apresentar uma visão pessoal dos parâmetros humanos. b) As duas últimas estrofes seguem a orientação geral do poema, pautado pela oposição entre o comportamento individual (no caso, do eu lírico) e aquele previsto pelo senso comum (da coletividade, dos outros). As duas últimas estrofes explicitam essa oposição: de um lado, há a condição dos “outros”, que vivem linearmente (“Passo por passo”); de outro, a do próprio poeta, que experimenta o absurdo (“Eu morro ontem // Nasço amanhã”). Tal experiência é condizente com o sentido do poema. O título sugere a apresentação de preceitos para a realização poética, e os versos indicam que a poesia dá forma ao esforço de tornar possível o impossível, permitindo ao poeta subverter a natureza e submeter o senso comum aos seus próprios sentidos.