Material para USO DIDÁTICO do Ensino Médio para alunos SEM LIVROS, da E. E. Sebastião Augusto. Sem fins comerciais/lucrativos. ARTE 1ª Série (4º Bim./2012) Fonte: NICOLA, José de Compreendendo a literatura brasileira:. São Paulo: Scipione, 2008. Texto 02 As entrelinhas do texto literário Ler nas entrelinhas do texto literário é, sobretudo, compreender a ideologia de cada autor “Ler nas entrelinhas”... tal assertiva relaciona-se de forma significativa com o universo literário. Sim, pois compreender a Literatura é, antes de tudo, entregar-se à reflexão. Dessa forma, desejamos perguntar a você, prezado (a) usuário (a): Diante da leitura de um poema, ou até mesmo de um conto, ou qualquer outra modalidade narrativa (escrita em prosa), você o concebe como um simples emaranhado de palavras, cujo sentido para você ainda é obscuro, ou você consegue “captar”, digamos assim, o que o autor deseja lhe transmitir? Para que você possa dar vazão às suas ideias, ora firmadas, você precisa partir do princípio de que a arte literária é a arte da palavra. Assim, cada autor, vivendo em meio a uma realidade histórica, faz da expressão verbal o seu modo de ver e sentir aquilo que o rodeia. Por isso, muitas vezes, a depender da intenção de quem escreve, a literatura atua como verdadeiro instrumento de denúncia, sem dúvida. Contudo, você, enquanto leitor, precisa estar apto a desvendar o “indizível”, “o não dito”, quase sempre camuflado por entre as palavras notadamente explícitas. Como desenvolver tal habilidade? Veja alguns exemplos, de modo a entender melhor essa questão: [...] Frequentemente surgiam brigas, e seus estremecimentos repercutiam longe, derrubavam paredes distantes e causavam novas brigas, até que os empurrões, chifradas, ancadas forçassem uma arrumação temporária. O boi que perdesse o equilíbrio e ajoelhasse nesses embates não conseguia mais se levantar, os outros o pisavam até matar, um de menos que fosse já folgava um pouco o aperto – mas só enquanto os empurrões vindos de longe não restabelecessem a angústia. [...] (Trecho extraído do livro “A hora dos ruminantes”, de José J. Veiga) O trecho acima trata-se de uma narrativa fantástica, na qual os personagens são representados por animais, cuja manifestação se encontra relacionada ao contexto histórico demarcado pela época ditatorial. Como sabemos, a censura atuava como meio de represália àqueles que ousassem se posicionar de forma contrária aos mandos impostos à sociedade – razão pela qual muita gente foi exilada, desaparecida, enfim, punida. Assim, como entender a mensagem expressa pelo autor, se isso não se encontra explícito em lugar algum da narrativa? Eis o porquê da importância do conhecimento de mundo, e, em especial, do contexto que tanto norteou a história do povo brasileiro. Outro exemplo, agora sob o estilo poético: Página 1 de 4 Vi ontem um bicho Na imundície do pátio Catando comida entre os detritos. Quando achava alguma coisa, Não examinava nem cheirava: Engolia com voracidade. O bicho não era um cão, Não era um gato, Não era um rato. O bicho, meu Deus, era um homem. (O BICHO - Manuel Bandeira) Como interpretar as palavras desse nobre poeta se não temos conhecimento das ideias que tanto demarcaram os representantes modernistas? Saiba que uma delas foi a denúncia social. Dessa forma, contradizendo o que tanto cultuavam os representantes da era romântica, parnasiana e simbolista, os modernista chegaram para mostrar a “cara” do Brasil. Assim, imprime-se nas palavras de Manuel Bandeira um verdadeiro espírito de indignação frente ao contexto político da era em questão. Perguntamos: mediante uma leitura superficial da criação que nos serviu de exemplo, você conseguiu decifrar o que realmente quis dizer o autor? Se sim, você realmente se mostra hábil a ler nas entrelinhas do texto literário. Poema Os poemas são pássaros que chegam não se sabe de onde e pousam no livro que lês. Quando fechas o livro, eles alçam voo como de um alçapão. Eles não têm pouso nem porto alimentam-se um instante em cada par de mãos e partem. E olhas, então, essas tuas mãos vazias, no maravilhoso espanto de saberes que o alimento deles já estava em ti... (OS POEMAS - Mário Quintana) Ao nos situarmos diante de tal criação, a definição de poema- alvo de nossa discussão- parece se perder em meio à grandiosidade e eloquência das palavras, em meio ao sentido simbólico que elas representam. Ora, simplesmente porque o poema, literalmente retratado na criação, caracteriza-se pela ideia expressa por Mário Quintana, ou seja, ele, utilizando-se de uma linguagem metafórica, descreve acerca dos pressupostos que norteiam a linguagem poética propriamente dita, como em: Os poemas são pássaros que chegam não se sabe de onde e pousam no livro que lês. Quando fechas o livro, eles alçam vôo [...] Ao comparar os poemas com os pássaros, sobretudo porque eles simbolizam a liberdade, atingem grandes alturas, enfim, de forma simbólica, o poeta faz alusão à capacidade imaginativa, à habilidade de criação advinda de quem se propõe ao trabalho de ourivesaria com as palavras¸ com a linguagem de uma forma geral. Em outro verso, Mário nos revela que: Página 2 de 4 Quando fechas o livro, eles alçam voo como de um alçapão. Eles não têm pouso nem porto alimentam-se um instante em cada par de mãos e partem. Tais versos atestam que esse manuseio, por vezes, não se define como algo fácil, ao contrário, como os pássaros, a imaginação, o poder de criação pode alçar voo e se tornarem inatingíveis, não palpáveis. Daí a razão de se alimentarem em cada par de mãos, embora tão logo partam, pois a fruição para a escrita pode ser algo fugaz, por isso a importância de darmos vazão aos sentimentos e deixar que eles falem por nós mesmos. Posicionamentos como esses elucidam acerca do caráter subjetivo que permeia a linguagem poética, a linguagem literária de uma forma geral. Contudo, em se tratando dos aspectos estruturais, um poema, ao ser comparado com outras modalidades de texto, diverge-se pelo fato de não ser construído em forma de prosa, mas sim em forma de verso (afirmamos ser essa uma das particularidades básicas). Prosseguindo com as demais características, temos que, a começar pela finalidade discursiva, pela função que se atribui à linguagem poética, nela prevalece (como não poderia deixar de ser) o sentido conotativo, aquele voltado para a multiplicidade de interpretações, para a subjetividade, acima de tudo. Se a modalidade em questão se define, como antes dito, pelo trabalho especial com a linguagem, não era de se estranhar que o emprego de determinados recursos tendem a incrementar, a dar maior vivacidade ao que se pretende dizer. Assim, outros aspectos, também não menos importantes, revelam, digamos assim, sua parcela de contribuição, sendo que esses, por sua vez, dizem respeito à métrica, rima, além de outros recursos ligados à sonoridade, tais como a paronomásia, aliteração, paralelismo, assonância, entre outros. Acerca deles, os textos “Recursos da linguagem poética” e “Recursos sonoros do texto literário” trazem a você, em primeira mão, importantes elucidações que poderão complementar ainda mais as noções aqui expostas, aprimorando de forma efetiva o seu aprendizado. Verso, Estrofe e Rima - Noções conceituais Esteticamente, o poema também se compõe de elementos específicos Mediante tal tríade, reportamo-nos a uma modalidade textual ora denominada de poética, estritamente inerente ao campo literário. Trata-se de características ligadas a questões de ordem estética, ou seja, a maneira pela qual o texto é disposto. Página 3 de 4 Caso fôssemos analisar, esteticamente, um texto redigido em prosa, ainda no âmbito da Literatura, logo teríamos os parágrafos como referencial. Todos articulados de uma forma coesa e harmoniosa, com vistas a proporcionar uma perfeita interação entre o discurso proferido e o interlocutor com o qual se compartilha. Entretanto, no caso da modalidade em questão, o assunto apresentado é disposto em forma de um conjunto de versos, todos distribuídos conforme a finalidade discursiva pretendida pelo autor, denominado de estrofe. Servimo-nos concretizarmos No tocante a fatores de ordem interna (essência discursiva), o texto escrito sob a forma prosaica tende a estabelecer uma certa linearidade na ideia apresentada, visto que se trata de uma trama ficcional onde os acontecimentos vão progressivamente se desenvolvendo. Diferentemente ocorre com a maioria dos poemas, pois o objetivo pauta-se pelo aflorar de sentimentos e emoções, todos regados a um instinto de total subjetividade. Agora analisemos um conjunto no qual eles se encontram dispostos: Mas não priorizaremos aqui somente tais características, posto que nosso objetivo é verificar a maneira como elas, de forma teórica, se conceituam. Pois é o que veremos adiante, de modo a nos envolver ainda mais nesse universo contagiante de magia e encantamento... Que de forma magistral é representado pela arte poética! Sendo assim, compartilhemos a obra de Vinícius de Moraes: Soneto de Fidelidade De tudo ao meu amor serei atento Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto Que mesmo em face do maior encanto Dele se encante mais meu pensamento. Quero vivê-lo em cada vão momento E em seu louvor hei de espalhar meu canto E rir meu riso e derramar meu pranto Ao seu pesar ou seu contentamento E assim, quando mais tarde me procure Quem sabe a morte, angústia de quem vive Quem sabe a solidão, fim de quem ama desse os referencial para objetivos propostos. A priori, detectamos que se trata de várias linhas poéticas, assim representadas: De tudo ao meu amor serei atento/ Quero vivê-lo em cada vão momento/ E assim, quando mais tarde me procure [...] Tais excertos poéticos denominam-se versos. De tudo ao meu amor serei atento Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto Que mesmo em face do maior encanto Dele se encante mais meu pensamento. Aplicamos a ele o conceito de estrofe, visto que se trata de um conjunto de versos. E por fim vejamos que determinadas palavras, de modo específico, as últimas de cada verso, aparentam semelhança quanto à estrutura sonora: Quero vivê-lo em cada vão momento E em seu louvor hei de espalhar meu canto E rir meu riso e derramar meu pranto Ao seu pesar ou seu contentamento Essa semelhança sonora denomina-se rimas. No exemplo acima, elas ainda recebem uma denominação própria de acordo com a maneira pela qual se encontram distribuídas, sendo chamadas de interpoladas. Podemos notar que rimam o seguintes pares de versos: Quero vivê-lo em cada vão momento /Ao seu pesar ou seu contentamento – 1º e 4º E em seu louvor hei de espalhar meu canto / E rir meu riso e derramar meu pranto – 2º e 3º. Eu possa me dizer do amor (que tive): Que não seja imortal, posto que é chama Mas que seja infinito enquanto dure. Vinícius de Moraes, "Antologia Poética", Editora do Autor, Rio de Janeiro, 1960, pág. 96. Página 4 de 4