UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LUCIANA PFEILSTICKER SOUSA SANTOS INTERROGATÓRIO POR VIDEOCONFERÊNCIA Florianópolis 2010 LUCIANA PFEILSTICKER SOUSA SANTOS INTERROGATÓRIO POR VIDEOCONFERÊNCIA Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Universidade do Vale do Itajaí, como requisito parcial à obtenção de título de pós-graduação latu senso em Direito Penal e Processual Penal. Orientador: Dr. Paulo de Tarso Brandão. Florianópolis 2010 TERMO DE APORVAÇÃO O presente Trabalho de Conclusão de Curso, intitulado Interrogatório por Videoconferência, elaborado por Luciana Pfeilsticker Sousa Santos e submetido à Universidade do Vale do Itajaí como requisito parcial à obtenção de título de pós-graduação latu senso em Direito Penal e Processual Penal, obteve a aprovação de seu orientador, abaixo assinado, com nota ___________ (_________________) Florianópolis, 25 de fevereiro de 2010. ________________________________________ Dr. Paulo de Tarso Brandão Dedico este trabalho aos colegas da 27ª e 26ª Promotorias de Justiça da Capital, pelo constante apoio com que fui agraciada e, em especial, a Paulo de Tarso Brandão, orientador do presente trabalho, e Marina Modesto Rebello, cujas palavras de incentivo e compreensão me são tão caras. A aprovação da presente monografia não significará o endosso do Professor Orientador, da Escola do Ministério Público do Estado de Santa Catarina ou da Universidade do Vale do Itajaí à ideologia que a fundamenta ou que nela é exposta. RESUMO O interrogatório consiste no ato processual em que se confere ao acusado a possibilidade de dirigir-se diretamente ao magistrado, de forma a apresentar a sua versão dos fatos que lhe são imputados. Pode, inclusive, optar por permanecer calado, cingindo-se a fornecer dados referentes à sua qualificação e, ainda nesse caso, indicar as provas que entender pertinentes. Consiste, portanto, em meio de defesa conferido ao réu; do contrário, não lhe seria facultado o direito ao silêncio sem que desse se possa extrair qualquer elemento em prejuízo da defesa. Inúmeros são os dispositivos legais que corroboram tal conclusão, a exemplo do artigo 5º, II e LV, da Constituição Federal e algumas das alterações introduzidas no Código de Processo Penal pelas Leis n. 10.792/2003 e 11.719/2008. Em razão de sua natureza jurídica, constitui verdadeiro recurso a garantir a observância da ampla defesa. A videoconferência, por sua vez, representa a conjugação de recursos tecnológicos que possibilitam, por meio da transmissão simultânea de áudio e imagens, a comunicação em tempo real entre pessoas que se encontram em diferentes locais. Sua aplicação ao interrogatório acarreta, contudo, a mitigação da autodefesa, em razão do distanciamento físico e psicológico criado entre réu e magistrado, razão pela qual o interrogatório on-line é admitido apenas em caráter excepcional pela legislação pátria. Opção de política processual penal que buscou conciliar sua natureza jurídica aos reclamos sociais, em especial àqueles relacionados à segurança pública. Palavras-chave: Interrogatório. Natureza jurídica. Meio de defesa. Videoconferência. Ampla defesa. ABSTRACT The interrogation consists in the procedural act in which the accused is given the opportunity to go directly to the magistrate to present its version of the facts alleged against him. The accused may even choose to remain silent, confining themselves to providing data on their qualification and also, in this case, indicating the evidence he or she deems relevant. It consists therefore in a means of defense given to the defendant; otherwise, the defendant would not be offered the right to silence, nor the garantee that no element may be extracted from this at the expense of the defense. There are various legal mechanisms that support this conclusion, the example of Article 5, II and LV, of the Federal Constitution and some of the changes to the Code of Criminal Procedure introduced by the Laws n. 10792/2003 and 11719/2008. Because of its legal nature, it constitutes a truthful resource to ensure compliance of legal defense. Videoconferencing, in turn, represents the combination of technological resources that enable, through the simultaneous transmission of audio and images, real-time communication between people who are in different locations. Its application to the interrogation leads, however, to the mitigation of self-defense, because of the physical and psychological distance created between defendant and magistrate, reason why the online interrogation is permitted only in exceptional cases by the Brazilian legislation. Policy option of criminal procedure that sought to reconcile its legal nature to social claims, in particular those related to public safety. Keywords: Interrogation. Legal nature. Means of Defense. Videoconferencing. Defense. SUMÁRIO INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 1 1 DO INTERROGATÓRIO COMO MEIO DE PROVA ........................................... 2 1.1 NOÇÕES SOBRE A TEORIA GERAL DAS PROVAS............................................... 2 1.1.1 Prova: conceito e ponderações ................................................................................... 2 1.1.2 Do sistema da livre convicção ou da persuasão racional............................................ 7 1.2 DA CONJUNTURA INTRODUZIDA, NO ANO DE 1941, PELO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL .................................................................................................................. 9 1.2.1 Liberdade do magistrado para formular os questionamentos que entender pertinentes................................................................................................................................. 10 1.2.2 Impossibilidade do defensor do acusado intervir nas perguntas e respostas a este formuladas ................................................................................................................................ 13 1.2.3 Dos artigos 186, 191, 198 e 260 do CPP .................................................................. 14 1.2.4 Significado e valor da confissão............................................................................... 15 2 DO INTERROGATÓRIO COMO MEIO DE DEFESA........................................ 17 2.1 DO DIREITO AO SILÊNCIO E NÃO AUTOINCRIMINAÇÃO .............................. 18 2.2 DAS ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS NO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL PELA LEI N. 10.792/2003 ....................................................................................................... 21 2.2.1 Da nova redação conferida ao artigo 186 do CPP .................................................... 21 2.2.2 Da indução ao exercício da autodefesa..................................................................... 24 2.2.3 Da necessária presença do defensor durante o interrogatório .................................. 26 2.3 DAS CONTRIBUIÇÕES EFETUADAS PELA LEI N. 11.719/2008......................... 26 2.4 DO CONCEITO DE INTERROGATÓRIO COMO MEIO DE DEFESA.................. 28 2.5 CONSIDERAÇÕES PESSOAIS.................................................................................. 28 3 DO INTERROGATÓRIO POR VIDEOCONFERÊNCIA.................................... 30 3.1 VIDEOCONFERÊNCIA.............................................................................................. 30 3.2 REGULAMENTAÇÃO INTRODUZIDA PELA LEI N. 11.900/2009 ...................... 31 3.2.1 Das hipóteses de admissibilidade do interrogatório por videoconferência .............. 34 3.2.2 Procedimento do interrogatório por videoconferência ............................................. 37 3.3 ARGUMENTOS FAVORÁVEIS ................................................................................ 39 3.3.1 Celeridade................................................................................................................. 40 3.3.2 Da economia de recursos públicos ........................................................................... 41 3.3.3 3.4 Segurança pública..................................................................................................... 42 QUESTÕES CONTROVERTIDAS ............................................................................ 43 3.4.1 Da publicidade.......................................................................................................... 43 3.4.2 Da necessidade de apresentação do réu à presença física do juiz para que seja interrogado................................................................................................................................ 46 3.4.3 3.5 Da observância do contraditório e da ampla defesa ................................................. 50 DA ADEQUAÇÃO DOS PARÁGRAFOS 2º A 6º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL À NATUREZA JURÍDICA DO INTERROGATÓRIO............................................. 54 4 CONCLUSÃO............................................................................................................. 56 5 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 59 INTRODUÇÃO O presente trabalho de conclusão de curso analisará a adequação do recurso de videoconferência à natureza jurídica do interrogatório. Tema dos mais controvertidos na doutrina e jurisprudência pátrias desde 27 de agosto de 1996, ocasião em que seu precursor, o juiz Edison Aparecido Brandão, implementou tal técnica. Sua complexidade deve-se, em especial, à plausibilidade dos argumentos favoráveis e contrários à incorporação do interrogatório on-line ao ordenamento jurídico brasileiro. Aqueles que se levantam em sua defesa sustentam, em síntese, a possibilidade de se conferir significativa celeridade aos processos criminais, proporcionando maior segurança social e a economia de somas vultosas, usualmente despendidas para a condução de réus presos à presença do magistrado. Ainda mais numerosos mostraram-se, contudo, os críticos desse método, por entenderem que sua adoção representaria a mitigação de garantias constitucionais atribuídas aos acusados em geral, a exemplo da ampla defesa e do contraditório pleno. Divergências que ensejaram uma série de manifestações discrepantes por parte dos Tribunais Superiores. Além de polêmico, o tema proposto mostra-se atual, pois a carência de uma regulamentação adequada, no ordenamento jurídico brasileiro, a respeito do interrogatório por videoconferência, foi suprida há pouco mais de um ano, por meio das alterações introduzidas pela Lei n. 11.900, de 9 de janeiro de 2009, no artigo 185 do Código de Processo Penal (CPP). Tão recente se mostra a sistemática adotada pelo legislador ordinário que poucas são as obras publicadas a seu respeito, razão pela qual o presente trabalho embasar-se-á, prioritariamente, em artigos científicos já divulgados. A pretensão deste estudo consiste, portanto, em fornecer aos operadores do Direito uma visão ampla do instituto previsto nos parágrafos 2º a 6º do artigo 185 do Código de Processo Penal, partindo-se de uma análise aprofundada da natureza jurídica do interrogatório, que respaldará a apreciação das divergências doutrinárias que permearam sua regulamentação, conferindo-se especial relevância à análise das garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa. O método utilizado foi, preponderantemente, o indutivo, principiando-se pela análise de argumentos específicos para se chegar a uma formulação geral. Por sua vez, as técnicas de pesquisa adotadas foram a bibliográfica, legal e jurisprudencial, com recortes comparativos e dialéticos. 1 DO INTERROGATÓRIO COMO MEIO DE PROVA Há muito se discute, na doutrina e jurisprudência pátrias, a delimitação da natureza jurídica do interrogatório, se meio de defesa do réu ou meio de prova. Tema cuja compreensão é imprescindível para que se possa aferir a viabilidade e adequação da incorporação do interrogatório por videoconferência à legislação processual penal brasileira. Consoante ressalta Hélio Tornaghi (1967, p. 809), trata-se, em verdade, de uma opção de política processual, uma vez que “o interrogatório do acusado tanto pode ser aproveitado pela lei para servir como método de prova quanto como instrumento de defesa”. Iniciar-se-á, então, pela apreciação das circunstâncias que o caracterizam, na visão de muitos, primordialmente como meio de prova. Antes, contudo, faz-se necessária a apresentação de conceitos e ponderações específicas relacionados à teoria da prova, essenciais para que se possa perquirir a respeito do enquadramento do interrogatório entre os meios de prova. 1.1 NOÇÕES SOBRE A TEORIA GERAL DAS PROVAS Impõe, aqui, destacar que não se pretende esgotar o tema referente à teoria das provas – matéria excessivamente vasta, que demandaria a elaboração de trabalho autônomo –, mas tão-somente estabelecer as bases necessárias para a apreciação da natureza jurídica do interrogatório, um dos objetivos a que se propõe o presente estudo. 1.1.1 Prova: conceito e ponderações Consoante se verifica da análise dos diversos vocábulos que integram a língua portuguesa, admitem, não raras vezes, múltiplos significados, a depender do contexto em que se encontrem insertos. Também a palavra prova pode ser tida como polissêmica, se considerados os diferentes referenciais a partir dos quais venha a ser apreendida. Lição que se extrai da obra 3 de Carl Josef Anton Mittermaier, intitulada Tratado da Prova em Matéria Criminal: A prova, essa base de argumentação que cada uma das partes emprega para ganhar a convicção do juiz, pode ser encarada, conforme os casos, sob diversos pontos de vista. Consideramos: 1º, com relação àquele que a produz, ou, o que é o mesmo, com relação àquele que fornece os motivos determinativos da convicção; 2º, com relação àquele perante quem ela é dada. No primeiro caso a palavra prova é tomada subjetivamente: designa os esforços feitos pela parte para fundar a convicção no ânimo do juiz, e habilitá-lo a decidir com toda a certeza a respeito dos fatos da causa; neste sentido, prova e produção de prova são sinônimos. Assim é que no civil as partes procuram demonstrar as suas pretensões; assim é que no crime vê-se logo em esforços por demonstrar os fatos a um acusador [...] Considerada em relação àquele para quem a prova é dada, torna-se esta palavra sinônimo de certeza, toma-se então objetivamente, e compreende esse complexo de poderosos motivos, que com toda a segurança dão em conclusão a realidade dos fatos acusados. (1997, p. 57, grifou-se) Igualmente relevantes, quanto à conceituação, são as ponderações efetuadas por Nicola Framarino Dei Malatesta (2003, p. 15), para quem prova é “o meio objetivo pelo qual o espírito humano se apodera da verdade”, que denomina de histórica, por visar, impreterivelmente, à reconstrução de fatos passados: A verdade histórica; eis o objeto de nossos estudos, e é esta que procuramos alcançar, sempre que temos de nos certificar da realidade de certos acontecimentos, e de certos atos passados no tempo e no espaço. Percorrendo o tempo e o espaço, colhemos pelo caminho uma multidão de circunstâncias isoladas, que ligamos entre si; estas nos guiam a seu turno, e quando, com o seu auxílio, chegamos ao fim de nossas indagações, com confiança julgamos se os acontecimentos passados, de que tratávamos, são com efeito reais, e qual sua natureza; acreditamos possuir a verdade desde o momento em que nossas idéias sobre o objeto da indagação nos parecem em perfeita concordância com o mesmo. (2003, p. 60, grifou-se). Entendimento corroborado por Mittermaier (1997, p. 59), em cujos dizeres a verdade corresponderia à “concordância entre um fato real e a idéia que dele forma o espírito”. Não se pode perder de vista, contudo, que, por maiores que devam ser os esforços envidados para a reconstituição das situações fáticas que configurem eventos penalmente relevantes, está-se, no processo penal, diante de uma verdade judicial – circunscrita ao que se encontra nos autos –, a qual, nem sempre, seja por impossibilidades de ordem prática ou íntima1, refletirá a realidade dos acontecimentos, embora deva ser esse o objetivo primordial a 1 Relacionadas, nesse contexto, a todos os sujeitos que atuam no processo e, portanto, influem na formação da verdade judicial, a exemplo dos magistrados, testemunhas, peritos, dentre outros. 4 que se destina o processo. De fato, prima-se, em matéria penal, pelo alcance da verdade material, e não meramente formal, como admitido no processo civil, em razão da relevância dos bens jurídicos tutelados. A esse respeito, salienta Eugênio Pacelli de Oliveira: O chamado princípio da verdade real rendeu (e ainda rende) inúmeros frutos aos aplicadores do Código de Processo Penal, geralmente sob o argumento da relevância dos interesses tratados no processo penal. A gravidade das questões penais seria suficiente para permitir uma busca mais ampla e mais intensa da verdade, ao contrário do que ocorreria, por exemplo, em relação ao processo civil. [...] Enquanto o processo civil aceita uma certeza obtida pela simples ausência de impugnação dos fatos articulados na inicial (art. 302, CPC), sem prejuízo da iniciativa probatória que se confere ao julgador, no processo penal não se admite tal modalidade de certeza (freqüentemente chamada de verdade formal, porque decorrente de uma presunção legal), exigindo-se a materialização da prova. Então, ainda que não impugnados os fatos imputados ao réu, ou mesmo confessados, compete à acusação a produção de provas da existência do fato e da respectiva autoria, falando-se, por isso, em uma verdade material. (2009, p. 293-294) Tal fato se justifica pelo efetivo interesse social de que venham a ser condenados apenas os reais responsáveis pela conduta delituosa. À sociedade, em nada interessa a condenação de um inocente, fato que contribuiria apenas para agravar os sentimentos de insegurança e descrédito em relação ao sistema judicial. Como salienta Giovinazzo, autor da introdução da obra A lógica das provas em matéria criminal, de Nicola Framarino Dei Malatesta: Ora, perante o direito, que tem a sociedade ofendida de punir o réu, existe, em todo julgamento penal, o direito do acusado de não ser punido, se não for réu [entenda-se, culpado]. O objetivo supremo, por isso, de toda ordem processual que se inspire na defesa jurídica, deverá ser o de conciliar e defender, ao mesmo tempo, estes dois direitos [...] A pena que atingisse um inocente perturbaria a tranqüilidade social, mais que teria abalado o delito particular que se pretendesse punir, por isso, todos se sentiriam na possibilidade de ser, por sua vez, vítimas de um erro judicial. Assim como o código das penas deve ser a espada infalível para golpear os delinqüentes, assim o código de ritos, inspirado na teoria da lógica sã, sendo o braço que guia com segurança aquela espada contra o peito dos réus, deve também ser o escudo inviolável da inocência. É sob este aspecto que o Código de Processo Penal, corolário legislativo da ciência e da arte de julgar, é o índice seguro do respeito à personalidade humana, o termômetro fiel da civilização de um povo. (2003, p. 10-11, grifou-se) 5 Daí a necessidade, como salienta Malatesta, de buscar-se sempre a obtenção da melhor prova, seja em seu aspecto objetivo ou subjetivo: Primeiramente, se, para servir de base a uma condenação penal não basta a verdade formal, mas é preciso a verdade substancial, é necessário, pois, procurar sempre as melhores provas em matéria penal, porque são elas que melhor podem fazer chegar à conquista da verdade substancial [...] Deste princípio, segundo o qual a prova, produzida para servir de apoio à convicção, deve ser a melhor que possa haver em concreto, resulta daí a conseqüência de que é necessário não nos contentarmos com as provas não originais, quando podemos obter as originais; não se deve recorrer às testemunhas de ouvir dizer, quando se pode obter a declaração original das testemunhas de ciência própria; é necessário exigir as provas subjetivamente melhores. [...] Sempre pelo mesmo princípio, é necessário não contentar-se com a forma menos perfeita de prova, quando se pode ter a forma mais perfeita; é preciso não se contentar com o depoimento escrito, quando se pode logicamente ter o oral: devemos requerer as provas formalmente melhores. (2003, p. 106-107, grifou-se) Posição sustentada por considerar que, em última análise, configuram substancialmente provas – melhor seria dizer elementos de prova, como se verá na seqüência – apenas aqueles elementos capazes de influir positivamente na convicção do órgão julgador, seja no que tange às teses defensivas, acusatórias ou às circunstâncias fáticas, consoante salienta o mencionado autor: [...] Ora, visando-se em juízo criminal a estabelecer a realidade dos fatos, só são propriamente provas as que levam a nosso espírito uma preponderância das razões afirmativas para crer em tais realidades; e, por isso, só são propriamente provas as de probabilidade, a simples preponderância, maior ou menor, das razões afirmativas sobre as negativas e as da certeza, o triunfo das razões afirmativas para crer na realidade do fato. (2003, p. 84) E conclui: Ao determinar a noção de convencimento judicial, dissemos, antes de tudo, que não pode ser graduado como a certeza. Disto deriva que as provas, sem outra alternativa, ou geram o convencimento e têm a eficácia e a verdadeira natureza de prova ou não chegam a gerar o convencimento e não merecem o nome de prova, não tendo a eficácia, nem a verdadeira natureza persuasiva. (2003, p. 88, grifou-se) Critério idêntico – a efetiva influência na convicção do magistrado – é utilizado por Fernando da Costa Tourinho Filho para distinguir as noções de meio de prova e elemento de prova, que serão adotadas no presente trabalho, conferindo, assim, melhor sistematização à 6 noção apresentada, à época, por Malatesta. Para aquele autor: Meio de prova É tudo quanto possa servir, direita ou indiretamente, à comprovação da verdade que se procura no processo: testemunha, documento, perícia, informação da vítima, reconhecimento, tudo são meios de prova. Elementos de prova Como tais se entendem, na lição de Manzini, todos os fatos ou circunstâncias em que repousa a convicção do Juiz. (2009, p. 524) Igualmente relevante, para os fins do presente trabalho, é o conceito fornecido por Tourinho Filho quanto às fontes de prova, que representariam: [..] tudo quanto possa ministrar indicações úteis, cujas comprovações sejam necessárias. Assim, a denúncia, embora não seja elemento ou meio de prova, é uma fonte desta, uma vez que contém indicações úteis, exigindo comprovação. (2009, p. 524) Classificação que não invalida, contudo, a ressalva efetuada por Malatesta (2003, p. 99) no sentido de que “quaisquer que sejam as normas que a lei julgue dever impor em matéria de prova, elas só podem tender à garantia da correta formação do convencimento [...]” Anotação de todo relevante, considerando-se a mencionada noção de que prova “é o meio objetivo pelo qual o espírito humano se apodera da verdade” (MALATESTA, 2003, p. 15), e, por via de conseqüência, embasa o julgamento da causa – embora sua percepção seja intermediada, ainda que de forma inconsciente, por questões de ordem subjetiva, inerentes à personalidade do magistrado. Com efeito, tamanha é sua relevância e influência no deslinde da causa, que, no ano de 1848, o então membro substituto do Ministério Público no Tribunal de Rheims e na Cour d’Assises do Mane, responsável pela tradução da obra de Mittermaier e pela elaboração do preâmbulo de fl. 5, já ressaltava: Como dar-se a prova? Como fornecer à justiça os meios para uma apreciação certa do fato e da intenção constitutivos de um crime? Como garantir, ao mesmo tempo, à sociedade ofendida uma infalível repressão, ao cidadão acusado o gozo, sem embaraço, das liberdades que a lei social garante, ao homem, inocente talvez, sua segurança individual? Imensos problemas esses, cuja solução entende com a organização inteira do processo penal. Com razão tem-se dito que a lei, que fixa o modo e a taxa da pena, tem talvez menos importância do que a do processo, que determina as fórmulas necessárias para assegurar a aplicação daquela. Quando é manifesta a prova, segue-se sempre a imposição da pena; e, por mais imperfeita que esta seja, não é menos exato que se dá o castigo, a reparação, e, pois, ganho de causa para a justiça. Quando, porém, ao contrário, a prova é mal regulada, a sentença do juiz, em vez da verdade, pode decretar o erro; condenar o inocente, em vez do culpado; lançar a desconfiança em todos os 7 espíritos e destruir, mesmo em seu princípio, o respeito à lei [...]. (1997, grifou-se) Opinião igualmente apresentada por Hélio Tornaghi: Na denúnicia (ou na queixa) o autor levanta o véu que cobre um possível crime. Para isso não se lhe exige uma demonstração cabal dos fatos, o que se fará exatamente no processo. Esse é, antes de mais nada, uma atividade probatória. Todo o processo está penetrado da prova, embebido nela, saturado dela. Sem ela, ele não chega a seu objetivo: a sentença [leia-se, condenatória2]. Por isso a prova foi chamada “alma do processo” (Mascardo), “sombra que acompanha o corpo” (Romagnosi), “ponto luminoso” (Carmognani), “pedra fundamental” (Brugnoli), centro de gravidade (Brusa). (1987, p. 268) Relevância das mais nítidas, a considerar o sistema de avaliação da prova hodiernamente adotado, qual seja, o da livre convicção ou persuasão racional, a seguir delineado. 1.1.2 Do sistema da livre convicção ou da persuasão racional A teor do que dispõe o artigo 155 do Código de Processo Penal, a seguir transcrito, é esse o sistema de avaliação das provas em vigor – admitidas, desde logo, algumas restrições, como se pode observar do parágrafo único do aludido preceito: Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. Parágrafo único. Somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições estabelecidas na lei civil. (BRASIL, 1941, grifou-se) Opção que o legislador de 1941 deixou irrefutavelmente clara ao tratar do tema das provas na Exposição de Motivos do Código de Processo Penal, conforme se depreende do excerto a seguir: As provas VII – O projeto abandonou radicalmente o sistema chamado da certeza legal. Atribui ao juiz a faculdade de iniciativa de provas complementares e 2 Embora se entenda, como ressaltado, que a condenação pura e simples não constitui o objetivo primordial do processo penal, mas a retratação da verdade, o que pode implicar, não raras vezes, sentenças absolutórias ou simplesmente terminativas. 8 supletivas, quer no curso da instrução criminal, quer a final, antes de proferir a sentença3. Não serão atendíveis as restrições à prova estabelecidas pela lei civil, salvo quanto ao estado das pessoas; nem é pré-fixada uma hierarquia de provas: na livre apreciação destas, o juiz formará, honesta e lealmente, a sua convicção. A própria confissão do acusado não constitui, fatalmente, prova plena de sua culpabilidade. Todas as provas são relativas; nenhuma delas terá, ex vi legis, valor decisivo ou necessariamente maior prestigio que outra. Se é certo que o juiz fica adstrito às provas constantes dos autos, não é menos certo que não fica subordinado a nenhum critério apriorístico no apurar, através delas, a verdade material. O juiz criminal é, assim, restituído à sua própria consciência. Nunca é demais, porém, advertir que livre convencimento não quer dizer puro capricho de opinião ou mero arbítrio na apreciação das provas. O juiz está livre de preconceitos legais na aferição das provas, mas não pode abstrair-se ou alhear-se ao seu conteúdo. Não estará ele dispensado de motivar a sua sentença. E precisamente nisto reside a suficiente garantia do direito das partes e do interesse social. (REVISTA DOS TRIBUNAIS, 2008, p. 587) O que se extrai do trecho transcrito é justamente que, tendo sucedido os sistemas da íntima convicção – também designado de prova livre ou da certeza moral do juiz – e o das provas legais – a que Hélio Tornaghi intitula de certeza moral do legislador –, a livre convicção buscou conciliar o que de melhor havia em ordens diametralmente opostas, de forma a evitar toda sorte de abusos e arbitrariedades. Do primeiro sistema, primordialmente caracterizado pela livre apreciação da prova por parte do magistrado, a quem incumbia exclusivamente valorá-la, podendo valer-se, para sua convicção, de elementos estranhos aos autos sem que lhe fosse imposto sequer o dever de fundamentar suas decisões, permanece aplicável a livre avaliação da prova por parte do órgão jurisdicional. Do segundo, em que o legislador buscou tolher a excessiva liberdade conferida aos magistrados a ponto de estabelecer a priori o valor a ser conferido a determinadas provas e, em casos diversos, a exigir que certos fatos fossem provados por meio de tais ou quais condições, igualmente pré-estabelecidas, manteve-se a obrigatoriedade de fundamentação das sentenças, bem como a necessidade de permanecer adstrito ao conteúdo retratado nos autos. Lições igualmente assimiladas da obra de Hélio Tornaghi, que, por sua precisão, não se pode deixar de retratar: Sistema da íntima convicção. Certeza moral do juiz. No sistema da íntima 3 Iniciativa posteriormente ampliada pela Lei n. 11.690/2008, por meio da alteração da redação dos artigos 155, anteriormente transcrito, ao qual acrescentou o trecho que se segue à oração em destaque; e 156, que, atualmente, faculta ao juiz, de ofício: “I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida; II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante”. 9 convicção o legislador nada diz sobre o valor das provas. A admissibilidade delas, sua avaliação, seu carreamento para os autos, tudo isso é inteiramente deixado à discrição do juiz. É ele quem vai julgar; é para ele e só para ele que se faz a prova; ele decide ex informata conscientia e, por isso mesmo, não precisa fundamentar a sentença. Pode valer-se de seu conhecimento privado, das provas que tem e que não estão nos autos. [...] Mas o que não há dúvida é de que o juiz não precisava motivar a sentença. Assim, nada o impedia de valer-se de sua ciência paricular dos fatos. O mesmo sistema é usado, na maioria das ordenações, no julgamento pelo júri. [...] Sistema das regras legais. Certeza moral do legislador. É indisfarçável o perigo do sistema da íntima convicção que deixa as partes, especialmente o réu, ao arbítrio do julgador. Para obviá-los, a leis foram, paulatinamente, impondo ao juiz a observância de certos preceitos até o ponto de não lhe deixar nenunha liberdade de apreciação. As provas que fossem, por lei, reputadas sem qualquer valor não podiam ser admitidas e, das admissíveis, era dito, de antemão, o que valiam. Formou-se um conjunto ordenado e rígido de normas valorativas que o juiz devia seguir escrupulosamente. [...] O absurdo a que levou essa vinculação do juiz moveu os legisladores a procurar um terceiro meio de avaliação da prova, que eliminasse as imperfeições dos dois outros e lhes aproveitasse as vantagens: evitar a tirania judicial, a prepotência, a irresponsabilidade e o arbítrio, assegurando, porém, ao juiz, a possibilidade de formar a sua convicção como qualquer homem normal, sem peias que o levassem a pronunciar uma decisão contrária a suas conclusões. Assim nasceu o sistema da livre convicção [...] (1987, p. 274277) O que impõe frisar, portanto, e que deverá ser considerado no desenrolar do presente trabalho, é que, atualmente, por mais que ao juiz caiba a livre apreciação e valoração das provas – excetuadas raríssimas restrições previstas em lei, a exemplo dos artigos 155, parágrafo único, e 158, ambos do CPP –, sua produção não se dá exclusivamente em seu interesse. Às partes, em especial, bem como aos órgãos jurisdicionais de instâncias superiores, muito interessa a qualidade e conteúdo dos elementos probatórios, dada a possibilidade dos primeiros de refutá-las e interporem recursos. Conclusão que, ademais, decorre da simples ciência do princípio da comunhão da prova, amplamente reconhecido pela doutrina e aplicado diuturnamente. 1.2 DA CONJUNTURA INTRODUZIDA, NO ANO DE 1941, PELO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL 10 Feitas essas considerações, cumpre analisar a figura em si do interrogatório. Não há, contudo, como fornecer, de início, sua perfeita conceituação, uma vez que as características que o definem não podem ser dissociadas da natureza jurídica que se lhe atribuir. Razão pela qual se opta por iniciar justamente pela análise de tal natureza. Quando da vigência dos códigos e leis das Unidades Federadas, prevalecia a feição do interrogatório como meio de defesa conferido aos réus (TORNAGHI, 1967, p. 810). Opção de política processual que o Decreto-Lei n. 3.689/1941 buscou afastar ao tratar expressamente do interrogatório em seu título VII, destinado ao estudo dos meios de prova. Fato corroborado pelas observações constantes da Exposição de Motivos do Diploma Legal em questão: Outra inovação, em matéria de prova, diz respeito ao interrogatório do acusado. Embora mantido o princípio de que nemo tenetur se detegere (não estando o acusado na estrita obrigação de responder o que se lhe pergunta), já não será esse termo do processo, como atualmente, uma série de perguntas pré-determinadas, sacramentais, a que o acusado dá as respostas de antemão estudadas, para não comprometer-se, mas uma franca oportunidade de obtenção de prova. É facultado ao juiz formular ao acusado quaisquer perguntas que julgue necessárias à pesquisa da verdade [...](REVISTA DOS TRIBUNAIS, 2008, p. 587, grifou-se) Inúmeros foram os dispositivos do Código de Processo Penal Brasileiro a reforçar esse entendimento, a exemplo da previsão de condução coercitiva do réu para que seja interrogado (artigo 260); da liberdade conferida ao magistrado, pelo artigo 188, para formular os questionamentos que entenda pertinentes em busca da prova; da impossibilidade de o defensor do acusado intervir nas perguntas e respostas formuladas (artigo 187); da autorização para que o silêncio do réu possa ser interpretado em prejuízo da própria defesa (artigo 186) e da necessidade de serem consignadas as indagações não respondidas pelo acusado e as razões que tenha invocado para silenciar (artigo 191), entre outras. Conjuntura que se passará a analisar de forma pormenorizada. 1.2.1 Liberdade do magistrado para formular os questionamentos que entender pertinentes Aqueles que defendem ser o interrogatório primordialmente meio de prova, a exemplo de Hélio Tornaghi, sustentam, em favor de tal tese que, nos antigos códigos e leis das Unidades Federadas, tal ato processual limitava-se a uma série de perguntas pré- 11 ordenadas, às quais se encontrava adstrito o magistrado (1967, p. 810-811). Fato que facilitava sobremaneira a defesa do réu, por possibilitar, de antemão, preparar sem maiores surpresas as declarações a serem prestadas. A título exemplificativo, extrai-se da obra do mencionado doutrinador os questionamentos a que era submetido o réu de acordo com o artigo 296 do então Código de Processo do Distrito Federal: Art. 296. O juiz, mandando que lhe seja lida a queixa ou denúncia, interrogará o réu pela maneira seguinte: I – qual o seu nome, naturalidade, idade, estado, filiação, residência e tempo dela no lugar designado; II – quais os seus meios de vida ou profissão; III – se sabe ler e escrever; IV – onde estava, ao tempo em que se diz ter sido cometido o crime; V – se conhece as testemunhas arroladas, desde que tempo, e se tem alguma coisa a alegar contra elas; VI – se tem algum motivo particular a que atribuir a queixa ou denúncia; VII – se é verdade o que se alega na denúncia ou queixa; VIII – se quer fazer alguma declaração. (1967, p. 810-811) Não havia, de fato, qualquer liberdade para que o magistrado pudesse investigar, de acordo com as suas dúvidas e indagações, questões específicas relacionadas ao caso concreto. A par da qualificação pessoal do réu cabia exclusivamente a esse fornecer as informações que lhe aprouvesse. Situação alterada com a entrada em vigor do Código de Processo Penal de 1941, cujo artigo 188 previu, no inciso VII, a possibilidade de o magistrado formular indagações sobre “todos os demais fatos e pormenores, que conduzam à elucidação dos antecedentes e circunstâncias da infração”. Para fins de se estabelecer um paralelo, cumpre transcrever a redação original do artigo 188 do CPP, em que o interrogatório se encontrava disciplinado da seguinte forma: Art. 188. O réu será perguntado sobre seu nome, naturalidade, estado, idade, filiação, residência, meios de vida ou profissão e lugar onde exerce sua atividade e se sabe ler e escrever, e, depois de cientificado da acusação, será interrogado sobre: I – onde estava ao tempo em que foi cometida a infração e se teve notícia desta; II – as provas contra ele já apuradas; III – se conhece a vítima e as testemunhas já inquiridas ou por inquirir, e desde quando, e se tem o que alegar contra elas; IV – se conhece o instrumento com que foi praticada a infração, ou qualquer dos objetos que com esta se relacione e tenha sido apreendido; V – se verdadeira a imputação que lhe é feita; VI – se, não sendo verdadeira a acusação, tem algum motivo particular a quem atribuí-la, se conhece a pessoa a que deva ser imputada a prática do crime, e quais sejam, e se com elas esteve antes da prática da infração ou depois dela; 12 VII - todos os demais fatos e pormenores, que conduzam à elucidação dos antecedentes e circunstâncias da infração; VIII – sua vida pregressa, notadamente se foi preso ou processado alguma vez e, no caso afirmativo, qual o juizo do processo, qual a pena imposta e se a cumpriu. Parágrafo único. Se o acusado negar a imputação no todo ou em parte, será convidado a indicar as provas da verdade de suas declarações. (BRASIL, 1941) Como se pode observar, além da inclusão do inciso VII, inúmeros outros questionamentos acerca da qualificação do réu e da verificação dos fatos foram introduzidos no rito do interrogatório. Dentre eles, cumpre ressaltar, como o faz Hélio Tornaghi, que o juiz não mais se limita a informar o réu sobre as provas obtidas em seu desfavor, passando a interrogar-lhe sobre elas (1967, p. 811). Ambas as previsões, diga-se de passagem, continuam presentes na atual redação do artigo 187 do CPP, mais especificamente nos incisos IV e VII, como resquícios do interrogatório como meio de prova. A respeito da inovação trazida pelo inciso II cumpre salientar as ponderações de Eduardo Espínola Filho: Na nossa prática de juiz criminal, e foi bastante longa, sempre consideramos muito importante a verificação das reações, que as declarações das informantes, vítimas e seus parentes, e das testemunhas, provocavam no réu, ouvindo-as prestar. [...] Mas o sistema antigo furtava ao julgador grande parte da eficácia dêsse trabalho, útil quanto delicado, de aferição do valor da prova, pelas reações do próprio acusado, porque sôbre tudo o que se executara apenas no inquérito, nenhum poder tinha de provocar os sentimentos e a opinião do indiciado. Agora, as coisas se passam diferentemente. Interrogando o réu, o magistrado, em cumprimento ao art. 188, II, do Código de processo penal, lhe dá, com lealdade e franquesa, o conhecimento de tudo quanto, no processo, até então, existe contra êle, e verifica a impressão, sôbre o mesmo causada, pelo conhecimento de que a acusação tem amparo de elementos mais ou menos capazes de convencer. (1960, p. 26-27) Muito antes, contudo, da vigência do dispositivo legal em questão, Malatesta já ressaltava a importância de se apreciar as reações do réu ao se interrogado: Quem se encontra sob o peso de uma acusação, não pode ser indiferente, nunca pode conservar completamente sua calma; está de ordinário em estado de superexcitação interior; se inocente, porque se sente injustamente acusado; se culpado, pela lembrança do crime cometido e pelo pensamento da justa pena a sofrer. Em semelhantes condições, entende-se como o espírito do acusado deva, mais facilmente que qualquer outra testemunha, revelar-se no seu conteúdo, dando, muitas vezes, um importante acúmulo de indícios, em favor ou contra a fé de sua afirmação. A postura do acusado é, portanto, levada em consideração, para avaliar-lhe as respostas; bastará, por vezes, uma exclamação imprevista, um imprevisto empalidecer ou corar, 13 bastará um gesto e até um olhar, para revelar a veracidade ou mentira da palavra do acusado. (2003, p. 466) Quanto à sistemática em si adotada pelo artigo 188, interessantes são as observações efetuadas por Carlos Henrique Borlido Haddad, para quem a forma como estavam ordenados os questionamentos favorecia a extração de elementos de prova: O esquema do interrogatório era como uma espiral, começando por perguntas sobre fatos acessórios, para, gradativamente, dirigir-se ao cerne da questão. A primeira pergunta não dizia respeito à responsabilidade do acusado; esta só era tocada na quinta indagação. Se perguntado de chofre sobre sua responsabilidade, tendia a negar. O motivo desse método era não sugerir ao acusado réplica que o pusesse a salvo da acusação ou, talvez, porque parecia contrário à natureza que se acusasse, imediatamente, por si só. (2005, p. 77) Como se pode observar, à época, a conformação do interrogatório efetivamente se aproximava mais de um meio de prova. 1.2.2 Impossibilidade do defensor do acusado intervir nas perguntas e respostas a este formuladas Naquela época, existia, ainda, previsão expressa impedindo que o defensor do acusado interviesse, em quaisquer circunstâncias, nas perguntas e respostas apresentadas, conforme se extrai da então redação do artigo 187 do CPP, em cujos termos “o defensor do acusado não poderá intervir ou influir, de qualquer modo, nas perguntas e nas respostas”. (BRASIL, 1941) Restrição que não se estendia, ao menos de forma declarada, ao órgão de acusação. Omissão cujas origens são elucidadas por Hélio Tornaghi: A verdade é que a lei não cuidou da intervenção do acusador nem para permitir, nem para proibir. E assim fêz por motivos de ordem histórica: o acusador não interferia e não havia necessidade da proibição. Ao passo que o defensor, por influência de uma lei francesa de 8 de dezembro de 1897, foi tendo sua intervenção assegurada em outras legislações e, por vêzes, mesmo sem lei autorizativa, pelo costume. Os maus efeitos dessa prática convenceram os legisladores da conveniência de proibí-la expressamente. Esta a origem de dispositivos como o do art. 187 do Código de Processo Penal Brasileiro. (1967, p. 817-818) 14 De toda sorte, a impossibilidade referida no artigo 187 deixava exclusivamente a cargo do magistrado a condução do interrogatório, de forma a propiciar a obtenção dos elementos de prova almejados. 1.2.3 Dos artigos 186, 191, 198 e 260 do CPP Argumento reforçado, segundo os defensores da tese em apreço – de que o interrogatório consistiria, primordialmente, em meio de prova –, pela previsão inserta no artigo 260 do CPP, ainda em vigor com idêntica redação, que estabelece a possibilidade de condução coercitiva do réu para que seja interrogado. A esse respeito, lecionava Eduardo Espínola Filho em sua obra Código de Processo Penal Brasileiro Anotado: [...] deixar correr o processo à revelia é uma faculadade do réu, mas não impedirá a realização de ato tão importante, quando ao juiz se apresentar realizável a condução. A rebeldia, ou o desinteresse de quem desatende às intimações, não podem, ademais, deixar de ser considerados, em cada caso concreto [...] Vindo a juizo, quer no momento próprio, e em obediência à citação ou conduzido, quer por movimento espontâneo, em época anterior ou posterior à em que é chamado, quer requisitado do presídio onde se recolhe preso, o réu não poderá evitar o interrogatório sobre o pretexto de não querer falar. A lei assegura-lhe a faculdade de calar, mas não dando resposta às perguntas, que lhe são feitas, por ocasião do interrogatório, não tem o direito de se esquivas às mesmas. E, na realidade, ainda prevenido de não querer o acusado responder ao que lhe é perguntado, o juiz poderá obter bons elementos para a apreciação psicológica da situação, fazendo, ao réu, quando insiste no mutismo, as indagações de utilidade ao esclarecimento da causa, pois se orientará proveitosamente, examinado as reações, que cada questão provoque no interogado.(1960, p. 16-17) Muito embora não fosse obrigado a responder aos questionamentos formulados, antes mesmo de iniciado o interrogatório, era o réu advertido de que o seu silêncio poderia ser interpretado em prejuízo da própria defesa, a teor do que dispunha o artigo 186 do CPP4. Conclusão reforçada pelo disposto no artigo 1985 do referido Diploma, o qual, 4 Art. 186. Antes de iniciar o interrogatório, o juiz observará ao réu que, embora não esteja obrigado a responder às perguntas que lhe forem formuladas, o seu silêncio poderá ser interpretado em prejuízo da própria defesa. 5 Art. 198. O silêncio do acusado não importará confissão, mas poderá constituir elemento para a formação do convencimento do juiz. 15 apesar de ter afastado do ordenamento jurídico brasileiro qualquer possibilidade de se interpretar o silêncio do acusado como uma confissão ficta, salienta a possibilidade de seu silêncio vir a influir na formação do convencimento do magistrado. Fato que se coadunava, igualmente, com a então redação do artigo 191 do referido Diploma6, que previa a necessidade de consignação, em ata, das perguntas não respondidas pelo réu e as razões invocadas para tanto. Dispositivos esses (artigos 186, 191 e 198) cujo teor só veio a ser alterado no ano de 2003, por meio da Lei n. 10.792, o que será oportunamente apreciado no Capítulo subseqüente. Do exposto, verifica-se que, de fato, a sistematização inicialmente conferida ao Código de Processo Penal condiz com as intenções retratadas na respectiva Exposição de Motivos, qual seja, de enquadrar esse importantíssimo ato processual entre os meios de prova. 1.2.4 Significado e valor da confissão O que impõe ressaltar, por ora, e que muito motivou a inclusão do presente tópico neste trabalho, é que ambas as correntes doutrinárias sob análise, ou seja, tanto a que considera o interrogatório primordialmente meio de prova como a que o tem por meio de defesa, admitem o valor da confissão em termos probatórios. Para a primeira, constitui verdadeiro elemento de prova, ao passo em que a segunda tende a considerá-lo mera fonte de prova, cuja veracidade deve ser confirmada. Dentre aqueles que a tomam por meio de prova, encontra-se Mittermaier, fato de todo justificado pela época em que foi elaborada sua obra, nos idos de 1834, como se pode observar: Vê-se desde já que a confissão do acusado, isto é, a declaração pela qual afirma a veracidade de um fato da imputação que se lhe faz, fato que por conseguinte lhe é prejudicial, tem uma grande importância em matéria criminal [...]. Seria negar a evidência, recusar que seja ela um meio de prova [...] a confissão não é para o juiz mais do que um meio de formar a sua convicção desde que admitir como verdadeiros os fatos confessados pelo acusado. Há, pois, uma diferença enorme entre a confissão: meio de convicção no processo criminal, e a confissão ou reconhecimento no 6 Art. 191. Consignar-se-ão as perguntas que o réu deixar de responder e as razões que invocar para não fazê-lo. 16 processo civil; este admite o princípio da renúncia e da desistência7; [...] Porém tal desistência o processo criminal não comporta: seu fim é a manifestação da verdade material absoluta, por conseguinte o inquiridor8 é obrigado a investigar com igual escrúpulo todos os fatos confessados, e os seus detalhes os mais acessórios, visto como é preciso que o juiz possa decidir se o acusado foi sincero em sua confissão. (1997, p. 186-187, grifouse) A respeito dos diferentes valores conferidos à confissão ao longo do tempo, leciona Hélio Tornaghi: O valor dado à confissão em diferentes épocas da história humana, fez variar o próprio modo de proceder no juízo criminal. Evidentemente nada traz mais certeza da autoria de um delito do que uma confissão livre, clara, sincera, sem qualquer vício. É sumamente tranqüilizador para a consciência do juiz ouvir dos lábios do réu uma narrativa convincente do fato criminoso com a declaração de havê-lo praticado. (1967, p. 838) Notória defensora do interrogatório como meio de prova, Ada Pellegrini Grinover leciona que: É certo que do interrogatório, voluntariamente prestado – rectius, das informações espontâneas do acusado, assegurada sua liberdade de consciência –, podem surgir elementos que constituam “fonte de prova”. Assim, a correta conceituação do interrogatório – em face da doutrina, primeiro; em face da Constituição, depois, e, mais tarde, pela incorporação do Pacto São José da Costa Rica ao ordenamento brasileiro – é a de que constitui ele meio de defesa, que – se e conforme o acusado falar – pode eventualmente servir como fonte de prova. (2005, p. 187, grifou-se) Em suma, hoje, por não se lidar com provas valoradas a priori pelo legislador, como ocorria no sistema das provas legais, a confissão consiste, simplesmente, em mais uma fonte de prova, cuja veracidade e valor deverão ser analisados no caso concreto, como demonstrado. Não há, contudo, como ignorar sua grande valia por retratar a opinião de quem teve, inequivocamente – caso seja o responsável pela conduta criminosa –, contato sensorial direto com todos os elementos do delito. Além de ser o único, nesse caso, a ter plena ciência dos elementos subjetivos que o motivaram a agir. Nesse contexto, esclarecidos os diferentes significados da confissão para as correntes doutrinárias em apreço, cumpre passar a análise do interrogatório como meio de prova, contexto em que a confissão possui contornos de fonte de prova, como se demonstrará 7 Raciocínio aplicável apenas em linhas gerais, pois, como é cediço, são inúmeros os direitos irrenunciáveis na órbita do Direito Civil, a exemplo dos direitos da personalidade. 8 Figura que não mais existe, em tais moldes, no Direito Brasileiro atual. 17 de forma mais detalhada. 2 DO INTERROGATÓRIO COMO MEIO DE DEFESA Como demonstrado anteriormente, quando da vigência dos códigos e leis das Unidades Federadas, prevaleceu a concepção do interrogatório como meio de defesa conferido ao réu. Opção de política processual propositalmente abandonada com a entrada em vigor do Código de Processo Penal Brasileiro (Decreto-Lei n. 3.689/1941). Todavia, apesar do teor dos dispositivos legais introduzidos por tal Diploma – analisados nos itens 1.2.1, 1.2.2 e 1.2.3 –, não foram suficientes para silenciar as opiniões divergentes de respeitáveis juristas que, respaldados no princípio da presunção de inocência, continuaram a atribuir a conformação de meio de defesa ao interrogatório. Vozes consideravelmente favorecidas pela promulgação da Constituição Federal de 1988, que introduziu, entre outras garantias constitucionais, o direito ao silêncio. A esse respeito leciona Ada Pellegrini Grinover: Antes mesmo do advento da Constituição de 1988, que consagrou o direito ao silêncio, tive oportunidade de escrever a respeito do interrogatório, considerando o pleno exercício do direito de calar como decorrência do fato de não existirem ônus para a defesa no processo penal, em que a única presunção é a de inocência, daí decorrendo a impossibilidade de atribuir sanções, mesmo que indiretas, ao silêncio do acusado. Já sustentava, então, a ineficácia dos arts. 186 e 191 do CPP [...]. Logo se viu que a garantia, estipulada aparentemente apenas em benefício da pessoa privada de liberdade, se estendia a todos os acusados, tendo o legislador constituinte sido motivado a realçar a condição de preso tão só em função de sua maior vulnerabilidade. Do direito ao silêncio, consagrado em nível constitucional, decorre logicamente a concepção do interrogatório como meio de defesa. Se o acusado pode calar-se, se não mais é possível forçá-lo a falar, nem mesmo por intermédio de pressões indiretas, é evidente que o interrogatório não pode mais ser considerado “meio de prova”, não é mais pré-ordenado à colheita da prova, não visa ad veritatem quaerendam. Serve, sim, como meio de autodefesa. (2005, p. 186-187, grifou-se) Cumpre, portanto, analisar os fundamentos que conferem ao interrogatório a natureza jurídica de meio de defesa. 18 2.1 DO DIREITO AO SILÊNCIO E NÃO AUTOINCRIMINAÇÃO Nas palavras de Fernando da Costa Tourinho Filho: “Não obrigado a declarar contra si mesmo”, “direito ao silêncio”, tudo não passa do velho princípio do privilege against self-incrimination, isto é, do nemo tenetur se detegere, do direito de calar-se sem que a autoridade possa extrair desse silêncio qualquer indício de culpa. (2010, p. 185) Princípio cuja relevância e significado são ressaltados por Eugênio Pacelli de Oliveira nos seguintes termos: Atingindo duramente um dos grandes pilares do processo penal antigo, qual seja, o dogma da verdade real, o direito ao silêncio e a não auto-incriminação não só permite que o acusado ou aprisionado permaneça em silêncio durante toda a investigação, e mesmo em juízo, como impede que ele seja compelido a produzir ou a contribuir com a formação da prova contrária ao seu interesse. Nesta última hipótese, a participação do réu só poderá ocorrer em casos excepcionalíssimos, em que, além da previsão expressa na lei, não haja risco de afetação aos direitos fundamentais da pessoa. [...] (2009, p. 32) E adverte: O direito ao silêncio tem em mira não um suposto direito à mentira, como ainda se nota em algumas doutrinas, mas a proteção contra as hostilidades e as intimidações historicamente desfechadas contra o réu pelo Estado. [...] [...] evita-se o estímulo à cultura do quem cala consente, que não oferece padrões mínimos, seja de ordem psicanalítica, jurídica, espiritual, seja de qualquer outra espécie, para a reprodução de verdade alguma. (2009, p. 341) No âmbito constitucional, depreende-se o direito em questão da interpretação de dois incisos do artigo 5º, quais sejam, o segundo e o sexagésimo terceiro, a seguir enunciados: Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; [...] LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado; (BRASIL, 1988) O inciso segundo é relevante, como salienta Fernando da Costa Tourinho Filho (2010, p. 590), pois, “como não existe no nosso ordenamento nenhuma lei que obrigue a 19 confessar a prática de crime (nemo tenetur se ipsum accusare), o indiciado ou réu não está obrigado a declarar contra si mesmo”. O dispositivo de maior relevo no que tange ao assunto em questão e em torno do qual giram maiores controvérsias é, contudo, o inciso LXIII, em especial por ter o legislador se utilizado do termo preso. A esse respeito, impõe salientar as lições de Carlos Henrique Borlido Haddad: O dispositivo constitucional, norma auto-aplicável, a teor do art. 5º, § 1º, da Constituição Federal, faz menção ao interrogatório policial, porque emprega o termo “preso”, sabendo-se que a palavra “acusado” reservase à fase processual. E no inciso subseqüente, ao lado do termo “preso”, é feito menção explícita à expressão “interrogatório policial”, não deixando dúvidas referir-se à fase extrajudicial. [...] O interrogatório policial, que é disciplinado nos moldes do interrogatório judicial, passou a conter regra aplicável à inquirição em juízo, em autêntica inversão de situações. A aplicação da norma constitucional ao processo, se vedada, acarretaria a incongruente situação de se conceder direitos e prerrogativas àquele de quem se suspeita da autoria da infração penal e retirá-las, em seguida, quando houvesse acusação formalizada na denúncia ou na queixa. Se assim fosse, não apenas o direito ao silêncio, mas a assistência da família e de advogado se restringiriam à fase extrajudicial. Da interpretação extensiva, aliada à interpretação lógica, podia-se concluir que direitos e garantias concedidos no primeiro momento da persecução penal, antes de serem retirados com o término da fase extrajudicial, são mantidos em juízo. (2005, p. 65-66, grifou-se) Entendimento compartilhado por Ada Pellegrini Grinover, conforme se depreende do trecho citado no item anterior, em especial da seguinte passagem: Logo se viu que a garantia, estipulada aparentemente apenas em benefício da pessoa privada de liberdade, se estendia a todos os acusados, tendo o legislador constituinte sido motivado a realçar a condição de preso tão só em função de sua maior vulnerabilidade. (2005, p. 187) Carlos Henrique Borlido Haddad informa, outrossim, os motivos que respaldaram a opção do Constituinte pelo termo preso, no caso, a análise de legislações estrangeiras em que fora adotada a palavra “acusado” e as conseqüências daí advindas: Polêmica maior haveria se o texto constitucional empregasse o temo “acusado”, ao invés de “preso”, porque não seriam poucos os autores que sustentariam a aplicação do direito ao silêncio exclusivamente em sede judicial...Essa era a situação encontrada no direito alemão e norte-americano. O direito ao silêncio era previsto para os acusados, em juízo, e havia muitos questionamentos sobre a extensão ao âmbito policial. Atualmente, depois de incontáveis discussões, a jurisprudência de ambos os Estados estabeleceu não haver dúvidas quanto à aplicação do direito à fase extrajudicial. (2005, p. 66) 20 Não há como negar que, desde 6.11.1992, data em que foi entrou em vigor o Decreto n. 678, responsável pela incorporação, ao direito pátrio, do Pacto de São José da Costa Rica, consta, inequivocamente, no ordenamento jurídico brasileiro, o direito a não autoincriminação durante a fase judicial. Direito esse enunciado no artigo 8º, n. 2, do referido Tratado Internacional, em cujos termos, “durante o processo toda pessoa acusada tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: g) direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada...” (BRASIL, 1992). O direito ao silêncio – baseado não somente nos dispositivos mencionados, conforme será demonstrado nos itens subsequentes – é, de fato, o principal argumento a sustentar a natureza jurídica do interrogatório como meio de defesa do réu. Fato retratado pela emblemática frase de Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes e Antonio Magalhães Gomes Filho (2004, p. 96) de que “o direito ao silêncio é o selo que garante o interrogatório como meio de defesa e que assegura a liberdade de consciência do acusado”. Ao tratar detalhadamente do tema, Fernando da Costa Tourinho Filho esclarece: Interrogatório: meio de prova ou de defesa? Um dos atos processuais mais importantes é, sem duvida, o interrogatório. A despeito de sua posição topográfica, no capítulo das provas, é meio de defesa; pode “constituir fonte de prova, mas não meio de prova: não está ordenado ad veritatem quaerendam”. Embora o Juiz possa formular ao acusado as perguntas que lhe parecerem apropriadas e úteis, transformando o ato em uma oportunidade para a obtenção de prova, o certo é que a Constituição consagrou o direito ao silêncio. Em face do texto constitucional (art. 5º, LXIII), o réu responderá às perguntas a ele dirigidas se quiser. Não se pode dizer, pois, que o interrogatório seja meio de prova. (2010, p. 589) De fato não há como negar que é por meio do interrogatório que o réu exerce, de forma efetiva, a sua autodefesa, podendo externar diretamente ao magistrado sua versão dos fatos, sem depender, para tanto, da intermediação de seu defensor, constituído ou nomeado – responsáveis pela defesa técnica. Resta analisar os demais dispositivos legais que corroboram a conclusão, ora apresentada, de ser o interrogatório primordialmente um instrumento de defesa do réu do qual podem advir fontes de prova. 21 2.2 DAS ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS NO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL PELA LEI N. 10.792/2003 Uma das mais importantes contribuições prestadas pela Lei em comento foi, certamente, a de reforçar os contornos do interrogatório como meio de defesa, adequando, dessa forma, dispositivos do Código de Processo Penal que já contavam com quarenta e sete anos à ótica Constitucional, até então ressaltada apenas por aqueles operadores do direito que dela sempre se valem para intermediar a interpretação dos demais diplomas legais. 2.2.1 Da nova redação conferida ao artigo 186 do CPP Iniciou bem o legislador ordinário ao prever expressamente o direito do acusado de permanecer silente durante o interrogatório, de forma a afastar quaisquer dúvidas quanto à interpretação adequada a ser conferida ao artigo 5º, LXIII, da Constituição Federal. A fim de enfatizar a real discrepância entre a redação original do dispositivo e a alteração empreendida em 2003, cumpre transcrever ambas as suas versões: Art. 186. Antes de iniciar o interrogatório, o juiz observará ao réu que, embora não esteja obrigado a responder às perguntas que lhe forem formuladas, o seu silêncio poderá ser interpretado em prejuízo da própria defesa. (BRASIL, 1941) Art. 186. Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas. Parágrafo único. O silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa. (BRASIL, 2003) Como se pode observar da atual redação, em destaque, não se preocupou o legislador ordinário tão-somente em prever o direito ao silêncio, mas buscou adequar a legislação processual penal ao entendimento doutrinário preponderante, no sentido de que a faculdade de calar se aplicaria apenas aos fatos que são imputados ao réu, mas nunca a sua qualificação, motivo pelo qual estabeleceu uma nítida distinção entre o momento de qualificação do acusado e do interrogatório propriamente dito – a respeito dos fatos. Fórmula igualmente adotada no caput dos artigos 185 e 187 do CPP. O primeiro 22 informa que “o acusado que comparecer perante a autoridade judiciária, no curso do processo penal, será qualificado e interrogado na presença de seu defensor, constituído ou nomeado”, ao passo que do segundo se extrai :“o interrogatório será constituído de duas partes: sobre a pessoa do acusado e sobre os fatos”. (grifou-se) Todavia, apesar da ênfase conferida pelo artigo 188 à ordem dos acontecimentos, de forma que a informação quanto ao direito de permanecer calado suceda a qualificação do réu, sendo anunciada apenas antes de dar-se início aos questionamentos quanto aos fatos, algumas ponderações são necessárias a esse respeito, a exemplo daquela formulada por Carlos Henrique Borlido Haddad: Apesar de a norma processual não trazer nenhuma prescrição estabelecendo a obrigação de falar ad personam com a correspondente sanção pelo descumprimento da obrigação, a lei penal, que também impõe regras de conduta, pune aquele que se recusa a fornecer dados ou indicações sobre sua qualificação (art. 68 da Lei das Contravenções Penais). Por conseguinte, há obrigação em revelar os dados pessoais. Posto que, em regra, as declarações sobre a qualificação do acusado não envolvam atividade defensiva, é possível que, em determinada hipótese, a informação sobre um atributo pessoal gere a incriminação penal. O esclarecimento sobre o estado civil pode propiciar o agravamento da sanção, nos termos do art. 61, II, “e” do Código Penal. A divulgação da profissão é capaz de ser prejudicial ao réu denunciado pela prática do crime de usurpação de função pública (art. 328) ou de exercício ilegal da medicina, arte dentária ou farmacêutica (art. 282). Informar qual é o local onde exerce sua atividade pode infirmar um álibi. Conjecturar as possibilidades de autoincriminação em decorrência da divulgação da qualificação pessoal renderia ensejo a múltiplas situações, não sendo improvável resultar na própria increpação o fornecimento de informações pessoais pelo acusado. Em face do princípio contra a auto-incriminação, não se pode exigir do réu forneça esclarecimentos increpantes, embora a ele se imponha o dever de, caso decida falar, revelar dados verídicos sob pena de incorrer no parágrafo único do art. 68 da Lei das Contravenções Penais. [...] (2005, p. 75, grifou-se) Mesmo após a edição da Lei em comento, em artigo intitulado O interrogatório como meio de defesa (Lei n. 10.792/2003), Ada Pellegrini Grinover reconsiderou seu posicionamento a respeito do tema, salientado a necessidade de se flexibilizar, excepcionalmente, a impossibilidade de calar a respeito de questionamentos relacionados à qualificação do réu, conforme se depreende da seguinte passagem: Pensamos – e já escrevemos neste sentido – que o interrogatório que constitui manifestação de autodefesa, acobertado por isto pelo direito ao silêncio, é em princípio o interrogatório sobre os fatos (§ 2.º do art. 187). Nenhum exercício de defesa parece conter-se na simples qualificação do acusado. Ocorre, porém, que o interrogatório sobre a pessoa do acusado, previsto no § 1.º do artigo 187 do CPP, inclui a solicitação de informações sobre 23 residência, meio de vida ou profissão, oportunidades sociais, lugar onde exerce atividades, vida pregressa, se foi preso ou processado (com a indicação do juízo pro processo, a informação a respeito da condenação, imposição e cumprimento da pena ou suspensão condicional da pena) e outros dados familiares e sociais. Essas informações podem ser auto-incriminantes ou, ao menos, configurar lesão à dignidade do acusado. Elas também só podem ser prestadas espontaneamente. Se houver recusa a falar, também aqui estará o acusado exercendo seu legítimo direito ao silêncio. Observe-se que esta não é apenas a interpretação teleológica do dispositivo, mas também a sistemática, uma vez que o direito ao silêncio vem garantido genericamente no art. 186, anterior ao 187.(2005, p. 188, grifou-se) Feitas essas ponderações, por entendê-las absolutamente pertinentes e adequadas, impõe ressaltar outra alteração significativa introduzida pelo parágrafo único do artigo 186 do CPP, que vem reforçar a feição de meio de defesa do interrogatório, qual seja, a impossibilidade de o silêncio do réu ser interpretado em seu prejuízo. Deixou-se de lado – ao menos parcialmente, como se verá por ocasião da análise do artigo 198 do CPP – a ameaça velada de que poderia, sim, o réu valer-se do direito de permanecer calado, mas, caso assim procedesse, o silêncio poderia ser prejudicial à sua defesa. Impõe transcrever, sobre o tema, mais uma vez, as palavras de Carlos Henrique Borlido Haddad: Para tornar inequívoca a melhor interpretação extraída do art. 5º, LXIII da Constituição Federal, o Código de Processo Penal foi alterado. Estabeleceuse, no art. 186, parágrafo único, que “o silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa”. Passou-se do direito ao silêncio mitigado ao pleno. A instituição do integral direito ao silêncio [a não ser no que diz respeito exclusivamente à qualificação do réu, respeitadas as exceções já mencionadas] afastou as presunções e indícios desfavoráveis à defesa e acrescentou ao interrogatório maiores características defensivas, porque não há mais o ônus, nem o dever de o acusado fornecer elementos de prova que o prejudiquem. A presunção se explicava enquanto o interrogatório era tido como meio de prova, a qual era obstada a formar-se em virtude do uso do silêncio. (2005, p. 66, grifou-se) Medida acertadamente acompanhada pela revogação do então artigo 191 do Código de Processo, que continha a previsão genérica da necessidade de consignação das perguntas a que o acusado se recusasse a responder e os motivos invocados para tanto. Ainda no que tange ao direito de o réu calar-se durante o interrogatório, cumpre salientar não ter sido revogado o artigo 198 do CPP, em cujos termos “o silêncio do acusado não importará confissão, mas poderá constituir elemento para a formação do convencimento do juiz.” 24 A simples previsão de que o silêncio do acusado pudesse ser levado em consideração para a formação da convicção do magistrado, levou alguns doutrinadores, a exemplo de Eugênio Pacelli de Oliveira, antes mesmo da edição da Lei n. 10.792/03, a defenderem ter-se verificado a revogação implícita do dispositivo em comento: O direito ao silêncio deflui da regra constitucional prevista no art. 5º, LXIII, da CF, e implicou a imediata revogação (implícita, por incompatibilidade), daquilo que dispunha o art. 186 (posteriormente revigorado pela Lei. nº 10.792/03) e o art. 198 do Código de Processo Penal, pela simples e bastante de não se poder atribuir qualquer forma de sanção a quem esteja no exercício de um direito a ele assegurado em lei. (2009, p. 32) Entende-se, contudo, mais consentânea com o sistema da livre convicção racional e com a opção legislativa de manter em vigor o disposto no artigo 198, a explicação fornecida por Carlos Henrique Borlido Haddad, para quem o silêncio absoluto do acusado em nada poderá contribuir para o convencimento do magistrado: Mas em se tratando de silêncio relativo, isto é, em que o mutismo do interrogando não marca todo o interrogatório, é possível que a ausência de respostas influencie na formação do convencimento judicial. Malgrado a redação do art. 186 tenha sido alterada para proibir a extração de inferências prejudiciais do silêncio, permaneceu incólume o disposto no art. 198, de acordo com o qual “o silêncio do acusado não importará confissão, mas poderá constituir elemento para a formação do convencimento do juiz.” O interrogando, diante das perguntas que lhe são feitas, pode não encontrar a adequada resposta, revelando flagrante contrariedade nas anteriores declarações. Se o silêncio é intercalado entre uma conduta e outra, nascendo uma omissão à resposta pela falta de argumentos, aliada à fragilidade das declarações, é possível considerar tais circunstâncias na formação do convencimento do juiz. [...] É o que se chama discurso lacunar. [...] O silêncio, isoladamente, não poderá ser empregado em prejuízo do réu. Mas, como qualquer outro elemento contido nos autos, associado a imperfeições das declarações prestadas, poderá ser utilizado na formação do convencimento judicial, como melhor forma de associar a interpretação do art. 186, parágrafo único com a do art. 198, segunda parte, ambos do CPP. (2005, p. 68-69) Entendimento que se coaduna, conforme explicitado, com o sistema de valoração das provas hoje empregado. 2.2.2 Da indução ao exercício da autodefesa O item de que ora se trata, cujo título foi “emprestado” de artigo de Ada Pellegrini 25 Grinover, retrata a pertinência da observação tecida pela autora quanto ao teor do inciso VIII do parágrafo 2º do artigo 187 do CPP, que encerra o interrogatório questionando ao réu “se tem algo mais a alegar em sua defesa”. Trata-se de nítida oportunidade, agora protocolar, para que o réu possa exercitar sua autodefesa, ainda que tenha permanecido silente durante todo o interrogatório, como ressalta a autora em questão: O que é importante ressaltar, a respeito deste dispositivo, é que, ainda que o acusado tenha exercido o direito ao silêncio, não respondendo a alguma ou mesmo a todas as perguntas anteriores, esta última deve ser necessariamente formulada pelo juiz, porquanto não é só pelo silêncio, mas também pelas informações defensivas expressas, que o interrogatório se consagra como meio de defesa. (2005, p. 189) Faculdade que, em razão do disposto na também inovadora redação do artigo 189, não se limita a simples declarações, podendo o acusado, caso negue total ou parcialmente a acusação, indicar provas9. Trata-se, contudo, de mera possibilidade, não se encontrando o réu obrigado a fornecer quaisquer elementos de prova em razão de sua negativa, conclusão que decorre da utilização do verbo poder, em destaque. Tratamento diverso é conferido, contudo, ao réu que confessar a autoria, conforme se depreende da atual redação do artigo 190 do CPP – que, excetuadas algumas alterações terminológicas, já constava do mencionado Diploma em sua versão original –, segundo a qual será diretamente “perguntado sobre os motivos e circunstâncias do fato e se outras pessoas concorreram para a infração, e quais sejam”. As razões para tanto constam do artigo O Novo Regime Legal do Interrogatório, de Sérgio Demoro Hamilton10: Justifica-se o cuidado do legislador, pois, em tal hipótese, há autoincriminação por parte do acusado. Como o juiz não está adstrito à confissão do acusado, em razão do sistema do livre convencimento (art. 157 do CPP) e do princípio da verdade real, informadores do processo penal em matéria de prova, cabe ao magistrado perquirir até que ponto aquela confissão traduz a verdade. Demais disso, não se pode esquecer que a auto-acusação falsa é crime contra a administração da justiça (art. 341 do CP), motivando, ainda mais, a exigência legal constante no art. 190 do CPP. Reafirma-se, ainda mais uma vez, ao Estado só interessa a condenação do verdadeiro culpado. (2005, p. 23) 9 Art. 189. Se o interrogando negar a acusação, no todo ou em parte, poderá prestar esclarecimentos e indicar provas. (grifou-se) 10 Procurador de Justiça aposentado do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro e professor universitário. 26 Razões que se optou por delinear de forma a evitar eventuais especulações quanto à mitigação do direito ao silêncio que poderiam advir de uma leitura apressada do disposto no artigo 190 do CPP. 2.2.3 Da necessária presença do defensor durante o interrogatório Aqui, não há muito que falar, a não ser que uma prática há muito adotada nos juízos criminais passou a constar, agora, de forma expressa no Código de Processo Penal, mais especificamente do caput do artigo 185 – por força da Lei n. 10.792/2003 – e de seus parágrafos 1º (interrogatório no estabelecimento prisional) e 5º (por videoconferência) em decorrência das inovações advindas da Lei n. 11.900/2009, que será detalhadamente analisada no Capítulo 3 do presente trabalho. O que antes era garantido de forma mais sutil por meio do artigo 5º, LXIII, da Constituição Federal – com todas as polêmicas que se formaram em torno da utilização do termo preso e, portanto, de sua aplicação ao interrogatório judicial, como demonstrado no item 2.1 –, passa agora a constar como uma exigência no Código de Processo Penal. 2.3 DAS CONTRIBUIÇÕES EFETUADAS PELA LEI N. 11.719/2008 Também a Lei n. 11.719/2008, que conferiu nova formatação a procedimentos processuais penais, notadamente aos comuns ordinário e sumário, contribuiu para reforçar o caráter do interrogatório como meio de defesa. E o fez por meio da reestruturação dos atos que integram a audiência de instrução e julgamento, que passou a ser una. Diferentemente do que ocorria até então, quando o interrogatório consistia, via de regra, no primeiro ato processual que se seguia ao recebimento da denúncia e à citação do réu – conforme constava da revogada redação do artigo 394 do CPP –, efetuado em momento distinto da oitiva das testemunhas; hoje, diferentemente, a inquirição do réu e os atos instrutórios em geral são realizados em uma única ocasião. É o que se depreende da leitura do artigo 400 do CPP: 27 Art. 400. Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado. (BRASIL, 2008) Deixou, assim, de representar o primeiro ato de que tomava parte o acusado11 para tornar-se um dos últimos da audiência una de instrução e julgamento, sempre precedido pela oitiva do ofendido – quando viável –, das testemunhas de acusação e defesa, pela eventual manifestação de peritos e demais atos instrutórios. Ressalvada, sem dúvida, a necessidade de proceder-se a diligências complementares após a inquirição do réu, o que há de ser admitido em busca da verdade dos acontecimentos. Nesse contexto, passou o réu a ocupar posição consideravelmente mais confortável e benéfica ao desenvolvimento de sua defesa, aqui consideradas tanto a técnica quanto a pessoal. Somente após ter tomado contato com toda a produção da prova é que exercitará, querendo, sua autodefesa, ciente, de antemão, da totalidade dos fatos articulados, provas e indícios obtidos em seu desfavor. Por óbvio, essa significativa reordenação dos atos processuais buscou infirmar os contornos de meio de defesa do interrogatório. Deixou-se de lado, em absoluto, o elemento surpresa. O réu não mais representa aquela figura até certo ponto despreparada e vulnerável às mais diversas empreitadas intelectuais em busca da prova, tendo se tornado um espectador do desenrolar do processo penal, cuja manifestação pessoal sobre os fatos, caso a considere oportuna, será apresentada ao final. Entendimento compartilhado por Eugênio Pacelli de Oliveira: Inicialmente concebido como um meio de prova, no qual o acusado era unicamente mais um objeto da prova, o interrogatório, na ordem atual, há de merecer nova leitura. Que continue a ser considerado uma espécie de prova, não há maiores problemas, até porque as demais espécies defensivas são também consideradas provas. Mas o fundamental, em uma concepção de processo via da qual o acusado seja um sujeito de direitos, e no contexto de um modelo acusatório, tal como instaurado pelo sistema constitucional das garantias individuais, o interrogatório do acusado encontra-se inserido fundamentalmente no princípio da ampla defesa. Trata-se, efetivamente, de mais uma oportunidade de defesa que se abre ao acusado, de modo a permitir que ele apresente a sua versão dos fatos, sem se 11 Considerando-se aqui, para efeito de análise, os procedimentos comuns previstos no CPP, sobre os quais a Lei n. 11.919/08 incidiu diretamente, embora, por via reflexa, possa ter influído em alguns procedimentos especiais, a exemplo do rito referente ao julgamento dos crimes de responsabilidade dos funcionários públicos, cujo artigo 517 remete ao procedimento comum ordinário. 28 ver, porém, constrangido ou obrigado a fazê-lo. E a conceituação do interrogatório como meio de defesa, e não de provas (ainda que ostente valor probatório), é riquíssima de conseqüências. (2009, p. 334-335) Sistemática que, a partir da Lei n. 11.719/2008, passou a representar a regra geral do processo penal, em razão da aplicação subsidiária do procedimento comum a quaisquer outros, ressalvadas as exceções previstas no próprio CPP e em leis especiais, por força do disposto no artigo 394, § 2º, em cujos termos: “aplica-se a todos os processos o procedimento comum, salvo disposições em contrário deste Código ou de lei especial”. Por fim, cumpre salientar que idêntica forma de proceder foi incorporada à fase inicial do rito do tribunal do júri, por meio da Lei n. 11.689/2008, como se pode observar da atual redação do artigo 411 do CPP. 2.4 DO CONCEITO DE INTERROGATÓRIO COMO MEIO DE DEFESA Como mencionado no item 1.2, superada, enfim, a análise da natureza jurídica do interrogatório, é possível e necessário fornecer sua correta conceituação, como meio de defesa que é, noção irretocavelmente extraída da obra de Guilherme de Souza Nucci, em consonância com o exposto no presente Capítulo, qual seja: [...] ato processual que confere oportunidade ao acusado de se dirigir diretamente ao juiz, apresentando a sua versão defensiva aos fatos que lhe foram imputados pela acusação, podendo inclusive indicar meios de prova, bem como confessar, se entender cabível, ou mesmo permanecer em silêncio, fornecendo apenas dados de qualificação. (2008, p. 400) De posse do referido conceito, cumpre tecer algumas considerações, com o escopo de conciliar, de forma breve e sucinta, as questões tratadas no presente Capítulo. 2.5 CONSIDERAÇÕES PESSOAIS Em conformidade com a ordem constitucional e legal vigentes, o interrogatório representa um dos meios de defesa conferidos aos réus, verdadeiro instrumento para o 29 exercício da ampla defesa, prevista no artigo 5º, LV, da Constituição Federal. Garantia sempre instituída em favor do acusado. Faz-se sempre presente, contudo, a possibilidade de serem extraídas das declarações do interrogando reais fontes de prova, ou seja, elementos a serem confrontados com as demais provas e indícios coligidas, a teor do que dispõe o artigo 197 do CPP. Partindo-se dessa compreensão, impõe abordar a adequação do recurso da videoconferência ao instituto do interrogatório, estudo a que se destinará o Capítulo seguinte. 30 3 3.1 DO INTERROGATÓRIO POR VIDEOCONFERÊNCIA VIDEOCONFERÊNCIA O recurso da videoconferência foi introduzido no Código de Processo Penal apenas em 9 de janeiro de 2009, pela Lei Federal n. 11.900. Trata-se de uma conjugação de recursos tecnológicos que possibilita, por meio da transmissão simultânea de áudio e imagens, a comunicação em tempo real entre pessoas que se encontrem em diferentes locais. Sua adoção, na prática, foi implementada, pioneiramente, pelo juiz Edison Aparecido Brandão em 27 de agosto de 1996, na cidade de Campinas, consoante informa Ronaldo Batista Pinto, em seu artigo intitulado Interrogatório on-line ou virtual Constitucionalidade do ato e vantagens em sua aplicação (2008, p. 213). Tão logo foram divulgadas as primeiras experiências nesse sentido, inúmeras controvérsias surgiram a respeito de sua utilização, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, em especial no que tange ao interrogatório, como salientam Marco Antônio de Barros e César Eduardo Lavoura Romão, em seu artigo Internet e videoconferência no processo penal: Embora bem aceita nas relações sociais comuns do indivíduo, a tecnologia moderna ainda não sedimentou, com a velocidade que a caracteriza, suas raízes simplificadoras e úteis no processo criminal. [...] Os anais da ciência jurídica nos ensinam que a adoção de novas tecnologias sempre é marcada e precedida de períodos traumáticos, repletos de acalorados debates, que num primeiro momento podem encontrar eco na doutrina, mas logo se tornam superados pelo bom senso e pelo predomínio de uma nova e irresistível realidade social. [...] O interrogatório do réu por meio da videoconferência é a forma de produção eletrônica de ato processual mais combatida e criticada por grande parte da doutrina. (1997, p. 117-120, grifou-se) Controvérsias que se intensificaram após a edição de leis estaduais disciplinando a adoção do interrogatório on-line em processos criminais, tais como as de número 7.177/2002, da Paraíba; 11.819/2005, de São Paulo e 4.554/2005, do Rio de Janeiro, posteriormente consideradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, sob o argumento de que a competência para legislar sobre processo penal é exclusiva da União, nos termos do artigo 22, 31 I, da Constituição Federal, conforme se depreende da ementa do Habeas Corpus n. 90900, abaixo transcrita: Habeas corpus. Processual penal e constitucional. Interrogatório do réu. Videoconferência. Lei nº 11.819/05 do Estado de São Paulo. Inconstitucionalidade formal. Competência exclusiva da União para legislar sobre matéria processual. Art. 22, I, da Constituição Federal. 1. A Lei nº 11.819/05 do Estado de São Paulo viola, flagrantemente, a disciplina do art. 22, inciso I, da Constituição da República, que prevê a competência exclusiva da União para legislar sobre matéria processual. 2. Habeas corpus concedido. (BRASIL. STF. 2008, grifou-se) Antes de passar à análise dos argumentos favoráveis e contrários à adoção do interrogatório por videoconferência e, em especial, de sua constitucionalidade, é necessário verificar em que termos essa prática foi introduzida no Código de Processo Penal. Só então, apreendida a sistemática em vigor, é que se poderá investigar a adequação das previsões legislativas à natureza jurídica do interrogatório, qual seja, de meio de defesa do réu. 3.2 REGULAMENTAÇÃO INTRODUZIDA PELA LEI N. 11.900/2009 Com a vigência do Diploma Legal em questão, passaram a existir, na legislação processual penal brasileira, três modalidades distintas de interrogatório de réus presos. Aquele realizado em sala própria no estabelecimento prisional em que se encontrar recolhido, instituído como regra geral a ser observada, nos termos do artigo 185, § 1º; os efetuados na sede do juízo mediante a escolta do detento, hipótese estipulada no § 7º do referido artigo e, em caráter excepcional, observadas as situações descritas nos incisos do § 2º, o interrogatório por videoconferência. A fim de facilitar a análise do instituto em questão, cumpre transcrever o teor do artigo 185 do CPP: Art. 185. O acusado que comparecer perante a autoridade judiciária, no curso do processo penal, será qualificado e interrogado na presença de seu defensor, constituído ou nomeado. § 1º O interrogatório do réu preso será realizado, em sala própria, no estabelecimento em que estiver recolhido, desde que estejam garantidas a segurança do juiz, do membro do Ministério Público e dos auxiliares bem como a presença do defensor e a publicidade do ato. § 2º Excepcionalmente, o juiz, por decisão fundamentada, de ofício ou a requerimento das partes, poderá realizar o interrogatório do réu preso por 32 sistema de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, desde que a medida seja necessária para atender a uma das seguintes finalidades: I - prevenir risco à segurança pública, quando exista fundada suspeita de que o preso integre organização criminosa ou de que, por outra razão, possa fugir durante o deslocamento; II - viabilizar a participação do réu no referido ato processual, quando haja relevante dificuldade para seu comparecimento em juízo, por enfermidade ou outra circunstância pessoal; III - impedir a influência do réu no ânimo de testemunha ou da vítima, desde que não seja possível colher o depoimento destas por videoconferência, nos termos do art. 217 deste Código; IV - responder à gravíssima questão de ordem pública. § 3º Da decisão que determinar a realização de interrogatório por videoconferência, as partes serão intimadas com 10 (dez) dias de antecedência. § 4º Antes do interrogatório por videoconferência, o preso poderá acompanhar, pelo mesmo sistema tecnológico, a realização de todos os atos da audiência única de instrução e julgamento de que tratam os arts. 400, 411 e 531 deste Código. § 5º Em qualquer modalidade de interrogatório, o juiz garantirá ao réu o direito de entrevista prévia e reservada com o seu defensor; se realizado por videoconferência, fica também garantido o acesso a canais telefônicos reservados para comunicação entre o defensor que esteja no presídio e o advogado presente na sala de audiência do Fórum, e entre este e o preso. § 6º A sala reservada no estabelecimento prisional para a realização de atos processuais por sistema de videoconferência será fiscalizada pelos corregedores e pelo juiz de cada causa, como também pelo Ministério Público e pela Ordem dos Advogados do Brasil. § 7º Será requisitada a apresentação do réu preso em juízo nas hipóteses em que o interrogatório não se realizar na forma prevista nos §§ 1º e 2º deste artigo. § 8º Aplica-se o disposto nos §§ 2º, 3º, 4ªº e 5º deste artigo, no que couber, à realização de outros atos processuais que dependam da participação de pessoa que esteja presa, como acareação, reconhecimento de pessoas e coisas, e inquirição de testemunha ou tomada de declarações do ofendido. § 9º Na hipótese do § 8º deste artigo, fica garantido o acompanhamento do ato processual pelo acusado e seu defensor. (BRASIL, 2009) Como se pode observar, a regra contida no ordenamento jurídico deveria ser o interrogatório do preso nas dependências do estabelecimento em que se encontra encarcerado. Ocorre, todavia, que tal disposição mostra-se incompatível, na prática, com a previsão de uma audiência una de instrução e julgamento, em que devem ser condensados o interrogatório do réu, os atos de instrução, a apresentação de alegações finais e prolação da sentença. Sistemática introduzida meses antes pela Lei n. 11.719/2008. 33 Fato constatado por Eugênio Pacelli de Oliveira: Ao que se vê em uma primeira abordagem, a regra geral do interrogatório do réu preso seria a sua realização no estabelecimento em que estiver ele recolhido (cadeia pública, delegacia ou penitenciária), em sala própria (§ 1º), destinada a este fim. Curiosidade: o dispositivo preocupa-se com a segurança do juiz, do Ministério Público e dos auxiliares da justiça, além de garantir a presença do advogado da defesa e a publicidade do ato, sem, entretanto, referir-se, nem de longe, às testemunhas e peritos que eventualmente tenham que participar do ato. Explica-se: a nova lei, nesse ponto, se pautou no texto da Lei 10.792/03, que, como se sabe, é anterior às modificações de rito impostas pela Lei 11.719/08. Assim, esqueceu-se que, agora, os atos instrutórios são concentrados em uma única audiência, na qual se ouvem testemunhas e se interroga o réu. Por isso, a lógica do art. 185, § 1º, segue a lógica do ato isolado, sem a presença de testemunhas. O que fazer? Ora, a menos que o Estado possa garantir a segurança de todos quantos devam participar do ato, além daqueles que eventualmente queiram (o ato não é público?), não se poderá exigir que o juiz e seus auxiliares, além do membro do MP, se desloquem para todo e qualquer estabelecimento prisional, a fim de ali realizarem a instrução concentrada. Mais. Uma coisa é exigir da testemunha o seu comparecimento às Delegacias para prestarem depoimentos no curso da investigação criminal, locais em que o número de policiais, em regra, costuma ser maior que o de presos. Quando nada, o risco de rebeliões internas ali é bem menor. Outra, muito diferente, é exigir que elas (testemunhas) se desloquem para penitenciárias apinhadas de presos, nem sempre com garantias visíveis e com maiores ou menores riscos a sua segurança pessoal. Iria até ai o dever de colaborar com a Justiça Pública? Pensamos que não! [...] Caberá, então, ao prudente arbítrio do magistrado, avaliar as condições físicas para a realização do ato em tais locais, atentando-se, sobretudo, para a existência ou não de prova testemunhal, bem como para o número de pessoas a serem protegidas no evento. E não é só. Diante de semelhantes dificuldades, e, mais, diante da ausência de referência legislativa expressa à proteção das testemunhas, acaso não bastaria a fragmentação da instrução, com a realização apenas do interrogatório no estabelecimento prisional? Do ponto de vista procedimental, não veríamos problemas nessa solução. Ocorre que o acusado tem direito subjetivo a acompanhar a produção da prova contra si. Direito esse, por óbvio, extensivo ao réu preso. Assim, e como ele tem direito a acompanhar a audiência de inquirição das testemunhas, há que se concluir que: a) ou a audiência se realiza na sede com juízo, com requisição do preso; ou b) realiza-se o ato integralmente na sala própria do estabelecimento prisional, valendo relembrar, no particular, a ausência de previsão legal acerca da preservação da segurança das testemunhas (art. 185, § 1º ). Mas, veja-se bem, se a regra fosse a instrução do feito (audiência de 34 instrução, incluindo interrogatório) no estabelecimento onde estiver recolhido o acusado preso, porque razão prever-se o interrogatório por videoconferência, quando houver risco decorrente do deslocamento do preso? Bastaria seguir a regra geral: instrução no presídio ou delegacia! A realização do ato por videoconferência pressupõe, então, impossibilidade da audiência na sala própria do presídio ou estabelecimento prisional! Mais que isso: a rigor, não existe a exigência de realização da audiência de instrução naqueles locais, só a possibilidade do interrogatório, com fracionamento do ato. Voltamos à indagação: também nessa situação o réu não teria o direito ao acompanhamento pessoal da instrução? E se ele tiver que ir ao Juízo para a instrução, ali se realizará também o interrogatório, sendo desnecessária a designação de nova data para o citado ato (interrogatório). (2009, p. 335-336) Ademais, consoante pondera Thiago André Pierobom de Ávila: [...] não nos parece razoável que todas as testemunhas sejam obrigadas a se deslocarem ao estabelecimento prisional para que toda a audiência de instrução seja ali realizada, apenas com a finalidade de se evitar a escolta do réu. Ademais, essa situação seria improdutiva, pois se todos os juízes criminais realizassem diariamente audiências de instrução de réu preso nas dependências prisionais, essa situação na prática transformaria os presídios em fóruns, com sérios riscos á segurança do estabelecimento prisional. (2009) Ante a notória incompatibilidade dos artigos 185, § 1º, e 400, ambos do CPP, o que se tem verificado na prática é, via de regra, a condução dos réus presos a juízo para que sejam interrogados, ou seja, verdadeira inversão na ordem de prevalência estabelecida por lei. De todo modo, a videoconferência continua a ostentar a condição de medida excepcional a ser adotada – embora alguns sustentem o contrário, como se verificará no momento oportuno. Resta, portanto, adentrar a análise dos dispositivos legais correlatos, quais sejam, os parágrafos 2º a 6º do artigo 185 do CPP. 3.2.1 Das hipóteses de admissibilidade do interrogatório por videoconferência Após ressaltar a excepcionalidade da medida, assim como a necessidade de que sua adoção seja precedida por decisão fundamentada, o parágrafo segundo passa a tratar das suas hipóteses de admissibilidade. São quatro os incisos que disciplinam as situações capazes de justificar a decretação de ofício, ou mediante requisição de qualquer das partes, da realização do interrogatório on- 35 line. Não há aqui qualquer engano; apesar de extraordinária, a medida em questão pode ser requerida por ambas as partes. É essa a redação da lei. Ao que se acrescenta mostrar-se suficiente, para sua concessão, a verificação de hipótese prevista em qualquer dos quatro incisos mencionados, ou seja, as situações discriminadas apresentam-se de forma alternativa, e não cumulativa. O primeiro dos incisos em questão almeja a preservação da segurança pública quando houver fundada suspeita – ou, por óbvio, notório conhecimento – de que o réu integre organização criminosa ou, por motivo diverso, possa fugir ou vir a ser “resgatado” durante o seu deslocamento para fins de interrogatório. São duas, portanto, as hipóteses concebidas pelo legislador como atentatórias à segurança pública, integrar organização criminosa, fato que por si só justifica a aplicação da medida, passando a constituir verdadeira presunção de risco, e a possibilidade de fuga, a respeito da qual não adotou o legislador semelhante postura. Conforme salienta Andrey Borges de Mendonça, ante a ausência de conceituação expressa: O conceito de organização criminosa aqui pode ser extraído da Convenção de Palermo (Dec. 5.015/2004), cujo art. 2º define grupo criminoso organizado como um grupo estruturado com três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na referida Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material. (2009, p. 307-308). O inciso segundo, por sua vez, foi nitidamente pensado em benefício do réu, à medida que busca propiciar sua participação no interrogatório quando haja relevante dificuldade para seu comparecimento em juízo, por enfermidade ou outra circunstância pessoal. Da expressão em destaque, depreende-se ter o legislador se valido de uma interpretação analógica, de forma a conferir maior amplitude ao preceito legal, como ressalta Andrey Borges de Mendonça (2009, p. 308). Quanto ao inciso terceiro, almeja obstar influências negativas advindas da presença do réu no ânimo das testemunhas e do ofendido, desde que não seja possível realizar a oitiva desses por videoconferência, na forma prevista no artigo 217 do CPP, cuja redação foi dada pela Lei n. 11.690/2008, a seguir transcrito: Art. 217. Se o juiz verificar que a presença do réu poderá causar humilhação, temor, ou sério constrangimento à testemunha ou ao ofendido, de modo que prejudique a verdade do depoimento, fará a inquirição por 36 videoconferência e, somente na impossibilidade dessa forma, determinará a retirada do réu, prosseguindo na inquirição, com a presença do seu defensor. Parágrafo único. A adoção de qualquer das medidas previstas no caput deste artigo deverá constar do termo, assim como os motivos que a determinaram. (BRASIL, 2008) Há, contudo, que buscar conciliar a redação de ambos os artigos. Como se pode perceber, são três as hipóteses previstas: a) a oitiva da testemunha e do ofendido por videoconferência; b) a retirada do réu do ambiente em que se dá a audiência e c) a realização de seu interrogatório por videoconferência. Do disposto no artigo 185, § 2º, III, percebe-se nitidamente a preferência conferida à permanência do réu nas dependências em que esteja sendo realizada a audiência de instrução e julgamento. O que se indaga, contudo, é se o fato de continuar acompanhando o desenrolar do ato processual por meio da videoconferência – seja esse recurso aplicado ao seu interrogatório ou a obtenção das declarações de testemunhas e do ofendido, que estarão plenamente cientes de tal fato –, seria suficiente para evitar a intimidação e humilhação a que se refere o artigo 217. Se for este o caso, entende-se plenamente aplicável a parte final do caput do artigo 217, devendo-se providenciar a retirada do réu do recinto. Hipótese mais radical em que não manterá qualquer contato com a produção da prova em questão. Logo, a ordem a ser impressa pelo magistrado parece ser a seguinte: privilegiar o disposto no item “a” supra, em seguida o que consta do item “c” e, em último caso, adotar a providência descrita no item “b”. O inciso IV, por sua vez, é certamente o mais polêmico, por abrir uma brecha para a aplicação do interrogatório por videoconferência a toda sorte de situações que se enquadrem na genérica fórmula conhecida por “ordem pública”. Como ressalta Edilson Mougenot Bonfim (2009, p. 417), “o significado da expressão ‘garantia da ordem pública’ não é pacífico na doutrina e na jurisprudência”. Para Denilson Feitosa (2009, p. 852), ordem pública “é o estado de paz e de ausência de crimes na sociedade”. Andrey Borges de Mendonça (2009, p. 309) a conceitua como “tranqüilidade e segurança coletivas ou, ainda, a proteção de bens jurídicos relevantes da sociedade”, conceitos dos quais se extrai a excessiva abrangência que pode vir a ser conferida ao inciso IV, em apreço. 37 3.2.2 Procedimento do interrogatório por videoconferência Da decisão que determinar a realização do interrogatório por videoconferência as partes deverão ser notificadas com antecedência de 10 dias. Tal prazo, instituído pelo parágrafo 3º, destina-se a possibilitar que as partes se adequem às demais exigências impostas pelo rito estabelecido em lei, em especial ao que dispõe o parágrafo 5º do artigo 185 do CPP, que estabelece a necessária atuação de dois advogados em defesa dos interesses do réu, um a permanecer na sede do juízo e outro para acompanhá-lo na sala reservada do estabelecimento prisional em que se encontre. Prazo de que devem se valer as partes para impugnar a realização do interrogatório por videoconferência, se entenderem ser este o caso. A disciplina do artigo 185 nada dispõe, contudo, sobre o recurso cabível à espécie, razão pela qual cumpre salientar as reflexões de Thiago André Pierobom: Considerando que não se trata de decisão com força de definitiva (portanto, incabível apelação) e que não está prevista no rol taxativo do art. 581 (que [sic] a admissibilidade do recurso em sentido estrito), contra a decisão que determina o interrogatório por videoconferência será cabível o recurso de reclamação (denominado, em alguns estados, de correição parcial) ou ainda o habeas corpus pela defesa, sem prejuízo de posterior impugnação como preliminar de apelação. (2009) Entendimento corroborado por Andrey Borges de Mendonça, que acrescenta, ainda, a possibilidade de impetração de mandado de segurança, caso se mostrem presentes os requisitos para tanto: Na sistemática do CPP, não há recurso cabível da decisão que determina a utilização da videoconferência, podendo a parte, em caso de discordância, fazer constar nos autos as razões pelas quais discorda da utilização da videoconferência naquele caso, para posteriormente alegar a nulidade em preliminar de apelação. Isto porque a referida decisão interlocutória não se encontra no rol fechado do art. 581 do CPP. De qualquer sorte, a defesa poderá utilizar a via do habeas corpus para impugnar a decisão que determinou a utilização da videoconferência. A acusação, caso discorde do indeferimento de sua utilização, poderá interpor correição parcial. Possível, também, o manejo do mandado de segurança [...] (2009, p. 312) Dando continuidade à análise do artigo 185, cumpre observar o disposto em seu parágrafo 4º, cujo objetivo consiste apenas em harmonizar o instituto do interrogatório on-line à audiência una de instrução e julgamento inserida no ordenamento jurídico pátrio pelas Leis n. 11.689/2008 e n. 11.719/2008, tanto nos procedimentos comuns ordinário e sumário quanto 38 na primeira fase do rito do júri. Para tanto, estabelece a faculdade de o preso acompanhar por meio do recurso tecnológico em questão, todos os demais atos da referida audiência. Do parágrafo 5º, por sua vez, extraem-se três importantes formalidades relacionadas ao direito de defesa do réu, a saber: a) a garantia de que ao menos dois advogados acompanhem o ato, um a permanecer na sede do juízo e outro na dependência do estabelecimento prisional em que o acusado se encontre, b) entrevista prévia e reservada com seu defensor, e c) o acesso, a todo tempo, a canal telefônico reservado, para que possa se comunicar com o advogado que representa seus interesses na sede do juízo, bem como viabilizar a interação entre ambos os seus defensores. Andrey Borges de Mendonça (2009, p. 314) ressalta o que se extrai do adjetivo reservado, mencionado no item “c” supra, a saber, que “a esta conversa não poderá ter acesso nem o Ministério Público e sequer o juiz, pois é decorrência do sigilo profissional existente entre cliente e advogado”. No que tange ao parágrafo 6º, institui a necessidade de que a sala reservada dentro do estabelecimento prisional para a realização de atos processuais por meio do sistema de videoconferência seja fiscalizada por corregedores, pelo juiz de cada causa, pelo Ministério Público e pela Ordem dos Advogados do Brasil. Formalidade que, assim como aquelas disciplinadas pelo parágrafo 5º – em especial a descrita item “a”, anteriormente abordado –, almejam não somente afastar quaisquer possíveis formas de coação ou violação a direitos e garantias do réu, como também assegurar a segurança de todos aqueles que venham a participar do ato. Quanto à necessidade de fiscalização da sala reservada à utilização da videoconferência, há que reconhecer as dificuldades práticas de que tal exigência seja imposta ao juiz da causa toda vez que um novo feito venha a ser julgado, razão pela qual se concorda com a manifestação de Thiago André Pierobom de Ávila (2009) no sentido de que tal previsão deve ser encarada como uma necessidade de fiscalização periódica, devendo o juiz que decidir a causa tê-la vistoriado ao menos uma vez. Situações excepcionais haverá em que nem isso poderá ser exigido do magistrado, como nos casos em que ele e o interrogando encontrem-se em Estados distantes, por se tratar de preso considerado perigoso, encarcerado em presídio de segurança máxima, hipóteses em que se entende admissível o posicionamento defendido por Andrey Borges de Mendonça: Como exigir que um juiz do interior do Rio Grande do Sul compareça a Brasília para vistoriar se a sala está em condições para a realização da videoconferência? Seria não só desarrazoado este entendimento, mas levaria à inutilidade da alteração legal, em razão de ser, muitas vezes, impossível 39 este deslocamento. Ademais, a Corregedoria, o Magistrado e o membro do Ministério Público responsáveis pelo presídio podem fazer esta fiscalização. Assim, para evitar uma solução desarrazoada, pensamos que esta fiscalização não precisa ser pessoal, podendo o magistrado, por exemplo, valer-se de informações da Corregedoria ou de Magistrados responsáveis pelo local. (2009, p. 316) Entendimento esse que, frise-se, deve ser adotado em relação a situações excepcionais. Quanto aos demais parágrafos do artigo 185, não estão diretamente relacionados ao estudo em questão, a não ser o parágrafo 7º, devidamente abordado no item 3.2. Apreciada, portanto, a regulamentação introduzida pela Lei Federal n. 11.900/2009, no que diz respeito ao interrogatório por videoconferência, cumpre abordar os argumentos favoráveis e contrários à adoção desse recurso tecnológico em relação ao interrogatório. Noções indispensáveis para que se possa aferir a pertinência da nova sistemática do CPP e sua adequação à ordem constitucional vigente e à natureza jurídica do ato processual em questão, qual seja, de meio de defesa do réu. 3.3 ARGUMENTOS FAVORÁVEIS Inúmeros são os argumentos favoráveis à adoção da videoconferência nos interrogatórios de feitos criminais, mas, antes de adentrar em sua efetiva análise, impõe salientar a observação efetuada por Marco Antônio de Barros quanto às benesses que podem advir do uso da tecnologia pelo Poder Judiciário e da real necessidade de sua adoção, com o que, em termos gerais, não se pode discordar: Comparando-se as duas realidades – a do setor privado e a do Judiciário – é forçoso reconhecer que o último caminha vagarosamente neste período histórico dominado pela sociedade da informação, sendo-lhe praticamente impossível acompanhar o ritmo ditado por outros setores geradores de decisões. [...] Houve tempo, não muito distante, em que a caligrafia dos servidores da justiça e a sentença manuscrita pelo juiz foram substituídas pela introdução da máquina de escrever. Temia-se a adulteração do texto original, ante a possibilidade de inserir, modificar ou excluir palavras. Posteriormente, nova oposição surgiu à introdução da estenotipia (“taquigrafia mecânica”), visto que os termos seriam assinados com desconhecimento de seu teor, em flagrante prejuízo para a defesa. Seguiu-se o ingresso do computador na realização dos atos processuais, cuja novidade não sofreu as veementes 40 críticas que foram lançadas às anteriores (datilografia e estenotipia). Mas todas as rejeições sucumbiram, e cada uma dessas medidas progressistas firmou-se a seu tempo. Repete-se, então, algo que já conhecemos, pois, hoje, estamos diante de uma nova celeuma, justamente porque a Justiça procura ganhar terreno e integrar-se no mundo informatizado. (2003, p. 425-426) Demonstrada a pertinência dos avanços tecnológicos genericamente considerados para a celeridade da resposta jurisdicional, fato inegável e presente no dia-a-dia dos operadores do Direito, seja por meio do protocolo eletrônico de petições ou da consulta via internet dos mais variados precedentes jurisdicionais, cumpre transpor essa análise para o interrogatório por videoconferência, o que se fará por meio da análise individualizada de cada um dos argumentos favoráveis à adoção do recurso tecnológico em questão. 3.3.1 Celeridade Uma das inegáveis vantagens do interrogatório on-line é a garantia da celeridade, ou seja, da razoável duração do processo, que alcançou o status de norma constitucional em 2004, por meio da Emenda n. 45, responsável pelo acréscimo do inciso LXXVIII ao artigo 5º. Objetivo que justificou, quatro anos mais tarde, a reunião de diversos atos processuais em audiência una de instrução e julgamento, conforme consta da atual redação do artigo 400 do CPP. Inovação a que se faz referência expressa a fim de assinalar que, muito embora o interrogatório deva ser realizado na mesma ocasião em que são ouvidas as testemunhas, o ofendido, os peritos e realizadas outras diligências instrutórias, tal fato não exclui por completo a pertinência da videoconferência como um instrumento em favor da agilidade do processo. Ainda que considerada a possibilidade da oitiva de testemunhas por videoconferência, o que deverá prevalecer quando suficiente para obstar a realização do interrogatório on-line, por expressa previsão do artigo 185, parágrafo 2º, II, do CPP, restam situações, das mais corriqueiras, em que esse recurso tecnológico imprime celeridade. Uma delas diz respeito às dificuldades para a condução do réu a juízo, o que acaba por postergar a realização do interrogatório. A esse respeito discorre Ronaldo Batista Pinto: Outra inegável vantagem é a celeridade que essa espécie de interrogatório propicia – saliente-se – tanto em favor da sociedade como em prol do 41 próprio réu. Afinal, são sobejamente conhecidas as inúmeras protelações verificadas no processo pela não apresentação do acusado para o interrogatório (por problemas de escolta, falta de combustível, dificuldades no trânsito, etc.), a impor redesignação de audiências, tudo em prejuízo do rápido andamento do feito. (2008, p. 216) Em suma, como ressalta o referido autor (2008, p. 222), em trecho distinto, a sociedade é beneficiada por contar com “uma resposta mais eficaz frente ao delito cometido”, ao passo que o réu preso “vê sua situação mais rapidamente definida”. Contribuição bastante relevante, tendo em vista que a legislação em vigor só admite o recurso da videoconferência para o interrogatório de réus que estejam presos. Dentre os defensores do interrogatório por videoconferência, em parte graças à maior agilidade proporcionada aos atos processuais, encontra-se Damásio Evangelista de Jesus, para quem: A lei federal que autoriza esse sistema – Lei n. 11.900, de 8 de janeiro de 2009, em vigor desde o dia 9 daquele mês – representou, a meu ver, notável avanço no sentido de modernizar e agilizar a prática da Justiça Criminal, evitando gastos e riscos desnecessários, com deslocamentos de presos de alta periculosidade. Num sistema jurídico moroso e excessivamente coarctado por usos e costumes imprescindíveis em outros tempos, mas perfeitamente supérfluos nas condições de vida atuais, há que modernizar. Salvando-se os princípios e garantindo-se todas as prerrogativas constitucionais de ampla defesa e contraditório, em face da lei nova, adotem-se com coragem e espírito inovador os recursos que a moderna tecnologia nos oferece. É o único meio de termos aquela justiça ágil, vigilante, eficaz e confiável com a qual todos sonhamos, bem diferente de uma velha deusa cega e inoperante. (2009, p. 29) Dúvidas não restam, portanto, quanto à contribuição desse recurso tecnológico para a celeridade na realização dos interrogatórios de réus presos. Entendimento compartilhado, ainda, por Thiago André Pierobom de Ávila (2009), Vladimir Aras (2008, p. 275), Marco Antônio de Barros e César Eduardo Lavoura Romão (2006, p. 123). 3.3.2 Da economia de recursos públicos Outra indiscutível vantagem do interrogatório por videoconferência está relacionada à economia de verbas públicas usualmente despendidas na escolta de réus presos até a sede do juízo processante, tanto em termos de combustível como da mobilização de equipamentos e pessoal. 42 Realidade constatada pela absoluta maioria dos autores que abordam o interrogatório on-line, a exemplo de Cláudia Ferreira Mac Dowell (2006, p. 237) e Thiago André Pierobom de Ávila (2009), impondo, por ora, retratar os dizeres de Vladimir Aras sobre o tema: O transporte de presos para a realização de audiências criminais é muito oneroso para os Estados e para a União. Grandes contingentes de policiais e agentes de segurança têm de ser desviados de suas funções ordinárias para a realização do que se vem chamando de “turismo judiciário”. Presos detidos em presídios de segurança máxima nos Estados do Paraná e do Mato Grosso têm de ser deslocados, às vezes por via aérea, para seus interrogatórios em juízo ou para presenciar o depoimento de testemunhas em suas ações penais. São dezenas de milhares de escoltas todos os anos, em todo o Brasil, a um altíssimo custo. (2008, p. 273) Para ter uma noção dos valores e recursos envolvidos, cumpre salientar alguns dados extraídos do artigo de Marco Antônio de Barros e César Eduardo Lavoura, referentes ao Estado de São Paulo no ano de 2003: Segundo informou o Secretário de Segurança Pública do Estado, Saulo de Castro Abreu Filho, no ano de 2003 a média semanal de gastos envolvia valores necessários para cobrir aproximadamente 7.500 escoltas policiais, executadas por um efetivo de 4.800 agentes, sendo utilizados 1.700 veículos no transporte, os quais rodaram 267.000 quilômetros. (2006, p. 121) Logo, quando adotada, a videoconferência permite que os policiais, agentes penitenciários e recursos materiais envolvidos nas escoltas sejam destinados à consecução de outras missões relacionadas à segurança pública. Constatação que torna inegável, a longo prazo, o reflexo de sua adoção na economia de recursos públicos, ainda que considerados os gastos necessários para a implementação da tecnologia, que, segundo os mesmos autores (2006, p. 121), também no ano de 2003, girava em torno de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) por sala de videoconferência a ser instalada. 3.3.3 Segurança pública Notável é, ainda, a contribuição dessa modalidade de transmissão em tempo real de sons e imagens para a preservação da segurança pública, não só no que tange à possibilidade de remanejamento de recursos essenciais à sua garantia. Apresenta-se, ainda, como verdadeira solução para afastar o risco de fuga dos presos durante seu deslocamento às sedes dos juízos, em especial no que tange àqueles de alta 43 periculosidade envolvidos com organizações criminosas. Fato tão notório que, em 2009, passou a integrar o rol excepcional de situações em que o Código de Processo Penal admite a utilização da videoconferência para fins de interrogatório, conforme consta do artigo 185, parágrafo 2º, inciso I. 3.4 QUESTÕES CONTROVERTIDAS Além dos inquestionáveis benefícios citados, outras questões, mais polêmicas, são suscitadas a respeito do interrogatório por videoconferência, como se passará a demonstrar. 3.4.1 Da publicidade Para obter plena compreensão das celeumas existentes quanto à garantia da publicidade nos interrogatórios on-line, cumpre tecer algumas considerações iniciais quanto à forma de realização dos atos processuais e ao princípio em si. Ao tratar da teoria das provas, Malatesta desvenda os fundamentos que embasam a publicidade dos atos processuais, sua real razão de ser, qual seja, garantir o que denomina de sociabilidade da decisão, consubstanciada na possibilidade de controle concomitante das decisões judiciais por parte da sociedade: Falando da convicção judicial, determinamos uma outra sua condição natural na sociabilidade. Isto é, a convicção não deve ser a expressão de uma convicção subjetiva do juiz; há de ser tal que os fatos e as provas submetidas a seu julgamento, se se submetessem ao juízo desinteressado de qualquer outro homem de razão, deveriam produzir também neste aquela mesma certeza produzida no juiz. É isto que chamamos sociabilidade da convicção. Mas esta sociabilidade, que encontra sua origem unificadora na razão humana, na qual se assenta a harmonia espiritual dos homens, se resolveria em mera aspiração de um pensador solitário, se não tivesse uma concretização exterior judicial. Para que a conformidade entre a convicção do juiz e o hipotético juízo social não se reduza a um estéril desejo, é necessário que as provas se apresentem à apreciação do juiz numa forma que torne possível a apreciação contemporânea do público. Eis a outra regra das provas, sua publicidade. (2003, p. 104) 44 Princípio a ser observado como regra, ressalvadas situações específicas, conforme consta dos artigos 5º, inciso LX, e 93, IX, da Constituição Federal: Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] LX - a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem; (grifouse) Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios: IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação; (BRASIL, 1988, grifou-se) No que tange à legislação infraconstitucional relevante para o presente estudo, tal garantia está igualmente prevista no artigo 792 do CPP, em cujos termos, os atos processuais, além de serem públicos, devem ser realizados na sede do Juízo: Art. 792. As audiências, sessões e os atos processuais serão, em regra, públicos e se realizarão nas sedes dos juízos e tribunais, com assistência dos escrivães, do secretário, do oficial de justiça que servir de porteiro, em dia e hora certos, ou previamente designados. § 1º Se da publicidade da audiência, da sessão ou do ato processual, puder resultar escândalo, inconveniente grave ou perigo de perturbação da ordem, o juiz, ou o tribunal, câmara, ou turma, poderá, de ofício ou a requerimento da parte ou do Ministério Público, determinar que o ato seja realizado a portas fechadas, limitando o número de pessoas que possam estar presentes. § 2º As audiências, as sessões e os atos processuais, em caso de necessidade, poderão realizar-se na residência do juiz, ou em outra casa por ele especialmente designada. (BRASIL, 1941) No que diz respeito ao interrogatório de réus presos, contudo, hipóteses em que se pode adotar, embora excepcionalmente, o recurso da videoconferência, a disciplina é distinta; consistindo a regra estabelecida em lei, conforme demonstrado no item 3.2 deste trabalho, em sua realização nas dependências do estabelecimento prisional, a teor do artigo 185, parágrafo 1º, do CPP, cuja redação foi introduzida pela Lei n. 11.900/2009. Regra que, na prática, não tem sido amplamente adotada, em razão de sua incompatibilidade com o disposto no artigo 400 do CPP, conforme entendimento defendido por Eugênio Pacelli, igualmente transcrito no item 3.2, o que levou o referido autor a sugerir, 45 como possível solução, a utilização indiscriminada da videoconferência para o interrogatório de réus presos, como se pode observar do seguinte trecho, que sucede aquele apresentado nas páginas 41 e 42: Portanto, nessas situações, melhor que a regra do art. 185, § 1º, seria a aplicação de outra, do § 4º do mesmo dispositivo, que permite ao acusado preso acompanhar a audiência, quando tiver que realizar seu interrogatório por videoconferência. (2009, p. 355-356) A isso se acrescente que, na concepção de Ronaldo Batista Pinto, a adoção da videoconferência representa uma excelente possibilidade para ampliar a observância do princípio da publicidade, nos seguintes termos: Reclama-se, ainda, que a forma de realização do interrogatório [por videoconferência] afrontaria o princípio constitucional que garante a publicidade dos atos processuais, previsto no artigo 5º, inc. LX e 93, IX (com a nova redação que lhe emprestou a Emenda Constitucional nº 45/2004), da Constituição. O argumento parece totalmente equivocado. A garantia à publicidade, aqui, é observada em sua plenitude, já que o acesso à sala de audiências, onde são captadas as imagens do acusado, é irrestrito, incidindo apenas, à evidência, a exceção prevista no § 1º do art. 792, do código. Nada impede – insiste-se – que qualquer pessoa se dirija ao fórum e assista, através de um televisor (para citarmos a experiência paulista), o interrogatório do réu. Já dissemos que a alternativa encontrada pelo legislador para expurgar o interrogatório on line traduziu-se na possibilidade prevista no § 1º do art. 185 do CPP, segundo a qual faculta-se [sic] ao juiz se dirigir ao estabelecimento prisional onde se encontra o réu a fim de interrogá-lo. Pois bem, aqui sim se malfere o princípio constitucional da publicidade, ante a obvia dificuldade de alguém se deslocar ao estabelecimento penitenciário, somada a questões de segurança que chegam mesmo a impedir o ingresso de qualquer pessoa no local. (2008, p. 221). Sobre o tema, concorda-se, em parte, com a conclusão apresentada por Renata Gomes Nunes (2008, p. 13), segundo a qual, observadas a publicidade que denomina de “interna”, para fazer referência à presença das partes – e, acrescenta-se aqui, de seus procuradores e dos serventuários da justiça na dependência do estabelecimento prisional a que se refere o parágrafo 6º do artigo 185 do CPP –, bem como a “externa”, que se referiria, nessa acepção, ao acesso do público em geral às imagens captadas em juízo, não haveria como macular o ato por vício de publicidade. Diz-se em parte em razão da nítida impossibilidade de acesso livre e irrestrito ao local físico em que se encontra o interrogando. A esse respeito, todavia, vale ressaltar que a própria legislação prevê ocasiões em que se mostra possível e até mesmo recomendável a mitigação do princípio da publicidade, para fins de preservação da intimidade e interesse 46 social (art. 5º, LX, CF), caso este em que se incluem as situações em que a lei autoriza a realização do interrogatório por videoconferência. Logo, não se visualiza afronta ao princípio em questão. 3.4.2 Da necessidade de apresentação do réu à presença física do juiz para que seja interrogado Como é cediço, o interrogatório é a única oportunidade conferida ao réu durante o processo para dirigir-se diretamente ao Magistrado, com ele dialogar e interagir. Oportunidade singular em que retrata sua visão dos fatos, livre de quaisquer intermediários. É a ocasião reservada para o exercício da defesa pessoal. Logo, é natural que anseie o réu por estar fisicamente presente diante do magistrado. Por outro lado, esta é, também, uma oportunidade única para que o juiz possa conhecer sua personalidade, não apenas por meio do que lhe for dito, mas pela direta percepção de todos os dados assessórios que emanam do comportamento, postura e estado de ânimo do interrogando. Noção compartilhada por Hélio Tornaghi: E isso se explica muito facilmente: o interrogatório é a grande oportunidade que tem o juiz para, num contato direto com o acusado, formar juízo a respeito de sua personalidade, da sinceridade de suas desculpas ou de sua confissão, do estado d’alma em que se encontra, da malícia ou da negligência com que agiu, da sua frieza e perversidade ou de sua elevação e nobreza; é o ensejo para estudar-lhe as reações, para ver, numa primeira observação, se ele entende o caráter criminoso do fato e para verificar tudo mais que lhe está ligado ao psiquismo e à formação moral. (1987, p. 359) No mesmo sentido leciona Luiz Flávio Borges D’Urso: O interrogatório é um momento importantíssimo para a defesa no processo penal, pois estabelece a única oportunidade do acusado de falar de viva voz ao juiz da causa. Um magistrado, ao interrogar um preso, não está apenas captando suas respostas verbais, mas analisando toda a sua linguagem corporal e suas reações para formar a convicção do magistrado para aquele momento processual. O réu pode até silenciar, mas este momento é muito importante porque é o único no qual fala ao juiz. Em nenhum outro momento lhe será conferida a palavra. (2008, p. 06) 47 A opção pela videoconferência, por sua vez, pressupõe que o magistrado e o interrogando estejam em locais físicos distintos, do contrário, tornar-se-ia absolutamente desnecessária. Substitui o contato direto pela interação, em tempo real, por meio da projeção de sons e imagens em aparelhos audiovisuais; a presença do indivíduo por sua representação visual e sonora. Justamente esse aspecto, a necessidade ou não de comparecimento do réu perante a pessoa do magistrado, em um mesmo ambiente físico, e o próprio conceito do que venha a ser comparecimento, caracteriza um dos principais pólos de divergência quanto à adoção da videoconferência. Fato que se deve, em parte, à redação do caput do artigo 185 do CPP, em cujos termos: “o acusado que comparecer perante a autoridade judiciária, no curso do processo penal, será qualificado e interrogado na presença de seu defensor, constituído ou nomeado.” (grifou-se). São, de fato, diversos os argumentos a respeito. Os partidários da videoconferência alegam que, dada a evolução tecnológica, ao magistrado é possível captar todas as impressões sensoriais a que teria acesso se estivesse fisicamente presente junto ao réu, até o mais leve rubor, conforme se depreende do relato de Renata Gomes Nunes: Aqueles que ainda não se dispuseram a assistir uma audiência virtual tendem a compará-la com o que se vê por meio de uma webcam, donde as críticas desarrazoadas. A qualidade da transmissão de uma audiência on-line, com a utilização de equipamentos apropriados, permite ao juiz uma nítida visão do réu e das demais pessoas presentes no local, podendo ainda controlar o volume do som, cores, foco e amplitude da imagem, por meio de comandos de aproximação e afastamento, de modo a perceber qualquer movimento, por menor que seja, ou reação da pessoa com quem conversa. Com a mesma nitidez, o réu visualiza o juiz. (2008, p. 13) A questão não pode, contudo, ser resumida à simples análise objetiva da qualidade dos meios de transmissão envolvidos – que, diga-se de passagem, por melhores que sejam, não substituem por completo, em seu atual estágio de evolução, a presença física de quem quer que seja. Há que perquirir, também, acerca dos elementos subjetivos envolvidos nessa equação. Qual o real impacto do distanciamento no ânimo daquele que pretende efetivamente desenvolver sua autodefesa? Difícil é aceitar o argumento de que a necessidade de dirigir-se a uma câmera, e não diretamente a uma pessoa, deixe de atuar como um fator de desestímulo, nervosismo ou, ainda, que não produza reações psíquicas de natureza diversa daquelas a que estaria sujeito o 48 réu caso se encontrasse perante o juiz. Consoante enfatiza Ana Sofia Schmidt de Oliveira (2006, p. 21), “o direito do réu de ser conduzido à presença do juiz [...] não pode sofrer interpretação que venha a equiparar a condução da pessoa à condução da imagem por cabos de fibra ótica”. Entendimento corroborado por Guilherme de Souza Nucci: [...] não vemos como aceitar o chamado interrogatório on line ou interrogatório por videoconferência, sinônimo de tecnologia, mas significativo atraso no direito de defesa dos réus. Uma tela de aparelho de TV ou de computador jamais irá suprir o contato direto que o magistrado deve ter com o réu, até mesmo para constatar se ele se encontra em perfeitas condições físicas e mentais. Que réu, detido numa penitenciária a quilômetros de distancia, sentir-se-á à vontade para denuncia os maus-tratos que vem sofrendo a um juiz encontrado atrás da lente de uma câmara? Que acusado terá oportunidade de se soltar diante do magistrado, confessando detalhes de um crime complexo, voltado a um aparelho e não a um ser humano? Por outro lado, que julgador terá a oportunidade de sentir as menores reações daquele que mente ou ter a percepção de que o réu conta a verdade visualizando-o por uma tela? Enfim, o ato processual do interrogatório é importante demais para ser banalizado e relegado ao singelo contato dos maquinários da tecnologia. [...] (2008, p. 406-407) Daí se concordar com a opinião de Aury Lopes Júnior, no sentido de que: É elementar que a distância da virtualidade contribui para uma absurda desumanização do processo penal. É inegável que os níveis de indiferença (e até crueldade) em relação ao outro, aumentam muito quando existe uma distância física (virtualidade) entre os atores do rito judiciário. [...] Se uma das maiores preocupações que temos hoje é com o resgate da subjetividade e do próprio sentimento no julgar (sentenciar=sententiando=sentire), combatendo o refúgio na generalidade da função e o completo afastamento do eu, o interrogatório on-line é um imenso retrocesso civilizatório [...] (2005, p. 82-83) Com efeito, pode-se observar que, de uma forma geral, os argumentos que resistem à adoção indiscriminada da videoconferência em interrogatórios coadunam-se com uma visão humanista do processo penal, em que o réu é tido como verdadeiro sujeito de direitos. Não se pode, de fato, perder de vista que o processo penal foi instituído como um sistema de garantias contra o arbítrio do Estado, em favor do cidadão, frente à natural discrepância de forças característica dessa relação. Do que se extrai a pertinência das colocações de Ana Sofia Schmidt de Oliveira: A análise profunda da questão [interrogatório on-line] revela, porém, que a oposição a tal inovação não é fruto de um romantismo bucólico nem de infundada turrice. [...] as formas tem sua razão de ser. Não se pode pretender arrancar delas o 49 significado que carregam. Confundir formalismos despidos de significado com significados revestidos de forma é um risco que se deve evitar. (2006, p. 20 e 22) Na tentativa de afastar a realidade até aqui retratada, valem-se os defensores do interrogatório por videoconferência de argumentos significativamente mais frágeis. Ronaldo Batista Pinto ressalta a possibilidade de os tribunais alterarem as sentenças, em grau de recurso, valendo-se tão-somente da letra fria da transcrição dos interrogatórios, sem que os desembargadores tenham mantido qualquer contato visual com o réu (2008, p. 218). Em que pese a opinião do respeitável autor, tal argumento não resiste a uma análise mais acurada. Não há como olvidar que, na situação narrada, proporcionou-se ao réu, no primeiro grau de jurisdição, o exercício de sua ampla defesa, tanto técnica quanto pessoal, mediante a regular realização de interrogatório com a presença do magistrado competente. O simples fato de o tribunal não precisar, ao reformar uma decisão de instância inferior, repetir o interrogatório do réu, não afasta a necessidade de que este seja efetivado perante o juiz natural da causa, com a observância de todas as garantias a que faz jus o acusado. Mais: o grifo em questão deve-se ao fato de que, ao menos no que tange aos recursos de apelação, por expressa dicção do artigo 616 do CPP, caso entenda necessário, “poderá o tribunal, câmara ou turma proceder a novo interrogatório do acusado, reinquirir testemunhas ou determinar outras diligências.” Em idêntica empreitada, no sentido de mitigar a necessidade da presença física do réu ante o magistrado, argumenta Vladimir Aras: No sistema do CPP, “comparecer” nem sempre significa ir à presença física do juiz, ou estar, ou estar no mesmo ambiente que este. Comparece aos autos ou aos atos do processo quem se dá por ciente da intercorrência processual, ainda que por escrito, ou quem se faz presente por meio de procurador, até mesmo com a oferta de alegações escritas [...] Se é assim, pode-se muito bem ler o “comparecer” do art. 185 do CPP, referente ao interrogatório, como um comparecimento remoto, mas direto, atual e real, perante o magistrado. (2008, p. 289) Embora se entenda aceitável o argumento apresentado, não parece ser a melhor interpretação a ser conferida ao termo “comparecer” previsto no artigo 185. Ao menos não como regra, embora seja admissível, como de fato foi considerada, ao serem previstas em lei hipóteses em que o interrogatório por videoconferência é aceito. O que não se entende prudente é que a exceção se torne a regra, por todos os argumentos já expostos, que demonstram a grande valia da interação presencial entre réu e juiz. 50 3.4.3 Da observância do contraditório e da ampla defesa Como esclarecem Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes e Antonio Magalhães Gomes Filho: Ao estabelecer o princípio da proteção judiciária, dispondo que “a lei não excluirá da apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça a direito” (art. 5.º, XXXV, da CF), a Constituição eleva a nível constitucional os direitos de ação e de defesa, face e verso da mesma medalha. E mais: dá conteúdo a esses direitos, pois não se limita a permitir o acesso aos tribunais, mas assegura também, ao longo de todo o iter procedimental, aquele conjunto de garantias constitucionais que, de um lado, tutelam as partes quanto ao exercício de suas faculdades e poderes processuais e, de outro, são indispensáveis ao correto exercício da jurisdição: trata-se das garantias do “devido processo legal” (art. 5.º, LIV, da CF) Passando a especificar analiticamente tais garantias, a Constituição assegura aos litigantes e aos acusados em geral o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (art. 5.º, LV, da CF). Defesa e contraditório estão indissoluvelmente ligados, porquanto é do contraditório (visto em seu primeiro momento, da informação) que brota o exercício da defesa; mas é essa – como poder correlato ao de ação – que garante o contraditório. (2004, p. 89-90, grifou-se) Embora seja absolutamente estreita a ligação entre contraditório e ampla defesa, ambos não se confundem, como explicita Eugênio Pacelli de Oliveira: Embora ainda haja defensores da idéia de que a ampla defesa vem a ser apenas o outro lado ou a outra medida do contraditório, é bem de ver que semelhante argumentação peca até mesmo pela base. É que, da perspectiva da teoria do processo, o contraditório não pode ir além da garantia de participação, isto é, da garantia de a parte poder impugnar – no processo penal, sobretudo a defesa – toda e qualquer alegação contrária ao seu interesse, sem, todavia, maiores indagações acerca da concreta efetividade com que se exerce aludida impugnação. Enquanto o contraditório exige a garantia de participação, o princípio da ampla defesa vai além, impondo a realização efetiva desta participação, sob pena de nulidade, se e quando prejudicial ao acusado. (2009, p. 34-35, grifou-se) Observação relevantíssima, pois o interrogatório por videoconferência permite, de fato, que o réu tome contato com todos os atos e termos da audiência de instrução e julgamento, de forma a poder contraditá-los, razão pela qual se entende absolutamente preservada tal garantia. 51 É, portanto, no que tange à ampla defesa, ou melhor, à sua efetiva implementação, que se concentra grande parte das discussões quanto à constitucionalidade do interrogatório on-line. Em especial sob o enfoque, absolutamente acertado, de que incumbe ao Estado “o dever de proporcionar a todo acusado a mais completa defesa, seja pessoal, seja técnica” (FEITOZA, 2009, p. 143). Na opinião de Pacelli (2009, p. 36), “a ampla defesa realiza-se por meio da defesa técnica, da autodefesa, da defesa efetiva e, finalmente, por qualquer meio de prova hábil a demonstrar a inocência do acusado.” A defesa técnica é aquela desenvolvida por profissional devidamente inscrito nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) que, em favor do acusado, manifesta-se nas diversas oportunidades que integram o iter processual, via de regra por escrito, mas também, de viva voz. A autodefesa, por sua vez, como se infere da própria designação, consiste na desenvolvida pelo próprio réu, por ocasião do interrogatório, que, como visto, consiste na única oportunidade que lhe é conferida para dialogar diretamente com o magistrado. Logo, é o centro das ponderações acerca da viabilidade de utilização da videoconferência. Ao fazer menção à defesa efetiva, quis o doutrinador, por sua vez, salientar a importância de que ambas fossem substancialmente realizadas, podendo o réu, para tanto, segundo entendimento doutrinário a que adere, valer-se inclusive de prova maculada por alguma espécie de vício, desde que seja a única capaz de demonstrar a sua inocência. Ainda no que tange à autodefesa, cumpre salientar a observação retirada da obra As nulidades no Processo Penal, no sentido de que compreende dois aspectos: [...] o direito de audiência e o direito de presença. O primeiro traduz-se na possibilidade de o acusado influir sobre a formação do convencimento do juiz mediante o interrogatório. O segundo manifesta-se pela oportunidade de tomar ele posição, a todo momento, perante as alegações e provas produzidas, pela imediação com o juiz, as razões e as provas. (FERNANDES; GOMES FILHO; GRINOVER, 2004, p. 93) Esclarecidos tais conceitos, vale ressaltar que as reformas implementadas no Código de Processo Penal nos últimos anos, por meio das Leis n. 10.792/2003 e 11.719/2008, conforme analisado anteriormente, acabaram por fortalecer o princípio da ampla defesa. Cabe, aqui, efetuar uma breve recapitulação dos principais dispositivos envolvidos, a saber, as novas redações dos artigos: 185, caput e parágrafos 1º e 5º (que exigem a presença do advogado durante o interrogatório); do parágrafo único do artigo 186 (que veda a interpretação do silêncio do interrogando em prejuízo da defesa); 187, parágrafo 2º, inciso 52 VIII (que prevê a necessidade de perguntar-se ao interrogando se tem algo mais a alegar em sua defesa; 189 (que faculta ao réu a apresentação de provas a respeito de elementos da acusação cuja veracidade tenha negado); além, é claro, da revogação do teor original do artigo 191 (que previa a necessidade de consignação em ata dos questionamentos não respondidos pelo réu) e da nova sistemática introduzida pelo artigo 400 (audiência una de instrução e julgamento). Quanto ao interrogatório por videoconferência propriamente dito, nas hipóteses em que é admitido, o legislador, ao elaborar o artigo 185, certamente buscou garantir a observância da ampla defesa ao prever: (i) a necessidade de que as partes sejam cientificadas da adoção desse método com dez dias de antecedência (§ 3º); (ii) a possibilidade de o réu acompanhar os demais atos da audiência una de instrução e julgamento por meio de videoconferência (§ 4º) e (iii) de entrevistar-se prévia e reservadamente com seu defensor, além de garantir-lhe acesso a canal telefônico isolado para contatar o advogado que esteja representando seus interesses na sede do juízo (§ 5º). Há, inclusive, aqueles que argumentam ter sido a ampla defesa favorecida pela possibilidade de os réus virem a ser ouvidos nas dependências do estabelecimento prisional, sem que tenham que se sujeitar às precárias condições com que em geral são escoltados até o fórum. Assertiva que se extrai da obra de Denílson Feitoza: Pelo contrário, a ampla defesa pode sair fortalecida, no caso concreto. Muita coisa pode afetar a segurança e o ânimo do réu preso, durante o transporte do estabelecimento prisional ao juízo, e o juiz pode estar inviabilizado de ir ao estabelecimento prisional. Há estabelecimentos prisionais (como algumas modernas penitenciárias já em funcionamento) em que o réu se encontra mais tranqüilo e seguro para dizer o que desejar, do que se sujeitando a um transporte inseguro. (2009, p. 747) Quanto às condições do translado dos réus aos fóruns, asseveram Marco Antônio de Barros e César Eduardo Lavoura Romão: Todos sabem que, durante sua condução física ao fórum, o réu sofre vários constrangimentos. Essa triste realidade, que atinge a quase totalidade dos réus presos, pode ser narrada da seguinte maneira. De início destaca-se que seu deslocamento é feito logo que o dia amanhece e antes do desjejum dos presos, ou seja, o réu é levado para a audiência só com o alimento do dia anterior. Em seguida, durante o trajeto, segundo reclamam a maioria dos conduzidos, as humilhações são constantes, e os condutores fazem questão de ver o preso “sacudindo” na “gaiola” do veículo, já que não faltam lombadas, buracos e curvas percorridas em alta velocidade. Depois de ser transportado em veículo fechado e sem ventilação, balançando de um lado para o outro, o réu chega ao fórum e aguarda muitas horas para ser visto pelo juiz que o interrogará. Frise-se, sem alimentação, pois também não lhe é servido qualquer tipo de alimento. 53 Se tal será o único momento em que o juiz analisará a personalidade do réu, este indivíduo não deveria ser submetido a esse estresse. [...] (2006, p. 122) Embora a rotina paulista, acima retratada, não possa ser adotada como parâmetro para todo o País, dadas as significativas discrepâncias entre as realidades das diversas regiões de nosso território, tais argumentos devem ser levados em consideração, no caso concreto, ante a possibilidade de afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana, como na hipótese relatada. A contrário senso, inúmeros são os doutrinadores que vislumbram afrontas ao princípio da dignidade da pessoa humana e da ampla defesa pelo fato do réu ter que permanecer dentro do estabelecimento prisional ao prestar o interrogatório por videoconferência, a teor do que dispõe o parágrafo 6º do artigo 185. Acerca do tema, cumpre salientar a visão de Guilherme de Souza Nucci: [...] Ele [o réu] pode querer fazer alguma denúncia de maus-tratos ou de tortura (fará essa acusação estando dentro da cadeia, sob a fiscalização das autoridades penitenciárias?); pode desejar sentir a posição do Juiz para saber se vale a pena confessar ou não (algo que somente o contato humano pode avaliar); pode ter a opção de contar ao interrogante alguma pressão que sofreu ou que esteja sofrendo para dizer algo que não deseja (de outro preso, por exemplo, pleiteando inclusive a mudança de sela ou de presídio), entre outras tantas hipóteses possíveis. Subtrair do réu essa possibilidade, colocando-o de um lado da linha telefônica, enquanto o juiz fica do outro, é ferir de morte os princípios do devido processo legal [hoje, há previsão legal do interrogatório por videoconferência] e da ampla defesa. (1997, p. 229) Confrontando as duas realidades, verifica-se que, quanto à adoção do interrogatório por videoconferência, hoje expressamente previsto em lei, cabe ao magistrado, ao advogado do réu e ao representante do Ministério Público ponderarem, de acordo com o caso concreto, a respeito da efetiva necessidade e plausibilidade de adoção da medida. Opção fornecida pelo legislador, ao prever, no caput do artigo 185, a possibilidade de que a adoção da videoconferência seja solicitada por qualquer das partes. De todo modo, ressalvadas situações excepcionais, consoante salientado, entende-se indispensável a presença física do interrogando perante o magistrado. Partindo-se de uma visão humanista do processo, em que o réu é considerado sujeito de direitos, e da noção de interrogatório como meio de defesa, não há como conceber a mitigação da autodefesa decorrente da separação física entre o magistrado e o réu. 54 3.5 DA ADEQUAÇÃO DOS PARÁGRAFOS 2º A 6º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL À NATUREZA JURÍDICA DO INTERROGATÓRIO Consoante demonstrado, muito embora o interrogatório encontre-se disciplinado no Capítulo III do Título VII do Código de Processo Penal, que versa sobre os meios de prova, a medida que o direito ao silêncio foi alçado ao status de garantia constitucional do réu e, em especial, após as inúmeras alterações introduzidas pelas leis n. 10.792/2003 e 11.719/2008, pormenorizadamente analisadas, há que atribuir a natureza jurídica de meio de defesa ao ato processual em questão. Representa, portanto, verdadeiro recurso para a observância da garantia da ampla defesa, prevista no artigo 5º, LV, da Constituição Federal, da qual sua análise não pode ser dissociada. Considerando-se, portanto, consistir o interrogatório na única oportunidade conferida ao réu para dialogar diretamente com o magistrado, ocasião singular em que pode optar por exercer a autodefesa; a despeito de todas as garantias introduzidas pela Lei n. 11.900/2009 no artigo 185 do CPP, entende-se imprescindível que a interação entre ambos se dê da forma mais direta e irrestrita possível, sob pena de mitigar-se a garantia da ampla defesa. Mitigação que pode ser apreciada tanto em termos materiais (contato não presencial, efetuado por meio da simples projeção de sons e imagens) quanto psicológicos (eventual desestímulo a prestar suas declarações com a mesma veemência em virtude do maior distanciamento e frieza característicos dessa modalidade de interrogatório). Fato reconhecido implicitamente pela Lei n. 11.900/2009 ao circunscrever o interrogatório por videoconferência a situações excepcionais, de forma a conciliar questões de política criminal, como a necessária garantia da segurança social com os direitos e garantias do próprio réu. Atento ao fato de constituir o direito penal em verdadeiro instrumento de garantia das liberdades e bens jurídicos dos cidadãos frente à atuação do Estado, e não de opressão, o legislador buscou resguardar, mesmo nas situações excepcionais em que o interrogatório online é admitido, a mais ampla defesa possível ao réu. Conclusão que decorre da análise dos parágrafos 2º ao 6º do artigo 185 do CPP. Cabe agora aos operadores do Direito não descurarem de tais parâmetros ao conferirem os contornos exigidos, no caso concreto, à expressão “ordem pública”, prevista no parágrafo 2º, inciso IV, do artigo em apreço. Medida essencial para evitar que, de situação 55 excepcional, transforme-se o interrogatório por videoconferência em verdadeira regra. Entende-se, portanto, adequada à natureza jurídica do interrogatório a regulamentação introduzida aos parágrafos 2º a 6º do Código de Processo Penal pela Lei n. 11.900/2009. 56 4 CONCLUSÃO O presente trabalho abordou a compatibilidade existente entre a natureza jurídica do interrogatório e o recurso de videoconferência nos moldes em que foi introduzido nos parágrafos 2º a 6º do artigo 185 do Código de Processo Penal por meio da Lei n. 11.900/2009. Tratou-se, inicialmente, de aspectos relacionados à teoria da prova, com o escopo de demonstrar a relevância que as provas conferem ao direito processual penal, por representarem o substrato que embasa a convicção judicial. Na ocasião, foram estabelecidas, ainda, distinções conceituais indispensáveis para a plena compreensão das divergências existentes quanto à natureza jurídica do interrogatório, a exemplo das noções de fonte, meio e elemento de prova. Apreendidos tais conceitos, essenciais para a investigação do acerto da corrente doutrinária que atribui ao interrogatório a feição de meio de prova, passou-se ao estudo dos argumentos que lhe são favoráveis. De fato, demonstrou-se ter sido essa a conformação atribuída ao interrogatório pela redação original do Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941. Opção que, além de constar expressamente da exposição de motivos do CPP, podia ser facilmente apreendida da redação original de diversos dos seus dispositivos. Entendimento doutrinário que se demonstrou ter sido significativamente abalado pela entrada em vigor da Constituição Federal, ao instituir como garantia do réu o direito ao silêncio, e, posteriormente, por sucessivas alterações legislativas. No ano de 2003, como verificado, a Lei n. 10.792 não só transpôs para a legislação infraconstitucional, de forma inequívoca, o direito do acusado de permanecer calado durante o interrogatório, como obstou que do seu silêncio pudesse advir qualquer prejuízo à defesa. Foi também responsável pela revogação do artigo 191, além de ter induzido o exercício da autodefesa, ao determinar que o réu fosse questionado sobre informações adicionais de que pudesse dispor em benefício próprio. Estabeleceu, por fim, a necessidade de que estivesse acompanhado por seu defensor durante o interrogatório. Não menos importante para corroborar a feição de meio de defesa do ato processual em questão foi a Lei n. 11.719/2008, ao reestruturar os atos que integram a audiência de instrução e julgamento, que passou a ser una. Diferentemente do que ocorria até então, deixou o interrogatório de representar, de ordinário, o primeiro ato processual que se seguia ao recebimento da denúncia e à citação, para figurar como um dos últimos da audiência una de instrução e julgamento. O réu passou, 57 assim, a ocupar situação mais confortável, de verdadeiro espectador do desenrolar do processo. Eliminou-se o elemento surpresa. Somente após ter tomado contato com toda a produção da prova e, portanto, desde logo ciente da totalidade dos fatos apurados é que exercitará, querendo, sua autodefesa. Argumentos com base nos quais se chegou à primeira conclusão deste trabalho, que a natureza jurídica do interrogatório é de meio de defesa, embora das declarações eventualmente prestadas possam advir fontes de prova, cuja corroboração se faz necessária por seu confronto com os demais elementos coligidos. Esclarecida sua natureza jurídica, foi pormenorizadamente analisado o teor do artigo 185 do CPP, ocasião em que se demonstrou o caráter excepcional com que o interrogatório por videoconferência foi admitido pelo diploma processual penal. A par da regulamentação em vigor, foram então apreciados os argumentos favoráveis e contrários à adoção do interrogatório por videoconferência. Muitos são, como demonstrado, os argumentos favoráveis à sua adoção, a exemplo da celeridade conferida à prestação jurisdicional, da economia de recursos públicos e da contribuição para a manutenção da segurança social por meio do remanejamento de recursos materiais e pessoais envolvidos nas escoltas dos presos a juízo. Não se tendo sequer verificado significativa afronta ao princípio da publicidade. Argumentos de ordem prática que não prevaleceram, contudo, quando confrontados com as garantias constitucionais de que dispõe o réu, em especial a da ampla defesa, integrada, em parte, pela autodefesa facultada ao interrogando. Faculdade substancialmente mitigada pela adoção da videoconferência que, como constatado, estabelece maior distanciamento físico e psicológico entre réu e magistrado. Privilegiou-se, portanto, uma visão humanista do processo penal, por ter sido instituído justamente como um sistema de garantias do cidadão contra o arbítrio do Estado, e não mero mecanismo de repressão. Contexto em razão do qual se entendeu necessária a presença física do réu perante o magistrado ao ser interrogado. Oportunidade única de que dispõe para dirigir-se diretamente ao juiz, com ele dialogar e retratar sua visão dos fatos, independentemente de quaisquer intermediários. Por fim, concluiu-se serem compatíveis a sistemática adotada pelo Código de Processo Penal em relação ao interrogatório por videoconferência e a natureza jurídica do ato em questão, qual seja, de meio de defesa, tão-somente em razão da excepcionalidade que lhe foi atribuída. Nítida tentativa do legislador de conciliar os direitos do réu à necessidade de 58 segurança social. Impõe frisar, contudo, que não se é de qualquer forma avesso aos avanços tecnológicos incorporados ao sistema judiciário, em especial no que diz respeito à videoconferência, recurso tecnológico absolutamente proveitoso no que tange aos meios de prova. Embora não integre diretamente o objeto do presente trabalho, há que salientar entender-se de todo elogiável sua aplicação às acareações, reconhecimento de pessoas e coisas e demais hipóteses previstas no parágrafo 8º do artigo 185 do CPP. O que se pondera, no presente trabalho, é sua aplicação em relação a um meio de defesa, do qual, embora possam resultar fontes de prova, não possui como finalidade precípua a obtenção dessa, mas sim a defesa do acusado. De fato foi o considerável interesse que se tem quanto aos avanços proporcionados pelo recurso da videoconferência que motivou a escolha do presente tema, pois de tão conflituoso, dadas as significativas benesses que lhe acompanham, anteriormente mencionadas, foi necessário o desenvolvimento de um estudo aprofundado para formular-se uma concreta opinião quanto à viabilidade de sua utilização no que tange ao interrogatório. O que, frisa-se, entende-se cabível em caráter de exceção, como um instrumento para conciliar os reclamos da sociedade aos interesses do réu. 59 5 REFERÊNCIAS ARAS, Vladimir. Videoconferência, persecução penal e direitos humanos. Leituras Complementares de Processo Penal, Salvador, p. 269-309, 2008. ÁVILA, Thiago André Pierobom de. 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