COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA
FORO CENTRAL
JUÍZO DA 4ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA
Estado do Paraná
Poder Judiciário
Autos nº 0003405-26.2014.8.16.0004
Mandado de Segurança.
Liminar. Deferimento.
Trata-se de mandado de segurança impetrado por
Construtora Guilherme Ltda em razão de ato praticado pelo Diretor Geral da
Paraná Edificações. Narra a petição inicial, em suma, que a impetrante, após
apresentar proposta classificada em primeiro lugar, foi considerada inabilitada,
com espeque no item 6.7.2 “d”1, no certame licitatório deflagrado pelo Edital de
Concorrência Pública nº 087/2013, destinado à construção do Centro Nacional
de Treinamento de Atletismo de Cascavel/PR. Por tal motivo, interpôs recurso
administrativo, o qual sequer fora analisado, haja vista que a Comissão de
Licitação e a autoridade impetrada optaram por iniciar novo certame, mediante
anulação do primeiro. Porém, não teria sido oportunizado aos participantes se
manifestarem sobre a decisão administrativa, em afronta aos princípios da ampla
defesa e do contraditório, albergados pelo parágrafo terceiro do artigo 49 da Lei
nº 8.666/93 para casos dessa natureza. Além disso, as ditas irregularidades que
ensejaram a anulação (ausência de parecer jurídico e de indicação de verba
orçamentária) seriam sanáveis e não supervenientes, de modo a permitir a
continuidade do primeiro certame, à luz do instituto da convalidação. Por fim,
ainda a corroborar a ilegalidade do ato de anulação, alega que novo edital teria
sido publicado no breve lapso de dois dias, no qual se indicou os mesmos
recursos financeiros e condições de pagamento do primeiro instrumento
convocatório, bem como se alterou unicamente o item do edital que ensejou a
inabilitação da impetrante. Daí o presente mandamus pelo qual requer, em sede
liminar, a anulação ou suspensão do segundo edital e, ao final, o cancelamento
do segundo procedimento licitatório, a fim de validar a primeira concorrência, a
partir da convalidação dos atos e julgamento dos recursos administrativos. Pela
impetrante foram colacionados artigos de lei, doutrina e jurisprudência que, no
seu sentir, seriam aplicáveis à espécie. Juntou documentos (seq. 1.2 a 1.45).
Na parte essencial, o relatório.
1
Ata de Reunião: “a empresa não apresentou atestado de execução de terraplanagem de no mínimo 45.000m³,
conforme o exigido no Edital” (seq. 1.37).
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27/05/2014: CONCEDIDA A MEDIDA LIMINAR. Arq: decisão deferimento liminar
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Decido o pedido liminar.
I. Com efeito, o mandado de segurança, garantia
assegurada constitucionalmente, deve ser sempre manejado para proteger direito
líquido e certo contra ato ilegal ou abuso de poder praticados por parte de
autoridades. Ademais, nos termos do artigo 7º, III, da Lei nº 12.016/09, ao
despachar a inicial o juízo deverá suspender o ato que deu motivo ao pedido,
quando for relevante o fundamento e do ato impugnado puder resultar a
ineficácia da medida, caso seja finalmente deferida.
In casu, ao menos em um juízo de cognição sumária,
os requisitos para a concessão da liminar se fazem presentes. Explica-se.
Nos termos do art. 3º da Lei nº 8.666/93, “a licitação
destina-se a garantir a observância do princípio básico constitucional da
isonomia e a selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração e
será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos
da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade,
da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do
julgamento objetivo e dos que lhe são correlatos.”
No caso em espécie, a licitação correspondente à
Concorrência Pública nº 087/2013, destinada à construção do Centro Nacional
de Treinamento de Atletismo no Município de Cascavel/PR, fora anulada pela
autoridade apontada como coatora, considerando o contido na Informação nº
151/2014 do Núcleo Jurídico da Administração PGE/SEIL (seq. 1.38). Certo
que, na medida em que baseada em ilegalidade, a anulação pode ser feita em
qualquer fase e a qualquer tempo antes do contrato, porém, isso não importa
dizer que deve subsistir em qualquer hipótese.
Tem a jurisprudência apontado a necessidade da justa
causa à anulação de licitação, correspondente à ilegalidade do procedimento ou
do julgamento anulado. Afastam-se, assim, hipóteses de desvio ou abuso de
poder.
Para além disso, consagrada a necessária observância
dos princípios do contraditório e da ampla defesa, tanto em decorrência do texto
constitucional, como pela específica previsão legislativa a seguir mencionada:
Art. 49. A autoridade competente para a aprovação do
procedimento somente poderá revogar a licitação por razões de
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interesse público decorrente de fato superveniente devidamente
comprovado, pertinente e suficiente para justificar tal conduta,
devendo anulá-la por ilegalidade, de ofício ou por provocação
de terceiros, mediante parecer escrito e devidamente
fundamentado.
(...)
§ 3o No caso de desfazimento do processo licitatório, fica
assegurado o contraditório e a ampla defesa.
Nessa perspectiva, ao menos do que consta nos autos
até este momento, não se conclui pelo respeito ao § 3º supra. Veja-se a sucessão
dos atos pertinentes: (i) em data de 25.04.2014, dado parecer pelo Núcleo
Jurídico da Administração PGE/SEIL2; (ii) em 28.04.2014 determinada a
anulação do certame pela autoridade impetrada 3; (iii) em 30.04.2014 publicada
tal decisão na Edição nº 9.196 do Diário Oficial do Paraná 4; e, (iv) em
02.05.2014 publicado o Aviso de Republicação do Edital, na Edição nº 9.197 do
Diário Oficial do Paraná5.
Ora, de pronto possível verificar a ausência de abertura
aos interessados para promoção de eventuais manifestações sobre as razões do
ato anulatório e, se assim não foi, exigiu-se dos candidatos uma atuação
demasiadamente célere, em possível prejuízo da qualidade da insurgência.
A anulação se deu em momento do certame no qual a
impetrante buscava reverter a decisão por sua inabilitação, até porque sua
proposta figurava em primeiro lugar classificatório. Daí que o ato ora
impugnado atingiu de modo inequívoco sua esfera jurídica, atestando a
necessidade de ter sido ao menos viabilizada sua manifestação, em tempo hábil.
Em corroboração a lição doutrinária que “não basta
que a Administração indique os motivos da revogação ou da anulação; é
indispensável que dê oportunidade aos licitantes de se manifestarem e de
produzirem as provas que entenderem convenientes à sua defesa.”6
Inclusive, já se manifestou o Superior Tribunal de
Justiça no seguinte sentido:
2
fl. 10 de seq. 1.38.
fl. 11 de seq. 1.38.
4
fl. 04 de seq. 1.39.
5
fl. 04 de seq. 1.43.
6
MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e Contrato Administrativo. 13ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2002,
p. 162.
3
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CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. LEILÃO DE
DIREITOS CREDITÓRIOS E ATIVOS IMOBILIÁRIOS. ATO DE ANULAÇÃO DE
PROCEDIMENTO LICITATÓRIO. AUTOTUTELA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.
SÚMULAS 346 E 473/STF. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. NÃO OBSERVÂNCIA.
PAGAMENTO JÁ EFETUADO PELO PARTICULAR. ILEGALIDADE DO ATO
IMPUGNADO. 1. O mandamus foi impetrado contra ato do Governador do Estado de
Alagoas que, sem a prévia oitiva do licitante vencedor do certame, anulou procedimento
licitatório referente à alienação de ativos imobiliários e direitos creditórios oriundos das
carteiras imobiliárias do Instituto de Previdência e Assistência à Saúde dos Servidores do
Estado de Alagoas - IPASEAL -, cujo pagamento já foi efetuado pela empresa recorrente e a
quantia correspondente transferida aos cofres do Tesouro Estadual. O Tribunal de Justiça de
Alagoas reconheceu que, mesmo sem ter sido observado prévio contraditório e ampla defesa,
é inevitável o reconhecimento da nulidade do certame, ante as várias irregularidades
detectadas no procedimento de cessão de créditos. 2. Ao mesmo passo que a Constituição da
República impõe à Administração Pública a observância da legalidade, conferindo-lhe o
dever-poder de autotutela, atribui aos litigantes, em geral, seja em processos judiciais seja
administrativos, a obediência à garantia fundamental do contraditório e da ampla defesa
(art. 5º. LV). Entretanto, não se deve confundir o poder de agir de ofício, ou seja, de iniciar
um procedimento independentemente de provocação das partes, com a tomada de decisões
sem a prévia oitiva dos interessados. É nesse contexto, portanto, que se inserem os
enunciados das Súmulas 346 e 473/STF. 3. O contraditório e a ampla defesa devem ser
compreendidos como a garantia conferida constitucionalmente aos indivíduos em geral de ter
ciência da instauração do feito, participar do processo, produzir provas e influenciar o órgão
julgador na formação do juízo de mérito acerca do caso analisado. Nesse sentido, confira-se
o seguinte excerto do voto do Ministro Adylson Mota, do Tribunal de Contas da União: (...).
4. Sempre que a decisão administrativa afetar interesses de particulares, é imprescindível a
observância do contraditório e da ampla defesa para que se aprecie a nulidade do processo
licitatório. Precedentes do STF e do STJ. Consequentemente, mesmo que haja fortes
indícios de ilegalidade do certame público, não há inutilidade na prévia oitiva das partes
interessadas, pois não se pode afastar a hipótese, ainda que remota, de surgirem novos
esclarecimentos que afetem o juízo decisório, a exemplo da comprovação de que os vícios
apontados não trouxeram prejuízos ao interesse público. 5. A impetração da ação
mandamental não é suficiente para convalidar o ato administrativo que violou as referidas
garantias, porquanto se trata de procedimento instaurado após a tomada da decisão
administrativa prejudicial aos interesses do particular, de natureza especial, com instrução
probatória bastante limitada e que, no caso em concreto, destinou-se precipuamente a
impugnar um ato administrativo viciado, por ter anulado um certame licitatório sem o devido
processo legal. 6. O exercício diferido do direito ao contraditório e à ampla defesa apenas
deve ser admitido em situações devidamente justificadas, em razão do perigo na demora
inerente às tutelas de urgência, de modo a se preservar a utilidade e a efetividade da medida
constritiva adotada. 7. Recurso ordinário em mandado de segurança provido. (RMS
27.440/AL, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 08/09/2009, DJe
22/09/2009) (grifou-se)
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Portanto, constatada a relevância da alegação e o risco
de ineficácia da medida, há de ser suspensa a segunda licitação pautada no
Edital de Concorrência Pública nº 087/2013, para a qual está prevista sessão de
abertura de envelopes na data de 06.06.2014.
Veja-se que a anulação do primeiro certame se deu
alegadamente com espeque em ilegalidades insanáveis, o que, com efeito, opera
efeitos ex tunc, na medida em que “a legalidade, como princípio de
administração (CF, art. 37, caput), significa que o administrador público está,
em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às
exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de
praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil e criminal,
conforme o caso.”7
Sendo assim, entende-se pela melhor medida suspender
a licitação em comento e oportunizar a juntada de informações pela autoridade
antes de proceder à eventual análise dos motivos da anulação e,
consequentemente, da necessidade de retomada do primeiro certame.
ANTE O EXPOSTO, defiro o pedido liminar, a fim
de suspender a Concorrência Pública nº 087/2013 no estado em que se
encontra. Intime-se, assim, a autoridade coatora.
II. Em tempo, nos termos do art. 7º, I, da Lei nº
12.016/09, notifique-se a autoridade apontada como coatora, para que, no prazo
de 10 (dez) dias, preste as informações que achar necessárias.
III. O instrumento de notificação deve se fazer
acompanhado não só da cópia da petição inicial, mas de todos os documentos
que a instruíram. E mais. A segunda via da petição deve ser disponibilizada pela
própria parte, tal como impõe o art. 6º da Lei nº 12.016/09.
IV. Forte no art. 7º, II, da Lei nº 12.016/09, dê-se
ciência do feito ao órgão de representação judicial da pessoa jurídica
interessada, qual seja, Paraná Edificações, enviando-lhe cópia da inicial sem
documentos, para que, querendo, ingresse no feito.
V. Após, vista ao Órgão de Execução do Ministério
Público para manifestação.
7
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 33ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2007, p.
87.
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VI. Cumpridas tais diligências, voltem os autos
conclusos para sentença.
Intimem-se. Diligências necessárias.
Curitiba, 27 de maio de 2014.
Guilherme de Paula Rezende
Juiz de Direito
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