IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO DE ESTADOS ESTRANGEIROS E
ORGANISMOS INTERNACIONAIS
1) Após a Constituição Federal de 1988 (pois sob a égide da CF de 1969 a
jurisprudência do STF seguia o costume internacional da imunidade absoluta de
jurisdição), que em seu art. 5º, XXXV, garantiu que nenhuma lesão a direito perpetrada
em território nacional será excluída de apreciação pelo Poder Judiciário, o Supremo
Tribunal Federal vem relativizando a imunidade de jurisdição dos Estados estrangeiros
no Brasil, na esteira de Convenções Internacionais (Convenção Européia sobre Imunidade
dos Estados – 1972) e do próprio Direito Comparado (EUA em 1976, Reino Unido em
1978, Cingapura em 1979, África do Sul e Paquistão em 1981, Canadá em 1982, Austrália
em 1985 e Argentina em 1995), verificando-se na legislação de inúmeros países essa nova
orientação:
“Os Estados estrangeiros não dispõem de imunidade de jurisdição, perante o
Poder Judiciário brasileiro, nas causas de natureza trabalhista, pois essa
prerrogativa de Direito Internacional Público tem caráter meramente relativo(...) A
eventual impossibilidade jurídica de ulterior realização prática do título judicial
condenatório, em decorrência da prerrogativa da imunidade de execução, não se
revela suficiente para obstar, só por si, a instauração, perante Tribunais
brasileiros, de processo de conhecimento contra Estados estrangeiros, notadamente
quando se tratar de litígio de natureza trabalhista” (Ag-RE 222.368-4-PE, Rel.
Min. Celso de Mello, DJ de 14/02/03 – Consulado Geral do Japão) (grifos nossos).
2) Quanto à imunidade de execução, o Supremo Tribunal Federal encontra-se
dividido, uma vez que, por 6 votos a 5 (vencidos os Ministros Celso de Mello, Cezar
Peluso, Joaquim Barbosa, Carlos Britto e Ricardo Lewandowski), decidiu reconhecer o
privilégio ao Consulado Geral da República da Coréia, com base nas Convenções de
Viena de 1961 e 1963 (cfr. AgRg-ACO 633-1-SP, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de
22/06/07), sendo que:
a) a Ministra Carmen Lúcia registrou sua “reserva para a possibilidade de
repensar o tema”, acompanhando, por ora, a relatora e no apenas no caso concreto;
b) o Ministro Celso de Mello, voto divergente, sustentou que, “comprovado pelo
credor, que os bens pertencentes ao Estado estrangeiro não guardam vinculação com as
atividades diplomáticas e/ou consulares, legitimar-se-á, então, nessa particular situação,
a instauração, contra essa soberania estrangeira, do concernente processo de execução”
(grifos nossos).
3) Quanto aos Organismos Internacionais, no ano passado (2009), SDI-1 e SDI-2
do TST tiveram visão diversa sobre o problema da imunidade de jurisdição, mostrando que
a matéria ainda é bastante polêmica e não está pacificada):
a) a SDI-1 absolutizou a imunidade, por voto prevalente da presidência, ao
fundamento de que haveria normativa expressa garantindo a imunidade absoluta,
consubstanciada na Convenção de Londres (sobre privilégios e imunidades das Nações
Unidas), ratificada pelo Brasil em 1950 (TST-E-ED-RR-900/2004-019-10-00.9, Red. Min.
Caputo Bastos, julgado em 03/09/09, envolvendo a ONU/PNUD);
b) a SDI-2 a relativizou, em decisão não unânime, admitindo a possibilidade de
bloqueio de numerário em conta corrente, quando o organismo internacional descarta até
a mediação da via diplomática para solver a lide trabalhista com quem lhe prestou
serviços em território brasileiro (TST-ROAG-173/2008-000-23-00.8, Rel. Min. Ives
Gandra, julgado em 12/05/09, caso do Instituto Interamericano de Cooperação para a
Agricultura).
c) No Supremo Tribunal Federal, após voto da Min. Ellen Gracie reconhecendo,
nos termos da referida convenção sobre privilégios e imunidades da ONU, a imunidade
absoluta de jurisdição, pediu vista a Min. Carmen Lúcia (cfr. RE-578.543, com voto da
relatora proferido em 07/05/09, em caso da ONU/PNUD).
4) Na linha da imunidade relativa de jurisdição em matéria de processo de
conhecimento e, quanto ao de execução, da possibilidade de acesso a bens não afetos à
missão diplomática, temos os seguintes precedentes de minha lavra:
a) consideração do trabalhador contratado para serviços na residência do
embaixador jardineiro) como empregado doméstico, com os direitos inerentes a essa
condição e não como funcionário da Embaixada (cfr. TST-RR-125/2003-020-10-00.0, Rel.
Min. Ives Gandra, DJ 03/02/06);
b) possibilidade de levantamento do depósito recursal feito por Estado
Estrangeiro ou Organismo Internacional, quando da execução, por se tratar de valores já
não mais afetos à representação diplomática, vez que espontaneamente depositados em
juízo (cfr. TST-ROAR-771910/01.1, Rel. Min. Ives Gandra, DJ de 15/03/02, em caso
envolvendo a OEA);
c) impossibilidade de bloqueio de conta corrente de Estado estrangeiro, afeta à
representação diplomática, em fase de execução de sentença, ainda que reconhecida a a
validade do título executivo judicial, mas admitindo que a execução se processasse
sobre bens não afetos à atividade diplomática, encontráveis no Brasil (cfr. TST-ROMS161/2005-000-10-00.1, Rel. Min. Ives Gandra, DJ de 09/03/07, envolvendo o Reino da
Espanha).
5) Este último caso é paradigmático, uma vez que, reconhecida a possibilidade de
execução de bens não afetos à representação diplomática, foram indicados bens do
Instituto de Cultura Hispânica e do Instituto Miguel de Cervantes, mantidos pelo Reino
da Espanha no Brasil, que, em tese, poderiam ser penhorados. No entanto, com a
intermediação do relator do Processo, conseguiu-se a resolução mediante a conciliação
no processo, com a assinatura de acordo, em que a Embaixada da Espanha pagava parte
dos valores reconhecidos à Reclamante.
6) Assim, as recomendações que se fazem às Embaixadas e Organismos
Internacionais que operam no Brasil são as de que:
a) observem a legislação trabalhista brasileira na contratação de pessoal local,
pelo princípio da “lex loci executioni contracti” (Súmula 207 do TST);
b) apresentem defesa no processo de conhecimento, procurando mostrar que o
direito postulado pelo ex-empregado eventualmente não some todas as parcelas
reivindicadas;
c) busquem a conciliação, quer na fase de conhecimento, quer na fase de execução,
de modo a reduzir o valor a ser pago e evitar eventuais constragimentos ou exageros por
parte dos juízes do trabalho nos processos de execução.
Ives Gandra da Silva Martins Filho
Ministro do TST e Conselheiro do CNJ
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