“ O silêncio da censura O isolamento era um dos principais objectivos da instalação dos campos de concentração. Por isso, todos os contactos com o exterior eram praticamente vedados aos presos, incluindo uma violenta censura sobre a correspondência. Havia guardas venais. A troco de dinheiro conseguíamos saber o que se passava, Mas sabendo nós também que a certeza das vilezas para connosco, de que eram autores, trazia a muitos deles inquietações por um tempo que poderia estar distante mas chegaria, e em que nos tornaríamos seus acusadores e juízes, prometíamos-lhes a nossa compreensão futura. Deste modo íamos conseguindo notícias. Uma outra fonte de noticiário era o soldado angolano, que também não recusava a uma peça de roupa ou a uns escudos. E de noite, rastejando, lá íamos até ao arame farpado, junto do posto de uma sentinela, a comprar notícias do mundo. Carta de Maria José Ramalho Gândara para João do Carmo Miranda d'Oliveira, deportado no campo de concentração de presos políticos da Ilha de S. Nicolau, 1931. Naquele tempo em que transportávamos água em latas, sempre íamos atentos a papéis. O vento arrastava pedaços de jornal de que os guardas se serviam nas suas retretes e deixava-os presos ao capim ou pela berma da estrada. (…) E, como aqueles pedaços de jornal apresentavam de modo bem evidente aquilo para que eram usados, chamávamos ao nosso noticiário «Rádio Merda». Tarrafal Testemunhos, Editorial Caminho, 1978 ” Esse silêncio imposto pelos carcereiros visava o corte das ligações de carácter político e das relações com as famílias e os amigos. O isolamento manifestava-se ainda através de sucessivas manobras que impediam os presos de receber mantimentos ou medicamentos enviados pelas famílias, que lhes eram também muitas vezes pura e simplesmente roubados. Excerto de uma carta remetida do Tarrafal em 27 de Setembro de 1938. Os cortes de censura incidem, especialmente, como se pode ver, nas matérias relacionadas com o envio de medicamentos. Este preso morrerá no campo a 1 de Dezembro desse mesmo ano. Exposição de Ferreira da Costa ao Ministro do Interior, datada de Outubro de 1944, em que denuncia veemente os crimes cometidos no campo. António Ferreira da Costa embarcou para a Colónia Penal do Tarrafal em 5 de Agosto de 1942, saindo a 15 de Maio de 1944, transferido para a prisão Aljube. Viria ainda a ser preso de novo em 1952. Em 16 de Outubro 1939, o director do campo de concentração do Tarrafal, capitão José da Silva, emite novas instruções, ainda mais restritivas, para os presos, prevendo também expressamente os trabalhos forçados nas obras.