DAPENA, J.A.P. Seminário: Karina Rodrigues A realização do projeto de dicionário requer um momento de planejamento e um de execução. A fase de planejamento requer a elaboração de um projeto que deve ser o mais minucioso possível e virá a se constituir em um verdadeiro manual de lexicografia de caráter particular, aplicável ao projeto em questão e que servirá também para o prólogo e/ou introdução do dicionário O planejamento técnico contempla certas características como as bases ou princípios sobre os quais a obra vai fundamentar-se, a finalidade da obra, seu público alvo, a nomenclatura, o conteúdo e organização dos verbetes etc. O planejamento prático deve conter os meios necessários para a realização do trabalho como instrumentos mecânicos e informáticos, pessoal, duração das tarefas, custos etc. É imprescindível que o projeto seja fundamentado em uma corrente teórica sobre a linguagem em geral e sobre o léxico em particular, que lhe dê suporte. Toda obra reflete as teorias imperantes do momento em que é realizada. Comentário 1 Os dicionário atuais se pautam pelos pressupostos do normativismo do século XVIII e do historicismo do XIX. As bases historicistas estão claras no afã etimologicista presente na maioria dos dicionários, na ordenação cronológica, nas acepções, e no tratamento da distinção homonimia/polissemia. O caráter normativista aparece no desejo de apoiar os usos em grandes autores, nas recomendações de uso, marcas etc. Atualmente, os esforços vão no sentido de não mesclar o diacrônico com o sincrônico, o normativo com o uso real e dar o máximo de informações possível. Todo dicionário é restrito em alguma medida, fato que leva a estabelecer os critérios de corte aos quais as entradas devem ser submetidas. Um dicionário de norma comum, por exemplo, deve prescindir de regionalismos, dialetismos, vulgarismos, termos científicos etc. Chamamos de entrada do dicionário todo vocábulo que é objeto de um verbete independente. Essa definição não é, no entanto, de todo exata, uma vez que a entrada pode não se constituir em apenas um vocábulo, e seria mais adequado falar em unidade léxica ou lexia, que pode ser simples (palavra ou morfema) ou complexa (vários vocábulos) Outro aspecto a se considerar no planejamento do dicionário é o tratamento fonético e ortográfico que será dispensado às entradas. É aconselhável que as entradas apresentem a forma ortográfica acompanhada da transcrição fonética, o que é particularmente importante em dicionários bilíngues ou dialetais. Se a palavra apresenta polimorfismo, é necessário prever como lidar com esses casos (qual das formas seria a entrada do verbete, e como seriam apresentadas as outras formas) O projeto do dicionário deve prever qual será a forma lematizada das entradas (a norma geral recomenda a forma masculina singular para substantivos e adjetivos, infinitivo para verbos etc) A redação do dicionário é sempre precedida de uma fase de compilação de materiais lexicográficos que constituirão o corpus, no qual as investigações próprias do trabalho se fundamentarão. Esse material provém de muitas fontes diversas, que devem ser confiáveis, para que a coleta dos textos seja o mais escrupulosa e fidedigna possível e que os dados de fato representem os aspectos que se pretende oferecer no dicionário. A eleição das obras das quais se extrairá o material lexicográfico dependerá do tipo de dicionário que se pretender fazer. Se este for normativo, podem somente ser selecionadas obras que estejam em consonância com as normas linguísticas, se for sincrônico, as obras devem pertencer unicamente ao período de tempo compreendido na pesquisa. A coleta de materiais escritos pode realizarse por meios informáticos (aconselhável pela rapidez e eficácia) ou manualmente (método tradicional) O verbete é composto de um conteúdo (informações acerca do vocábulo) e uma forma ou microestrutura. O conteúdo varia de acordo com o tipo de obra, uma vez que o verbete de um dicionário enciclopédico é muito diferente daquele de um dicionário linguístico. Sobre a microestrutura, é aconselhável que todos os verbetes respeitem uma mesma ordenação de informações (sistema de marcas, tipos de definição etc) O planejamento do dicionário deve conter cada um dos aspectos a partir dos quais podemos observar uma entrada: etimologia, categorização, acepções e subacepções, particularidades gramaticais etc. Todas essas informações não podem estar sujeitas ao livre-arbítrio do lexicógrafo, mas sim, previstas no planejamento prévio da obra. Comentário 2 Para o fácil manejo e sucesso da obra (dentre outros fatores), o dicionário deve oferecer sempre na mesma ordem as informações em todos os verbetes, o que vai conferir homogeneidade e coerência à obra, deve determinar quais tipos de definição e em que circunstâncias estas devem ser empregadas. As abreviaturas, marcadores como fam (familiar) fig (figurado) etc., devem ser normalizados, de maneira que o dicionário seja homogêneo e a consulta facilitada. Outro ponto importante que deve constar no planejamento do dicionário é a apresentação do mesmo, no que tange ao suporte (em papel, dicionário tradicional, ou em CD-ROM) e ao formato ou tipografia, que dependem dos fins da obra e estão diretamente ligados ao manejo, ao uso do dicionário, por exemplo, um dicionário de bolso não pode ter grandes dimensões, as características da tipografia/formato devem respeitar essa condição. Comentário 3 O custo do dicionário é determinado por dois fatores fundamentais: a extensão ou tamanho da obra e o tempo necessário para a sua confecção. Estes são aspectos impossíveis de prever com precisão, no entanto, nenhuma editora ou instituição pública ou privada aprova um projeto de financiamento sem esses dados. A extensão pode ser definida a partir do estabelecimento da macro e microestrutura do dicionário, assim como de características superficiais referentes ao formato e apresentação. A partir destes dados, se estabelece mais facilmente uma previsão de tempo para a execução do projeto. Definidos extensão e tempo, os custos são passíveis de cálculo. O material lexicográfico está representado pelo conjunto de fontes contidas na biblioteca e pelo conjunto de textos que compõe o corpus. A biblioteca deve conter todos os textos que serviram de fonte para a compilação do material para eventual consulta, uma vez que podem surgir dúvidas no decorrer do trabalho. É aconselhável que a biblioteca esteja em meio informático para facilitar o manuseio e acesso. Nos tempos atuais, opta-se, evidentemente, pelo trabalho em meios informáticos. É imprescindível dispor de uma série de computadores interligados ou on-line, que estejam à disposição da equipe de lexicógrafos, de scanners com os respectivos programas de tratamento de dados, impressoras, e softwares de preferência criados especificamente para as necessidades do projeto. É preciso que o trabalho seja realizado por uma equipe de especialistas. Trabalhar em equipe supõe um tanto de solidariedade entre os membros, uma estruturação em que cada membro desempenhe seu papel, ao qual outros componentes da equipe estão ligados. É necessário um espírito de colaboração, solidariedade e compreensão mútua, bem como estímulo e motivação da direção do projeto. Gutiérrez Cuadrado assinala algumas características desejadas para os membros: Conhecimentos gerais Conhecimentos filológicos – conhecer a história da língua e ter domínio dos critérios para determinar a idoneidade de uma fonte; Conhecimentos linguísticos – bons conhecimentos gramaticais, morfológicos, sintáticos e semânticos; Conhecimentos especializados – literatura, história, ciências naturais, matemática ... Bom domínio da própria língua Cultura literária Caráter – uma vez que se necessita de um espírito de colaboração, generosidade, capacidade de identificar-se com o projeto, entusiasmo e otimismo Conhecimentos informáticos É claro que os membros não precisam apresentar, todos, todas as características elencadas, mas o grupo deve ser formado a partir desses critérios A equipe deve ser hierarquizada. A elaboração de um dicionário implica muitas e variadas tarefas, o que requer uma divisão de trabalhos e funções. É aconselhável uma divisão modular, em que pequenos grupos sejam encarregados de tarefas, com certa autonomia entre si. A equipe deve ter um diretor chefe que determine as metas e distribua os trabalhos, um censor, encarregado da revisão dos originais, vários redatores chefe e redatores, cuja função é a formação de novos redatores e a redação dos verbetes respectivamente, e pessoal colaborador, como auxiliares, pessoal da informática etc. A equipe pode contar também com certos especialistas em determinados campos no que concerne às terminologias e às variantes regionais das palavras da língua. 1) Explique, em linhas gerais, o que o autor entende por projeto técnico e projeto prático de um dicionário. 2) Quais são as bases teóricas, segundo o autor, que fundamentam o fazer lexicográfico na atualidade? 3) O que são as entradas do dicionário e quais os possíveis tipos que o autor cita? 4) O que são conteúdo e forma (microestrutura) de um verbete segundo Dapena? Explique. 5) Comente as sugestões tipográficas do autor para uma obra tendo em vista a facilidade de busca e manuseio. 6) Do ponto de vista da elaboração do dicionário, que o autor entende como plano prático, quais são as principais preocupações do lexicógrafo para levar o projeto a cabo? 7) Quais são as características aconselháveis para a equipe de lexicógrafos/profissionais que realizarão o projeto do dicionário?