Como Cobrir Política de Segurança Pública? Robson Sávio Reis Souza ([email protected]). Coordenador de Comunicação e Pesquisador do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública da UFMG (www.crisp.ufmg.br). O problema da violência no Brasil Até a década de 1950: crimes violentos eram raros; Décadas de 1960 e 70: os crimes violentos são mais freqüentes nos grandes centros urbanos; Década 1980 e início da década de 90: os crimes violentos aumentam e se propagam nas regiões metropolitana dos grandes centros urbanos - DROGAS; Após a 2a. metade da década de 1990: os crimes violentos são bem mais percebidos pela sociedade e ganham espaço na mídia; Hoje: um sentimento de medo toma conta de todas as classes sociais; Pesquisa DataFolha, 04.05.08 - - - Em 1980, aconteciam 12,8 homicídios por 100 mil habitantes do Estado de São Paulo. Em 1999, houve o recorde: 28,4 homicídios a cada 100 mil paulistas. No ano passado, foram 11,8 assassinatos por 100 mil. Ter um jovem da família envolvido com drogas é um medo que dobrou nos últimos 25 anos (o primeiro registro de crack do Denarc - Departamento de Investigações sobre Narcóticos - em São Paulo é de junho de 1990, quando foram apreendidos 220g com um barbeiro na zona leste). Após dois anos, a droga estava disseminada pela cidade; Num levantamento realizado em 1996, por exemplo, 41% dos paulistanos declaravam sentir "muito medo" de seqüestro. Hoje, são 54%, um aumento de quase 30% do temor; O que é violência Segundo o Dicionário Houaiss, violência é a “ação ou efeito de violentar, de empregar força física (contra alguém ou algo) ou intimidação moral contra (alguém); ato violento, crueldade, força”. No aspecto jurídico, o mesmo dicionário define o termo como o “constrangimento físico ou moral exercido sobre alguém, para obrigá-lo a submeter-se à vontade de outrem; coação”. Já a Organização Mundial da Saúde (OMS) define violência como “a imposição de um grau significativo de dor e sofrimento evitáveis”. Mas os especialistas afirmam que o conceito é muito mais amplo e ambíguo do que essa mera constatação de que a violência é a imposição de dor, a agressão cometida por uma pessoa contra outra; mesmo porque a dor é um conceito muito difícil de ser definido. Fonte: Anthony Asblaster - Dicionário do Pensamento Social do Século XX Ainda sobre violência Para todos os efeitos, guerra, fome, tortura, assassinato, preconceito, a violência se manifesta de várias maneiras. Na comunidade internacional de direitos humanos, a violência é compreendida como todas as violações dos direitos civis (vida, propriedade, liberdade de ir e vir, de consciência e de culto); políticos (direito a votar e a ser votado, ter participação política); sociais (habitação, saúde, educação, segurança); econômicos (emprego e salário) e culturais (direito de manter e manifestar sua própria cultura). Fonte: Anthony Asblaster - Dicionário do Pensamento Social do Século XX Violência urbana A violência urbana, no entanto, não compreende apenas os crimes, mas todo o efeito que provocam sobre as pessoas e as regras de convívio na cidade. A violência urbana interfere no tecido social, prejudica a qualidade das relações sociais, corrói a qualidade de vida das pessoas. Assim, os crimes estão relacionados com as contravenções e com as incivilidades. Gangues urbanas, pichações, depredação do espaço público, o trânsito caótico, as praças malcuidadas, sujeira em período eleitoral compõem o quadro da perda da qualidade de vida. Fonte: Anthony Asblaster - Dicionário do Pensamento Social do Século XX Causas da violência - Fatores pessoais (características individuais, uso de drogas); - Fatores sócio-econômicos (exclusão, desemprego, miséria); - Fatores ambientais (locais ermos, mal iluminados). Bairros violentos. Tráfico de drogas; - Corrupção de agentes públicos; sensação de impunidade; - Problemas do sistema de justiça criminal; - Fatores institucionais: insuficiência e incompetência do Estado, crise do modelo familiar, recuo do poder da Igreja; Causas da violência - Fatores culturais: problemas de integração racial e desordem moral; - Demografia urbana: as gerações provenientes do período da explosão da taxa de natalidade no Brasil chegando à vida adulta sem muitas referências éticas; e o surgimento de metrópoles, sem a mínima infra-estrutura, que receberem uma fortíssima migração nas últimas décadas; - A mídia, com seu poder, que colabora para a apologia da violência; - A globalização mundial, com a contestação da noção de fronteiras; e o crime organizado (narcotráfico, posse e uso de armas de fogo etc.). Difícil abordagem 1. complexidade e a dificuldade no domínio de todas as suas variáveis; 2. confiabilidade dos dados produzidos sobre crimes; 3. as verdades absolutas (existe um ponto de vista inquestionável e irrefutável?); 4. as simplificações e generalizações grosseiras e, muitas vezes, tendenciosas. A representação da violência pela mídia pode alterar a percepção que temos do fenômeno (a cobertura nem sempre é representativa do universo de crimes e sim dos eventos extraordinários e muitas vezes pontuais). O problema das fontes ... e seus interesses - As fontes tradicionais: polícias e fontes oficiais; A novidade e seus limites: os especialistas; Os estigmas: os autores; As vítimas (pessoas, comunidades...). - As pressões (veículos, governos...) • Como conciliar interesses tão diversos? A questão da VERDADE e da ÉTICA (profissional). Quem consome O caso Isabella Nardoni: • Classe média (poder de vocalização das demandas na arena pública = mídia). - Maior consumidora (das notícias e de quem patrocina a grande mídia). - Imagem do povo: bárbaros e violentos (criminalização dos movimentos sociais, da pobreza) X auto-imagem da classe média (e seus “sagrados” valores) Fato: De acordo com o Ministério da Saúde, a cada dois dias, em média, cinco crianças de até 14 anos morrem vítimas de agressão. Ou seja, a cada dez horas, uma criança é assassinada no Brasil. Fonte: G1.globo.com, em 27.04.08 Há que se pensar: - Luta pela audiência (Globo e Record): notícia X garantia da publicidade; - os pré-julgamentos (arena do “opinódromo”); - a priorização da tradicional fonte: polícia; - os excessos na cobertura; - A opção pela fragmentação da notícia; - a falta de posicionamentos claros (editoriais) frente à barbárie (linchamento). Jornalismo policial - Ainda, é uma área "marginal" nos veículos de comunicação; - os profissionais que cobrem essa área formam uma espécie de casta, vista com ressalvas; - presunção de que é uma área pouco nobre. Um exemplo: Alguns dados sobre crianças, adolescentes, jovens e violência Hiper-dimensionamento na mídia Pesquisas do Ilanud (Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para a Prevenção do Delito e Tratamento Delinqüente - organismo que pesquisa a deliqüência juvenil), mostraram que quase 60% das manchetes policiais eram sobre homicídios praticados por adolescentes, mas os adolescentes praticam (apenas) 17% dos homicídios. Fonte: Banco de Dados O Povo, Secretaria Especial de Direitos Humanos, Política de Atendimento a Adolescentes em Conflito com a Lei, www.planalto.gov.br/sedh e subsecretária dos direitos da criança e do adolescente da Secretaria Especial de Direitos Humanos, da Presidência da República, Carmen Oliveira. Outro exemplo: Escola e violência Distinções de Bernard Charlot – “A violência na escola: como os sociólogos franceses abordam a questão”. Violência na Escola: a Escola é o lugar da violência. Dentro do espaço escolar, mas sem estar ligado à natureza e atividade da escola: invasão por um bando. POLÍCIA Violência à Escola: ligada à natureza e às atividades da instituição: alunos que provocam incêndios; batem nos professores. Violência contra a instituição ou o que ela representa. COMUNIDADE ESCOLAR Violência da Escola: violência institucional simbólica (modos de composição das classes; atribuição de notas; discriminações etc). DIREÇÃO E PROFESSORES Como tratar a questão? Ou do dever de noticiar e do direito à informação. espelho fiel das contradições e conflitos - A mídia deveria ser o existentes na sociedade; - Ponto-chave: profissionais da mídia, operadores de segurança pública e pesquisadores do tema devem conhecer os limites e os interesses que envolvem o tratamento da temática da segurança pública. Nesse terreno não há espaço para improvisações e amadorismos. Possibilidades 1. Capacitação dos profissionais; 2. Fundamental que a divulgação e a apuração das informações acerca de estatísticas criminais sejam rigorosamente avaliadas: quem produz a notícia de levar em conta a sub-notificação de vários tipos de ocorrências; os interesses políticos que envolvem a divulgação das notícias; os vieses evidentes em análises feitas por operadores e especialistas. Possibilidades 3.Responsabilidade: Uma notícia irresponsável pode causar danos irreparáveis a uma comunidade. Por exemplo, o simples fato de se noticiar um aumento de crimes num determinado bairro baseando-se na percepção da população, O que essa notícia pode acarretar? a) diminuição no preço dos imóveis naquele local; b) deterioração da qualidade de vida da população em virtude do medo e do aumento da percepção da violência local; c) fragilização das relações sociais, entre outras questões. Por outro lado, sonegar, omitir ou maquiar informações sobre crimes pode significar efeitos tão perversos ou até piores do que os citados acima, incluindo riscos objetivos para a vida das pessoas. Concluindo Não obstante: o papel da imprensa na cobertura da segurança pública é de fundamental importância para o aprimoramento das políticas públicas nessa área. Apesar das eventuais limitações, observamos que a mídia tem se esmerado no tratamento da temática, o que muito contribui para a melhoria das relações entre os operadores da segurança pública, pesquisadores e os profissionais da comunicação. [A mídia] "quando se apropria, divulga, espetaculariza, sensacionaliza ou banaliza os atos de violência está atribuindo-lhes um sentido que, ao circularem socialmente, induzem práticas referidas à violência. Se a violência é linguagem – forma de comunicar algo -, a mídia ao reportar os atos de violência surge como ação amplificadora desta linguagem primeira, a da violência" (RONDELLI, E. Imagens da violência: práticas discursivas. Tempo Social, S.P, v. 10, n. 2. p. 145-157, out.1998)