Elementos Constituintes de um Modelo
de Distribuição de Processos de Alvará
Sanitário entre os Fiscais de Vigilância
em Saúde do Município de Florianópolis
Aluno: Tiago Ferreira Castro1
Orientadora: Alessandra de Linhares Jacobsen2
Tutora: Maria Luciana Biondo Silva3
Resumo
Abstract
Este artigo analisou o atual modelo de distribuição e atendimento dos processos de Alvará
Sanitário do município de Florianópolis, que
permite aos fiscais de vigilância sanitária ter liberdade de escolha dos estabelecimentos que
vistoriam. Foi demonstrado que isso promove
inversão das prioridades da Vigilância Sanitária,
em que se priorizam critérios pessoais e não o
risco sanitário. Foi utilizada como instrumento
de coleta de dados a Observação Participante.
Através de entrevistas com dois fiscais de vigilância, distinguiu-se quais motivos os fazem
determinar qual local vistoriar, além de suas percepções acerca da instituição em que estão lotados. Ao final deste artigo, foram apresentadas
sugestões capazes de auxiliar na solução deste
problema, como a criação de um mecanismo
que sorteie aleatoriamente, conforme critérios
predefinidos, os processos entre os fiscais.
This article analyzed the actual distribution
model of health charter processes from Florianópolis city, that allows health inspector
to choose what companies they supervise. It
has been shown that it promotes reversal of
priorities of the Health Surveillance, in which
prioritize personal criteria and not the health risk. It was used participant observation
as data research. Two health inspectors were
interviewed and were found what reasons
influence their choices, and their perceptions
from the institution. At the end of this article,
it was suggested new distribution model - as
random drawings - with pre-definition criteria, to improve the actual management of
health charter processes.
Palavras-chave: Modelo de Distribuição.
Processos de Alvará Sanitário. Fiscais de Vigilância. Vigilância em Saúde.
1
Key words: Distribution Model. Sanitary
Permit Process. Health Inspector. Health Surveillance.
Graduado em Economia pela Universidade de São Paulo (2005). E-mail: tiagocastro2003@
yahoo.com.br.
2
Doutora em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (2004).
E-mail: [email protected].
3
Graduada em Administração pela Universidade do Vale do Itajaí (2000). Especialista
(Lato Sensu) em Gestão de Pessoas nas Organizações pela Universidade Federal de Santa
Catarina (2011). E-mail: [email protected].
Tiago Ferreira Castro # Alessandra de Linhares Jacobsen # Maria Luciana Biondo Silva
1 Introdução
A Vigilância Sanitária, dentro dos princípios do Sistema Único de Saúde
(SUS), de participação popular, de universalidade e de integralidade, tem
como objetivo principal proteger e promover a saúde da população. Para
isso, é necessário que haja interação constante com a sociedade, através de
ações de rotina que possam acompanhar o desenvolvimento das condições
sanitárias nas diversas instâncias da população. No município de Florianópolis,
essas ações ocorrem principalmente através das vistorias para liberação de
Alvará Sanitário (AS), em qual o “[...] objetivo é o controle do risco inerente
a produtos e serviços de interesse sanitário com consequências diretamente
relacionadas com o estado de saúde da população [...]”. (EDUARDO, 1998,
p. 37)
Entretanto, a partir de observações realizadas pelo pesquisador no dia
a dia do trabalho, o modelo atual de distribuição dos processos de Alvarás
Sanitários, entre os fiscais neste município, permite que os documentos se
acumulem nos armários e, consequentemente, expirem suas validades antes
mesmo de serem emitidos. Assim, ao não conseguir cobrir toda a sua área
de abrangência, a Vigilância Sanitária consente que parte da população não
usufrua de seu trabalho.
Este artigo tem como objetivo discutir as condições atuais do modelo
de distribuição de processos de alvarás sanitários entre os fiscais e propor
mecanismos que auxiliem a superar suas deficiências. Através de entrevistas
com fiscais atuantes no município de Florianópolis, são apresentadas as suas
perspectivas sobre o tema em estudo.
2 Exposição do Tema: fundamentação teórica
A Vigilância Sanitária (VS) é o órgão do SUS responsável em monitorar as condições sanitárias de uma gama diversa de produtos e serviços, de
naturezas distintas, capazes de afetar a saúde da população.
A Constituição Federal de 1988 instituiu a saúde como direito social no
Brasil e, em seu art. 200, nos incisos I, II e VI, atribuiu ao Sistema Único de
Saúde, o SUS, a competência de (BRASIL, 1988):
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Elementos Constituintes de um Modelo de Distribuição de Processos de Alvará Sanitário entre os Fiscais de
Vigilância em Saúde do Município de Florianópolis
I – controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias
de interesse para a saúde e participar da produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e
outros insumos;
II – executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica,
bem como as de saúde do trabalhador;
[...]
VI – fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido o controle de seu teor nutricional, bem como bebidas e águas para
consumo humano. (BRASIL, 1988, art. 200)
A Lei Orgânica da Saúde, Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990,
que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da
saúde, regulamentou e estruturou o funcionamento do SUS, definindo em
seu artigo 6º, parágrafo 1º a VS (BRASIL, 1990), como:
[...] um conjunto de ações capaz de eliminar, diminuir ou prevenir riscos à saúde e de intervir nos problemas sanitários decorrentes do meio ambiente, da produção e circulação de bens
e da prestação de serviços de interesse da saúde abrangendo:
I – o controle de bens de consumo que, direta ou indiretamente, se relacionem com a saúde, compreendidas todas as etapas e processos, da produção ao consumo; e,
II – o controle da prestação de serviços que se relacionam direta
ou indiretamente com a saúde. (BRASIL, 1990, art. 6º)
Devido a seu aspecto normativo e fiscalizatório da qualidade dos insumos
e serviços prestados na sociedade, seja por entidades públicas ou privadas,
a Vigilância Sanitária (VS) tem fundamental importância para o bom funcionamento do SUS. A legislação subsidia o Estado a intervir diretamente nos
processos produtivos e serviços de interesse da saúde, de forma a trabalhar
para que se perpetuem condições sanitárias satisfatórias em todas as esferas
da sociedade.
A VS também se estabelece como importante fonte de comunicação
e promoção da saúde. Sua participação nos processos produtivos de bens e
serviços constantes no dia a dia das pessoas (por vezes necessidades básicas)
possibilita conhecer de perto os problemas e as reais condições da sociedade.
Esta interação permite a formação de um espaço de aprendizagem mútua entre
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Tiago Ferreira Castro # Alessandra de Linhares Jacobsen # Maria Luciana Biondo Silva
a população e o Estado, fundamental para o entendimento e gerenciamento
do risco sanitário.
Ainda incipiente, mas necessária, uma vigilância sanitária mais educativa
traria enormes benefícios à sociedade, pois em muitos casos a falta de conhecimento é o principal motivo das irregularidades e a aplicação de multas teria
menos efeitos positivos, em longo prazo, que uma atuação voltada à troca de
informações. Ações como essas auxiliam na diminuição de custos tanto do
setor privado como do público. Ainda há muito que avançar na discussão da
adoção de uma VS educativa em detrimento de uma VS punitiva, onde a força
de polícia sanitária ainda permite desnecessárias punições e por vezes abusos
por parte dos fiscais. As ações desenvolvidas pela Vigilância Sanitária são de
caráter educativo (preventivo), que se caracteriza em transmitir informações
à população que minimizem o surgimento de riscos à saúde, fiscalizador e,
em última instância, punitivo, que se caracteriza em usar o poder de polícia
(multando ou infracionando) contra possíveis riscos à saúde pública. No entanto, devido ao poder discricionário de cada fiscal, torna-se tênue o limiar
entre quando agir de forma educativa e quando agir de forma punitiva.
No município de Florianópolis, os estabelecimentos de interesse da
saúde devem possuir uma licença sanitária expedida por órgão competente,
atestando que as condições sanitárias destes estão adequadas às normas e
leis vigentes (artigos 59 e 84 da Lei Complementar de Florianópolis n. 239,
de 10 de agosto de 2006 (FLORIANÓPOLIS, 2006), e artigo 61 da Lei Estadual de Santa Catarina, n. 6.320, de 20 de dezembro de 1983. (SANTA
CATARINA, 1983)
Em Florianópolis, o exercício de fiscalização dos estabelecimentos comerciais ocorre, basicamente, através de dois tipos de demanda: fiscalização por
“busca ativa” e vistoria para liberação (licenciamento) de Alvará Sanitário. A
diferença básica destes dois tipos de demanda é a sua motivação. O primeiro
caso ocorre por motivação da Vigilância Sanitária, sem que haja solicitação
do regulado. Esse tipo de fiscalização ocorre esporadicamente através de
ações planejadas que visam verificar a regularidade dos estabelecimentos de
determinada região. O segundo caso se dá por motivação do regulado, que
solicita vistoria em seu estabelecimento para obtenção do Alvará Sanitário
(AS). No município de Florianópolis, raramente, ocorre vistoria por busca ativa,
sendo em sua maioria atendimento a solicitações de AS. Assim, evidencia-se
a importância desse documento, pois a verificação – se os estabelecimentos
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Vigilância em Saúde do Município de Florianópolis
atendem às normas e legislações sanitárias – ocorre, quase que somente, por
meio dessas solicitações.
2.1 Divisão da Vigilância Sanitária do Município de
Florianópolis
Seguindo a regionalização prevista na criação do SUS, a Vigilância
Sanitária foi dividida, em 2009, em cinco distritos regionais, quais sejam: o
distrito sanitário do norte, o distrito sanitário do sul, o distrito sanitário do
leste, o distrito sanitário do centro e o distrito sanitário do continente. Cada
um destes abrange determinada região e, consequentemente, um segmento
da população do município. Cada distrito possui um quadro fixo de fiscais.
Esses distritos atendem, basicamente, questões relacionadas à baixa e
média complexidade (com exceção do distrito do centro, que tem setor exclusivo para atendimento de estabelecimentos de alta complexidade, como
hospitais e clínicas médicas com procedimento invasivo). Além dessa divisão,
as ações de vigilância em saúde do trabalhador são realizadas por equipe
distinta fixada na Secretaria Municipal de Saúde.
2.2 Solicitação e Tramitação do Processo de Alvará Sanitário
Todo estabelecimento de interesse da saúde tem o dever, segundo os
artigos 59 e 84 da Lei Complementar Municipal n. 239/2006, de requerer sua
licença sanitária junto aos órgãos competentes.
Art. 59 Toda pessoa poderá construir, instalar ou pôr em funcionamento estabelecimento que produza, fabrique, transforme,
comercie, manipule, armazene ou coloque produtos à disposição
do público, desde que obtenha a autorização e registro junto ao
serviço público competente, cumprindo, para isto, normas regulamentares, entre outras, as referentes a projeto de construção,
saneamento, pessoal, tecnologia empregada, reutilização de
embalagens, instalações, materiais e instrumentos, conforme a
natureza e a importância das atividades, assim como dos meios
de que dispõe para proteger a saúde da comunidade e evitar a
poluição e/ou contaminação do ambiente. [...]
Art. 84 Toda pessoa para instalar, construir, reconstruir, adaptar,
reformar ou ampliar edificação destinada a estabelecimento de
interesse da saúde deverá requerer a análise, aprovação dos
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respectivos projetos e habite-se sanitário, bem como o alvará
sanitário junto à vigilância Sanitária. (FLORIANÓPOLIS, 2006,
art. 59 - 84)
Esse requerimento deve ser realizado junto ao órgão público “Pró-Cidadão” (Órgão da prefeitura de Florianópolis que reúne em um mesmo espaço,
todos os serviços prestados pela administração municipal ao cidadão), que
tem a responsabilidade de juntar a documentação necessária para a abertura
do processo de Alvará Sanitário e encaminhá-lo à Vigilância Sanitária.
Os processos, ao darem entrada na VS são separados seguindo dois
critérios: o grau de complexidade e seu endereço. Todos os processos de alta
complexidade são direcionados ao setor responsável e o restante (pequena
e média complexidade) se distribui segundo sua localização entre os distritos
sanitários.
2.3 Remuneração e Produtividade
A remuneração do fiscal de vigilância em saúde está relacionada a uma
produtividade individual. Essa produtividade está relacionada a aspectos,
como ao número de fiscalizações, de autuações e de aplicação de multas.
Assim, para que sua remuneração venha completa, o fiscal deve seguir uma
meta semanal de pontuação. Para cada tipo de atividade exercida, há uma
pontuação predeterminada. O atendimento aos processos de AS (objeto em
questão) pontua, conforme o tamanho do estabelecimento (pequeno, médio e
grande porte), não diferindo em sua complexidade, nem em seu risco sanitário.
2.4 Distribuição e Atendimento dos Processos de Alvará
Sanitário
Estando os processos tramitados aos seus respectivos distritos sanitários,
cabe aos fiscais retirá-los do arquivo e realizar as vistorias nos estabelecimentos solicitantes. O objetivo é verificar as condições sanitárias destes locais e
solicitar possíveis adequações.
No entanto, a distribuição dos processos entre os fiscais de determinado
distrito é feita, conforme demonstrado no capítulo de Análise e Resultados,
sem critérios bem definidos e eficientes (Não há critérios que definam quais
processos devam ser atendidos primeiramente e por qual fiscal). Caberia ao
fiscal escolher, segundo a ordem de chegada (data do início do processo no
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Vigilância em Saúde do Município de Florianópolis
Pró-Cidadão), quais processos retirar do arquivo e proceder sua fiscalização.
Mas, na prática, a seleção dos processos é realizada conforme critérios pessoais,
como a escolha de estabelecimentos próximos ao distrito; de processos que
pontuam mais em sua produtividade; de acordo com a distinção do grau de
dificuldade; ou para atendimento de interesses privados, como a escolha de
estabelecimentos cujos proprietários tenham consigo algum tipo de relação
pessoal. É comum que processos de estabelecimentos mais distantes do distrito, ou aqueles com maior grau de dificuldade fiquem acumulados por mais
tempo, chegando às vezes a vencer seu prazo sem que haja a fiscalização (o
Alvará Sanitário no município de Florianópolis tem validade de 12 meses. A
validade não começa a contar a partir do momento em que o fiscal libera o
Alvará Sanitário, e sim quando o requerente abre o processo no Pró-cidadão).
Assim, se a inspeção no estabelecimento ocorresse 12 meses após o início do
processo, este Alvará Sanitário seria liberado já vencido. Mesmo tendo pagado
todas as taxas, o requerente, nesta situação, receberia um alvará vencido e,
portanto, necessitaria dar entrada num novo processo, pagando novas taxas,
sem ter recebido o anterior em dia. Desse modo, torna-se evidente que o
modelo atual de distribuição de processos não condiz com a importância que
a VS exerce na promoção e prevenção da saúde da sociedade.
3 Metodologia
A metodologia utilizada neste estudo fundamenta-se no raciocínio dedutivo. Devido ao número restrito da amostra, a pesquisa caracteriza-se por
uma abordagem qualitativa de natureza aplicada. Ao considerar o contexto
organizacional, a pesquisa delineia-se em descritiva e intervencionista e, quanto
aos meios, trata-se de uma pesquisa participante, documental, bibliográfica
e um estudo de caso.
As fontes de evidência utilizadas foram: entrevistas com fiscais e constatação, no cotidiano do trabalho, das condições organizacionais (Observação
Participante). Para a realização das entrevistas, foram escolhidos dois fiscais
concursados dentre dez do Distrito Sanitário Leste, estes dentre 53 da Vigilância
em Saúde do município de Florianópolis. Por não ser uma amostra probabilística, a opção de escolha dos fiscais se deu exclusivamente pela facilidade
de seu acesso. As entrevistas foram não estruturadas, gravadas e transcritas
posteriormente. Foi apresentado o tema aos entrevistados e solicitado que
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eles intervissem conforme suas experiências sobre o tema central. A pesquisa
foi realizada entre os dias 21 e 23 de agosto de 2012.
4 Análise e Resultados
Após a regionalização da VS no município de Florianópolis em 2009, a
distribuição dos processos de alvará sanitário tomou uma nova dinâmica. Em
seus respectivos distritos, os fiscais ficaram sem supervisão direta da chefia, o
que trouxe um novo equilíbrio entre a chegada e a conclusão dos processos.
Tornou-se comum seu acúmulo nos armários sem que houvesse perspectiva
de sua realização. O critério básico que estabelece o atendimento por ordem
de entrada, ou seja, os processos mais antigos devem ser atendidos primeiramente, passou a ser desrespeitado sem que houvesse qualquer implicação
ao fiscal. Essa nova dinâmica comprometeu diretamente a qualidade dos
serviços prestados pela VS à população, pois este é o principal mecanismo
de averiguação das condições sanitárias dos estabelecimentos de interesse da
saúde do município. A distribuição dos processos dentro dos distritos passou
a seguir critérios pessoais, conforme a vontade de cada fiscal. Neste sentido,
um dos entrevistados respondeu que
[...] eu não estou pegando as “buchas” [processos difíceis], ninguém
está pegando mesmo [...] porque eu é que tenho que fazer (processos
difíceis)? [...] prefiro não arriscar [...]; se eu vejo que é de clínica de
fisioterapia [processo], eu separo pra fazer depois [...]. (fiscal 1)
Quando o Fiscal 1 comenta em não arriscar, está querendo dizer que
processos mais difíceis de serem atendidos geram mais chances de surgirem
dúvidas no momento da fiscalização e, consequentemente, dificultar ou até
mesmo comprometer a ação do fiscal. Um exemplo típico que ilustra bem
este problema é o caso de um processo que ficou armazenado no armário por
quase dois anos, de uma casa de repouso para idosos, um asilo. As condições
sanitárias deste tipo de estabelecimento seguem uma legislação específica, que
não é de costume ser usada no dia a dia da fiscalização, logo, uma vistoria neste
local exigiria maior esforço por parte do fiscal, obrigando-o a ler novamente
essas leis para só então se dirigir ao local. Já, uma clínica de fisioterapia trás
pouca dificuldade para fiscalização e, dessa forma, processos deste tipo são
escolhidos com mais frequência. Ora, mas qual o risco sanitário de uma clínica
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de fisioterapia quando comparado a um asilo? Neste último, os usuários são
mais vulneráveis a qualquer moléstia decorrente de más condições sanitárias,
como uma inadequada manipulação de alimentos, ou mau controle e administração dos remédios e deficiência em equipamentos. Enquanto, no primeiro
caso, tendo pouco risco sanitário, há pouco o que vistoriar. Assim, essa nova
dinâmica de distribuição de processos permitiu uma inversão de prioridade da
VS: estabelecimentos com menor risco são vistoriados com mais frequência
que aqueles com maior risco sanitário. Portanto, processos de estabelecimentos
que exigem maiores responsabilidades do fiscal, por possuírem maiores riscos
sanitários, tendem a se acumular no armário.
Outro critério de escolha, comum entre os fiscais, é a distância entre o
local de trabalho e o estabelecimento a ser vistoriado. Quanto mais próximo
o estabelecimento a ser vistoriado, de sua unidade de lotação, maior a frequência de atendimento e, logo, processos mais distantes do distrito tendem
a se acumular nos armários, como mostra, a seguir, o relato de um dos fiscais
entrevistados:
[...] a essa hora pra subir o morro da Lagoa vai ter fila com certeza, uns
trinta minutos vai fácil [...] bom mesmo é quando vem [processo] da
Lagoa [Lagoa da Conceição] [...]. Essa semana acho que vou ter que ir
até o João Paulo [bairro] pra fechar a pontuação [produtividade]. Bem
que podia vir mais processos por aqui [...]. (fiscal 1)
Aqui, o entrevistado refere-se aos processos de estabelecimentos localizados na Lagoa da Conceição, bairro onde está situado também o distrito
sanitário leste, local de sua lotação. Convém destacar que os processos próximos são atraentes por dois motivos: primeiro, e óbvio, devido à sua facilidade
de locomoção, alguns sendo possíveis de realizar mesmo a pé; e segundo,
é menos custoso para o fiscal (todo fiscal pertencente à ALFOVISA – Associação de Fiscais de Vigilância em Saúde e Fiscais de Vigilância Sanitária de
Florianópolis – que conquistou em juízo este direito, pode optar em dirigir
seu próprio veículo, recebendo para isso um auxílio monetário para os dispêndios com gasolina e manutenção do veículo) que optar usar seu próprio
veículo para a locomoção nas atividades do trabalho. Cabe ressaltar que a
remuneração dos fiscais é baseada num cálculo de produtividade, que segue
critérios definidos em números de inspeções, de autos lavrados, de multas
aplicadas, de denúncias atendidas e de processos deferidos, e que em nada
se relaciona com a quantidade de quilômetros rodados. Desse modo, não
alterará sua produtividade e, logo, sua remuneração, se os estabelecimentos
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vistoriados estiverem a dez metros ou a quinze quilômetros de distância do
distrito. Evidentemente, os processos mais distantes dos distritos tendem a se
acumular nos armários. Mais uma vez, o risco sanitário não é critério decisivo
para escolha do fiscal.
Assim, este modelo de distribuição leva os fiscais a escolherem os processos por motivos e vontades próprias, permitindo que interesses particulares
sobressaiam aos interesses públicos, o que fere o princípio da supremacia do
interesse público do direito administrativo. Neste caso,
O princípio da supremacia do interesse público sobre o privado
coloca os interesses da Administração Pública em sobreposição
aos interesses particulares que com os dela venham eventualmente
colidir. (ARAUJO; NUNES JUNIOR, 2001, p. 268)
Se cada fiscal pode escolher à revelia os estabelecimentos que irá vistoriar, nada impede que tenha preferência por aqueles em que o proprietário
seja seu parente ou amigo. As consequências de casos como esse podem ser
o relaxamento de multas, troca de favores e maior tolerância nas fiscalizações.
De outro modo,
Esse princípio impõe que o administrador, ao manejar as competências postas a seu encargo, atue com rigorosa obediência à
finalidade de cada qual. Isto é, cumpre-lhe cingir-se não apenas
à finalidade própria de todas as leis, que é o interesse público,
mas também à finalidade específica obrigada na lei a que esteja
dando execução. (MELLO, 1995, p. 65)
É inaceitável, do ponto de vista ético, que fiscais de vigilância sanitária
tenham total liberdade em escolher qual estabelecimento vistoriar e quando.
Outra consequência do atraso do atendimento dos processos é o descontentamento por parte daqueles que solicitam sua licença sanitária e não
a recebem por falta de fiscalização da VS, como dito por um entrevistado,
conforme se observa na sequência:
Ontem mesmo ligou várias vezes uma mulher reclamando que já faz um
tempão que foi no Pró-Cidadão e nada de aparecer a fiscalização [...].
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Fiquei sabendo que no centro [distrito sanitário] a chefia está mandando
CI para atender uns processos de gente que liga reclamando. (fiscal 2)
Para requerer o processo de Alvará Sanitário, o solicitante, além de
enfrentar filas, deve pagar uma série de taxas. Apenas como exemplo para
ilustração, um proprietário de restaurante para requerer a licença sanitária
(documento obrigatório para o exercício da atividade de restaurante) deve
pagar em média trezentos reais por ano, além das outras taxas requeridas pela
prefeitura. Caso não o faça, ou seja, não requeira sua licença sanitária, estará
sujeito à multa e interdição do estabelecimento. Ora, após enfrentar filas e
pagar taxas com o intuito de estar regularizado e evitar sanções, é natural que
este regulado se sinta desrespeitado com a ineficiência da VS. Cabe destacar
que a validade do AS não começa a fluir a partir de sua liberação pelo fiscal,
e sim da data de requerimento no Pró-Cidadão, portanto, caso a fiscalização
demore mais de 12 meses da entrada no processo – o que não é incomum – o
AS será emitido já vencido. Se um dentista solicitar seu AS no Pró-Cidadão
em 1º/02/12 e a vigilância somente vistoriar seu consultório em 1º/02/13, seu
alvará seria liberado com a validade expirada. Neste caso, o dentista teria a
obrigação de requerer uma nova licença, pagando todas as taxas novamente,
pois seu AS seria emitido vencido.
No final da fala anterior do fiscal 2, é possível observar indícios da ineficiência do atual modelo de atendimento dos processos de AS. Para tentar
sanar os problemas descritos, observa-se uma determinação da chefia, que
ordena o atendimento dos processos de requerentes que ligam para reclamar
sua demora, como revelado na fala seguinte:
Parece que no norte [distrito sanitário] está voltando os pacotinhos de
processos [...] vamos voltar pra correria [...]. Ele [diretor da VS] não
paga hora-extra e quer que a gente se mate [de trabalhar]. (fiscal 2)
Isso é uma tentativa do Diretor de VS de suprir as deficiências do atual
modelo; nesse caso, é enviado um montante de processos destinado a um
fiscal para atendimento imediato. O problema é que, normalmente, envia-se
uma quantidade maior que a capacidade diária de atendimento do fiscal, e
este para não descumprir uma determinação da chefia, acaba por fiscalizar
os estabelecimentos de forma acelerada. Uma fiscalização apressada pode
comprometer a qualidade do serviço oferecido pela VS, permitindo que se
concedam licenças sanitárias em desacordo com o que é previsto nas normas
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e leis vigentes sobre o tema. Também é possível verificar na fala do fiscal 2 seu
descontentamento com a gestão da VS. Desse modo, é coerente afirmar que
a ausência de critérios bem definidos de distribuição e controle dos processos
prejudica a execução dos objetivos preestabelecidos da VS e, por consequência,
os do SUS, de promover e proteger a saúde da população.
Uma alternativa ao modelo atual seria o processo chegar ao seu respectivo distrito já com a nomeação de um fiscal para atendê-lo. Poderia seguir
o exemplo do Tribunal Superior do Trabalho onde a distribuição é imediata,
obedecendo a ordem de chegada dos processos na Corte, sorteados de forma
aleatória, isso pode ser conferido em <http://www3.tst.jus.br/ASCS/glossario.
html>. Seria preciso criar um mecanismo de sorteio que respeitasse alguns
critérios, como lotação dos fiscais e seus graus de escolaridade. Segundo a Lei
n. 7.273, de 27 de fevereiro de 2007, do município de Florianópolis, Fiscal
de Vigilância em Saúde concursado em nível médio (grau de escolaridade)
somente pode exercer atividade de baixa e média complexidades e Fiscal de
Vigilância em Saúde concursado em nível superior pode atender baixa, média e alta complexidades (FLORIANÓPOLIS, 2007). Assim, se chegasse do
Pró-Cidadão, por exemplo, um processo de um consultório odontológico do
bairro Canasvieiras, haveria um sorteio entre os fiscais do distrito norte que
sejam concursados em nível superior para atendê-lo.
Após o sorteio e a destinação dos processos, podem-se desenvolver
critérios para a ordem de seus atendimentos, tais como:
a) Nenhum processo pode ficar com o fiscal sorteado sem ser atendido
por mais de um mês, caso contrário, ele deverá encaminhar à chefia
relatório explicando o motivo da demora.
b) Estabelecimentos com maior risco sanitário devem ter prioridade no
atendimento. Nesse caso, seria necessário elencar graus de prioridade
e determinar um prazo mínimo de fiscalização para cada categoria
(Figura 1), por exemplo:
• hospitais e clínicas com procedimento cirúrgico – grau 4;
• clínica odontológica, casa de repouso para idosos e salão de tatuagem – grau 3;
• salão de beleza, restaurante e supermercado – grau 2;
• consultório de psicologia e consultório de fisioterapia – grau 1.
Para cada grau de risco sanitário, determinar-se-ia um prazo máximo
ao fiscal para dirigir-se ao local e pedir adequações, caso necessário.
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Elementos Constituintes de um Modelo de Distribuição de Processos de Alvará Sanitário entre os Fiscais de
Vigilância em Saúde do Município de Florianópolis
Um ponto favorável deste modelo seria a responsabilização dos fiscais
perante os estabelecimentos a serem vistoriados. Cada fiscal estaria sempre
comprometido a um determinado número de processos, sem que interesses
pessoais interferissem neste modelo.
figura 1
35
30
25
20
15
10
5
0
grau 1
grau 2
grau 3
grau 4
Figura 1: Prazo para fiscalização (dias)/grau de prioridade (risco sanitário)
Fonte: Elaborada pelo autor deste artigo
Seria importante ter avaliações periódicas do andamento dos processos; caso houvesse acúmulo em determinado distrito, poderia haver uma
realocação de fiscais de outros locais para sanar este problema. Outro ponto
importante para o sucesso deste projeto seria a manutenção de um canal
aberto de troca de informações entre as partes envolvidas, principalmente
entre os coordenadores e os fiscais, de forma que possibilitasse um feedback
constante de ambas as partes.
Assim, poderiam ser criados outros mecanismos que tornassem a
fiscalização impessoal e garantissem a celeridade que se exige da VS. Independentemente do modelo a ser seguido, é imprescindível que este não fira
os princípios da administração pública, aqui em especial o da supremacia do
interesse público.
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5 Considerações Finais
Neste estudo, observou-se a importância da Vigilância Sanitária junto
à população e sua forma de atuação no município de Florianópolis. Foi demonstrado que o modelo atual de distribuição de processos de Alvará Sanitário
permite aos fiscais de vigilância sanitária ter total liberdade de escolha dos
estabelecimentos que querem vistoriar. Também, foi demonstrado que isso
promove uma inversão de prioridades da VS e, por consequência, do interesse
público, permitindo que a decisão de qual estabelecimento fiscalizar se dê por
critérios pessoais e não pelo seu risco sanitário. Foram apresentadas algumas
sugestões capazes de auxiliar na solução deste problema, como a criação de
um mecanismo que sorteie aleatoriamente, conforme critérios predefinidos,
os processos entre os fiscais. Independentemente do modelo de gestão a
seguir, é imprescindível que os princípios que regem a Administração Pública
estejam sempre presentes.
Referências
ARAUJO, L. A. D.; NUNES JUNIOR, V. S. Curso de direito constitucional.
4. ed. São Paulo: Saraiva, 2001.
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Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 6
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