Da passagem do interesse privado para o interesse público: o que fazer?
Pedro Paulo Freire Piani (do Núcleo CEBES-PARÁ)
Esse é um momento crucial para o movimento sanitário no Brasil em razão de uma
série de confluências históricas: configuração atual do sistema de saúde no Brasil público, mas com um grau elevado de gestão e oferta privada de serviços de saúde e
sem perspectiva em curto prazo de se encontrar um modelo efetivo e resolutivo; uma
diversidade de novas situações e demandas que foram sendo construidas
politicamente; e a aglutinação atual de forças ocupando os espaços da estrutura do
principal gestor da saúde, o MS. Os avanços nos marcos são inegáveis, porém a
situação de precarização de muitos serviços e áreas da saúde é persistente e
intencional, pois não interessa sua resolução. O que gerou essa situação híbrida e
conflitante que não conflui para produzir saúde tem seus antecedentes nos marcos
regulatórios, ou melhor, nas lacunas que estes marcos deixaram como legado,
problema já apontado no documento de Sônia Fleury. Como dar uma direção a essa
realidade híbrida, a não ser pela democracia e pelo controle social que por sua vez
passam por uma crise de representatividade e de tipo de representação.
Aqui vai nosso principal contraponto: fica difícil imaginar que uma empresa de saúde
ou que atue, entre outros ramos, na área da saúde, não trate a saúde como uma
mercadoria, ou que não transforme os procedimentos que estabelece como
necessários para recuperação do paciente sob uma forma tangível, mensurável e
monetarizada. Fica o desafio em como controlar a vocação capitalista da empresa de
saúde transformando-a em empresa de interesse público. Que esta seja uma realidade
possível, com certeza pode ser, porque a história é essa caixa de surpresa movida
pelos sujeitos históricos. Com ou sem democracia. Domar o leão da empresa,
ensinando-os, não sabe-se qual via, a colocar o interesse público sobre o interesse
privado será um desafio a ser enfrentado pelo movimento sanitário? Há outras formas
que favoreçam o interesse público e difuso na saúde para além do estatismo? Parece
que o movimento sanitário transita em convições legítimas do passado, porque já
experimentadas, e realidades novas com muitas formas de um lado e reivindicações
dos usuários/cidadãos de outro.
O trabalho nos serviços de saúde leva-nos à convição da lentidão e da falta de
resolutividade de muitos deles, apontando para a sociedade, de uma forma
orquestrada, o caminho já existente da gestão e dos serviços privados de saúde que
não deixam de ter a marca da seletividade que se contrapõe à universalidade da
atenção integral. São debates a serem realizados com prazos sempre bem
estabelecidos, pois a saúde não espera e muitos menos a doença.
A tarefa de interpretar para transformar está mais viva do que nunca, certamente com
perdas românticas de algumas convicções que constituiram nossas histórias de luta,
mas com convicções também atuais de que a saída é coletiva e que interesses privados
de grupos e coorporações não podem orientar decisões ministeriais para todo o
sistema público de saúde. Outra tarefa de grande importância é desvelar para a
sociedade como está sendo construído o SUS, muitas vezes somente visível por meio
dos olhos da grande mídia. É necessário retomar o debate amplo e franco, perdido
e/ou reduzido há muito nas burocracias estatais e partidárias. Qual o projeto de
comunicação do SUS? O CEBES manterá seu compromisso por uma saúde pública,
universal e de qualidade se colocar-se atento para interpretar as transformações no
cenário político-social, crítico para explicitar, de forma democrática, o que pensa e
propositivo para apontar e apoiar estratégias por mais saúde.
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