Terceirização na Administração Pública Sebastião Soares A chamada "terceirização" é um fenômeno mundial, de tendência irreversível, com profundo impacto nas relações do trabalho, que está a merecer estudos mais profundos e definidores. A escalada terceirizante é avassaladora e hoje estende-se por amplos setores da economia, atingindo especialmente os serviços de vigilância, telefonia, transporte, alimentação, administração de pessoal, manutenção, jurídicos, comunicação social, etc. Fala-se na redução espetacular dos custos empresariais, como também na redução dos empregos diretos, embora os empregos novos terceirizados não compensem integralmente a extinção dos antigos postos de trabalho. A terceirização é uma das consequências da nova fase das relações de produção e, enquanto processo, não se detém ante considerações de ordem moral ou jurídica. O capitalismo atual, com base em avançada e caríssima tecnologia, dispensa, em nível jamais visto, grandes contingentes de mão-de-obra, tornando prescindíveis vastos setores populacionais. Por outro lado, as mudanças no perfil do Estado moderno frente aos fenômenos de mundialização do mercado e globalização econômica, fomentaram os “ajustes estruturais” no setor público com a “modernidade administrativa”. Neste sentido, apontam-se mudanças significativas nas formas de efetivação do Estado, resumidas, esquematicamente, em três figuras: Estado de Direito, predominou durante grande parte do séculos XVIII e XIX, com fundamento no Direito Liberal. O Estado do Bem Estar Social e o Estado Socialista, do final do século XIX até final do século XX, com o pressuposto do Direito Social. Estado Democrático de Direito, que se afirma no final do século XX, com base no Direito Instrumental. No primeiro, o Estado de Direito, as relações de parceria entre público e privado limitaram-se à concessões. No Estado Social praticamente não há colaboração econômica. E, agora, no Estado Democrático de Direito, ocorre a reaproximação entre Estado e Sociedade. Isto se dá através da participação e da colaboração, política, econômica ou social, com destaque para as modalidades de parceria no campo econômico. Há, atualmente, a revalorização e intensificação das “parcerias” entre o público e o privado, com o pressuposto da modernização e, muitas vezes, no caso brasileiro, como conhecemos, ao arrepio de preceitos constitucionais, como o princípio da legalidade. Assim, além de uma crise estrutural do Estado Social de Direito, que se tornou caro e pouco eficiente, o processo de internacionalização da economia obrigou os estados nacionais a se adequarem às novas realidades do processo produtivo. Nesse marco, ocorre a aplicação de programas de reestruturação produtiva na administração pública; entre estes, a gradativa substituição de servidores públicos por trabalhadores contratados mediante a terceirização. A reestruturação da Administração Pública apontava, então, para a desregulação, concessão de serviços públicos, privatização de empresas estatais, precarização das condições de trabalho e desoneração do Estado de muitas das suas funções. É o que se verifica com a “terceirização”, que serve a instrumentos distintos como privatização de empresas controladas pelo poder público, concessões e permissões, contratação de obras e serviços, e, inclusive, a contratação de mão-deobra. Nesse contexto, a terceirização está presente no serviço público, na forma de convênios e contratações, o que ocorre em vários setores. Há, atualmente, fortes objeções ao Estado prestador de serviços em favor do Estado “parceiro”, com muitos equívocos. Busca-se a democratização da Administração Pública pela participação da sociedade civil e a colaboração entre público e privado. Defende-se a redução do tamanho do estado para dar espaço a ação privada. Há demanda por gestões públicas menos verticalizadas, menos hierarquizadas, menos autoritárias e mais participativas. Em muitos casos, essas práticas são enaltecidas de maneira apologética ao largo da legislação constitucional e infraconstitucional. Prefeitura, em Minas Gerais, substituiu seu quadro de pessoal por cooperativa de trabalho. Há um certo “pragmatismo de resultados” que acomete a administração pública, pelo qual em vez de contratação de serviços nos marcos legais, faz-se descarada e repugnante locação de trabalhadores, por motivos fraudulentos e ofensivos à lei e à moral. Muitos pensadores e mestres do direito público têm sido veementes a denunciar que, sob o pretexto da modernização, os administradores públicos optaram pelo desmonte dos serviços públicos. Neste sentido, há desmantelamentos de carreiras, precarização das condições de trabalho, aviltamento das remunerações, sob a alegação de que o estado “enxuto” é uma demanda da sociedade. Se a terceirização na iniciativa privada é uma imposição da economia de mercado, mesmo com elevadíssimos custos sociais, a terceirização no serviço público - onde ao menos em tese não deveria se orientar pela lógica cega das forças de mercado – ela é paradoxal. Quando o interesse público determina a manutenção dos níveis de emprego, o setor menos suscetível às pressões de mercado, o setor público, capitaneia o processo de terceirização. A princípio, o setor público, deveria rechaçar a possibilidade de terceirização, incompatível com a finalidade do Estado - promoção do bem comum. Ela significa porta aberta para todo tipo de fraude e corrupção, em verdadeira "privatização" do lucro e "socialização" dos prejuízos. A falta de concursos públicos, os pedidos de demissão, as aposentadorias, as demissões servem e servirão como argumento para perpetuação da terceirização e - o mais grave - a privatização de serviços públicos, como previdência social, a saúde, a educação, entre outros Podemos afirmar, a título de conclusão: A terceirização traz prejuízos não somente ao trabalhador mas também à sociedade e à empresa que a adota. Promove o sucateamento do valor do trabalho da pessoa terceirizada, além de diminuir a sua proteção jurídica perante o tomador do serviço. Na verdade, gera postos de trabalho em condições menos dignas. A terceirização implica técnica de descentralização gerencial da atividade, com o natural descolamento da atividade terceirizada da administração direta da empresa que a adota. De modo geral, pode-se afirmar que a terceirização acarreta maiores possibilidades da deterioração da qualidade do serviço prestado. Há prejuízos para o consumidor/usuário e para a organização que faz uso dessa modalidade gerencial. É de responsabilidade da instituição que terceiriza várias obrigações contratuais e sociais. As tomadoras dos serviços terceirizados são responsáveis solidariamente por débitos fiscais, como os previdenciários. Em muitos casos, é questionável o argumento de eficiência e redução de custos. Em tempos de crise, sempre se propugnam como soluções as mais diversas medidas de flexibilização, uma espécie de panacéia para todos os males, inclusive para o desemprego. Nesse contexto é que se situa a terceirização. No entanto, há que se desfazer de certos mitos que gravitam em torno dessas medidas. Primeiro, o custo do trabalhador brasileiro não é, como dizem alguns, um dos maiores do mundo. Os diversos direitos trabalhistas incidem sobre um dos menores salários médios mundiais. Não se deve, pois, comparar coisas distintas, sob pena de leviandade. A diminuição da proteção do trabalhador, por incentivo à terceirização, implica o aumento das desigualdades sociais existentes no país, antes de promover a sua inserção no mundo competitivo. Segundo, crescimento econômico não traz necessariamente desenvolvimento social. Não há que priorizar um em detrimento do outro, sob pena da utilização de soluções que provoquem o aumento da concentração de renda e que, de transitórias, se tornem definitivas. Um costume recorrente no Brasil quando se trata de deterioração dos direitos sociais. Entre as lições deixadas pela crise mundial do capitalismo, além da necessidade do Estado forte, até para socorrer empresas falidas, uma está saliente: os países com maior vulnerabilidade são os que mais desmantelaram sua rede de proteção social - como a Inglaterra e os Estados Unidos. Os exemplos de terceirização no setor público, apontam que em vez de promover economia para o governo, a terceirização de funcionários em ministérios, autarquias e nos demais órgãos públicos traz prejuízo para a União e os contribuintes. A escolha de empresas prestadoras de serviços por meio do sistema de pregão eletrônico resulta em sonegação e em ações judiciais contra o Estado. Na prática, a administração pública tem arcado com os direitos dos trabalhadores das empresas terceirizadas que vão à falência. Em 2000, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) alterou a Súmula 331 e entendeu que a responsabilidade pelo pessoal terceirizado é de quem toma os serviços. Com a decisão, os órgãos públicos passaram a assumir as dívidas dessas empresas com a previdência e o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Segunda a Advocacia-Geral da União (AGU), o entendimento do TST tem provocado uma enxurrada de ações contra o Poder Público. Calcula-se que atualmente existam 5 mil processos contra a União movidos por trabalhadores terceirizados. O assunto está nas mãos do Supremo Tribunal Federal (STF).