ação: teoria e
procedimentos
Autor: Humberto Dalla Bernardina de Pinho
Colaboração: Márcia Garcia
2ª edição
ROTEIRO De CURSO
2008.2
Sumário
Ação: Teoria e Procedimentos
INTRODUÇÃO.................................................................................................................................................................................04
AULA 01: DIREITO PROCESSUAL CIVIL: EVOLUÇÃO HISTÓRICA, CONCEITO, FONTES E NORMA PROCESSUAL...........................................10
AULA 02. AÇÃO: TEORIAS, CARACTERÍSTICAS, CONCEITO, CONDIÇÕES, ELEMENTOS E ESPÉCIES............................................................22
AULA 03. PROCESSO: CONCEITO, ESPÉCIES, TEORIAS. .......................................................................................................................30
AULA 04. PRESSUPOSTOS E QUESTÕES PROCESSUAIS .......................................................................................................................37
AULA 05. MOVIMENTO DE ACESSO À JUSTIÇA: AS ONDAS RENOVATÓRIAS E O DIREITO BRASILEIRO; OS SUBPRINCÍPIOS DO ACESSO; O PROCESSO JUSTO; A JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL................................................................................................................................44
AULA 06. AS REFORMAS NO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO; CICLOS DE REFORMAS; OS FILTROS AO ACESSO À JUSTIÇA; A EMENDA CONSTITUCIONAL 45/04; O PACTO POR UM JUDICIÁRIO MAIS RÁPIDO E REPUBLICANO; O PRINCÍPIO DA DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO (ART. 5º,
INCISO LXXVIII DA CONSTITUIÇÃO DE 1988).....................................................................................................................................51
AULA 07. PROCESSO DE CONHECIMENTO; PROCEDIMENTO COMUM (SUMÁRIO E ORDINÁRIO) E ESPECIAL (DE JURISDIÇÃO CONTENCIOSA E
VOLUNTÁRIA); PROCESSO INDIVIDUAL (LITISCONSÓRCIO E INTERVENÇÃO DE TERCEIROS) E PROCESSO COLETIVO; UMA VISÃO SISTEMÁTICA DOS PROCEDIMENTOS PREVISTOS NO CPC E NA LEGISLAÇÃO EXTRAVAGANTE................................................................................58
AULA 08. PETIÇÃO INICIAL: COMPETÊNCIA, REQUISITOS, DESPACHO LIMINAR, INÉPCIA E EMENDA DA PETIÇÃO INICIAL.......................70
AULA 09. DESPACHO LIMINAR DE CONTEÚDO POSITIVO E NEGATIVO. SENTENÇA LIMINAR (art. 285-A)................................................81
AULA 10. ASPECTOS ECONÔMICOS E ÉTICOS DO PROCESSO: CUSTAS, HONORÁRIOS, VALOR DA CAUSA, IMPUGNAÇÃO AO VALOR DA CAUSA E
PROCURAÇÃO................................................................................................................................................................................87
AULA 11. TUTELAS DE URGÊNCIA; TUTELA ANTECIPADA (ARTS. 273, 461 E 461-A); TUTELA CAUTELAR (ART. 796); TUTELA INIBITÓRIA...94
AULA 12. ATOS DE COMUNICAÇÃO PROCESSUAL; CITAÇÃO; ESPÉCIES DE CITAÇÃO; INTIMAÇÃO; CARTAS (PRECATÓRIA, ROGATÓRIA E DE
ORDEM)...................................................................................................................................................................................... 104
AULA 13. RESPOSTA DO RÉU; CONTESTAÇÃO; PRINCÍPIO DA EVENTUALIDADE; REVELIA; EXCEÇÕES; RECONVENÇÃO............................ 114
AULA 14. PROVIDÊNCIAS PRELIMINARES...................................................................................................................................... 126
AULA 15. JULGAMENTO CONFORME O ESTADO DO PROCESSO; AUDIÊNCIA PRELIMINAR (ART. 331); SANEAMENTO.............................. 132
AULA 16. PROVAS; TEORIA GERAL E ESPÉCIES; INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA; PRINCÍPIO DA CARGA DINÂMICA DA PROVA; PODER INSTRUTÓRIO DO JUIZ; A PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS. ........................................................................................................... 139
AULA 17. PROVAS EM ESPÉCIE; DEPOIMENTO PESSOAL; CONFISSÃO; EXIBIÇÃO DE DOCUMENTO OU COISA; PROVA DOCUMENTAL; PROVA
TESTEMUNHAL; PROVA PERICIAL; INSPEÇÃO JUDICIAL................................................................................................................... 149
AULA 18. AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO...................................................................................................................... 160
AULA 19. SENTENÇA; REQUISITOS; LIMITAÇÃO OBJETIVA E SUBJETIVA; ESPÉCIES............................................................................. 165
AULA 20. COISA JULGADA; PRECLUSÃO; COISA JULGADA FORMAL E MATERIAL; RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA............................ 174
AULA 21. O CUMPRIMENTO DA SENTENÇA E A LEI Nº. 11.232/05...................................................................................................... 184
AULA 22. A INFORMATIZAÇÃO DO PROCESSO E A LEI Nº. 11.419/06.................................................................................................. 193
AULA 23. A DESJUDICIALIZAÇÃO DE PROCESSOS SEM LIDE; A LEI Nº 11.441/07; SEPARAÇÃO, DIVÓRCIO, INVENTÁRIO E PARTILHA EXTRAJUDICIAIS....................................................................................................................................................................................... 201
AULA 24. OS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS ESTADUAIS E FEDERAIS.................................................................................................... 209
AULA 25. OS NOVOS RUMOS DO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO; O AFASTAMENTO DO SISTEMA HERMÉTICO DO CIVIL LAW E DO SUPERADO
PARADIGMA ITALIANO; A APROXIMAÇÃO COM O SISTEMA COMMON LAW; A DOUTRINA DO PRECEDENTE E AS SÚMULAS VINCULANTE
(LEI Nº. 11.417/06) E IMPEDITIVA DE RECURSO (LEI Nº. 11.276/06)................................................................................................. 216
ação: teoria e procedimentos
INTRODUÇÃO
1. VISÃO GERAL DA DISCIPLINA
O Direito Processual Civil é um ramo da Ciência Jurídica e uma das áreas do Direto Público que estabelece as normas que disciplinam o exercício do Poder Estatal
na prestação da jurisdição, que pode ser conflituosa ou não. Esse conjunto de normas visa estabelecer a efetividade da tutela jurisdicional, discriminando as atuações
das partes e do Estado-Juiz, desde a concepção da ação, e definindo vários elementos que deverão reger a prestação jurisdicional, visto que o exercício da jurisdição
deve obedecer a regras que viabilizem a concretização das garantias dos indivíduos
prescritas na Constituição.
O Código de Processo Civil é hábil a reger questões de Direito Privado (civil e empresarial), Público (tributário, internacional, militar etc.), além do Direito
Previdenciário e Trabalhista, garantindo elementos formadores do devido processo
legal.
Destaque-se que o estabelecimento de normas disciplinadoras do processamento
das ações decorre de tempos alhures. Desde o período colonial no Brasil, quando
da divisão geográfica em Municípios concebeu-se como divisão administrativa, já
havia o exercício da jurisdição na solução de conflitos.
Naquela oportunidade, regiam o nosso sistema as leis processuais dos colonizadores. Eram as Ordenações Filipinas, cujo processo civil era descrito no Livro V e
que vigeram no Brasil até o advento do Código Civil em 1916, já que este código
também cuidava de algumas questões processuais. Em 1939 foi finalmente editado
o Código Brasileiro de Processo Civil, seguido do ainda vigente Código de Ritos,
introduzido à sistemática nacional em 1973 por meio da Lei nº 5.869.
Apesar de o nosso Código em vigor ser o mesmo de 1973, muitas modificações
foram inseridas ao texto normativo, em especial nos últimos anos, dando início ao
chamado ciclo de reformas, que serão minuciosamente estudadas.
Antes, porém, muitas questões serão observadas na cadeira de Direito Processual Civil, tais como a evolução histórica, a conceituação, as fontes do direito, a
compreensão da jurisdição, a norma processual, a interpretação da mesma e toda a
estrutura da teoria geral do processo civil, sua importância e localização no mundo
jurídico.
Será necessária a compreensão da eficácia das normas em razão do tempo e do
espaço, bem como sua interpretação em razão do Direito Interno e Internacional,
além das observâncias às regras de garantias individuais, a analogia, os costumes e
regras gerais do direito na aplicação da norma.
Passada esta fase inaugural, deveremos compreender como o Estado é provocado a prestar jurisdição, que é por meio da ação, um direito constitucionalmente
garantido, mas que deve obedecer a critérios estabelecidos para que a ação seja
constituída de forma regular e válida. Para tanto haverá um estudo conceitual da
teoria da ação.
FGV DIREITO RIO
4
ação: teoria e procedimentos
A doutrina estabelece critérios genéricos e específicos da ação, bem como esta é
formada por partes legitimadas individuais ou coletivas, que se apresentem tão-logo
proposta a ação, ou mesmo em momento posterior, e ainda há elementos econômicos relativos a ação que são de suma importância na fixação (por exemplo, do Juiz
competente para apreciar a causa).
É, portanto, inegável a importância da compreensão da teoria da ação seguida
do estudo do processo, sua conceituação, teoria e natureza jurídica. O processo é
dividido em três categorias: o de conhecimento (ou cognitivo), o cautelar e o de
execução. Dentro do ciclo de reformas do CPC destacado logo no início desta
apresentação geral, o processo de execução sofreu importantíssima modificação em
razão da Lei nº 11.232/05, que será tema de estudo mais adiante, quando do exame
do tema cumprimento de sentença.
Como dito, alguns elementos são inerentes ao exercício do direito de ação. Estes
são os pressupostos processuais, tais como a capacidade da parte de estar em juízo
e de ser parte naquele determinado processo. Durante o estudo desse tema serão
conhecidos os institutos da litispendência e da coisa julgada, além da convenção
de arbitragem, que torna absoluta a competência para a apreciação do conflito nos
termos da Lei de arbitragem (Lei nº 9.307/96).
Outro tema de suma importância que será abordado nos nossos encontros será
o acesso à Justiça, que é um direito garantido constitucionalmente. Veremos que,
conjugado a esse direito, o processo deve ser justo. Nesta linha seguem regras internacionais, como na Convenção Européia de Direitos do Homem, e manifestações
de doutrinadores, que serão estudadas para a perfeita compreensão de tema tão
vasto e abstrato.
A doutrina leciona diversos entendimentos, muitas vezes até contrastantes, acerca de fórmulas capazes de solucionar os impasses que comprometem o acesso à
Justiça ou mesmo o alcance ao dito processo justo. Nesse mesmo passo, ocorrem
diversas reformas legislativas que buscam atenuar a morosidade da Justiça, tida por
alguns como a grande vilã da adequada prestação jurisdicional.
Passadas estas ponderações, vocês poderão conhecer a materialização do direito
de ação, que ocorre por meio da petição inicial ou exordial. Também serão conhecidos os tipos procedimentais, as relações de jurisdição contenciosa e voluntária, os
tipos processuais em razão do valor da causa, em razão das partes que podem ser
individuais ou coletivas, compreendendo as diferenças entre uma ação individual
com pluralidade de parte e uma ação coletiva.
A petição inicial é um instrumento formal que deve respeitar regras na sua elaboração
sob pena de ser rejeitada. Essas considerações inerentes à regularidade do instrumento
petitório, cuja falta, dependendo da hipótese, poderá ser sanada ou ser insanável.
Tão-logo proposta a ação, o juiz observará a petição inicial quanto a esses requisitos e se manifestará por meio do chamado despacho liminar, que poderá determinar
a citação do réu, mandar o autor emendar a inicial, sanando algum vício ou mesmo
rejeitar liminarmente a petição. Aspectos econômicos como o valor da causa são
imprescindíveis à fixação da competência, à fixação dos honorários sucumbenciais
etc., podendo ser impugnados.
FGV DIREITO RIO
5
ação: teoria e procedimentos
Esses requisitos estão relacionados às condições da ação, aos pressupostos processuais, à competência do Juiz para apreciar a demanda etc. Portanto, a primeira
manifestação judicial pode ser o despacho positivo ou negativo. Nesse estudo, mais
uma vez será destacada a questão do ciclo de reformas processuais, visto que neste
momento o Estado-Juiz poderá prolatar a chamada sentença liminar, autorizada
pelo novel artigo 285-A do CPC.
Antes que o réu seja chamado a se manifestar no processo, o juiz poderá apreciar
outras questões decorrentes das chamadas tutelas de urgência. Muitas vezes, a demora natural da prestação jurisdicional poderá comprometer que seja assegurado o
objeto em questão, autorizando, de acordo com a avaliação do caso concreto, que
o julgador conceda os efeitos da tutela jurisdicional antecipadamente, antes mesmo
de ouvir as alegações do réu.
Passada esta fase processual, inicia-se a comunicação do réu, que pode ser realizada por meio de cartas precatórias, rogatórias ou de ordem, como serão estudados.
A citação é um momento muito importante no processo, eis que qualquer vício na
realização da mesma acarretará a nulidade dos atos praticados. A citação pode ser
postal ou por meio de Oficial de Justiça, conforme o caso, como é disciplinado no
CPC. Na mesma aula, estudaremos a intimação, que é um ato corrente durante o
trâmite processual e também poderá ser feita por via postal ou por OJA, buscando
dar ciência dos atos do processo, os termos do mesmo etc.
O réu chamado se manifestar no processo poderá apresentar várias modalidades
de respostas, apresentando questões que modifiquem a relação processual por meio
da inclusão de outras pessoas, por meio de alegações que modifiquem, impeçam ou
extingam o direito alegado pelo autor, por meio de requerimento de modificação
do juízo pelo qual tramitará o processo ou mesmo permanecer inerte, o que gerará
a revelia e os efeitos que dela decorrerão.
Após a manifestação do réu o juiz deverá tomar as providências preliminares,
como a especificação das provas, avaliará as questões apresentadas pelo réu, determinando que sejam sanadas as irregularidades apontadas pelo réu, quando for possível,
podendo julgar a ação conforme o estado do processo.
Veremos que este julgamento poderá ser no sentido de desde logo extinguir o
processo ou de julgar a lide antecipadamente nas hipóteses em que ocorrer a revelia,
ou o objeto da demanda não necessitar de produção de prova em audiência ou for
unicamente de direito. Não ocorrendo qualquer dessas hipóteses, veremos que será
designada a audiência preliminar e passaremos ao estudo desta.
Outra importante abordagem será o tema “provas”. Nesta aula estudaremos a
teoria geral e as espécies de provas. Será de suma importância a compreensão da
inversão do ônus da prova, que é uma exceção à regra geral do Código de Processo
Civil. Compreenderemos os princípios da carga dinâmica da prova e o poder instrutório do juiz.
Existem várias espécies de prova, o depoimento pessoal, a confissão, a exibição
de documentos ou de coisa, as provas documental, testemunhal, pericial e a inspeção judicial. Veremos que as leis extravagantes viabilizam algumas particularidades
na realização da prova. Conheceremos ainda a possibilidade de produção de prova
FGV DIREITO RIO
6
ação: teoria e procedimentos
em momento anterior, que será assegurado por meio de medida cautelar de produção antecipada de provas.
Uma nova etapa processual se inicia por meio da Audiência de Instrução e Julgamento, a AIJ. Conheceremos os elementos que constituem a mesma, que é regida
por princípios e engloba diversos atos processuais de forma quase simultânea. Nela
ocorrerão depoimentos de peritos, das testemunhas, produção de prova oral, debates, podendo até mesmo haver a sentença.
Estudados todos estes temas inerentes à formação do processo para que o juiz
possa dar sua decisão com base nos elementos que constituem os autos, chegaremos
ao ato que põe termo ao processo, a sentença que gera diversos efeitos no mundo
jurídico. A sentença é composta de elementos obrigatórios, como o relatório, a
fundamentação, a parte dispositiva e a assinatura. Conheceremos a razão da necessidade de cada um desses elementos e as conseqüências do não-atendimento a esses
elementos inerentes à validade da sentença.
Um dos efeitos jurídicos da sentença é gerar a coisa julgada, oportunidade em que
estudaremos a preclusão e a distinção entre esta e aquela. A coisa julgada ocorrerá,
como veremos, quando não couber mais recurso da decisão judicial, e pode ser material
ou formal e ter limites objetivos e subjetivos. O ponto que merecerá muita atenção diz
respeito à relativização da coisa julgada e deverá ser estudado com muito empenho.
Voltando ao ciclo de reformas, antes do advento da Lei nº 11.232/05, uma vez
prolatada a sentença e ocorrido o trânsito em julgado, o credor teria que iniciar o
processo de execução para ver cumprida a determinação da sentença judicial. Com
a inovação legislativa, foi abolido o processo de execução para fazer cumprir as decisões judiciais, que agora se opera por meio de simples petição e dá início à fase de
cumprimento de sentença.
Outra importante inovação decorre da Lei nº 11.419/06, que inseriu no nosso
cotidiano forense a possibilidade de autos processuais virtuais, sentenças, decisões,
assinaturas digitais, recursos, intimações e até citações por meio do e-process, visto
que regulamenta as formas de processamento digital, o que já vinha ocorrendo na
prática, por exemplo, em alguns juizados estaduais e federais.
Outra legislação recente que alterou substancialmente os procedimentos das
ações sem lide, a Lei nº 11.441/07 disciplina a chamada desjudicialização de ações
como separações, divórcios, inventários e partilhas extrajudiciais. São mecanismos
que buscam desafogar a sobrecarregada Justiça, viabilizando a celeridade dos feitos
em que não haja conflito, mas somente o necessário reconhecimento oficial que
torne de direito as questões muitas vezes já existentes de fato.
Outra questão que será tratada é sobre os juizados especiais estaduais e federais.
São os chamados microssistemas, que têm funcionamento muito peculiar, pelo procedimento especial sumaríssimo, e muitas questões regidas por enunciados e súmulas para adequar o ideal do legislador à prática dos doze anos, desde a entrada em
vigor da Lei nº 9.099/95 e, posteriormente, da Lei nº 10.259/01. Muitas importante questões serão tratadas para entender os funcionamento dos JECs idealizados
na Constituição de 1988 e regidos por princípios específicos dos juizados especiais
de cunhos normativo e doutrinário.
FGV DIREITO RIO
7
ação: teoria e procedimentos
Por fim, chegaremos à última aula, em que faremos uma reflexão acerca dos
novos rumos do processo civil brasileiro e da aproximação do nosso sistema ao common law, em decorrência do afastamento do sistema italiano e da civil law. Será a
oportunidade para pôr em debate a questão das súmulas vinculantes e impeditivas
de recurso, regidas pelas Leis nº 11.417/06 e nº 11.276/06, respectivamente.
2. OBJETIVOS GERAIS DA DISCIPLINA
Com o estudo dos temas supracitados, os alunos serão capazes de compreender
a evolução histórica do processo civil, os princípios, as garantias, o direito de ação,
o processo, a materialização do direito de ação, os requisitos da petição inicial,
compreender os elementos da relação processual, enfim, uma abordagem histórica,
conceitual e prática do processo de conhecimento e das formas de provocação do
Estado a prestar jurisdição.
Ao fim desta disciplina, o aluno estará apto a elaborar a peça inaugural adequada
a cada procedimento com pleno conhecimento da competência para apreciar aquela demanda em razão do valor ou da matéria. Igualmente terá conhecimento das
medidas emergenciais que podem ser avocadas a fim de garantir a antecipação dos
efeitos da tutela.
Conhecerá ainda o papel do juiz e do réu numa demanda, o limite de atuação daquele enquanto eqüidistante e desse enquanto demandado, que poderá trazer elementos que modifiquem parcial ou integralmente o curso da demanda. Terá conhecimento
do julgamento de forma liminar, em sede de AIJ, ou após o esgotamento de todos os
atos inerentes ao procedimento seja comum ou especial. Conhecerá ainda a importância da instrução probatória na construção do processo e no convencimento do juiz.
Por fim, o aluno terá conhecimento de todas as reformas implementadas na sistemática nacional inerentes ao conteúdo deste programa, tais como a sentença liminar,
o processo virtual, os processos desjudicializados, o cumprimento de sentença, as súmulas vinculantes e impeditiva de recurso, tudo em prol de conferir ao aluno o conhecimento do processo cognitivo consoante o ciclo de reformas processuais, juntamente
com a perfeita percepção dos mecanismos de acesso a justiça e de processo justo.
3. METODOLOGIA
A metodologia do nosso estudo será a participativa, conforme a seguir:
Introdução: Case no intróito de cada aula correspondente à temática proposta
de estudo daquele encontro para instigar os debates com base na argumentativa
comum oriunda das experiências;
Desenvolvimento: No momento seguinte à problematização e aos debates será
dado início à exposição teórico-conceitual dos tópicos propostos visando à evolução
da argumentativa anterior para aquele pautada na fundamentação jurídica;
FGV DIREITO RIO
8
ação: teoria e procedimentos
Fechamento: As aulas serão finalizadas com os comentários acerca do material de
apoio ao final de cada aula, tais como as decisões dos Tribunais, posições doutrinárias, autos processuais e questões de concurso sobre o tema.
4. FORMA DE AVALIAÇÃO
As avaliações serão feitas por meio de provas escritas com questões discursivas e
objetivas a critério do professor, destacando que haverá o empenho em buscar questões de concursos públicos que abordem a temática do conteúdo do programa.
Serão duas avaliações, e uma terceira para aqueles alunos que não tenham obtido
a média para aprovação. O conteúdo das provas será cumulativo e, assim, abordará
qualquer matéria lecionada até a data da prova, mesmo que já tenha sido tema de
discussão em prova anterior.
FGV DIREITO RIO
9
ação: teoria e procedimentos
AULA 01: DIREITO PROCESSUAL CIVIL: EVOLUÇÃO HISTÓRICA, CONCEITO,
FONTES E NORMA PROCESSUAL.
CASO
O legislador, quando da elaboração da norma, pode deixar de prever determinadas situações que no caso concreto terão que ser dirimidas pelo aplicador da lei.
Para isto, o Código Civil prevê na Lei de Introdução (art. 4º da LICC), que em
casos de omissão na norma o juiz deverá decidir conforme os costumes, a analogia
e os princípios gerais do direito.
Com base nesta afirmativa, reflita sobre a seguinte hipótese:
Maria propõe ação buscando a exclusão de seu ex-cônjuge da partilha de divórcio, em razão do fato de o mesmo ter matado o pai da autora e esta não querer que
o ex-cônjuge desfrute de forma indireta da herança que recebeu. Maria fundamenta
seu pedido no argumento de que, por ter sido o ex-cônjuge o autor do homicídio
de seu pai e por ser parente do de cujus por afinidade, estaria excluído do direito
sucessório.
“Normas não são textos nem o conjunto deles, mas os sentidos construídos a
partir da interpretação sistemática de textos normativos. Daí se afirmar que os dispositivos se constituem no objeto da interpretação; e as normas, no seu resultado”.
ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios, 2ª ed. Malheiros: São Paulo, 2003, p.
22.
“Afirmar, porém, que o Estado, no franco exercício da função jurisdicional, sempre aplica o direito ao caso em controvérsia, solucionando o litígio, é temeridade,
pois nem sempre o direito é aplicado conforme deveria ser. A sentença injusta existe
e é uma realidade processual. Em conseqüência, não se pode incluir no conceito de
‘jurisdição’ a aplicação do direito, embora seja esta uma de suas finalidades. Finalidade, porém, que, nem sempre alcançada, não deve figurar nos exatos termos de um
conceito. Para que se alcance, portanto, satisfatória definição de jurisdição, deve-se
levar em conta apenas seu fim imediato, qual seja, a composição dos litígios, a solução dos casos controvertidos. Litígios, pelo menos, em eventualidade”.
SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de Direito Processual Civil, 9ª ed. São
Paulo: Saraiva, 2003, p. 7.
FGV DIREITO RIO 10
ação: teoria e procedimentos
Legislação – Código Civil
“Art. 1.595. Cada cônjuge ou companheiro é aliado aos parentes do outro pelo
vínculo da afinidade”.
“Art. 1.814. São excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários: I – que houverem sido autores, co-autores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste,
contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou
descendente”.
Questão
Diante do caso e dos textos supracitados, reflita sobre a pertinência da interpretação da norma nos termos avocados por Maria.
NOTA AO ALUNO
1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA
Fixamos nossa volta ao passado no período que se inicia com o descobrimento
do Brasil. Nesse período, ganhava grande relevo a figura do Município, concebido
como núcleo administrativo implantado em território brasileiro. Nele, o exercício da
jurisdição era desempenhado através dos juízes ordinários ou da terra, cuja nomeação
se dava por escolha de “homens bons”, numa eleição desvinculada dos interesses da
Coroa, que, buscando sua representação, nomeava os chamados “juízes de fora”.
Quando da criação das Capitanias Hereditárias, impunha-se aos donatários a
incumbência de reger as questões judiciais provenientes de suas terras, poder este
limitado tanto pelas leis advindas do Reino como pelas, então denominadas, Cartas
Forais. A autoridade jurisdicional máxima fazia-se presente na figura do OuvidorGeral.
Durante o período colonial, o Brasil era regido pelas leis processuais portuguesas,
como não poderia deixar de ser, visto que Brasil e Portugal formavam um Estado
único. Vigoravam, nesta época, as Ordenações Filipinas, que dispunham de forma
quase completa, sobre a administração pública. O processo civil foi regulado em seu
livro III, composto por 128 capítulos, abrangendo os procedimentos de cognição,
execução, bem como os recursos.
As Ordenações Filipinas, que permaneceram em vigor mesmo após a independência brasileira, foram de grande importância para o direito brasileiro e com uma
estrutura bastante moderna, eram compostas por cinco livros, dentre os quais o
terceiro tratava da parte processual civil.
Apesar da vigência das Ordenações Filipinas, o Brasil também era regido, nesta
época, pelas Cartas dos donatários, dos governadores e ouvidores e, ainda, pelo
poder dos senhores de engenho, que faziam sua própria justiça ou influenciavam a
FGV DIREITO RIO 11
ação: teoria e procedimentos
justiça oficial, ora pelo prestígio que ostentavam, ora pelo parentesco com os magistrados.
Com a proclamação da independência em 07 de setembro de 1822, tornou-se
necessária uma reestruturação da ordem jurídica interna, o que foi alcançado através da Carta Constitucional de 1824, com a introdução em nosso ordenamento de
inovações e princípios fundamentais, principalmente no campo criminal, em que a
necessidade de mudanças se fazia mais evidente, tais como a abolição da tortura e
de todas as penas cruéis.
Por outro lado, verificou-se a consagração da divisão dos poderes e o estabelecimento da harmonia destes com o Poder Moderador, buscando garantir os direitos ditados
pela Carta Magna, assim como a composição e independência do Poder Judiciário. Estipulou-se ainda a necessidade e a obrigatoriedade de um juízo conciliatório prévio1.
Todavia, apesar da nova ordem constitucional que surgiu nesse momento, as Ordenações Filipinas e demais normas jurídicas de origem portuguesa não perderam
vigência, pois o Decreto de 20 de outubro de 1823, adotando-as como lei brasileira,
determinou que só seriam revogadas as disposições contrárias à soberania nacional
e ao regime brasileiro.
Assim, atendendo às exigências da Carta Constitucional, no campo processual
penal, tivemos a promulgação do Código de Processo Criminal em 1832, que,
rompendo com a tradição portuguesa, inspirou-se nos modelos inglês (acusatório)
e francês (inquisitório), fornecendo ao legislador brasileiro elementos para a elaboração de um sistema processual penal misto.
Além disso, o novo Código também trazia, em um título único composto por
vinte e sete artigos, a “disposição provisória acerca da administração da justiça civil”,
simplificando o processo civil ainda regulado pelas Ordenações Filipinas.
Em 1850, logo após a edição do Código Comercial, entraram em vigor os Regulamentos nº 737 (considerado o primeiro diploma processual brasileiro) e 738, que
disciplinavam, respectivamente, o processo das causas comerciais e o funcionamento dos tribunais e juízes do comércio.
O direito processual civil, contudo, permaneceu regulado pelas disposições das
Ordenações e suas posteriores modificações, levando o governo a promover, em
1876, uma Consolidação das Leis do Processo Civil, com força de lei, que ficou
conhecida como Consolidação Ribas, em virtude de sua elaboração a cargo do Conselheiro Antônio Joaquim Ribas.
Proclamada a República, o Regulamento 737 foi estendido às causas cíveis, mantendo-se a aplicação das Ordenações e suas modificações aos casos de jurisdição
voluntária e de processos especiais.
Após o advento da Constituição de 1891, no entanto, conferiu-se aos Estados a
possibilidade de legislar sobre matéria processual, aumentando o espectro de competência antes pertencente somente à União Federal, após o que várias leis foram
promulgadas, regulamentando as mais diversas questões processuais.
Em 1º de janeiro de 1916, foi editado o Código Civil Brasileiro, tratando
não só das questões de direito material, mas também de algumas processuais. No
Rio de Janeiro, então Distrito Federal, veio à luz o Código Judiciário de 1919,
BARBOSA MOREIRA, José
Carlos. Breve noticia sobre la
conciliación en el proceso civil
brasileño. In: Temas de direito
processual: quinta série. São
Paulo: Saraiva, 1994, p. 95. Interessante transcrevermos aqui os
Arts. 161 e 162 da Constituição
do Império, que estabeleciam,
respectivamente, a tentativa
prévia de conciliação como
pressuposto de constituição válida do processo e a atribuição
de competência ao juiz de paz
para tentar promovê-la. “Art.
161. Sem se fazer constar, que se
tem intentado o meio da reconciliação, não se começará Processo
algum. Art. 162. Para este fim
haverá juizes de Paz, os quaes
serão electivos pelo mesmo tempo, e maneira, por que se elegem
os Vereadores das Camaras. Suas
attribuições, e Districtos serão
regulados por Lei”.
1
FGV DIREITO RIO 12
ação: teoria e procedimentos
promulgado pela Lei nº 1.580 de 20 de janeiro, seguido pelo Código de Processo
Civil do Distrito Federal, de 31 de dezembro de 1924, e devidamente promulgado pelo Decreto nº 16.751.
Finalmente, a Carta de 1934 consagrou a unificação processual, atribuindo novamente a competência para legislar em matéria processual exclusivamente à União,
o que foi mantido pela Constituição de 1937, em seu artigo 16, inciso XVI, possibilitando assim a edição do Código Brasileiro de Processo Civil, através do Decreto
nº 1.608, de 18 de setembro de 1939.
A unificação processual se justificava pela necessidade de uma normatização uniforme ante o grande número de leis existentes em cada Estado e que, há muito, se
faziam obsoletas e incapazes de satisfazer o objetivo primordial do processo civil,
qual seja, o de tutelar efetivamente os direitos dos particulares.
Não obstante, o artigo 1º do Código deixou à apreciação de lei especial a regulamentação de algumas matérias específicas, tais como as desapropriações, as ações
trabalhistas e os litígios entre empregados e empregadores.
O Código de 1939 teve o mérito de se inspirar nas mais modernas doutrinas
européias da época, introduzindo importantes inovações em nosso ordenamento
processual, como o princípio da oralidade e a combinação do princípio dispositivo e do princípio do juiz ativo, permitindo uma maior agilidade nos procedimentos.
Chegamos, assim, ao atual Código de Processo Civil, introduzido em nosso ordenamento jurídico pela Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, e baseado no
anteprojeto de autoria de Alfredo Buzaid.
O CPC de 1973 permanece em vigor até hoje. Contudo, sofreu inúmeras alterações, sobretudo a partir do início da década de noventa do século XX. Teve início aí
a chamada Reforma Processual, processo fragmentado em dezenas de pequenas Leis
que se destinam a fazer mudanças pontuais e ajustes “cirúrgicos”.
2. CONCEITO
Tradicionalmente, e para fins meramente didáticos, a doutrina classifica o Direito, tal como o concebemos, em dois grandes ramos: público e privado.
Enquanto no ramo privado subsistiria uma relação de coordenação entre os sujeitos integrantes da relação jurídica, como no direito civil, no direito comercial e
no direito do trabalho, no público prevaleceria a supremacia estatal face aos demais
sujeitos.
Nessa linha de raciocínio, o direito processual, assim como o constitucional, o
administrativo, o penal e o tributário, constituiriam ramos do direito público, visto
que suas normas, ditadas pelo Estado, são de ordem pública e de observação cogente pelos particulares, marcando uma relação de poder e sujeição dos interesses dos
litigantes ao interesse público.
Todavia, essa dicotomia entre público e privado é apenas utilizada para sistematização do estudo, pois, modernamente, entende-se que está superada a denominada
FGV DIREITO RIO 13
ação: teoria e procedimentos
summa divisio, tendo em vista que ambos os ramos tendem a se fundir em prol da
função social perseguida pelo Direito.
Assim sendo, fala-se hoje em constitucionalização do direito.
Dessa forma, abandonada a visão dicotômica ultrapassada, podemos definir o
direito processual como o ramo da ciência jurídica que trata do conjunto de regras
e princípios que regulamentam o exercício da função jurisdicional do Estado.
3. A JURISDIÇÃO
A jurisdição constitui a forma estatal, por excelência, de composição de litígios,
embora não seja a única. A sociedade desde os tempos longínquos convive com divergências que geram os conflitos, os juridicamente chamados de lides. Para solucionar
esta resistência à negociação, o Estado, que veda a autotutela, manifesta-se por meio da
jurisdição, cuja regência se operará por meio dos ritos estabelecidos pelo legislador.
Importante destacar que a partir do séc. XIV, a jurisdição tornou-se a forma predominante de resolução de conflitos monopolizada pelo Estado, por intermédio do
Poder Judiciário, ao lado das funções legislativa e administrativa.
Palavra que vem do latim jurisdictio (que etimologicamente significa dizer o direito), a jurisdição tem como fim último a pacificação social e consiste em um poder
e dever do Estado, pois, se por um lado corresponde a uma manifestação do poder
soberano do Estado, impondo suas decisões de forma imperativa aos particulares,
por outro, corresponde a um dever que o Estado assume de dirimir qualquer conflito que lhe venha a ser apresentado.
Assim, à medida que o Estado, vedando a justiça privada, retira do indivíduo a
possibilidade de buscar por suas próprias forças a resolução dos conflitos, assume,
em contrapartida, o poder-dever de solucioná-los com justiça, uma vez que a perpetuação de pretensões insatisfeitas e controvérsias pendentes de resolução constituiria
fonte de intensa perturbação da paz social.
Por conseguinte, a função jurisdicional é concebida, segundo Chiovenda, como
a função do Estado que tem por escopo a atuação da vontade objetiva e concreta da
lei, mediante a substituição de uma atividade privada por uma atividade pública;
ou, consoante Carnelutti, como a função estatal de justa composição de lides, entendida esta última como o conflito de interesses qualificado pela pretensão de uma
parte e resistência de outra.
Pode ser definida ainda de acordo com a posição adotada pela doutrina brasileira, que procura relacionar os conceitos supracitados como sendo a função de atuar
a vontade objetiva da lei, com a finalidade de obter a justa composição da lide.
Assim, o processo civil traduz-se numa técnica de solução imperativa de conflitos,
o monopólio estatal em dirimir controvérsias por meio do exercício da jurisdição,
capitaneada pelo Estado-Juiz, que é quem decide, seguida dos auxiliares da Justiça, em que todos exercem o poder estatal. O Direito Processual Civil, por sua vez,
cuidará de estabelecer as regras destinadas a reger como se operará este exercício da
jurisdição na solução dos conflitos sociais.
FGV DIREITO RIO 14
ação: teoria e procedimentos
Para distinguir as formas de solução de conflitos, a doutrina tradicionalmente
as classifica em autodefesa, autocomposição e heterocomposição. Esta última poderia
ser feita pelo Estado (jurisdição) ou por um particular, em certos casos específicos
permitidos pela Lei (arbitragem).
A autodefesa (ou autotutela) seria a forma mais primitiva de resolução de conflitos.
Utilizava-se da força física contra o adversário para vencer sua resistência e satisfazer
uma pretensão. Remonta ao Código de Hamurabi, que consagrou a Lei de Talião
– “olho por olho, dente por dente” – que impunha o revide na mesma medida que a
injustiça praticada, sendo utilizada, principalmente, no combate aos criminosos.
Por não garantir a justiça, mas somente a vitória do mais ousado sobre o mais
tímido, tal prática foi vedada pelos Estados modernos. Nesse sentido, um passo
muito importante foi a garantia do due process of law, cuja origem remonta à Magna
Carta (1215), pois esta impedia que qualquer pessoa fosse privada de seus bens ou
de sua liberdade sem que fosse observado o devido processo legal, ficando proibida,
portanto, a autotutela.
Além dessa garantia, hoje prevista em nosso ordenamento jurídico no artigo 5º,
inciso LIV, da Constituição Federal, temos também a regra do artigo 345 do Código Penal, que caracteriza a autotutela como ilícito penal, ao tipificar o crime de
exercício arbitrário das próprias razões.
Todavia, o Estado permite a autodefesa em situações excepcionais, tais como: na
legítima defesa no âmbito penal (art. 25, CP); no desforço possessório conferido ao
possuidor turbado (art. 1210, §1º, CC/02); no direito de retenção do locatário (art.
578, CC/02) e do depositário (art. 644, CC/02); bem como no direito de greve,
garantido constitucionalmente (art. 9º, CF) no âmbito do direito do trabalho.
A autocomposição está presente de forma residual no direito moderno. Representa forma primitiva, porém mais evoluída de composição de litígios que a autodefesa. Trata-se de solução parcial (por ato dos sujeitos em conflito) na qual as partes
chegam a um acordo quanto à existência ou inexistência de um direito, seja pela
renúncia, pela transação (concessões recíprocas) ou mediante o reconhecimento da
pretensão alheia, pondo fim ao conflito de interesses existente.
Tal método não desapareceu dos ordenamentos jurídicos modernos, sendo consentido e até mesmo estimulado em muitas situações (desde que se trate de direitos
disponíveis ou de reflexos patrimoniais de direitos indisponíveis – v.g.: direito a alimentos), embora subsistam críticas quanto à aparente espontaneidade do sacrifício
próprio, bem como quanto à desvantagem para a parte mais fraca, resultante de disparidades econômicas ou de uma interpretação errônea ou incompleta do direito.
Em nosso ordenamento, a autocomposição pode ocorrer extra ou endoprocessualmente, isto é, antes da instauração do processo ou durante a sua pendência, sendo
que, na segunda hipótese, os incisos II, III e V do artigo 2692, do CPC, prevêem a
extinção do processo com a resolução do mérito.
O Juízo Arbitral é uma modalidade de heterocomposição (julgamento do litígio
por terceiro escolhido consensualmente pelas partes) também voltada à fixação de
existência ou inexistência de um direito. Diferencia-se da conciliação porquanto
esta, além de consistir em meio alternativo de autocomposição induzida, permite
A Lei nº 11.232 de 2005 modificou a redação do caput do Art.
269, limitando-se a dizer que
nos casos elencados “haverá
resolução do mérito”, pois nem
sempre o processo se extingue
através de decisão impositiva.
As sentenças que resolvem o
mérito do processo, apreciando
o objeto do pedido posto em
juízo, são denominadas definitivas. Já as sentenças terminativas são aquelas em que não há
resolução do mérito, pois não
chegam a apreciar o chamado
objeto da demanda.
2
FGV DIREITO RIO 15
ação: teoria e procedimentos
apenas que um terceiro imparcial conduza as partes a um acordo, nada mais podendo fazer se isso se mostrar inviável.
Já no caso da arbitragem, não havendo possibilidade de acordo entre as partes,
caberá ao árbitro impor a sua decisão solucionando a controvérsia, tendo em vista
terem as partes acordado previamente que se submeteriam àquilo que por ele viesse
a ser decidido (Lei n° 9.307/96).
No que concerne à Jurisdição, importante destacar que a partir do séc. XIV
tornou-se a forma predominante de resolução de conflitos monopolizada pelo Estado, por intermédio do Poder Judiciário, ao lado das funções legislativa e administrativa.
Palavra que vem do latim jurisdictio (que etimologicamente significa dizer o direito), a jurisdição tem como fim último a pacificação social e consiste em um poder
e dever do Estado, pois, se por um lado, corresponde a uma manifestação do poder
soberano do Estado, impondo suas decisões de forma imperativa aos particulares,
por outro, corresponde a um dever que o Estado assume de dirimir qualquer conflito que lhe venha a ser apresentado.
Assim, à medida que o Estado, vedando a justiça privada, retira do indivíduo a
possibilidade de buscar por suas próprias forças a resolução dos conflitos, assume,
em contrapartida, o poder-dever de solucioná-los com justiça, uma vez que a perpetuação de pretensões insatisfeitas e controvérsias pendentes de resolução constituiria
fonte de intensa perturbação da paz social.
Por conseguinte, a função jurisdicional é concebida, segundo Chiovenda, como
a função do Estado que tem por escopo a atuação da vontade objetiva e concreta da
lei, mediante a substituição de uma atividade privada por uma atividade pública;
ou, consoante Carnelutti, como a função estatal de justa composição de lides, entendida esta última como o conflito de interesses qualificado pela pretensão de uma
parte e resistência de outra.
Pode ser definida ainda de acordo com a posição adotada pela doutrina brasileira, que procura relacionar os conceitos supracitados como sendo a função de atuar
a vontade objetiva da lei, com a finalidade de obter a justa composição da lide.
O processo, por sua vez, é o instrumento de que se utiliza o Estado para, no exercício da função jurisdicional, resolver os conflitos de interesses apresentados pelas
partes.
Além do método estatal de resolução de litígios (jurisdição), hoje se fala também
nos equivalentes jurisdicionais, ou seja, nos meios mediante os quais se obtém a
solução de conflitos com a participação direta dos litigantes ou através de um particular desprovido de poder jurisdicional.
3.1. Correntes unitarista e dualista da ciência processual
Distinguem-se, na doutrina, duas correntes acerca da sistematização do direito
processual: a que acredita na unidade de uma teoria geral do processo (unitarista) e
a que sustenta a separação entre a ciência processual civil e a penal, por constituírem
ramos dissociados, com institutos peculiares (dualista).
FGV DIREITO RIO 16
ação: teoria e procedimentos
No entanto, a posição mais adequada, a nosso ver, é a que entende pela existência
de uma única Teoria Geral do Processo, tendo em vista que a ciência processual, seja
penal, civil, ou até mesmo trabalhista, obedece a uma estrutura básica, comum a
todos os ramos, fundada nos institutos jurídicos da ação, da jurisdição e do processo.
Longe de pretender afirmar a unidade legislativa, a Teoria Geral do Processo
permite uma condensação científica de caráter metodológico, elaborando e coordenando os mais importantes conceitos, princípios e estruturas do direito processual.
Importante destacar que novos e modernos Diplomas, como a Lei Maria da
Penha – Lei nº 11.340/06, que visa a prevenir e reprimir a violência doméstica,
adotam a sistemática de juízos híbridos, sugerindo a criação de varas especializadas,
com competência civil e criminal, de modo a facilitar o acesso à justiça e conferir
proteção mais efetiva à vítima de tais situações de violência3.
Dessa forma, o estudo da Teoria Geral do Processo é fruto da autonomia científica alcançada pelo direito processual e tem como enfoque o complexo de regras e
princípios que regem o exercício conjunto da jurisdição, pelo Estado-Juiz; da ação,
pelo demandante (e da defesa, pelo demandado); bem como os ensinamentos acerca do processo, procedimento e pressupostos.
4. FONTES DO DIREITO PROCESSUAL BRASILEIRO
As fontes de direito em geral podem ser conceituadas como os meios de produção, expressão ou interpretação da norma jurídica. Assim, as normas de direito
processual emanam das fontes que inspiram este ramo do direito e podem ser classificadas em formais e materiais.
Fontes formais são aquelas que detêm força vinculante e constituem o próprio direito positivo. A fonte formal, por excelência, do direito processual é a Lei lato sensu.
Em sentido estrito, apontamos, inicialmente, a Constituição Federal, que consagra
os chamados Princípios Constitucionais Processuais, tais como o Devido Processo
Legal, a Ampla Defesa e o Contraditório, a Duração Razoável do Processo, bem
como a Isonomia e a Inadmissibilidade de provas obtidas por meios ilícitos.
Fontes materiais são as que não possuem força vinculante nem caráter obrigatório, mas se destinam a revelar e informar o sentido das normas processuais. São
assim considerados os princípios gerais do direito, o costume, a jurisprudência
(entendimento dos tribunais) e a doutrina (ensinamentos dos autores especializados).
De se registrar que hoje, a figura da súmula vinculante, prevista no artigo 103-A
da Carta de 1988 e regulada pela Lei nº 11.417/06 torna o precedente judicial fonte
material do direito nesta hipótese. Trata-se de uma figura híbrida, com características de norma abstrata, eis que aplicável a todos, porém surgida a partir de um caso
específico, e, por isso, também norma concreta entre as partes envolvidas naquele
litígio.
Conferir artigos 1º e 33 da Lei
nº 11.340/06.
3
FGV DIREITO RIO 17
ação: teoria e procedimentos
5. NORMA PROCESSUAL
O Estado é o responsável pela determinação das normas jurídicas, que estabelecem como deve ser a conduta das pessoas em sociedade. Tais normas podem: a)
definir direitos e obrigações; b) definir o modo de exercício desses direitos.
As primeiras constituem aquilo que convencionamos chamar de normas jurídicas
primárias ou materiais. Elas fornecem o critério a ser observado no julgamento de
um conflito de interesses. Aplicando-as, o juiz determina a prevalência da pretensão
do demandante ou da resistência do demandado, compondo, desse modo, a lide
que envolve as partes.
As segundas, de caráter instrumental, compõem as normas jurídicas secundárias
ou processuais, provenientes do direito público, conforme já ressaltado. Elas determinam a técnica a ser utilizada no exame do conflito de interesses, disciplinando a
participação dos sujeitos do processo (principalmente as partes e o juiz) na construção do procedimento necessário à composição jurisdicional da lide.
A eficácia espacial das normas processuais é determinada pelo princípio da territorialidade, conforme expressam os arts. 1o e 1.211, 1ª parte, do CPC4. O princípio,
com fundamento na soberania nacional, determina que a lei processual pátria é
aplicada em todo o território brasileiro (não sendo proibida a aplicação da lei processual brasileira fora dos limites nacionais), ficando excluída a possibilidade de
aplicação de normas processuais estrangeiras diretamente pelo juiz nacional.
Devido ao sistema federativo por nós adotado, compete privativamente à União
legislar sobre matéria processual, conforme determina o art. 22, I, da CF. Não ocorre, pois, como nos EUA, em que as leis processuais divergem de um Estado para
outro. Não obstante, as normas procedimentais estaduais brasileiras podem variar
de Estado para Estado, uma vez que o art. 24, XI, da CF, outorgou competência
concorrente à União, aos Estados-membros e ao Distrito Federal, para legislar sobre
“procedimentos em matéria processual”.
Além disso, ao lado das normas processuais (art. 22, I, da CF) e das procedimentais
(art. 24, XI, da CF), existem as normas de organização judiciária, que também podem ser ditadas concorrentemente pela União, pelos Estados e pelo Distrito Federal
(CF/88, arts. 92 e segs., merecendo especial destaque os arts. 96, I, “a”, e 125, § 1.°).
No tocante à eficácia temporal das normas, aplica-se o art. 1.211, 2ª parte, CPC,
segundo o qual a lei processual tem aplicação imediata, alcançando os atos a serem
realizados e sendo vedada a atribuição de efeito retroativo.
No que tange ao início de sua vigência, no entanto, de acordo com o art. 1º da
Lei de Introdução ao Código Civil, a lei processual começa a vigorar quarenta e cinco dias após a sua publicação, salvo disposição em contrário (na prática, é comum
que se estabeleça a vigência imediata), respeitando-se, todavia, o direito adquirido,
o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, em conformidade com o art 5º, XXXVI, da
Magna Carta e art. 6°, LICC.
Por fim, quanto à forma de interpretação da norma processual, ou seja, determinar
seu conteúdo e alcance. Há diversos métodos de interpretação da norma jurídica
que também podem ser estendidos à norma processual.
Art. 1o CPC: “A jurisdição civil,
contenciosa e voluntária, é
exercida pelos juízes, em todo o
território nacional, conforme as
disposições que este Código estabelece.” Art. 1.211 “Este Código
regerá o processo civil em todo o
território brasileiro. (...).”
4
FGV DIREITO RIO 18
ação: teoria e procedimentos
Assim, de maneira resumida, podemos classificá-los em: a) Literal ou gramatical,
que, como o próprio nome já diz, leva em consideração o significado literal das
palavras que formam a norma; b) Sistemático, segundo o qual a norma é interpretada em conformidade com as demais regras do ordenamento jurídico, que devem
compor um sistema lógico e coerente que se estabelece a partir da Constituição; c)
Histórico, em que a norma é interpretada em consonância com os seus antecedentes
históricos, resgatando as causas que a determinaram; d) Teleológico, que objetiva
buscar o fim social da norma, a “mens legis”, ou seja, diante de duas interpretações
possíveis, o intérprete deve optar por aquela que melhor atenda às necessidades da
sociedade (art. 5º, LICC); e e) Comparativo, que se baseia na comparação com os
ordenamentos estrangeiros, buscando no direito comparado subsídios à interpretação da norma.
Conforme o resultado alcançado, a atividade interpretativa pode ser classificada em: a) declarativa, atribuindo à norma o significado de sua expressão literal; b)
restritiva, limitando a aplicação da lei a um âmbito mais estrito, quando o legislador
disse mais do que pretendia; c) extensiva, conferindo-se uma interpretação mais ampla
que a obtida pelo seu teor literal, hipótese em que o legislador expressou menos do que
pretendia; d) ab-rogante, quando conclui pela inaplicabilidade da norma, em razão de
incompatibilidade absoluta com outra regra ou princípio geral do ordenamento.
Acerca dos meios de integração, destacamos que, com o advento do Código
Francês de Napoleão, em 1804, institui-se a importante regra de que o magistrado
não mais poderia se eximir de aplicar o direito, sob o fundamento de lacuna na lei.
Tal norma foi seguida pela maioria dos códigos modernos, sendo também positivada em nosso ordenamento.
Dessa forma, o art. 126, CPC5, preceitua a vedação ao non liquet, isto é, proíbe
que o juiz alegue lacuna legal como fator de impedimento à prolação da decisão.
Para tanto, há de se valer dos meios legais de colmatagem de lacunas, previstos
no art. 4º, LICC, a saber: a analogia (utiliza-se de regra jurídica prevista para hipótese semelhante), os costumes (que são fontes da lei) e os princípios gerais do Direito
(princípios decorrentes do próprio ordenamento jurídico).
Ressalte-se, por fim, que interpretação e integração têm funções comunicantes e
complementares, voltadas à revelação do direito. Ambas possuem caráter criador e
permitem o contato direto entre as regras de direito e a vida social.
MATERIAL DE APOIO
Jurisprudência
Texto a seguir extraído de trecho da Decisão proferida no Tribunal de Justiça do
Estado do Rio Grande do Sul:
“Concordo com o eminente Relator quando diz que o Código Civil de 1916 não
previu, entre as hipóteses de exclusão elencadas no art. 1.595, a situação ora vertida nos
“Art. 126. O juiz não se exime
de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade
da lei. No julgamento da lide
caber-lhe-á aplicar as normas
legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e
aos princípios gerais do direito”.
5
FGV DIREITO RIO 19
ação: teoria e procedimentos
autos, uma vez que excluiu da sucessão, exclusivamente, os herdeiros. (...) No entanto,
se há omissões na identificação das pessoas integrantes do suporte fático, de tal omissão
não se ressentem os princípios, que devem sempre ser identificados para serem invocados quando se verifica uma lacuna na lei. Assim, se há omissão de norma legal, deve
sempre que prevalecer o princípio consagrado pelo legislador que, indiscutivelmente,
é o de não permitir a quem atenta contra a vida de outrem possa dele receber alguma
coisa, seja como sucessor, seja como cônjuge ou companheiro do sucessor. Essa é a intenção do legislador e a função da Justiça é exatamente fazer incidir a orientação ditada
pela lei. Aliás, para isso é que somos juízes, para fazer justiça segundo os princípios que
regem o sistema jurídico. Não somos, como dizia Montesquieu: la bouche de la loi,
juízes que simplesmente se limitam a repetir e aplicar a norma contida no elenco legal,
permitindo que se conviva com a injustiça. Somos Juízes de Direito, integramos um
Tribunal de Justiça. (...) Então, é o sentido que adoto, aceitando a tese sustentada da
tribuna de que o meeiro não deixa de ser um legatário ex legis; portanto, aplicando-se
também a indignidade no caso da sucessão legítima, pode-se construir uma nova hipótese de que ali se incluem também outras pessoas que, aproveitando-se diretamente do
resultado do seu inexplicável gesto, venham a matar os autores da herança”.
(Apelação Cível Nº. 70005798004, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do
RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 09/04/2003).
Doutrina
leitura obrigatória
GRINOVER, Ada Pellegrini. Modernidade do direito processual brasileiro, O
Processo em Evolução, Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1996, p. 3-19.
leitura complementar
DINAMARCO, Cândido Rangel. Universalizar a tutela jurisdicional, Fundamentos do Processo Civil Moderno, tomo II, 4. ed. São Paulo, Malheiros,
2001, p. 838-875.
MESQUITA, José Ignácio Botelho de. As novas tendências do direito processual: uma contribuição para o seu reexame, Revista Forense, vol. 361, mai/jun
2002, p. 47-72.
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Notas sobre alguns fatores extrajurídicos no
julgamento colegiado, Temas de Direito Processual: sexta série, São Paulo, Saraiva, 1997, p. 145-172.
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Fungibilidade de “meios”: uma outra dimensão do princípio da fungibilidade, in Aspectos Polêmicos e Atuais dos Recursos
Cíveis e de Outras Formas de Impugnação às Decisões Judiciais, coordenadores
Nelson Nery Jr. e Teresa Arruda Alvim Wambier, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2001, p. 1.090-1.144.
FGV DIREITO RIO 20
ação: teoria e procedimentos
Sites
Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito. O triunfo tardio do
Direito Constitucional no Brasil. Jus Navigandi, Teresina, a. 9, n. 851, 1 nov.
2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7547
QUESTÕES DE CONCURSO
OAB/RJ (1ª fase – 32º exame)
Uma nova lei processual tem vigência:
a) apenas para os processos distribuídos posteriormente à sua publicação e respeitando-se o período de vacatio legis.
b) inclusive para os processos em andamento e sempre retroagindo seus efeitos
aos atos processuais anteriormente realizados.
c) inclusive para os processos em andamento, desde que sejam respeitados, em
virtude da proteção do ordenamento jurídico ao ato jurídico perfeito, os atos
processuais já realizados.
d) inclusive para os processos em andamento, desde que sejam respeitados, em
virtude da proteção do ordenamento jurídico à coisa julgada, os atos processuais já realizados.
FGV DIREITO RIO 21
ação: teoria e procedimentos
AULA 02. AÇÃO: TEORIAS, CARACTERÍSTICAS, CONCEITO, CONDIÇÕES,
ELEMENTOS E ESPÉCIES.
CASO
Helena propôs Ação Possessória com pedido de concessão de medida liminar
em face de Cássia, que se encontrava de posse ilegal da loja B, situada na Rua das
Flores, nº. 58, Centro, Rio de Janeiro. Embora Cássia tenha se retirado do imóvel
antes da prolação da sentença, em contestação a ré confessou o seu esbulho. O juiz
julga extinto o processo sem resolução do mérito por entender que houve perda
superveniente de interesse processual. Pergunta-se:
a) Permaneciam as condições para o regular seguimento da demanda, ou o juiz
agiu corretamente extinguindo o feito por ausência de um dos pressupostos
de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo?
b) O fato de a ré ter confessado o esbulho não seria suficiente para o juiz julgar o
mérito e extinguir o processo com base no artigo 269, II, do CPC, qual seja,
quando “o réu reconhecer a procedência do pedido”?
NOTA AO ALUNO
1. CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS
Primeiramente, é mister atentar à multiplicidade de acepções que o termo “ação”
invoca. Ora empregado como direito, ora como poder, é também definido como pretensão, como exercício de um direito pré-existente e, não raro, é considerado, na prática forense, como sinônimo de processo, procedimento, ou mesmo autos. Há ainda
autores que distinguem entre ação de direito material e ação de direito processual.
Consoante os ensinamentos de Ada Pellegrini Grinover6, ação seria o direito
ao exercício da atividade jurisdicional (ou poder de exigir esse exercício). Invocar
esse direito implica provocar a jurisdição (provocação necessária, visto que, em
regra, ela é inerte), o qual se exerce através de um complexo de atos denominado
processo.
Trata-se, portanto, de direito à jurisdição – desde que preenchidas algumas condições, como será visto logo adiante – que encontra fundamento constitucional na
garantia da tutela jurisdicional efetiva (art. 5º, XXXV, CF), uma vez que através
dela o titular do direito terá acesso à proteção de seu direito material. Vista neste
sentido, isto é, como direito à jurisdição, a ação é um direito tanto do autor, quanto
do réu.
Por isso, quando se afirma que através dela o titular do direito receberá a proteção jurisdicional, pretende-se dizer que essa tutela deve ser outorgada àquela parte
que a mereça, considerando o direito material aplicável ao caso. E, nesse contexto,
O direito de ação constitucional
seria o fundamento do direito
de ação processual, sendo este
último o único que interessa
ao processo. GRINOVER, Ada
Pellegrini et alli. Teoria Geral
do Processo, 18ª ed. São Paulo:
Malheiros, 2002, p. 256.
6
FGV DIREITO RIO 22
ação: teoria e procedimentos
a ação serve ao interesse público de dar a cada um o que é seu, assegurando a convivência pacífica e harmoniosa em sociedade.
Não obstante, conforme será analisado, a doutrina traçou longo caminho até
reconhecer a autonomia do “direito de ação”: inicialmente, identificava-o com o
direito material litigioso; mais tarde, no entanto, surgiu a preocupação em elaborar
uma disciplina autônoma e independente do direito material que permitisse a distinção entre o direito material controvertido e o direito de ir a juízo, o que constituiu relevante conquista para a consolidação da Ciência Processual.
Nesse contexto, o direito de ação assume também a noção de freio às demandas
inviáveis de modo a determinar o necessário equilíbrio entre o direito de acesso à
justiça e a garantia da concreta eficácia dos direitos.
2. TEORIAS ACERCA DA NATUREZA JURÍDICA DA AÇÃO
Verificado o conceito de ação como um direito, é na natureza jurídica do instituto que residem as maiores controvérsias, principalmente em razão da autoridade
daqueles juristas que formularam as diversas teorias. Desta forma, passemos a uma
breve análise das construções teóricas que mais se destacaram:
1) Teoria Imanentista, Civilista, ou Clássica: Segundo a clássica proposição romana que vigorou até meados do século XIX, a ação era o próprio direito material
colocado em movimento, a reagir contra a ameaça ou violação sofrida. Não havia
ação sem direito. Defendia-se a tese da imanência do direito de ação ao direito subjetivo material.
2) Teoria do direito concreto de ação (teoria concreta): Em 1885, Adolph Wach, na
Alemanha, reconhece em sua obra relativa independência entre o direito de ação e
o direito subjetivo material. Segundo Wach, a pretensão de tutela jurídica – ação
– constituiu direito de natureza pública, dirigindo-se contra o Estado, o qual teria a
obrigação de prestá-la, e contra o demandado, que teria que suportar seus efeitos.
Segundo essa concepção, embora distinto do direito material, o direito de ação
corresponderia a quem tivesse razão, ou seja, só existiria quando a sentença fosse
favorável. Nesse sentido, a teoria defendia a existência do direito de ação somente
quando houvesse uma proteção concreta voltada para um direito subjetivo.
Assim, apesar de sua contribuição para demonstrar a autonomia do direito de
ação, a teoria foi alvo de críticas não apenas em razão de a improcedência do pedido
restar inexplicável, pois, nessa hipótese, a natureza do direito exercido pelo autor
permanecia indefinida, mas também por caracterizar a ação como o direito a uma
sentença favorável, pois, dessa forma, o réu também teria direito de ação.
3) Teoria da ação como direito potestativo: Representa uma variante da teoria concreta, pois também condicionava a existência do direito de ação à obtenção de uma
sentença favorável. Por conseguinte, sujeita-se às mesmas críticas dirigidas contra
referida teoria.
Conforme seu defensor, Chiovenda, a ação pode ser definida como o “poder
jurídico de dar vida à condição para a atuação da vontade da lei”, isto é, o direito de
FGV DIREITO RIO 23
ação: teoria e procedimentos
obter uma atuação concreta da lei em face de um adversário, sem que este possa
obstar que a atividade jurisdicional se exerça.
A ação, aqui também entendida como direito autônomo, não era tida como um
direito subjetivo, mas como um direito de poder (direito potestativo), visto que corresponderia ao direito do autor de submeter o réu aos efeitos jurídicos pretendidos,
ou seja, à atuação da vontade concreta da lei. Desse modo, para esta teoria, a ação
se dirigia contra o réu e não contra o Estado (visão privatista).
4) Teoria da ação como direito abstrato: Formulada pelo alemão Degenkolb e pelo
húngaro Plósz, define o direito de ação como o direito público que se exerce contra
o Estado e em razão do qual o réu comparece em juízo. Não se confunde com o
direito privado argüido pelo autor, sendo concebido com abstração de qualquer
outro direito.
O conteúdo primordial desta teoria foi o mérito de reconhecer a existência de
um direito público, subjetivo, preexistente ao processo e desvinculado do direito
material ao permitir que o autor, no exercício de seu direito de ação, fizesse apenas
referência a um interesse seu, levando o Estado a proferir uma sentença por meio da
atividade jurisdicional, ainda que contrária aos interesses autorais.
5) Teoria Eclética: É a adotada pelo nosso ordenamento, conforme se depreende
da leitura do artigo 5º, XXXV texto constitucional e artigos 3º e 267, VI, CPC. Foi
elaborada por Liebman e tem assento na teoria abstrata, porém com a inclusão de
uma nova categoria, qual seja, as “condições da ação”, ou condições de admissibilidade do provimento sobre a demanda e, portanto, preliminar ao exame do mérito.
Para Liebman a ação é o “direito ao processo e ao julgamento do mérito”, o qual não
representa, porém, a garantia de um resultado favorável ao demandante. Segundo
Liebman, as condições da ação são os “requisitos de existência da ação”. Somente se
elas estiverem presentes o juiz estará obrigado a julgar o pedido, a fim de acolhê-lo
ou rejeitá-lo.
Assim, considerando tratar-se de um direito abstrato voltado a provocar o exercício da jurisdição, a ação é defendida como o direito de obter o julgamento do
pedido, ou seja, a análise do mérito, independentemente do resultado da demanda.
Trata-se, portanto, de um direito subjetivo instrumental, visto que independente do
direito subjetivo material, embora conexo a ele.
3. CARACTERÍSTICAS DA AÇÃO
a) Direito subjetivo: Segundo a doutrina dominante, a ação seria um direito
(como já visto), enquanto para outros ela seria um poder. Os que a entendem
como poder partem da noção de que direito subjetivo e obrigação representam situações jurídicas opostas de vantagem e desvantagem que gerariam um
conflito de interesses. Assim, inexistindo conflito entre Estado e autor, não
haveria que se falar em direito subjetivo e sim em poder;
b) Direito público: A ação está sempre situada na órbita do direito público, pois
o exercício desse direito subjetivo desencadeia o desempenho de uma função pública monopolizada pelo Estado (jurisdição). Assim, a ação é dirigida
FGV DIREITO RIO 24
ação: teoria e procedimentos
apenas contra o Estado, mas, uma vez apreciada pelo juiz, produzirá efeitos
na esfera jurídica do réu;
c) Garantido constitucionalmente: Como um direito fundamental contido no art.
5º, XXXV, assegura o direito ao processo com a atuação do Estado, o direito
ao contraditório e o direito de influir sobre a formação do convencimento do
juiz através do garantia do devido processo legal (art. 5º, LIV, CF);
d) Instrumental: Tem por finalidade solucionar uma pretensão de direito material.
Em virtude da intensa produção doutrinária, essa característica tem assumido
grande importância no cenário jurídico hodierno que privilegia um processo
civil de resultados e o considera não como um fim em si mesmo, mas como
instrumento capaz de garantir a máxima efetividade da tutela jurisdicional.
4. CONCEITO
Examinadas a natureza jurídica e as características da ação, podemos agora conceituá-la como um direito autônomo (independente da existência do direito material), de natureza abstrata e instrumental, pois visa solucionar pretensão de direito
material, sendo, portanto, conexo a uma situação jurídica concreta.
5. CONDIÇÕES DA AÇÃO
A expressão “condições da ação” reveste-se de certa equivocidade. Frise-se, contudo,
que, neste trabalho, será ela utilizada para designar os requisitos indispensáveis ao regular exercício do direito de ação. Afasta-se, desse modo, a lição de Liebman, consoante a
qual as condições da ação seriam requisitos para a existência de referido direito.
5.1. São condições genéricas:
1) Legitimidade das partes (legitimidade ad causam): Difere da legitimidade ad
processum, pois aquela é a legitimidade para agir (refere-se àquele que sofreu a lesão)
e esta é a capacidade processual, ou seja, a capacidade de estar em juízo.
2) Interesse processual em agir7: Refere-se à necessidade, utilidade e proveito da
tutela jurisdicional para que o autor obtenha a satisfação do direito pleiteado e justifica-se na medida em que não convém ao Estado acionar o aparato judicial sem
que dessa atividade possa ser extraído algum resultado útil.
Alguns autores entendem que o interesse de agir deve vir representado pelo binômio necessidade-adequação do provimento judicial solicitado. Nesse sentido, a
necessidade decorreria da impossibilidade de obter a satisfação do alegado direito
sem a atuação do Estado (já que o ordenamento veda a autotutela); e a adequação
da relação existente entre os meios processuais escolhidos e o fim desejado.
3) Possibilidade jurídica do pedido: Previsibilidade pelo direito objetivo da pretensão manifestada pelo autor, ou seja, é a admissibilidade, em abstrato, do provimento
O interesse de agir processual diferencia-se do interesse
substancial ou material, que
diz respeito à relação jurídica de
direito material argüida. Além
disso, é requisito de todos os direitos processuais e não apenas
da ação.
7
FGV DIREITO RIO 25
ação: teoria e procedimentos
demandado. Deve ser aferida em dois aspectos, um positivo (pode-se pedir tudo
aquilo que esteja expressamente previsto em lei) e outro negativo (só se pode pleitear
o que não seja vedado por lei). O silêncio da lei é interpretado em favor da parte. Esta
é a posição do direito brasileiro.
5.2. São condições específicas:
Além das mencionadas condições genéricas, que devem estar presentes em todas
as ações, há que se falar, ainda, nas condições específicas, previstas para determinadas ações, como por exemplo:
– Mandado de Segurança: sua condição específica é o ajuizamento da ação
no prazo máximo de 120 dias, contados da ciência, pelo interessado, do ato
impugnado (art. 18, Lei n° 1.533/51).
– Ação Rescisória8 (ação especial utilizada para desconstituir a coisa julgada):
duas são as condições específicas neste caso: o depósito de 5% sobre o valor
da causa pelo seu autor no momento em que ele propõe a demanda rescisória
(art. 488, II, CPC) e o ajuizamento da demanda dentro do prazo de dois
anos contados do trânsito em julgado da decisão (art. 495, CPC).
5.3. Aferição das condições da ação
É de se ressaltar, afinal, que as condições da ação devem ser aferidas in statu assertionis, ou seja, em face da afirmação constante da petição inicial. Isto porque se
dos fatos afirmados pelo autor não puder vir a resultar o acolhimento do pedido, o
autor não terá o direito ao exercício da jurisdição sobre o caso concreto, devendo
ser julgado carecedor de ação.
No entanto a asserção não é suficiente para demonstrar a presença das condições
da ação. Na verdade, ela deve ser examinada em conjunto com as provas que instruem a petição inicial. É necessário um mínimo de provas a demonstrar a verossimilhança das asserções formuladas na petição inicial. Entendimento contrário permitiria a autolegitimação do exercício da ação e criaria a possibilidade de submeter
o réu ao ônus de defender-se de uma demanda manifestamente inviável.
Contudo, a posição que ainda hoje predomina na jurisprudência é a do exame
das condições da maneira como estão dispostas na inicial, sem extensão probatória,
pois, a partir do momento em que o juiz autoriza a produção de provas, já estará
ingressando no mérito da causa. Não obstante, já se levantam vozes a mitigar a intensidade dessa regra.
Destaque-se que a carência de ação não se confunde com a improcedência do pedido, pois esta implica exame do mérito, impedindo a renovação da ação, enquanto
aquela, uma vez reconhecida, não obsta a que o autor renove seu pedido através de
um novo processo que preencha tais condições.
Assim, o exame das condições da ação não trata de um juízo de mérito, mas de
um juízo sobre questões de direito material a partir da situação fática e concreta
Importante observar que, após
a Lei nº. 11.280/2006, o art. 489
do CPC passou a ter a seguinte
redação: “O ajuizamento da ação
rescisória não impede o cumprimento da sentença ou acórdão
rescindendo, ressalvada a concessão, caso imprescindíveis e
sob os pressupostos previstos em
lei, de medidas de natureza cautelar ou antecipatória de tutela”.
A redação anterior do referido
artigo provocava grande dicotomia entre Lei e Jurisprudência,
na medida em que dispunha
que a ação rescisória não suspendia a execução. A nova redação promoveu a reconciliação
entre Lei e Jurisprudência, seguindo a tendência de ampliar
o poder do juiz, ainda que se
trate de demanda ajuizada com
o objetivo de desconstituir a
coisa julgada.
8
FGV DIREITO RIO 26
ação: teoria e procedimentos
relatada pelo demandante como fundamento de sua pretensão, que deve estar acompanhada de um mínimo de verossimilhança e provas que evidenciem a possibilidade
do acolhimento. Isto porque, da mesma forma que é garantido a todos o direito de
ação, é também assegurado o direito constitucional daquele contra quem a ação é
exercida de não ser molestado por uma demanda inviável.
6. ELEMENTOS DA AÇÃO
São elementos da ação as partes, a causa de pedir e o pedido.
As partes são os sujeitos que figuram respectivamente como autor e como réu
na relação processual. São aqueles que pedem em relação a quem o provimento
jurisdicional é pedido. Além da identificação da identidade das partes litigantes,
é preciso também que se verifique a qualidade com que a pessoa esteja litigando
(por exemplo, em nome próprio no interesse próprio, em nome próprio no interesse alheio etc.), caso em que, havendo divergência, não haverá identidade de
parte.
Numa relação processual podemos encontrar, ainda, os seguintes institutos do
litisconsórcio (pluralidade de partes numa relação processual) e a intervenção de
terceiros (ampliação subjetiva da relação processual através do ingresso de pessoas
no feito sob a condição de terceiros quando os mesmos demonstrarem interesse
jurídico)9.
Quanto à causa de pedir (ou causa petendi), é o fato jurídico com todas as suas
circunstâncias que fundamenta a demanda autoral (art. 282, III, do CPC). Dividese em causa de pedir próxima e remota10.
Por fim, o pedido que é o objeto da jurisdição e se divide em imediato e mediato.
O pedido, como regra no CPC, deve ser certo e determinado (art. 286). Entretanto,
o próprio legislador admite algumas exceções em hipóteses nas quais, quando do
início da demanda, tal precisão não puder ser exigida do autor, segundo o princípio
da razoabilidade.
O princípio da inércia limita que o julgador se atenha ao que consta no pedido
quando da prolação de sua sentença. Entretanto, os chamados pedidos implícitos
(exemplo: os juros legais e a obrigações vincendas em relações de trato sucessivo)
não estão adstritos àquele princípio.
MATERIAL DE APOIO
Jurisprudência
EMENTA: CONSUMIDOR E SERVIÇO PÚBLICO. FORNECIMENTO
DE ÁGUA. CORTE. PEDIDO DE RESTABELECIMENTO E REVISÃO DO
CONTRATO. TERCEIRO. ILEGITIMIDADE AD CAUSAM. Não tem legitimidade para pleitear manutenção do serviço de fornecimento de água, e revisão do
Sobre esta temática, vide aula
07.
9
10
Conferir aula 08.
FGV DIREITO RIO 27
ação: teoria e procedimentos
contrato respectivo, aquele que não integra a relação jurídica substancial litigiosa,
nem comprova a regularidade de sua posse no imóvel. HIPÓTESE DE EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. (Apelação Cível Nº.
70016394231, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator:
Mara Larsen Chechi, Julgado em 28/06/2007).
EMENTA: AÇÃO ANULATÓRIA. PROTESTO INDEVIDO DE DUPLICATA QUITADA. PROTESTO E CADASTRO NEGATIVO REALIZADOS
EM NOME DA PESSOA JURÍDICA. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL
PRETENDIDA PELOS SÓCIOS. ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM.
SERASA. ILICITUDE. INDENIZAÇÃO. VALOR. Os sócios de clínica médica
não estão investidos de legitimidade para postular dano moral por inscrição indevida daquela em órgão de restrição ao crédito. A teoria da desconsideração da
personalidade jurídica tem aplicação apenas em situações excepcionais, conforme
disposição do art. 50 do Código Civil, visando resguardar o direito de terceiros que contratam com a pessoa jurídica e não o de seus sócios. O dano moral,
quando decorrente de protesto indevido, é, em regra, presumido, não se exigindo,
portanto, a comprovação de sua ocorrência efetiva. Na fixação dos danos morais
devem ser observados os critérios objetivos recomendados pela doutrina e pela
jurisprudência tais como a condição econômica das partes, a eqüidade, proporcionalidade e razoabilidade na decisão, a extensão do dano e a participação culposa
do ofensor. Considerando-se, ainda, os parâmetros adotados pela Câmara para
situações similares, tem-se por justa, para a espécie, a indenização no valor equivalente a 10 (dez) salários mínimos. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE ATIVA
ACOLHIDA. APELAÇÃO DA RÉ PROVIDA EM PARTE. APELAÇÃO DOS
AUTORES DESPROVIDA. (Apelação Cível Nº. 70015931231, Décima Oitava
Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Cláudio Augusto Rosa Lopes
Nunes, Julgado em 28/06/2007).
leituras obrigatórias
BUENO, Cássio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil, vol.
1, São Paulo, Saraiva, 2007, p. 328-367.
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil, vol. 1, 17 ª edição, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2008, p. 107-124.
DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil, vol. 1, 9ª edição, Salvador,
Podium, 2008, p. 167-205.
leituras complementares
GRECO, Leonardo. A Teoria da Ação no Processo Civil, São Paulo, Dialética,
2003, na íntegra (73 p.)
FGV DIREITO RIO 28
ação: teoria e procedimentos
MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Processo Civil, vol. 1, São Paulo, Revista
dos Tribunais, 2006, p. 157-303.
SOUSA, José Augusto Garcia de. A nova Lei 11.448/07, os escopos extrajurídicos do processo e a legitimidade da Defensoria Pública para ações coletivas,
in A Defensoria Pública e os Processos Coletivos, coordenador José Augusto
Garcia de Sousa, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2008, p. 189-258.
FGV DIREITO RIO 29
ação: teoria e procedimentos
AULA 03. PROCESSO: CONCEITO, ESPÉCIES, TEORIAS.
CASO
Após um acidente de trânsito, uma única testemunha se encontra internada
em estado grave no Hospital Estadual X. Dada a fragilidade de sua saúde, a testemunha corre risco de morrer. Existe alguma medida emergencial que você, como
advogado(a), possa buscar judicialmente que vise o colhimento preventivo do depoimento da referida testemunha e assegurar a instrução probatória Ação de Indenização que será proposta?
NOTA AO ALUNO
1. CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA DO PROCESSO
O processo, indispensável ao exercício da função jurisdicional, pode ser definido
como o instrumento através do qual a jurisdição é exercida ou, como o procedimento que, atendendo aos ditames da Constituição da República, permite que o juiz
exerça sua função jurisdicional11.
Esta, por sua vez, será legítima na medida em que permita a participação das
partes através do procedimento realizado em contraditório, associada à observância
da legalidade inerente à garantia do devido processo legal. Nesse sentido, o processo
só será justo quando o juiz, atento à disciplina legal, possibilitar a participação adequada e equilibrada dos indivíduos.
No entanto, consoante o entendimento dominante entre nós, não se confundem
processo e procedimento, visto que o procedimento é o elemento visível do processo;
constitui apenas o meio extrínseco pelo qual o processo é instaurado e desenvolvido.
Todavia, com a doutrina de Cândido Rangel Dinamarco12, foi sendo desenvolvida e reforçada entre nós a teoria da instrumentalidade do processo, provocando
mudanças importantes no cenário jurídico a partir da introdução de novos paradigmas na interpretação das leis processuais.
Dessa forma, o processo deve ser concebido não mais como um fim em si mesmo,
mas como um meio apto a assegurar um direito invocado (instrumentalidade negativa).
Isto porque, conforme ressalta Dinamarco, a necessidade de oferecer segurança jurídica
deve conviver com o princípio da liberdade e a racionalidade no exercício do poder de
modo a alcançar o desejável equilíbrio entre a legalidade e a liberdade formal.
Em face das diversas teorias que procuram explicar o processo, podemos extrair
seu conceito e natureza jurídica.
No tocante ao conceito, podemos defini-lo como o conjunto de atos, realizados
sob o crivo do contraditório, que cria uma relação jurídica da qual surgem deveres,
poderes, faculdades, ônus e sujeições para as partes que dela participam.
Nesse sentido, MARINONI,
Luiz Guilherme; ARENHART,
Sérgio Cruz. Manual do Processo do Conhecimento, 1ª ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais,
2001, p. 56 e 77. Ainda segundo
os autores, se o processo é um
instrumento e se para o exercício da jurisdição por meio do
processo são traçados, pela lei,
vários procedimentos, o processo pode ser definido como
o procedimento que permite
que o juiz exerça a função jurisdicional.
11
“Nem se confunde a instrumentalidade de que aqui se
cuida, como parece óbvio, com
a instrumentalidade das formas.
Esse princípio, da mais profunda
relevância em direito processual,
contém-se todo ele inteiro na teoria do processo, como instituto
jurídico [...] Como se vê, trata-se
de diretriz importantíssima, mas
ainda mais visivelmente endosistemática, não se confundido
com a instrumentalidade que
é o tema das presentes investigações”. DINAMARCO, Cândido
Rangel. A instrumentalidade
do processo, 5ª ed. São Paulo:
Malheiros, 1996, p. 266. (grifo
acrescentado)
12
FGV DIREITO RIO 30
ação: teoria e procedimentos
Dessa forma, quanto à natureza jurídica, isto é, ao gênero ao qual pertence o instituto em análise, trata-se de uma categoria jurídica autônoma, per si, cujas espécies
seriam os processos de conhecimento, de execução etc.
Visto isto, é preciso visualizar o processo como garantia para a realização da
justiça e efetivação dos direitos, já que somente através deste instrumento as partes
poderão garantir sua participação equilibrada e protegida pelas garantias do devido
processo legal na formação da decisão.
2. TEORIAS SOBRE A NATUREZA JURÍDICA DO PROCESSO
a) Teorias privatistas
a.1) Teoria do processo como um contrato: Identificava o processo como um contrato (litiscontestatio), através do qual as partes se submetiam à decisão que viesse a
ser proferida.
a.2) Processo como um quase-contrato: Esta teoria, assim como a precedente, teve
sua origem na França (século XIX) e foi construída sobre fragmentos do direito
romano. Baseia-se na constatação de que, conquanto o processo não possa ser considerado um contrato, diante das contundentes críticas formuladas contra a teoria
anterior, dele decorrem obrigações que vinculam as partes.
b) Teoria da relação jurídica processual
Com a publicação, na Alemanha, da obra “Teoria dos pressupostos processuais e
das exceções dilatórias”, de Oskar von Bülow, em 1868, iniciou-se a sistematização
da relação processual, distinta da relação de direito material, abrindo espaço para
que o direito processual lograsse autonomia científica. Assim, Bülow identificou o
processo como uma relação jurídica – eis que decorriam para os seus sujeitos direitos e obrigações – distinta da relação jurídica material, tendo em vista que ambas as
relações possuíam sujeitos, objeto e pressupostos distintos.
Destacou-se das demais teorias não só pela identificação dos dois planos de relações, mas também pela sistematização ordenadora da conduta dos sujeitos processuais em suas relações recíprocas.
c) Teoria do processo como situação jurídica
Segundo o alemão James Goldschmidt, a única relação jurídica existente seria a
de direito material, não havendo direitos processuais, mas meras expectativas de se
obter vantagem. Assim, o processo constituiria uma série de situações jurídicas, concretizando para as partes direitos, deveres, faculdades, poderes, sujeições, ônus etc.
Tal teoria, entretanto, foi esvaziada por não conseguir afastar a noção de relação jurídica processual, contribuindo, contudo, para o enriquecimento da ciência processual
a partir do desenvolvimento e incorporação na doutrina dos conceitos de faculdades,
FGV DIREITO RIO 31
ação: teoria e procedimentos
ônus, sujeições, bem como da relação funcional de natureza administrativa entre juiz
e Estado.
d) Teoria do processo como instituição
Embora desenvolvida por Jaime Guasp, esta teoria teve seu principal representante na figura de Eduardo J. Couture. Consoante ela, o processo seria uma instituição jurídica. A primeira e maior dificuldade que dela decorre reside em esclarecer,
com precisão, o que significa a expressão instituição jurídica. O conceito de instituição possui origem eminentemente sociológica, e não jurídica, sobre ele havendo se
debruçado mentes brilhantes do porte de Ihering, Renard e Hauriou, sem que suas
idéias convergissem para um denominador comum. Para este último, que era sociólogo, há duas espécies de instituição: a instituição-pessoal (corresponde ao aspecto
sociológico da instituição e a instituição-coisa.
A instituição-pessoal, que corresponde ao aspecto sociológico da instituição, seria, segundo Tornaghi um “agrupamento de pessoas reunidas em tôrno [sic] de uma
idéia, a fim de realizá-la graças a uma organização permanente”. Exemplo de instituição-pessoal seria o sindicato. Já a instituição-coisa possuiria sentido diverso, que
abrangeria “aquêles [sic] conjuntos de regras de direito que formam um todo único”. O
processo, na lição de Couture, seria uma instituição desse último tipo.
Esta teoria, conquanto engenhosa, não explica satisfatoriamente a natureza jurídica do processo. O caráter impreciso e elástico do conceito de instituição, por si,
já recomenda que se evite tal categoria na revelação do que venha a ser o processo.
Por outro lado, ainda que se adotasse como referencial teórico a lição de Hauriou,
atingir-se-ia a conclusão de que o processo não pode ser considerado uma instituição-coisa, tampouco uma instituição-pessoal.
Com efeito, ele não pode ser definido como um conjunto de regras jurídicas e,
por isso, não é uma instituição-coisa. Assim, quando muito, poderia considerar-se
uma instituição-coisa o direito processual, mas não o processo. Além disso, o processo também não seria uma instituição-pessoal, haja vista que ele não se personifica, tampouco se caracteriza pela permanência.
e) Teoria do processo como procedimento em contraditório
De acordo com a doutrina de Elio Fazzalari, o processo seria um procedimento,
isto é, uma seqüência de normas destinadas a regular determinada conduta, em
presença do contraditório. Esta teoria defende a superação do conceito de relação
jurídica, o qual considera incapaz de revelar a natureza jurídica do processo.
Para ela, o processo é uma espécie do gênero procedimento. Mais precisamente:
o processo é o procedimento que se desenvolve em contraditório. O procedimento
poderia ser definido como uma série de atos e uma série de normas que os disciplinam, em conexão entre elas, regendo a seqüência de seu desenvolvimento.
Todo procedimento destina-se a preparar um provimento, que, por sua vez, é
um ato do Estado, de caráter imperativo, produzido pelos seus órgãos no âmbito
FGV DIREITO RIO 32
ação: teoria e procedimentos
de sua competência, seja um ato administrativo, um ato legislativo ou um ato jurisdicional.
O processo seria, portanto, aquela espécie de procedimento em que os interessados participariam, em condições de igualdade, interferindo efetivamente na
preparação do provimento.
O contraditório seria o elemento que qualifica o processo, permitindo apartá-lo
das demais espécies de procedimento. Esta teoria é criticada por procurar eliminar a
relação jurídica do conceito de processo. Afinal, não existe qualquer incompatibilidade entre contraditório e relação jurídica. É por meio da relação jurídica processual e das transformações que essa experimenta, à medida que o procedimento avança,
que se concretiza a garantia constitucional do contraditório.
Em outras palavras: a participação das partes, assegurada pelo contraditório, somente se faz efetiva, porque, com as transformações da relação processual, criam-se
para as partes diversos direitos, deveres, ônus, sujeições, enfim, diversas situações
subjetivas, cujo surgimento é indissociável da noção de relação jurídica.
f) Teoria do processo como categoria complexa
A referida teoria, destacada por Cândido Rangel Dinamarco, complementaria a
de Elio Fazzalari, ao sustentar que o processo é uma entidade complexa, ou seja, o
processo seria o procedimento realizado em contraditório e animado pela relação
processual.
Por se tratar de uma categoria complexa, o processo seria composto, basicamente, por dois aspectos: o extrínseco, que seria justamente o procedimento realizado
em contraditório; e o intrínseco, que, por sua vez, seria a relação jurídica processual
estabelecida entre as partes, gerando sucessivamente direitos, deveres, faculdades,
ônus.
Contestando a teoria do processo como relação jurídica, Dinamarco sustenta
sua falha, na medida em que esta não explica como o processo poderia ser apenas
uma relação processual, sem incluir um procedimento. Ou seja, a teoria partiria da
errônea percepção de que procedimento e relação jurídica processual não coexistem
no conceito e na realidade do processo, apesar de este não poder ser o que realmente
é na ausência de um desses elementos.
Não obstante tal teoria seja bem aceita na doutrina, as críticas remanescentes
apontam para a contradição existente em dissociar o processo nos planos interno e
externo, pois todo instituto ou entidade deve ser concebido como uma unidade.
g) Teoria do processo como categoria jurídica autônoma
Segundo os defensores da teoria, que no Brasil recebe a simpatia de Afrânio Silva
Jardim, o processo seria uma categoria jurídica autônoma, distinta das demais já
consagradas no quadro da Teoria Geral do Direito.
As diversas teorias existentes acerca da natureza jurídica do processo incidem
em equívoco metodológico: procuram, em vão e desnecessariamente, enquadrar o
FGV DIREITO RIO 33
ação: teoria e procedimentos
processo em categorias jurídicas já existentes. Consoante essa teoria, “o processo é o
processo” e simplesmente isso.
3. CLASSIFICAÇÃO DOS PROCESSOS
O processo, como meio de prestar tutela jurisdicional, não comporta nenhuma
divisão. No entanto, de acordo com seu objetivo podemos classificá-lo de três formas:
(i) processo de conhecimento, (ii) processo cautelar e (iii) processo de execução.
O Processo de conhecimento, segundo Cândido Rangel Dinamarco, corresponde a “uma série de atos interligados e coordenados ao objetivo de produzir tutela
jurisdicional mediante o julgamento da pretensão exposta ao juiz”. Trata-se do meio
pelo qual se comprova, através da formulação de uma norma jurídica concreta, determinado fato ou situação jurídica, a fim de se obter uma determinada prestação,
vantagem ou interesse que deverá ser realizado pela parte contrária.
Também chamado declaratório em sentido amplo, tem por objeto a pretensão
ao provimento declaratório, que é a sentença de mérito, isto é, o ato em que se
expressa a norma jurídica concreta disciplinadora da situação submetida ao órgão
jurisdicional.
Com o surgimento de novos direitos e a necessidade de tutela efetiva inspirada
na noção de um processo civil de resultados, o processo de conhecimento ganhou
novas feições em virtude da tutela antecipatória que, condicionada a requisitos específicos, permite a proteção adequada e tempestiva dos direitos em jogo.
O Processo cautelar corresponde a uma manifestação eminentemente instrumental e tem como objetivo assegurar a eficácia do processo de conhecimento e do
processo de execução, ou seja, a efetividade da tutela do direito material13.
Trata-se de uma atividade auxiliar e subsidiária fundada na hipótese de um futuro provimento jurisdicional favorável ao réu (fumus boni iuris) e no perigo decorrente do retardamento do remédio jurisdicional (periculum in mora).
Seu resultado específico é um provimento acautelatório. Daí se falar que no
processo cautelar temos uma instrumentalidade ao quadrado, pois ele seria o instrumento do processo principal, que é, por sua vez, instrumento para a realização
do direito material.
Por fim, o Processo de execução permite a realização prática do direito no mundo dos fatos, sendo utilizado sempre que se quer dar um efeito concreto, mesmo
contra a vontade do devedor, a um título extrajudicial.
Atualmente, em vistas das reformas legislativas iniciadas pelas Leis n° 8.952/94 e
10.444/2002, que chegaram ao seu ponto maior com a Lei nº 11.232/05, havendo
um título judicial, não se deve mais falar em processo de execução, mas tão somente
em cumprimento de sentença, que se coloca como a quinta e última fase do processo de conhecimento, iniciada após o trânsito em julgado da sentença (ou acórdão),
no caso do cumprimento definitivo, previsto no artigo 475-I do CPC.
Com as reformas, verifica-se um crescente abandono da noção original de
execução, representada por um processo autônomo em relação ao processo de
O processo cautelar não se
baseia em um juízo de certeza
(como o de conhecimento),
bastando que estejam presentes os requisitos fumus boni
iuris (aparência de bom direito)
e periculum in mora (perigo na
demora) para que seja concedida a tutela cautelar.
13
FGV DIREITO RIO 34
ação: teoria e procedimentos
conhecimento, isto é, uma nova relação jurídica processual, distinta da que se
extinguiu com a sentença de mérito transitada em julgado, com nova petição
inicial, nova citação etc.
Esse modelo, aos poucos, vem dando lugar à execução imediata, ou seja, à execução que se realiza na mesma relação processual em que se formou o título executivo
exeqüendo. Assim, a execução autônoma fica restrita aos títulos executivos extrajudiciais, bem como a alguns poucos títulos executivos judiciais (CPC, art. 475-N,
parágrafo único). Este é o principal resultado das inovações trazidas pela Lei n°
11.232, de 22 de dezembro de 2005.
Conforme a sentença proferida, o processo de conhecimento pode ser classificado da seguinte forma:
a) Corrente ternária
a.1) declaratório – visa à declaração da existência ou inexistência de determinada
relação jurídica ou da autenticidade ou falsidade de documento, as quais, uma vez
obtidas, exaurem o provimento jurisdicional invocado. Fundamenta-se no fato de
que a incerteza jurídica gera um conflito atual ou perigo de conflito cuja eliminação
é escopo da jurisdição;
a.2) constitutivo – pretende a modificação de uma situação ou relação jurídica e
a criação de uma nova. No processo constitutivo, o provimento jurisdicional constitui, modifica ou extingue a situação ou relação jurídica mediante a declaração das
condições legais que o autorizam. Nesse sentido, a partir de seu conteúdo, teremos
uma sentença constitutiva positiva ou, na última hipótese, uma sentença constitutiva negativa ou desconstitutiva. Assim como na hipótese anterior, o processo
presta a tutela jurisdicional pleiteada, uma vez que esta, em nenhuma das duas
hipóteses, dependia de atividades complementares que modificassem a realidade
sensível;
a.3) condenatório: pretende a condenação do réu à determinada prestação
proveniente de um direito anteriormente violado, possibilitando o acesso à execução forçada caso a obrigação não seja cumprida espontaneamente pelo devedor. Neste caso, considerando-se a reforma no processo de execução que tornou
excepcional a execução ex intervallo, teremos, via de regra, o cumprimento da
sentença dando continuidade à fase decisória; tudo dentro do processo de conhecimento.
b) Corrente quinária
b.1) Mandamental – caracteriza-se por dirigir uma ordem, um comando ao réu
que, atuando sobre a sua vontade, obriga-o a cumprir a sentença. É o que verificamos na execução das obrigações de fazer e de não fazer;
b.2) Executivo lato sensu – modalidade cuja sentença apresenta características
cognitivas e executórias, dispensando posterior propositura de ação de execução.
Como exemplo de sentença executiva lato sensu, podemos citar a ação de despejo.
FGV DIREITO RIO 35
ação: teoria e procedimentos
Lembremos que é importante destacar o advento da Lei nº. 11.232 de 2005, que
estabeleceu uma nova sistemática de cumprimento de sentença no ordenamento
pátrio, pelo qual, não mais se faz necessária a propositura de demandas executórias
para o fim de cumprimento de decisão judicial.
Para seus defensores, a classificação quinária representa a superação do modelo
liberal de não ingerência do Estado nas relações particulares, justificando-se em
virtude da incapacidade de as sentenças declaratória, constitutiva e condenatória
prestarem tutela preventiva ou tutela adequada aos direitos não patrimoniais, já que
nenhuma delas permite a inclusão de uma ordem judicial.
Nesse sentido, a importância do exercício do imperium repousa no risco de reduzir novamente o magistrado ao que Montesquieu denominou de “boca de lei”, noção esta superada pelo surgimento de figuras como as astreintes, no direito francês,
e o contempt power, de origem norte-americana, que permitem o exercício criativo
da jurisdição.
No entanto, é preciso referir a existência de largo dissenso na doutrina acerca
do conceito e dos limites de cada uma dessas modalidades, havendo necessidade de
maior amadurecimento sobre o tema.
LEITURA OBRIGATÓRIA
BUENO, Cássio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil, vol.
1, São Paulo, Saraiva, 2007, p. 368-390.
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil, vol. 1, 17 ª edição, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2008, p. 125-152 e p. 204-227.
LEITURA COMPLEMENTAR
MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Processo Civil, vol. 1, São Paulo, Revista
dos Tribunais, 2006, p. 387-467.
FGV DIREITO RIO 36
ação: teoria e procedimentos
AULA 04. PRESSUPOSTOS E QUESTÕES PROCESSUAIS
CASO
Pensemos na hipótese em que uma prescrição não foi argüida pela parte ré numa
demanda de indenização proposta, tampouco percebida pelo juiz durante toda fase
cognitiva da demanda que julga procedente o pedido do autor. O réu recorre pleiteando redução do valor da indenização e dos honorários advocatícios. O Tribunal,
por sua vez, observa que houve a prescrição da pretensão. Pergunta-se:
a) A prescrição poderia ter sido conhecida de ofício pelo magistrado, ou seja,
mesmo que o réu não argumentasse? Por quê?
b) Pode o Tribunal conhecer a prescrição de ofício mesmo já tendo havido sentença e o recorrente não tenha argüido a prescrição em seu recurso? Fundamente.
NOTA AO ALUNO
1. RELAÇÃO JURÍDICA PROCESSUAL
1.1. Características da Relação Jurídica Processual
Analisados o conceito de processo e sua natureza jurídica, a relação jurídica processual pode ser definida como a relação jurídica formada entre autor, réu e juiz, na qual se
discute, sob as luzes do contraditório, uma relação jurídica de direito material. Lembrese, uma vez mais, que a relação jurídica processual não se confunde com o processo,
mas tem nele seu nascedouro. As principais características dessa relação são:
a) Autonomia – a relação jurídica de direito processual é distinta da relação de
direito material, já que esta constitui a matéria em debate, e aquela, a relação
na qual esta se contém;
b) Natureza pública – constitui meio através do qual o juiz, representando o
Estado, exerce uma função pública (jurisdicional) em relação à qual as partes
têm de se sujeitar;
c) Complexidade – dela decorre para os sujeitos do processo, à medida que os atos
que compõem o procedimento vão sendo praticados, uma série de situações
jurídicas (direitos, poderes, faculdades, sujeições, ônus), sendo natural que a
parte que ora assume uma posição de vantagem (ex.: faculdade) outras vezes
seja colocada pela lei diante de uma posição de desvantagem (ex.: dever).
d) Progressividade (dinamismo) – é uma relação dinâmica, em constante movimento, resultante das diversas posições jurídicas formadas através de um
FGV DIREITO RIO 37
ação: teoria e procedimentos
procedimento, diferenciando-se, neste ponto, da relação jurídica de direito
material, que é estática;
e) Unidade – apesar de sua complexidade, os atos praticados são coordenados
formando uma unidade tendente a um objetivo comum, qual seja, a emissão
do provimento jurisdicional;
f ) Caráter tríplice – é formado por três sujeitos, a saber: Estado, autor e réu.
Todavia convém ressaltar novamente que não há consenso na doutrina quanto à configuração triangular da relação jurídica processual, havendo quem
defenda uma formação angular (sem contato direto entre autor e réu, que se
comprometem exclusivamente perante o Estado – ou Estado-juiz) ou mesmo a linear (com exclusão da figura do Estado, e de todo inaceitável).
Prevalece, no entanto, a concepção da figura triangular, cuja origem remonta à
formação original da teoria da relação jurídica processual, na qual haveria posições
jurídicas processuais que interligam autor e Estado, Estado e réu, réu e autor, em
virtude da existência de dever de lealdade recíproco entre as partes, da obrigação de
pagamento pela parte vencida das despesas processuais adiantadas pela parte vencedora, da possibilidade de convenção para a suspensão do processo e de transação,
quando em jogo direitos disponíveis materiais.
Esta é, também, a posição adotada pelo nosso ordenamento, já que, conforme
estabelece o art. 219, CPC, a coisa só se faz litigiosa a partir da citação válida. Há
quem chame tal relação de escalonada, pois não se resolve de uma só vez. Ela progride em três fases:
1º momento) linear: inicia-se quando o autor oferece a petição inicial dirigida a
um órgão jurisdicional.
2º momento) angular: ocorre a citação do réu para que ele vá a juízo se manifestar.
Esta relação se aprimorou pela citação a partir da qual o réu terá direito a oferecer
uma resposta, normalmente representada pela contestação, e também a obter uma
sentença que leve em consideração a resposta ofertada, esperando que tal provimento negue o pedido do autor.
3º momento) triangular: a partir do momento em que a relação se completa, temos
uma situação de pendência quanto à pretensão deduzida em juízo, ou seja, temos um
estado de litispendência que perdurará até a sentença definitiva a ser proferida pelo
juiz. Durante este estado, as partes poderão fazer valer suas razões através de direitos,
deveres, ônus e poderes previstos para os sujeitos da relação jurídica processual.
1.2. Objeto da relação jurídica processual
Enquanto na relação de direito material (primária) o objeto é o bem da vida
em conflito, isto é, uma importância pecuniária reivindicada, uma prestação de
fazer etc., na relação jurídica processual (secundária), o objeto constitui, conforme
a doutrina alemã, o mérito da causa, ou, em outras palavras, a pretensão – intenção
de subordinação do interesse alheio ao próprio – manifestada pelo demandante,
através do pedido.
FGV DIREITO RIO 38
ação: teoria e procedimentos
Assim, se o objeto é, conforme definição de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, “o ponto de convergência duma atividade”, o objeto do processo será o próprio
pedido do autor, representando uma manifestação de vontade dirigida ao Estado,
sobre a qual este exercerá a atividade jurisdicional.
2. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
São os requisitos mínimos necessários para o estabelecimento de uma relação
jurídica processual válida e regular (art. 267, IV, CPC). Dizem respeito ao processo
como um todo ou a determinados atos específicos, divergindo, neste ponto, das
condições da ação, que não dizem respeito ao meio e sim à possibilidade de atingir
o fim do processo – o exercício da jurisdição.
Afrânio Silva Jardim destaca que: “Não devemos confundir os pressupostos processuais com as condições da ação. Enquanto os primeiros se referem à existência e validade da relação processual, as segundas dizem respeito ao exercício do direito de ação”.
Com isto, presentes estes requisitos, a relação processual é considerada viável;
caso contrário, teremos a extinção do processo sem julgamento do mérito. Porém,
observemos que não há consenso em doutrina quanto à classificação dos pressupostos processuais.
A corrente doutrinária clássica divide em dois os pressupostos processuais:
a) pressupostos de existência, que são o órgão estatal investido de jurisdição, a
parte e a demanda; e
b) pressupostos de validade, que são requisitos que tornam o processo viável e
que, uma vez ausentes, não permitem a efetivação de eventual sentença de
mérito, muito embora o processo tenha existido. São eles a competência e
imparcialidade do juiz, capacidade das partes de serem “partes” e para estarem em juízo (legitimatio ad causam e legitimatio ad processum), a capacidade
postulatória, que é a aptidão para a prática de atos processuais (ius postulandi) e demanda regularmente ajuizada14.
Outra manifestação doutrinária atribui uma classificação subjetiva e outra objetiva aos pressupostos processuais. São:
a) pressupostos processuais subjetivos – o órgão estatal investido de jurisdição,
competente e imparcial; as partes com capacidade para ser parte, postular
em juízo e capacidade processual; e
b) pressupostos processuais objetivos – os requisitos da demanda, classificados
em extrínsecos, que dizem respeito à inexistência de fatos impeditivos à sua
constituição (a coisa julgada, a litispendência, a convenção de arbitragem,
o fato impeditivo ao exercício da ação); e em intrínsecos, que são relativos
à subordinação dos procedimentos às normas legais (citação válida do réu,
a intimação do Ministério Público, a regularidade procedimental).
Este tema será estudado na
aula 08.
14
FGV DIREITO RIO 39
ação: teoria e procedimentos
A falta de um pressuposto processual, em regra, impede que o juiz decida a lide.
No entanto, considerando-se o processo como um instrumento para a efetivação do
direito material e não um fim em si mesmo. Alcançado o objetivo da lei, a falta do
pressuposto poderá ser convalidada.
A visão moderna do processo impõe visualizá-lo a partir de dois aspectos: o
técnico e o humano (ou ético). Assim entendido, o processo torna-se fonte de descoberta, aprimoramento e interpretação das normas na linha de seus escopos jurídicos, sociais e políticos que informam o Estado Democrático de Direito, impondo a
utilização da técnica a serviço dos fins do processo, e não o contrário.
3. OBJETO DA COGNIÇÃO: QUESTÕES PRÉVIAS E MÉRITO
Questões são o objeto do conhecimento do juiz sobre todos os pontos de fato e
de direito que possam influir na admissibilidade e no conteúdo do julgamento do
mérito. Uma vez apreciados, o juiz decide se profere uma sentença de mérito de procedência ou improcedência, ou se extingue o processo sem resolução do mérito.
3.1. Questões prévias
As questões prévias são necessariamente examinadas antes da questão principal.
São divididas em:
a) Questão Prévia Preliminar, que se trata de verdadeira oposição ao julgamento do mérito da causa a ser argüida antes da contestação de mérito, na qual
se suscita a ausência de algum requisito indispensável para este julgamento.
Exemplo de defesa preliminar dilatória é a alegação de incompetência absoluta, e de defesa preliminar peremptória, a alegação de coisa julgada material;
b) Questão Prévia Prejudicial, que se trata de questão cujo exame deve anteceder,
por imposição lógica, a resolução do mérito. Embora não seja capaz de impedir
o exame do mérito, condiciona o teor da decisão acerca deste. Exemplificamos:
quando o réu, em sua contestação, alega a extinção da obrigação exigida pelo
autor, fundamentando sua defesa na ocorrência de compensação. Assim, antes
de examinar a pretensão do autor, para condenar ou não o réu ao cumprimento da obrigação alegada na petição inicial, o juiz deverá examinar se ocorreu
ou não o fato jurídico indicado pelo réu, do qual, supostamente, decorreria a
compensação e, em conseqüência, a extinção da obrigação.
3.2. Questões Principais
São chamadas de pretensão, representam o mérito do processo e são reveladas
pelo pedido que foi formulado pelo autor na sua petição inicial. Na maioria das
vezes, a questão preliminar é suscitada em razão da ausência de pressupostos processuais e/ou de condições da ação. Neste caso em que o autor não preenche um desses
FGV DIREITO RIO 40
ação: teoria e procedimentos
requisitos, o juiz não pode examinar o mérito da causa. Quase todas as questões
preliminares estão previstas no art. 301, CPC. Elas devem ser apresentadas ao juiz
na contestação, por força do art. 303, CPC, sob pena de responder pelas custas de
retardamento.
Não obstante, podem ser conhecidas a qualquer tempo, de ofício, pelo juiz, que
poderá extinguir o processo sem resolução de mérito, por força do disposto no artigo 267, § 3o, CPC, excetuando-se a convenção de arbitragem, como mencionado
anteriormente. Assim, sempre que o juiz acolher uma preliminar e for, por isso, impedido de examinar o pedido, ele proferirá uma decisão terminativa que não resolve
o mérito da causa (art. 267, CPC15). O art. 267, VI, CPC, fundamenta a teoria
eclética, consoante a qual, para que se possa falar em regular exercício do direito de
ação, faz-se necessário o preenchimento das respectivas condições.
Nesse sentido, enquanto o acolhimento da questão preliminar dá origem a uma
decisão terminativa, na qual teremos a extinção do processo sem resolução do mérito, o exame da questão principal implica uma decisão definitiva, em que o juiz
examina o mérito da causa, acolhendo ou rejeitando o pedido.
A resolução do mérito ocorre nas hipóteses enumeradas no art. 269, CPC16. Nos
incisos II, III e V, estão previstas as hipóteses de extinção do processo por iniciativa
das partes, em virtude do acolhimento do pedido pelo réu, de transação entre as
partes ou de renúncia pelo autor do direito em que se funda a ação.
Já nos incisos I e IV, o processo é extinto com análise do mérito por ato do juiz.
É o que teremos quando o juiz acolher ou rejeitar o pedido do autor, bem como
quando pronunciar a decadência ou a prescrição, que também são questões de
mérito.
Quanto a isto, houve grande controvérsia, pois até a edição do CPC, tradicionalmente, elas eram questões preliminares e não principais. No entanto, a prescrição
e a decadência são consideradas questões preliminares de mérito, em oposição a
questões relativas aos pressupostos processuais e condições da ação, que são chamadas de preliminares ao mérito. Isso porque embora sejam questões preliminares, a
prescrição e a decadência se relacionam intimamente ao mérito da ação.
A coisa julgada opera-se diversamente de acordo com a natureza da questão,
isto é, se ela é prévia ou principal. Esta é a mais relevante diferença entre a decisão
definitiva e a terminativa, pois, se terminativa, a decisão não impede a propositura
de outra ação – eis que o mérito não foi examinado ainda –, mas, se definitiva, observa-se o efeito preclusivo da coisa julgada material, impedindo o ajuizamento de
nova demanda.
No que tange à questão prejudicial, esta possui três características: a) antecedência lógica, que é um antecedente lógico e não cronológico da questão principal; b)
superordinação, que significa que a questão prejudicial vai influenciar no julgamento da principal, podendo esta última questão ser qualificada como prejudicada ou
subordinada; e c) autonomia, cuja questão prejudicial existe independentemente da
principal, podendo ser suscitada dentro ou fora daquele processo.
Há três diferenças básicas entre a questão preliminar e a prejudicial:
A Lei nº 11.232/2005 deu
nova redação ao caput deste artigo. Andou bem o legislador ao
substituir a palavra “julgamento” por “resolução”, pois nem
sempre o processo se extingue
através de decisão impositiva.
Entretanto, Athos Gusmão
Carneiro critica a manutenção
da expressão “extingue-se o
processo” no art. 267, afirmando que teria sido melhor se
o referido artigo tivesse sido
alterado como foi o art. 269,
que se limitou a dizer que nos
casos elencados não haveria a
resolução do mérito. CARNEIRO,
Athos Gusmão. Cumprimento da
Sentença Civil. Rio de Janeiro:
Forense, 2007, p. 122
15
A Lei nº. 11.232/2005 deu
nova redação ao caput deste
artigo. Além de ter substituído
a palavra “julgamento” por “resolução”, limitou-se a dizer que
nos casos elencados não haveria
a resolução do mérito.
16
FGV DIREITO RIO 41
ação: teoria e procedimentos
1) a preliminar só existe enquanto examinada em conjunto com a principal;
ela está sempre atrelada à principal. Já a prejudicial é autônoma, existindo
independentemente da principal;
2) a preliminar é, via de regra, uma questão processual, enquanto a prejudicial
é relativa ao direito material. Logo, esta se refere a uma relação jurídica que
deve ser primeiramente examinada para depois se examinar a principal;
3) a questão prejudicial determina como o mérito será julgado, enquanto a
questão preliminar determina se o mérito será julgado. Ex: Questiona-se o
inadimplemento de obrigação de fazer, mas já questionava o devedor a validade do contrato. Esta é questão prejudicial.
Quanto à classificação, a questão prejudicial se divide em duas: 1) quanto ao
processo em que esta questão é suscitada: a) interna, que é aquela que surge no mesmo processo da ação principal; b) externa, que é aquela discutida em outro processo. Isto é possível em razão de a questão prejudicial ser autônoma, referindo-se a
uma relação de direito material, subsistindo independentemente da principal.
Quanto ao ramo do direito em que surge a questão prejudicial, pode ser: 1)
homogênea, isto é, quando a questão prejudicial e a principal pertencem ao mesmo
ramo do direito; ou 2) heterogênea: quando a prejudicial pertence a ramo diverso
da principal. Por exemplo, em um acidente de trânsito, o réu é acusado de lesões
corporais no juízo criminal e a indenização é cobrada perante o juízo civil.
Embora haja controvérsia quanto a saber se o juiz decide apenas a questão principal ou também a prejudicial, no direito brasileiro a regra é que o juiz não decide a
questão prejudicial, apenas a aprecia17. Todavia, conforme se observa pelos arts. 5º e
325, CPC, no curso do processo pode uma ou ambas as partes fazerem um pedido
formal e escrito para que o juiz se pronuncie sobre a questão prejudicial, visto que
ela poderia ser apresentada novamente em ação futura, dada sua autonomia.
Neste caso, fundada nos princípios da economia processual e da inércia jurisdicional, surge a ação declaratória incidental, cujo objetivo é o julgamento, dentro do
mesmo processo, da questão prejudicial e da principal, as quais constarão da parte
dispositiva da mesma sentença, havendo a produção da coisa julgada material em
relação a ambas.
Isto porque, havendo tal requerimento, o juiz sentenciará principaliter sobre
a questão prejudicial, que será, desta forma, transformada em causa. Em outras
palavras: proposta a ação declaratória incidental, ocorre uma ampliação do thema
decidendum. Antes ele era composto apenas pela questão principal e, com o exercício da ação declaratória incidental, ele passa a se compor também da questão
prejudicial.
Assim, não sendo proposta ação declaratória incidental, a questão prejudicial
será analisada apenas na fundamentação da sentença, e, por conseguinte, não será
alcançada pela coisa julgada, que atinge apenas o dispositivo.
O art. 469, III, CPC, dispõe
que não faz coisa julgada a
apreciação da questão prejudicial. Todavia, o art. 470 traz
previsão em sentido contrário,
na hipótese de qualquer das
partes propor ação declaratória
incidental.
17
FGV DIREITO RIO 42
ação: teoria e procedimentos
LEITURA OBRIGATÓRIA
BUENO, Cássio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil, vol.
1, São Paulo, Saraiva, 2007, p. 390-415.
DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil, vol. 1, 9ª edição, Salvador,
Podium, 2008, p. 207-236.
MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Processo Civil, vol. 1, São Paulo, Revista
dos Tribunais, 2006, p. 468-481.
LEITURA COMPLEMENTAR
CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. A ética e os personagens do processo, Revista
Forense, n. 358, p. 347-353.
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Sobre pressupostos processuais, Temas de Direito Processual: quarta série, São Paulo, Saraiva, 1989, p. 83-93.
QUESTÃO DE CONCURSO
MP/RJ (XXI concurso – preliminar)
Conceitue questões preliminares e questões prejudiciais, confrontando-as e fornecendo exemplos das duas figuras processuais. Resposta objetivamente justificada.
FGV DIREITO RIO 43
ação: teoria e procedimentos
AULA 05. MOVIMENTO DE ACESSO À JUSTIÇA: AS ONDAS RENOVATÓRIAS
E O DIREITO BRASILEIRO; OS SUBPRINCÍPIOS DO ACESSO; O PROCESSO
JUSTO; A JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL.
CASO
Leia os textos abaixo e reflita sobre a temática acesso à justiça e processo justo:
“Não é preciso ser sociólogo de profissão para reconhecer que a sociedade (poderemos usar a ambiciosa palavra: civilização?) na qual vivemos é uma sociedade ou
civilização de produção em massa, de troca e de consumo de massa, bem como de
conflitos ou conflitualidades de massa. (...) Daí deriva que também as situações de
vida, que o Direito deve regular, são tornadas sempre mais complexas, enquanto por
sua vez, a tutela jurisdicional – a Justiça será invocada não mais somente contra violações de caráter individual, mas sempre mais freqüente contra violações de caráter
essencialmente coletivo, enquanto envolvem grupos, classes e coletividades. Tratase, em outras palavras, de violações de massa”. CAPPELLETTI, Mauro. Formações
Sociais e Interesses Coletivos Diante da Justiça Civil. In: Revista de Processo, vol. 5,
separata..
Constituição Italiana:
“Art. 111. La giurisdizione si attua mediante il giusto processo regolato dalla
legge. Ogni processo si svolge nel contraddittorio tra le parti, in condizioni di
parità, davanti a giudice terzo e imparziale. La legge ne assicura la ragionevole durata. Nel processo penale, la legge assicura che la persona accusata di un reato sia,
nel più breve tempo possibile, informata riservatamente della natura e dei motivi
dell’accusa elevata a suo carico; disponga del tempo e delle condizioni necessari
per preparare la sua difesa; abbia la facoltà, davanti al giudice, di interrogare o
di far interrogare le persone che rendono dichiarazioni a suo carico, di ottenere
la convocazione e l’interrogatorio di persone a sua difesa nelle stesse condizioni
dell’accusa e l’acquisizione di ogni altro mezzo di prova a suo favore; sia assistita
da un interprete se non comprende o non parla la lingua impiegata nel processo.
Il processo penale è regolato dal principio del contraddittorio nella formazione
della prova. La colpevolezza dell’imputato non può essere provata sulla base di
dichiarazioni rese da chi, per libera scelta, si è sempre volontariamente sottratto
all’interrogatorio da parte dell’imputato o del suo difensore. La legge regola i casi
in cui la formazione della prova non ha luogo in contraddittorio per consenso
dell’imputato o per accertata impossibilità di natura oggettiva o per effetto di provata condotta illecita. Tutti i provvedimenti giurisdizionali devono essere motivati.
Contro le sentenze e contro i provvedimenti sulla libertà personale, pronunciati
dagli organi giurisdizionali ordinari o speciali, è sempre ammesso ricorso in Cassazione per violazione di legge. Si può derogare a tale norma soltanto per le sentenze
dei tribunali militari in tempo di guerra. Contro le decisioni del Consiglio di Stato
FGV DIREITO RIO 44
ação: teoria e procedimentos
e della Corte dei conti il ricorso in Cassazione è ammesso per i soli motivi inerenti
alla giurisdizione”.
Convenção Européia dos Direitos Humanos:
“Article 6 – Droit à un procès équitable. 1. Toute personne a droit à ce que sa
cause soit entendue équitablement, publiquement et dans un délai raisonnable, par
un tribunal indépendant et impartial, établi par la loi, qui décidera, soit des contestations sur ses droits et obligations de caractère civil, soit du bien-fondé de toute
accusation en matière pénale dirigée contre elle. Le jugement doit être rendu publiquement, mais l’accès de la salle d’audience peut être interdit à la presse et au public
pendant la totalité ou une partie du procès dans l’intérêt de la moralité, de l’ordre
public ou de la sécurité nationale dans une société démocratique, lorsque les intérêts
des mineurs ou la protection de la vie privée des parties au procès l’exigent, ou dans
la mesure jugée strictement nécessaire par le tribunal, lorsque dans des circonstances
spéciales la publicité serait de nature à porter atteinte aux intérêts de la justice. 2.
Toute personne accusée d’une infraction est présumée innocente jusqu’à ce que sa
culpabilité ait été légalement établie. 3. Tout accusé a droit notamment à: a. être
informé, dans le plus court délai, dans une langue qu’il comprend et d’une manière
détaillée, de la nature et de la cause de l’accusation portée contre lui; b. disposer du
temps et des facilités nécessaires à la préparation de sa défense; c. se défendre luimême ou avoir l’assistance d’un défenseur de son choix et, s’il n’a pas les moyens de
rémunérer un défenseur, pouvoir être assisté gratuitement par un avocat d’office,
lorsque les intérêts de la justice l’exigent; d. interroger ou faire interroger les témoins
à charge et obtenir la convocation et l’interrogation des témoins à décharge dans les
mêmes conditions que les témoins à charge; e. se faire assister gratuitement d’un
interprète, s’il ne comprend pas ou ne parle pas la langue employée à l’audience”.
NOTA AO ALUNO
1. OS MOVIMENTOS DE ACESSO À JUSTIÇA
É fato indubitável que o direito processual civil tem passado por enormes transformações até alcançar sua forma atual. Desde os primórdios da civilização organizada, até os dias atuais, os povos têm apresentado como preocupação constante a
busca de instrumentos efetivos para a pacificação social.
Nesse sentido, as diversas sociedades evoluíram de modo a encontrara melhor
maneira de solucionar seus conflitos.
Desde que a jurisdição passou às atribuições do Estado e o Poder Estatal é enxergado como um todo que é exercido em três vertentes distintas, conforme sua área
de atuação, delinearam-se as três funções do Estado: administrar, legislar e julgar. É
nesse contexto que o Estado-Juiz assume a responsabilidade de exercer a jurisdição,
compondo de forma imperiosa e definitiva os litígios.
FGV DIREITO RIO 45
ação: teoria e procedimentos
A jurisdição apresenta, portanto, como vantagens, a imparcialidade, a defesa dos
direitos da sociedade e a autoridade e capacidade de impor a decisão tomada. Suas
características básicas são a presença de uma pretensão (existência de uma demanda
ajuizada, ou seja, um autor que vem a juízo a fim de deduzir sua pretensão e obter a
prestação jurisdicional do Estado-Juiz), a inércia (o fato de o juiz não agir de ofício,
mas somente quando provocado pelas partes), a substitutividade (o monopólio da
função jurisdicional) e a definitividade (cabe ao Judiciário dar a palavra final nos
conflitos e questões jurisdicionalmente suscitados).
Essas quatro características traduzem a própria jurisdição exercida pelo EstadoJuiz, através de um instrumento denominado processo. Assim, o Juiz irá adequar o
caso concreto, que lhe é submetido à “moldura legal”18, aplicando o dispositivo legal
pertinente à questão e solucionando o conflito de forma a garantir que seja proporcionada aos membros da sociedade a justiça por eles esperada quando escolheram o
Estado-Juiz como “único solucionador” de seus conflitos.
Esta é a realidade que prepondera hoje de forma quase absoluta na ordem processual mundial. Ocorre que a jurisdição, com o passar do tempo, tem se mostrado
ineficaz em diversas situações pelos mais variados motivos, o que, juntamente com
a crescente modificação da sociedade, enseja uma busca por novos instrumentos
jurisdicionais.
Nessa esteira, na ordem jurídica processual foram inseridos dispositivos voltados
à redução do nível de obstrução das vias jurisdicionais.
No Brasil foram adotadas basicamente duas formas de atuação. Numa primeira
linha foram criados e desenvolvidos mecanismos de tutela de interesses metaindividuais, tais como a ação popular, a ação civil pública, o mandado de segurança
coletivo e outras ações coletivas, previstas não só na Lei nº 7.347/85, mas também
no Código de Defesa do Consumidor e no Estatuto da Criança e do Adolescente,
entre outros.
Numa segunda linha, a ação foi diversificada; numa primeira vertente, os procedimentos tradicionais foram abreviados, suprimindo-se fases desnecessárias ou
aperfeiçoando-se a redação dos dispositivos legais, evitando-se assim maiores delongas processuais em razão de divergência de interpretação acerca dos mesmos.
Numa segunda vertente, procurou-se simplificar alguns procedimentos, principalmente aqueles que versavam sobre pequenas disputas na área cível, e infrações de
menor potencial ofensivo, na área criminal, através da adoção de princípios como
a oralidade, imediatidade, concentração e informalização, todos envoltos em uma
atmosfera conciliatória.
Seguindo a primeira linha de atuação, foi editada no Brasil a Lei nº 7.347/85,
que disciplinou a ação civil pública.
Contudo, o aparelho judiciário, apesar de inúmeras tentativas de melhora, tem
se mostrado lento na compreensão das questões coletivas, o que desperta, cada vez
mais, a atenção dos doutrinadores para a questão do acesso à justiça, sobretudo na
jurisdição coletiva.
O acesso à justiça é sem dúvida o tema mais em voga nos dias atuais. Tem influenciado diuturnamente o legislador nos múltiplos projetos apresentados, sobretudo na
Esta expressão era, e ainda é,
freqüentemente utilizada por
Paulo Cezar Pinheiro Carneiro
em suas aulas na Faculdade de
Direito da Uerj. Apesar de aparentemente simples, consegue,
com perfeição, definir o procedimento de suma relevância,
mas que por vezes transcorre
de forma imperceptível, onde o
julgador concretiza, com eficácia inter partes ou erga omnes,
dependendo do caso, o comando abstrato e genérico previsto
pelo legislador.
18
FGV DIREITO RIO 46
ação: teoria e procedimentos
chamada “Reforma do Poder Judiciário”. Ocorre que, como adverte Kazuo Watanabe, esta questão é bastante complexa, pois é necessária uma nova mentalidade a fim
de que se assegure o acesso à ordem jurídica justa.
Nessa perspectiva, Mauro Cappelletti19 introduz e apresenta ao mundo suas
“Ondas Renovatórias do Direito Processual”, que vêm sendo estudadas como a base
do moderno direito processual, não mais cegamente vinculado a regras formais,
mas comprometido com as novas necessidades sociais, e atento às modificações em
todos os ramos da vida humana. Isto se dá como verdadeira necessidade de sobrevivência de qualquer disciplina jurídica.
Por assim ser, se o direito é necessário para regulamentar a vida em sociedade
e se é certo que essa sociedade está em permanente evolução, a ciência jurídica encontra-se, inexoravelmente, diante do seguinte dilema: ou acompanha a
evolução, fornecendo as soluções adequadas e necessárias a se manter a ordem
no Estado Democrático de Direito, evitando de um lado o autoritarismo e de
outro a anarquia, ou torna-se obsoleta e desprovida de qualquer serventia, o que
acarretará sua mais perfeita falta de efetividade, utilizando-se aqui o termo no
contexto proposto por Luis Roberto Barroso, para quem efetividade significa “a
realização do Direito, o desempenho concreto de sua função social”, bem como
“a materialização, no mundo dos fatos, dos preceitos legais” simbolizando “a
aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever-ser normativo e o ser da
realidade social”.
É, nesse contexto, que voltamos ao pensamento de Cappelletti para concluir
que o direito, tanto material como processual, não pode ficar estagnado, sob pena
de cair em desuso ou, o que é pior, deixar de atender aos anseios sociais, perdendo
assim sua razão de ser.
Destarte, torna-se imperioso, nos dias de hoje, quando estamos imersos numa
ordem coletiva, investigar qual é o meio mais eficaz para a proteção dos direitos
transindividuais. Isto porque vivemos em uma sociedade de produção em massa;
temos relações de troca e de consumo em massa, bem como conflitos de massa.
Desta forma, não mais se procurará a Justiça apenas para dirimir conflitos de
caráter meramente individual, mas também para a solução de outros de natureza
eminentemente coletiva, já que envolvem grupos, classes e coletividades. Em outras
palavras, buscar-se-á a solução de conflitos oriundos de “violações de massa”.
Na realidade, a complexidade da sociedade moderna, com o intrincado desenvolvimento das relações econômicas, dá lugar a situações nas quais determinadas
atividades podem trazer prejuízos aos interesses de um grande número de pessoas,
fazendo surgir problemas desconhecidos às lides meramente individuais. Assim, os
direitos e os deveres não se apresentam mais, como nos Códigos tradicionais, de inspiração liberal-individualista, como direitos e deveres essencialmente indivi­duais,
mas metaindividuais.
Dessa forma, num caso concreto, um direito coletivo deve ter “mais valor”20 do
que um individual. Esse princípio deve se manifestar no que respeita à legitimidade,
concessão de medidas de urgência, ônus da prova (inversão), utilização de prova
ilícita, fungibilidade de execução e coisa julgada.
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH,
Bryant [tradução de Ellen Gracie
Northfleet]. Acesso à Justiça.
Porto Alegre: Sérgio Antonio
Fabris, 1988, p. 31 e ss..
19
Remetemos o aluno à teoria
da ponderação de interesses.
Para maiores esclarecimentos
sobre o tema, consulte-se SARMENTO, Daniel. A Ponderação
de Interesses na Constituição
Federal. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2000.
20
FGV DIREITO RIO 47
ação: teoria e procedimentos
Nessa linha de raciocínio, o próprio direito processual tradicional deve se reciclar, a exemplo do que vem sendo feito pelo direito civil, a fim de ganhar fôlego
para enfrentar o próximo milênio, em que uma sociedade de massa, cada vez mais
globalizada, recorrerá ao Poder Judiciário deduzindo pretensões coletivas e de extensão social.
Novamente aqui a questão põe-se em foco; ou o direito processual civil se renova
e se adapta às novas necessidades sociais, ou perderá em grande parte sua efetividade
contribuindo para elevar o nível de tensão social, na medida em que estará falhando
em seu objetivo de promover a paz e o bem comum na sociedade.
Tais considerações nos levam a concluir que as velhas regras e estruturas processuais precisam, de fato, sofrer revisão e aprimoramento, com o intuito de que
constituam instrumento cada vez mais eficaz rumo ao processo justo.
Paulo Cezar Pinheiro Carneiro propõe um re-estudo da garantia constitucional
do acesso à justiça, a partir de quatro grandes subprincípios do acesso à justiça,
a saber:
a) acessibilidade significa a existência de sujeitos de direito, capazes de estar
em juízo, sem obstáculos de qualquer natureza, utilizando adequadamente o
instrumental jurídico, e possibilitando a efetivação de direitos individuais e
coletivos.
b) operosidade, a seu turno, significa que todos os envolvidos na atividade judicial devem atuar de forma a obter o máximo de sua produção, para que se
atinja o efetivo acesso à justiça.
c) utilidade entende-se que o processo deve assegurar ao vencedor tudo aquilo
que ele tem direito a receber, da forma mais rápida e proveitosa, garantindose, contudo, o menor sacrifício para o vencido.
d) proporcionalidade, que se traduz pela escolha a ser feita pelo julgador quando
existem dois interesses em conflito. Deve ele se orientar por privilegiar aquele
mais valioso, ou seja, o que satisfaz um maior número de pessoas.
A noção de processo justo é difunda entre nós por Leonardo Greco, que assim
refere sua origem:
“foram a constitucionalização e a internacionalização dos direitos fundamentais, particularmente desenvolvidas na jurisprudência dos tribunais constitucionais e das instâncias
supra-nacionais de Direitos Humanos, como a Corte Européia de Direitos Humanos,
que revelaram o conteúdo da tutela jurisdicional efetiva como direito fundamental, minudenciado em uma série de regras mínimas a que se convencionou chamar de garantias
fundamentais do processo, universalmente acolhidas em todos os países que instituem a
dignidade da pessoa humana como um dos pilares do Estado Democrático de Direito”.
Com efeito, a referência legal do processo justo pode se obtida pela conjugação
do artigo 111 da Constituição Italiana com o artigo 6º da Convenção Européia dos
Direitos do Homem, expostos no intróito desta aula.
FGV DIREITO RIO 48
ação: teoria e procedimentos
Numa tentativa de estruturar as garantias inerentes ao justo processo, Luigi Paolo Comoglio oferece uma sistematização a partir das garantias individuais e estruturais, como bem resenha o Prof. Leonardo Greco no texto acima referido.
Por fim, necessário fazer a referência à obra de Luiz Guilherme Marinoni, que
vem retomando a idéia de um processo civil constitucionalizado, revendo os conceitos tradicionais de jurisdição, a partir dos grandes mestre italianos:
“Diante da transformação da concepção de direito, não há mais como sustentar as antigas teorias da jurisdição, que reservavam ao juiz a função de declarar
o direito ou de criar a norma individual, submetidas que eram ao princípio
da supremacia da lei e ao positivismo acrítico. O Estado constitucional inverteu os papéis da lei e da Constituição, deixando claro que a legislação deve ser
compreendida a partir dos princípios constitucionais de justiça e dos direitos
fundamentais. Expressão concreta disso são os deveres de o juiz interpretar a lei
de acordo com a Constituição, de controlar a constitucionalidade da lei, especialmente atribuindo-lhe novo sentido para evitar a declaração de inconstitucionalidade, e de suprir a omissão legal que impede a proteção de um direito fundamental. (...) O direito fundamental à tutela jurisdicional, além de ter como
corolário o direito ao meio executivo adequado, exige que os procedimentos e a
técnica processual sejam estruturados pelo legislador segundo as necessidades do
direito material e compreendidos pelo juiz de acordo com o modo como essas
necessidades se revelam no caso concreto. (...) O juiz tem o dever de encontrar
na legislação processual o procedimento e a técnica idônea à efetiva tutela do
direito material. Para isso deve interpretar a regra processual de acordo, tratá-la
com base nas técnicas da interpretação conforme e da declaração parcial de nulidade sem redução de texto e suprir a omissão legal que, ao inviabilizar a tutela
das necessidades concretas, impede a realização do direito fundamental à tutela
jurisdicional”.
Como se pode perceber, sem maiores dificuldades, é impossível conceber nos
dias atuais a atividade jurisdicional divorciada dos princípios constitucionais, especialmente do acesso à justiça e da dignidade da pessoa humana21.
LEITURA OBRIGATÓRIA:
CAPPELLETTI, Mauro, GARTH, Bryant. Acesso à Justiça, Porto Alegre, Fabris,
1988, p. 7-29 (Introdução mais Capítulos I e II).
LEITURAS COMPLEMENTARES:
CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Acesso à Justiça: Juizados Especiais Cíveis e
Ação Civil Pública, Rio de Janeiro, Forense, 1999, p. 1-101.
A dimensão do problema da
morosidade da justiça motivou
a assinatura do Pacto de Estado
em favor de um judiciário mais
rápido e republicano pelos presidentes de todos os Poderes
que será objeto de capítulo próprio em nosso trabalho. “Poucos
problemas nacionais possuem
tanto consenso no tocante aos
diagnósticos quanto à questão
judiciária. A morosidade dos
processos judiciais e a baixa eficácia de suas decisões retardam
o desenvolvimento nacional,
desestimulam investimentos,
propiciam a inadimplência,
geram impunidade e solapam a
crença dos cidadãos no regime
democrático”. Publicado no DOU
n.º 241, de 16 de dezembro de
2004, seção I, pág. 8.
21
FGV DIREITO RIO 49
ação: teoria e procedimentos
GRECO, Leonardo. O acesso ao direito e à justiça, Estudos de Direito Processual,
Campos dos Goytacazes, Ed. Faculdade de Direito de Campos, 2005, p.
197-223.
PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. A dimensão da garantia do acesso à
justiça na jurisdição coletiva, Juris Poiesis – Revista dos Cursos de Direito da
Universidade Estácio de Sá, vol. 5, 2002, p. 21-30 (também disponível em
www.humbertodalla.pro.br)
WATANABE, Kazuo. Acesso à justiça e sociedade moderna, in Participação e
Processo, coordenação de Ada Pellegrini Grinover, Cândido Rangel Dinamarco e Kazuo Watanabe, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1988, p. 128-135.
Sites
http://fr.wikipedia.org/wiki/Convention_europ%C3%A9enne_des_droits_
de_l’homme#Article_n.C2.B0_6_:_droit_.C3.A0_un_proc.C3.A8s_.
C3.A9quitable.
http://it.wikisource.org/wiki/Costituzione_della_Repubblica_italiana.
http://www.humbertodalla.pro.br.
http://www.mundojuridico.adv.br/sis_artigos/artigos.asp?codigo=429
FGV DIREITO RIO 50
ação: teoria e procedimentos
AULA 06. AS REFORMAS NO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO; CICLOS DE
REFORMAS; OS FILTROS AO ACESSO À JUSTIÇA; A EMENDA CONSTITUCIONAL
45/04; O PACTO POR UM JUDICIÁRIO MAIS RÁPIDO E REPUBLICANO; O
PRINCÍPIO DA DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO (ART. 5º, INCISO
LXXVIII DA CONSTITUIÇÃO DE 1988).
CASO
Os textos a seguir apontam para a crise da morosidade da prestação jurisdicional.
Para alguns juristas a justiça tardia não representa justiça. Para outros, porém, a
justiça célere pode ser ineficiente.
“Em tempo de crise da justiça, é normal que se questione o papel nela desempenhado pelo direito processual civil. Menos natural é a tendência para ver na lei
de processo a origem, ou o mais importante factor de agravamento dessa crise.
Esta imputação é, porém, quer em Portugal quer em outros países, um hábito. O
processo civil aparece assim, com freqüência, como bode expiatório de deficiências
na orgânica judiciária, na preparação de magistrados, advogados e funcionários
judiciais e no controlo do funcionamento do sistema da justiça. (...) De qualquer
modo, os atrasos escandalosos dos processos cíveis, que, nos últimos anos, além
de terem passado a constituir a regra nas causas mais complicadas, se tornaram
habituais nas causas de pouca complexidade, têm, fundamentalmente, origem em
circunstâncias exógenas às normas processuais”. FREITAS, Jose Lebre de. A Crise
e o Processo Civil. In: Justiça em Crise? Crises da Justiça. Lisboa: Publicações Dom
Quixote. 2000. pp.275/6.
“Um processo de empenho garantístico é por força um processo menos célere (...)
necessidade de salvaguardar na atividade judicial certos interesses e valores de que
uma sociedade democrática não ousaria prescindir (...). Nada mais sumário e rápido
que o linchamento do réu”. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Temas de Direito
Processual. Oitava série. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 05.
Diante da leitura dos textos acima, reflita sobre a afirmativa a seguir, manifestando sua concordância ou discordância com a mesma:
“O problema da insatisfação com a justiça está na morosidade decorrente da
legislação processual. As reformas processuais que estão ocorrendo refletirão, dentro
de poucos anos, numa justiça mais rápida e efetiva”.
NOTA AO ALUNO
A maior preocupação dos estudiosos do Direito Processual na atualidade tem
sido com a efetividade da prestação jurisdicional, de modo a proporcionar ao
FGV DIREITO RIO 51
ação: teoria e procedimentos
cidadão uma resposta mais rápida do Poder Judiciário. Por este motivo estão
sendo realizados vários movimentos na comunidade jurídica para atingir este
escopo.
Em 1994 foi levada a efeito a primeira grande reforma que proporcionou grandes inovações. Pode ser citada como exemplo a nova sistematização da tutela antecipada, da tutela específica das obrigações de fazer e não fazer, o novo regime do
recurso de agravo, entre outras.
Em 2001 e 2002, Com a entrada em vigor das leis nº 10.352/01, 10.358/01 e
10.444/02, concretizou-se a segunda grande reforma do Código de Processo Civil,
que teve como pontos mais relevantes: (i) limitar os casos de reexame necessário; (ii)
permitir a fungibilidade entre as providências antecipatórias e as medidas cautelares
incidentais; (iii) reforçar a execução provisória; (iv) permitir ao relator a conversão
de agravo de instrumento em agravo retido; (v) limitar os casos de cabimento de
embargos infringentes; (vi) corrigir a redação de diversos dispositivos legais, etc.
Em dezembro de 2004, depois de intensos debates, é finalmente aprovada e
editada a Emenda Constitucional nº 45, que traz em seu bojo a chamada “Reforma
do Poder Judiciário”22.
Vários projetos foram, então, encaminhados ao Congresso Nacional, principalmente pelo Instituto Brasileiro de Direito Processual Civil, originando outras
alterações, dentre as quais a Lei 11.187/05, que alterou novamente o regime do
agravo e a Lei nº 11.232/05, que deu novo tratamento à execução por quantia certa
fundada em sentença, estendendo a essa a comunhão entre as instâncias cognitiva e
executória, consagrando como regra o sincretismo, antes relegado à figura de situação excepcional no cenário executivo brasileiro.
A esses Diplomas juntaram-se: a Lei nº 11.277/06, dispondo sobre uma nova e
polêmica hipótese de sentença liminar; a Lei nº 11.276/06, que inseriu no nosso
ordenamento a denominada súmula obstativa de recurso e alterou disposições relativas à apelação; a Lei nº 11.280/06, que incluiu no texto do código diversas disposições de relevo; a Lei nº 11.341/06, que alterou o parágrafo único do artigo 541 do
C.P.C.; a Lei nº 11.382/06, que criou nova sistematização para a execução fundada
em títulos extrajudiciais; a Lei nº 11.417, que disciplina a edição, a revisão e o cancelamento de enunciado de súmula vinculante pelo Supremo Tribunal Federal; a
Lei nº 11.418/06 que acrescenta dispositivos que regulamentam o § 3º do art. 102
da Constituição Federal; a Lei nº 11.419/06, que dispõe sobre a informatização do
processo judicial; e, por fim, ao menos até agora, a Lei nº 11.441/07, que simplifica
o procedimento para o inventário, partilha, separação e divórcio consensuais.
Impressiona não só o número de dispositivos alterados, como, principalmente,
o fato de que alguns institutos são alterados diversas vezes. Veja-se o caso do agravo.
Primeira alteração ocorrida em 1995, com a Lei nº 9.139; seis anos mais tarde, a
Lei nº 10.352/01 introduz novas alterações; quatro anos após a segunda alteração,
a Lei nº 11.187/05 modifica novamente o instituto.
Percebemos claramente que tantas reformas legislativas de ordem processual buscam fundamentalmente aniquilar a questão da morosidade da justiça, que, por sua
vez, também merece algumas reflexões.
Conferir o texto do “Pacto” no
sítio http://www.humbertodalla.pro.br .
22
FGV DIREITO RIO 52
ação: teoria e procedimentos
Na opinião de Barbosa Moreira, a idéia de que a justiça brasileira é morosa ou
que aqui, a prestação da tutela jurisdicional é mais lenta do que em países mais desenvolvidos é um mito, que não justifica acalentar. Não são diferentes, também, as
razões apontadas como causas da crise judiciária em terras estrangeiras.
Os motivos atribuídos à crise da justiça estatal não são poucos. Contudo, impingi-los na integralidade, ao Poder Judiciário é, além de covarde, uma argumentação
leviana, simplista e despida de critérios técnicos.
Sem embargo de que o processamento infindável de uma causa traz danos aos
sujeitos do processo, pela simples postergação de sua ultimação, independentemente de ser a parte vencedora ou não. O dano marginal é impingido tanto ao autor
quanto ao réu, ou seja, a demora na prestação jurisdicional causa às partes envolvidas desconforto, angústia e, na maioria das vezes, lesões de ordem material, demandando solução em tempo aceitável.
A Constituição norte-americana ao promulgar a 6ª emenda evidencia também,
a preocupação com o processamento em tempo hábil.23 O speedy trial é uma das
liberdades fundamentais trazidas pelo Bill of Rights, ainda que sua aplicação tenha
incidência no processo penal.
Por outro lado, os processos cíveis na Itália duram em média cinco anos até
seu julgamento final do recurso. Na busca por uma maior efetividade na prestação
jurisdicional a Itália tem levado a cabo alterações no ordenamento processual. As
modificações, contudo, não surtiram os efeitos pretendidos. Assim como no Brasil
e alhures, diversas são as causas dos entraves jurisdicionais: aparato judiciário deficiente, desproporcional relação entre juízes e população, a escalada em progressão
geométrica dos conflitos submetidos ao judiciário, etc.
Dentro dessas premissas, passamos a analisar o movimento do legislador brasileiro em prol das reformas processuais, sobretudo a partir da Emenda nº 45/04 e
do Princípio Constitucional da Duração Razoável do Processo, insculpido no artigo
5º, inciso LXXVIII24.
“Poucos problemas nacionais possuem tanto consenso no tocante aos diagnósticos quanto à questão judiciária. A morosidade dos processos judiciais e a baixa
eficácia de suas decisões retardam o desenvolvimento nacional, desestimulam investimentos, propiciam a inadimplência, geram impunidade e solapam a crença dos
cidadãos no regime democrático.”25
Na tarefa jurisdicional há o nítido caráter de serviço, prestado à sociedade, que se
manifestando inefetivo possibilitará a responsabilidade civil objetiva do Estado.26
Sobre a temática acerca de qual deveria ser o tempo razoável de duração do processo, alertamos que a expressão tem caráter dinâmico e aberto27. Há de se proceder
a uma análise individual, consoante à natureza do caso concreto.
No que tange aos meios que garantam a celeridade de sua tramitação (inciso
LXXVIII, do art. 5º, in fine da CF), asseveram os doutrinadores que ficará ao encargo do legislador processual. Podemos aqui aplicar os critérios para a aferição da
razoável duração do processo: ope legis traduzido pela fixação do prazo considerado
VI Amendement of the United
States Constitution: “In all criminal prosecutions, the accused
shall enjoy the right to a speedy
and public trial, by an impartial
jury of the State and district
wherein the crime shall have
been committed, which district
shall have been previously ascertained by law, and to be informed of the nature and cause of
the accusation; to be confronted
with the witnesses against him;
to have compulsory process for
obtaining witnesses in his favor,
and to have the Assistance of
Counsel for his defence”.
23
Luiz Guilherme Marinoni nos
ensina que: “Uma leitura mais
moderna, no entanto, faz surgir
a idéia de que essa norma constitucional garante não só o direito
de ação, mas a possibilidade de
um acesso efetivo à justiça e,
assim, um direito à tutela jurisdicional adequada, efetiva e
tempestiva. Não teria cabimento
entender, com efeito, que a Constituição da República garante ao
cidadão que pode afirmar uma
lesão ou uma ameaça a direito
apenas e tão somente uma
resposta, independentemente
de ser ela efetiva e tempestiva.
Ora se o direito de acesso à justiça é um direito fundamental,
porque garantidor de todos os
demais, não há como imaginar
que a Constituição da República
proclama apenas que todos têm
direito a uma mera resposta do
juiz”. MARINONI, Luiz Guilherme. Garantia da tempestividade
da tutela jurisdicional e duplo
grau de jurisdição. In: CRUZ E
TUCCI, José Rogério. Garantias
Constitucionais do processo civil.
São Paulo: RT, 1999. p.218).
24
Extraído do texto introdutório
do Pacto Republicano.
25
FGV DIREITO RIO 53
ação: teoria e procedimentos
razoável pelo legislador e o critério ope judices quando o magistrado, em razão de
comando genérico fixado pelo legislador, é quem procederá à avaliação do tempo de
duração (razoável) do processo.
Razoável será o tempo necessário para a cognição da causa até a efetiva entrega
(ou não) do bem pretendido pela parte, ou seja, de todo o iter processual até a efetivação do provimento final. A doutrina tem abordado que a razoável duração do
processo tem como características: a) a universalidade, b) a limitabilidade, c) cumulatividade e d) irrenunciabilidade.
O tema palpitante nas discussões é acerca dos critérios para a análise de cada
caso, pois algum critério deverá nortear a atividade do aplicador. Vários são os doutrinadores que, ao se posicionarem, referem-se aos critérios adotados pela Corte
Européia de Direitos do Homem.
Consubstanciada em direito e garantia fundamentais inafastáveis da dignidade
da pessoa humana, a razoável duração do processo deverá ser enfrentada, então,
pelos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
Recorde-se que o Estado Democrático de Direito, em sua evolução, assenta como
princípios a certeza e a segurança jurídica como forma de propiciar a estabilidade e
a credibilidade do exercício da função jurisdicional.
A segurança jurídica refere-se à estabilidade da ordem jurídica, consagrandose nesta como princípio constitucional, indispensável à previsibilidade dos efeitos
jurídicos que regulam (ou que regularão) a sociedade. Entretanto, o alcance da
segurança jurídica dependerá de instrumentos de efetivação. A segurança jurídica é
objetiva, pois confere aos indivíduos a certeza de agir conforme o direito. Segurança
e justiça são valores constitucionais que se relacionam, assim aponta o constituinte
originário no preâmbulo da Constituição como valores supremos.
Processo e Jurisdição devem ser harmonizados no Estado Democrático de Direito,
diante da contemporaneidade do processo civil. A tempestividade como fator de concretização da adequada tutela jurisdicional necessita, sempre que possível, do contraditório e da ampla defesa, sem que jamais se descuide do devido processo legal.
Nesse contexto, parece que é hora de começar a refletir sobre tantas alterações e
o impacto causado por elas no bom funcionamento do ordenamento processual.
Aliamo-nos, aqui, às considerações apresentadas pelo Prof. Leonardo Greco, em
março do ano de 2006, quando em Seminário realizado na Escola da Magistratura28
do Estado do Rio de Janeiro, defendeu a necessidade da criação de uma Comissão
Permanente de Reforma Legislativa. Fundamental a participação de órgãos públicos, Universidades, Associações de Classe, OAB e entidades do Terceiro Setor, de
modo a combinar a boa técnica à demanda social.
Deve ser ainda divulgado um calendário das reformas, com o objetivo de não
causar surpresa entre os operadores, evitando a publicação de Leis de grande impacto em período de recesso ou férias (como já ocorreu com a Grande Reforma
de 1994, com a Lei nº 11.232/05 e, recentemente, com as Leis 11.417, 11.418 e
11.419 de 2006).
Talvez, dessa forma, se possa aproveitar o máximo das reformas, que certamente
são necessárias, sobretudo em tempos de evolução social tão rápida, sem esquecer de
Encontra-se tramitando na
Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 7599 de 2006, apresentado pelo Deputado Carlos
Souza instituindo os Fundos de
Garantia da Prestação Jurisdicional Tempestiva – FUNJUR, no
âmbito da União e dos Estados,
para a indenização pela demora
excessiva do processo. Dentre
as previsões destacamos a limitação da indenização a vinte
por cento do valor da causa,
destinada apenas ao autor,
altera também o art. 20 Código de Processo Civil, impondo
ao vencido o recolhimento de
quinze por cento do somatório
dos honorários advocatícios
e das despesas antecipadas
pelo vencedor, destacando em
sua justificativa a experiência
italiana. Não prevê, contudo, a
responsabilidade do Estado nos
procedimentos de jurisdição
voluntária, tampouco a legitimidade do vencido para postular a indenização. A íntegra do
texto encontra-se disponível na
Internet no sítio www.camaradosdeputados.gov.br. Acesso
em 06/07/2007.
26
Segundo Augusto Morelo
“conviene reparar en que la formula plazo razonable, traduce
lo que em la teoria se denomina
un concepto jurídico indeterminado, que debe ir recortánose
em su flexible y ajustable adaptabilidad a distintos parâmetros
sociológicos y jurídicos dentro
de los cuales cobra relieve la
manifestación de um proceso
específico y la consecuente respuesta jurisdiccional”. MORELO,
Augusto M. El Proceso Justo.
Buenos Aires: Abeledo Perrot,
1994, p. 370.
27
Seminário sobre as alterações
instituídas no Código de Processo Civil pelas novas Leis de 2005
e 2006, coordenado pelos Profs.
Gabriel Zéfiro, José Roberto
Sampaio e Humberto Dalla;
realizado no dia 10 de março
de 2006 e disponível em vídeo
e CD na biblioteca da Escola da
Magistratura do Estado do Rio
de Janeiro. Maiores informações no endereço http://www.
emerj.rj.gov.br .
28
FGV DIREITO RIO 54
ação: teoria e procedimentos
preservar, da melhor forma possível, a integridade e a coerência do sistema, evitando
alterações sucessivas no mesmo dispositivo, ou mesmo ponderando previamente
com os setores doutrinários e judiciais quanto à viabilidade das modificações, evitando eventuais decisões refratárias às modificações por ventura introduzidas.
MATERIAL DE APOIO
Doutrina
“Uma leitura mais moderna, no entanto, faz surgir a idéia de que essa norma
constitucional garante não só o direito de ação, mas a possibilidade de um acesso
efetivo à justiça e, assim, um direito à tutela jurisdicional adequada, efetiva e tempestiva. Não teria cabimento entender, com efeito, que a Constituição da República
garante ao cidadão que pode afirmar uma lesão ou uma ameaça a direito apenas e
tão somente uma resposta, independentemente de ser ela efetiva e tempestiva. Ora
se o direito de acesso à justiça é um direito fundamental, porque garantidor de todos
os demais, não há como imaginar que a Constituição da República proclama apenas
que todos têm direito a uma mera resposta do juiz”. (MARINONI, Luiz Guilherme. Garantia da tempestividade da tutela jurisdicional e duplo grau de jurisdição.
In: CRUZ E TUCCI, José Rogério. Garantias Constitucionais do processo civil. São
Paulo: RT, 1999. p. 218).
“Comecemos pelos Estados Unidos: consoante duas fontes autorizadas, em muitos lugares um feito civil de itinerário completo (isto é, que chegue ao trial) dura
comumente, no primeiro grau de jurisdição, nada menos que três a cinco anos.
Quanto à Inglaterra, com referência ao ano de 1990, aponta-se uma distância média
de 145, 3 semanas (ou seja, 2,78 anos) entre o writ inicial e a extinção do processo,
com trial ou sem ele. Não discrepam os números concernentes à Austrália: a julgar
pelos resultados de pesquisa levada a cabo pelo New South Wales Government Insurance Office, a respeito de causas relativas a acidentes de tráfego, foi de 38 meses
(mais de 3 anos, portanto) o tempo médio necessário para conduzir a termo o feito”
(MOREIRA, Jose Carlos Barbosa. Temas de Direito Processual. Sétima Série. Rio de
Janeiro: Saraiva. 2001. p. 169.)
“Em termos genéricos, tenho por seguro que a chamada crise da justiça é, fundamentalmente, crise na justiça, enfatizada por uma crise geral societária. Com efeito,
toda a crise de valores, designadamente ao nível da família, da escola, das religiões,
etc, juntamente com um melhor conhecimento dos direitos de cidadania e um patente espírito de litigância, tudo isso inundou os tribunais de problemas, sem que
tivesse sido previsto que isso aconteceria e, portanto, sem que os tribunais tivessem
sido dotados de meios para a adequada resposta. Por outro lado, há realmente factores internos do serviço de justiça, demasiado formalistas, burocratizados, regulamentaristas que, sempre, seriam negativos, e que foram potencializados pelos factores que
vieram de fora do sistema judiciário. Ou seja, justifica-se uma refundação judiciária
FGV DIREITO RIO 55
ação: teoria e procedimentos
passando por revisão de pontos estruturantes do respectivo sistema que, demasiadas
vezes, longe de viabilizarem decisões oportunas, permitem excessivas delongas processuais”. (FERREIRA, Jaime Octávio Cardona. Justiça em Crise? Crises da Justiça.
Lisboa: Publicações Dom Quixote. 2000. p. 209-210.)
“Com efeito, as causas da morosidade da justiça são várias – anacronismo da
organização judiciária, falta de recursos financeiros, deficiências da máquina judiciária, burocratização dos serviços, ausência de infra-estrutura adequada, baixo nível
do ensino jurídico e aviltamento da remuneração dos servidores – e nenhuma delas,
isoladamente, explica o quadro atual de lentidão dos processos. É inquestionável,
porém, que nossa anacrônica organização judiciária é responsável, em grande medida, pela dissonância existente entre a modernidade de nosso processo e o atraso
na distribuição da Justiça”. (LOPES, João Batista. Efetividade do Processo e Reforma
do Código de Processo Civil: como explicar o paradoxo processo moderno – justiça
morosa?. Revista de Processo 105, p. 128.)
“O princípio da razoabilidade é um parâmetro de valoração dos atos do Poder
Público para aferir se eles estão informados pelo valor superior inerente a todo ordenamento jurídico: a justiça. (...) É razoável o que esteja conforma a razão, supondo
equilíbrio, moderação e harmonia, o que não seja arbitrário ou caprichoso, o que
corresponda ao senso comum, aos valores vigentes em dado momento ou lugar”.
(BARROSO, LUÍS Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 2ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 204/5.)
Jurisprudência
Dano marginal em sentido estrito ou por indução processual é causado pela demora da prestação jurisdicional. Registre-se que o Brasil não vislumbrava a ocorrência de dano marginal. Ilustramos: “O risco causado tão-somente pela demora na
prestação jurisdicional ou dano marginal do processo que não justifica, por si só, a
tutela antecipada. Todos os que necessitam da tutela jurisdicional têm de suportar
as conseqüências decorrentes da morosidade dos processos judiciais. Fosse a demora
aceita como motivo da antecipação da tutela, a medida seria concedida a todos os
processos. É necessária, portanto, a ocorrência de situação concreta e definida que
coloque em risco a efetividade e utilidade da prestação jurisdicional”. Grifo nosso
(Agravo de Instrumento n. 356.136-5/0 – Presidente Bernardes – 1ª Câmara de
Direito Público – Relator: Roberto Bedaque – 18.05.2004 – V.U.) JUBI 95/04.
“O princípio da razoabilidade e da proporcionalidade não podem ser invocados
para justificar a evidente ineficiência do Estado-Juiz que, desaparelhado, promove
intolerável excesso de prazo na condução da instrução criminal” (STJ, HC 27883PA, relatora Ministra Laurita Vaz, DJU 18.08.2003).
FGV DIREITO RIO 56
ação: teoria e procedimentos
LEITURAS OBRIGATÓRIAS
MOREIRA, José Carlos Barbosa. O futuro da Justiça: alguns mitos, Temas de
Direito Processual: oitava série, São Paulo, Saraiva, 2004, p. 1-13.
MOREIRA, José Carlos Barbosa. A Emenda Constitucional nº 45 e o processo,
Temas de Direito Processual: nona série, São Paulo, Saraiva, 2007, p. 21-37.
LEITURAS COMPLEMENTARES
GRECO, Leonardo. A reforma do Poder Judiciário e o acesso à Justiça, Estudos
de Direito Processual, Campos dos Goytacazes, Ed. Faculdade de Direito de
Campos, 2005, p. 583-621.
MOREIRA, José Carlos Barbosa. O desafio da celeridade na prestação jurisdicional, Revista da EMERJ – Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro,
nº 36, 2006, p. 70-84.
MOREIRA, José Carlos Barbosa. O problema da duração dos processos: premissas para uma discussão séria, Temas de Direito Processual: nona série, São
Paulo, Saraiva, 2007, p. 367-377.
FGV DIREITO RIO 57
ação: teoria e procedimentos
AULA 07. PROCESSO DE CONHECIMENTO; PROCEDIMENTO COMUM
(SUMÁRIO E ORDINÁRIO) E ESPECIAL (DE JURISDIÇÃO CONTENCIOSA E
VOLUNTÁRIA); PROCESSO INDIVIDUAL (LITISCONSÓRCIO E INTERVENÇÃO
DE TERCEIROS) E PROCESSO COLETIVO; UMA VISÃO SISTEMÁTICA DOS
PROCEDIMENTOS PREVISTOS NO CPC E NA LEGISLAÇÃO EXTRAVAGANTE.
CASO
1 – Caio verificou em notícia veiculada na imprensa acerca de uma diferença
a qual os aposentados e pensionistas pela Previdência Social deveriam receber em
razão de erro de cálculo dos benefícios concedidos entre agosto de 1999 e março
de 2003. Caio, após consultar um contador particular, propôs uma ação de revisão
buscando o recebimento das diferenças encontradas e demonstradas na planilha
que acostou à petição inicial. O valor apurado era de cinqüenta salários mínimos
na data da propositura da demanda. Caio, por seu advogado, propõe a demanda
sob o procedimento comum, rito sumário, por ser mais rápido e por comportar
demandas cujo valor da causa seja de até sessenta salários mínimos. Pergunta-se: o
rito escolhido foi o adequado? Fundamente.
2 – João, 63 anos, se casa com Maria, de 44 anos, em 18/12/2006, oportunidade em que celebram escritura pública de Pacto antenupcial de comunhão universal
de bens. Os dois filhos que João tivera de casamento anterior, do qual é viúvo há
mais de dez anos, propõem Ação buscando a nulidade do referido Pacto ao argumento de que em razão da idade de João, o casamento deveria ser sob o regime
de separação de bens, e apontando como ré a Sra. Maria. Pergunta-se (respostas
fundamentadas):
a) Foi correta a opção pela Sra. Maria no pólo passivo da demanda?
b) Os dois filhos da João devem ser autores da demanda ou poderia apenas um
deles estar no pólo ativo?
c) Caso apenas um deles ajuizasse a demanda, o outro poderia ingressar na demanda mesmo que nesta já houvesse a citação da Sra. Maria?
d) Explique que tipo de litisconsórcio há, ou deveria haver, nos pólos passivo e
ativo da demanda descrita.
NOTA AO ALUNO
1. PROCESSO DE CONHECIMENTO
Organograma da visão global do processo de conhecimento (regra geral, que
sofrerá variações conforme o procedimento adequado à causa, à natureza da ação,
em razão de questões processuais etc.):
FGV DIREITO RIO 58
ação: teoria e procedimentos
O processo de conhecimento (ou processo cognitivo) no contexto nacional pode
ser sistematizado didaticamente conforme quadro a seguir:
Distribuição da
petição inicial
Recebimento da
petição inicial
Citação do réu
Rejeição da
petição inicial
(pode ser
parcial ou total)
Resposta do réu
Réplica ou manifestação
sobre eventual
recovenção ou pedido
contraposto
Julgamento conforme
o estado do processo
Instrução probatória
Inspeção judicial
Audiência de Instrução
e Julgamento
sentença
recurso
Liquidação da sentença
Cumprimento da sentença
Coisa julgada
FGV DIREITO RIO 59
ação: teoria e procedimentos
Em razão do
RITO:
Em razão do
PROCEDIMENTO:
Em razão da
JURISDIÇÃO:
Em razão das
PARTES:
Em razão do
PEDIDO:
O processo de conhecimento (ou processo cognitivo) corresponde a um dos
meios pelo qual será viabilizada a prestação jurisdicional, mediante a formação de
atos que embasarão o julgamento que se materializará por meio de uma sentença
de mérito.
Por meio do processo cognitivo, o demandante poderá expor suas razões de fato e de
direito. Ao réu, será viabilizado o direito de ofertar sua defesa, exercendo assim o contraditório e a ampla defesa, podendo até apresentar reconvenção (ou “pedido contraposto”,
dependendo do rito sob o qual tramita a demanda), momento em que poderá alegar
pedidos aos quais caberá ao demandante apresentar sua defesa, tal como se réu fosse29.
Assim, verifica-se que o processo de conhecimento é formado pelo quadrinômio demanda, defesa, cognição e sentença, visto que neste se permite a formação
da demanda, o contraditório, a instrução dos autos por meio de provas (instrução
probatória) e o livre convencimento do magistrado que prolatará a sentença, pondo
termo ao processo.
O processo civil de conhecimento guarda intrinsecamente uma bipolaridade alternativa, em que ambas as partes passam a ter direito ao processo. Retrato disto é
que a manifestação do autor no sentido de desistir da ação, purgando pela extinção
da mesma, somente poderá ser viável com a anuência da parte contrária (ex adverso),
ou seja, mesmo que o demandante desista de prosseguir com a demanda, a extinção
desta somente ocorrerá após a manifestação da parte contrária, manifestando a sua
aceitação ou não pelo pleito extintivo processual.
Uma vez provocado o Poder Judiciário a prestar jurisdição, haverá a exposição
das controvérsias por meio da manifestação da parte contrária para a formação do
convencimento do juiz. Serão expostos elementos probantes, materiais ou orais (documentos, depoimento pessoais, oitiva de testemunhas, perícia técnica etc.). Assim,
a atividade judicial poderá decidir a existência ou não do direito alegado, dito violado ou ameaçado de sofrer lesão.
Sobre esta temática, conferir
na aula sobre o tema “resposta
do réu”.
29
FGV DIREITO RIO 60
ação: teoria e procedimentos
2. PROCEDIMENTO COMUM E ESPECIAL
Passando à análise dos modelos processuais cognitivos, a primeira divisão consiste no procedimento, que pode ser comum ou especial. Quanto ao rito, pode ser
ordinário, sumário ou sumaríssimo.
O procedimento comum ordinário é o modelo geral do CPC, ou também chamado de residual, uma vez que uma demanda que seja excluída de qualquer outra
das formas previstas por inadequação às suas naturezas peculiares será ajuizável sob
o rito comum ordinário.
Este rito comporta os procedimentos gerais previstos na Lei Processual, competindo a qualquer valor de causa, desde que não seja excluído por expressa previsão
legal, um número definível ou indefinível de demandantes e demandados, comporta
todo lastro probatório, intervenção de terceiros estranhos à relação processual30 etc.
Em razão desta característica de delonga processual, abraçando inúmeros procedimentos que podem ocorrer no trâmite processual, este rito é, teoricamente, o
mais completo do processo civil, mas também o mais demorado, já que comporta
muitas articulações processuais que por um lado resguardam o direito ali em questão, mas que também poderão comprometer que a tutela jurisdicional seja conferida em tempo hábil a garantir a efetividade do provimento final.
Diante deste complicador, nada mais pertinente que o fato de demandas menos
complexas, que envolvam questões que não exijam um lastro probatório menos
expressivo, pudesse ser tutelado sob um rito procedimental menos moroso e, teoricamente mais efetivo, visto que conferiria maior agilidade, celeridade da prestação
jurisdicional para questões “menores”, quer seja, como dito, em razão da complexidade ou mesmo do valor da causa.
O primeiro deste rito menos formal é procedimento comum sumário, previsto no
artigo 275 do CPC31, em que a competência poderá ser fixada em razão do valor da
causa, ou mesmo em razão da matéria, qual seja, do objeto da lide.
Os requisitos da petição inicial no procedimento sumário são os mesmos do
procedimento comum ordinário, acrescidos da necessária apresentação imediata do
rol de testemunhas, sob pena de preclusão. Por outro lado, também deve ser apresentada a formulação de quesitos e da indicação de assistente técnico nas hipóteses
de requerimento de prova pericial, hipótese em que a não-indicação inicial poderá
ser feita em outra oportunidade, até o momento da realização da perícia (art. 276
do CPC).
No que diz respeito ao procedimento especial sumaríssimo, da mesma forma que
o sumário, decorre tanto do valor da causa, como da matéria que será julgada. A
previsão deste procedimento não esta descrita no texto do CPC, mas sim em legislação especial, dita extravagante. A Lei no. 9.099/95 estabeleceu o teto dos juizados
especiais, e as matérias que se processarão sob o rito sumaríssimo32.
Sobre este tema, conferir em
resposta do réu (aula 13).
30
“Art. 275. Observar-se-á o
procedimento sumário: I – nas
causas cujo valor não exceda a
60 (sessenta) vezes o valor do
salário mínimo; II – nas causas,
qualquer que seja o valor: a) de
arrendamento rural e de parceria agrícola; b) de cobrança ao
condômino de quaisquer quantias devidas ao condomínio; c)
de ressarcimento por danos em
prédio urbano ou rústico; d) de
ressarcimento por danos causados em acidente de veículo
de via terrestre; e) de cobrança
de seguro, relativamente aos
danos causados em acidente
de veículo, ressalvados os casos
de processo de execução; f) de
cobrança de honorários dos
profissionais liberais, ressalvado o disposto em legislação
especial; g) nos demais casos
previstos em lei. Parágrafo único. Este procedimento não será
observado nas ações relativas
ao estado e à capacidade das
pessoas”.
31
Lei nº. 9.099/95 – “Art. 3º
O Juizado Especial Cível tem
competência para conciliação,
processo e julgamento das
causas cíveis de menor complexidade, assim consideradas:
I – as causas cujo valor não exceda a quarenta vezes o salário
mínimo; II – as enumeradas
no art. 275, inciso II, do Código
de Processo Civil; III – a ação
de despejo para uso próprio; IV
– as ações possessórias sobre
bens imóveis de valor não excedente ao fixado no inciso I deste
artigo. § 1º Compete ao Juizado
Especial promover a execução:
I – dos seus julgados; II – dos
títulos executivos extrajudiciais,
no valor de até quarenta vezes
o salário mínimo, observado
o disposto no § 1º do art. 8º
desta Lei. § 2º Ficam excluídas
da competência do Juizado
Especial as causas de natureza
alimentar, falimentar, fiscal e de
interesse da Fazenda Pública, e
também as relativas a acidentes
de trabalho, a resíduos e ao estado e capacidade das pessoas,
ainda que de cunho patrimonial.
§ 3º A opção pelo procedimento
previsto nesta Lei importará em
renúncia ao crédito excedente
ao limite estabelecido neste
artigo, excetuada a hipótese de
conciliação”.
32
FGV DIREITO RIO 61
ação: teoria e procedimentos
3. AS PARTES NO PROCESSO DE CONHECIMENTO
No que pertine à divisão em razão da jurisdição, destacamos que a jurisdição
voluntária, também conhecida como integrativa, consagra-se numa manifestação
da parte ou partes interessadas em obter efeitos de direito a determinado objeto que
somente será alcançado após reconhecimento desta situação de fato e/ou de direito
pelo Estado-Juiz.
A manifestação judicante estatal será de conhecimento ou não daquela pretensão, sem dirimir conflitos, visto que não há lide. O Estado será integrado daquela
situação jurídica para que possa exercer fiscalização e conceda ou não aquela situação jurídica pleiteada, podendo inclusive tomar decisões contrárias à vontade dos
interessados33.
Assim a decisão judicial permitirá a criação de uma situação jurídica nova gerando proteção ao interesse de um ou mais sujeitos. Cândido Rangel Dinamarco
afirma que esta manifestação judicante é uma administração pública de interesses
privados.
Como todo e qualquer processo cognitivo, os de jurisdição voluntária deverão
preencher os requisitos de constituição e de validade da demanda, assim como deverá haver o devido processo legal, inclusive cabendo recurso.
Por meio da demanda de jurisdição voluntária uma nova relação jurídica será
criada, modificada ou extinta, que se processará não através do juiz, mas sim com a
participação deste. Edward Carlyle assim se manifesta:“Isto porque o legislador estabeleceu e enumerou determinadas situações em que seria indispensável para a produção
dos efeitos desejados pelas partes que elas fossem realizadas perante o Poder Judiciário”.
Isto porque, inegavelmente, efeitos externos surtiram dessa nova situação de direito
e deverão estar resguardados sob o crivo judicial.
A doutrina discute acerca da natureza da jurisdição voluntária. Questionam se seria
efetivamente uma manifestação jurisdicional ou administrativa. Dois entendimentos
coexistem na doutrina. O primeiro é a corrente da teoria administrativa ou tradicional
(majoritária), que assegura que se trata de uma atividade administrativa, eis que o juiz
não julga mérito e não constitui coisa julgada; sua finalidade é constitutiva (criação,
modificação e extinção da relação jurídica); trata de questão que, em tese, não apresenta resistência; por fim, não há partes, mas sim interessados ou requerentes.
O segundo entendimento é novel e denominado de teoria revisionista, jurisdicional ou jurisdicionalista, que assegura que há atividade jurisdicional, já que se trata
de uma jurisdição civil; é um exercício do direito de ação; existe parte autora na
demanda para provocar o exercício da jurisdição, o que pode não existir é a figura
do réu; a sentença faz coisa julgada material já que somente poderá ser mudada com
respaldo em nova causa de pedir.
3.1. Processos individuais (litisconsórcio e intervenção de terceiros)
Os processos cognitivos podem ser individuais ou coletivos. As demandas individuais são aquelas em que em ambos os pólos (ativo e passivo) existem pessoas,
Esta manifestação contrária à
vontade das partes decorre do
princípio da inquisitoriedade.
33
FGV DIREITO RIO 62
ação: teoria e procedimentos
físicas ou jurídicas, que são individuais ou se apresentem em litisconsórcio, ou seja,
mais de uma pessoa.
Em relação aos processos individuais, tanto podem tratar de ações em que há
apenas um indivíduo em cada pólo da demanda ou mais de um autor ou réu (que
consagra o fenômeno de pluralidade das partes). Este último não se confunde com
os processos coletivos, visto que estes, que serão estudados mais adiante, guardam
peculiaridades na sua natureza que o distinguem perfeitamente das ações em que há
mais de um indivíduo quer seja como autor, quer como réu.
Comecemos pelo instituto do litisconsórcio34, cujo estudo já foi iniciado na
aula 02. O litisconsórcio poderá ocorrer na autoria, em relação aos réus ou em
ambas as situações. Em geral o litisconsórcio é formado quando no início do processo, porém, nada impede que o litisconsórcio seja formado em momento posterior, quando, por exemplo, o réu chama terceiro a integrar a lide (intervenção de
terceiros que será estudada a seguir), ou quando um integrante da demanda falece e
a sucessão processual tenha que ser realizada etc.
Até 1994, não havia limitação quanto ao número de litisconsortes em cada relação. Com a reforma de 1994, através da Lei nº 8.952/94, foi acrescentado parágrafo
único ao art. 46 do CPC, autorizando o juiz a limitar o número de litigantes no
litisconsórcio facultativo, quando puder comprometer a rápida solução do litígio
ou dificultar a defesa.
O litisconsórcio se classifica da forma que segue:
Quanto à posição
processual:
Quanto ao momento da
formação:
Quanto à
obrigatoriedade:
Quanto à
decisão judicial:
O litisconsórcio ativo ocorrerá quando houver mais de um autor da ação, assim
como o litisconsórcio passivo ocorrerá quando houver mais de um réu e o litisconsórcio
misto ou recíproco, quando houver vários autores e vários réus na mesma demanda.
Quanto ao momento da formação, admite-se a formação inicial ou originária e
a ulterior ou superveniente. O primeiro caso se formará logo na propositura da ação.
O segundo, quando já do processo em curso, como, por exemplo, quando ocorrer
algumas das hipóteses de intervenção de terceiros (próximo tema a ser estudado).
Quanto à possibilidade de ingresso de litisconsorte quando já instaurada a demanda, surgem duas posições doutrinárias. A primeira admite este ingresso somente
antes da citação do réu, salvo exceções previstas em lei35. O segundo entendimento
doutrinário não admite que haja possibilidade de formação ulterior de litisconsórcio, sob pena de burla ao princípio do juiz natural e a isto se chama intervenção litisconsorcial voluntária, que deve ocorrer antes da citação, exceto para o entendimento
de Dinamarco, que entende “que este ingresso poderia ocorrer até o saneamento do
processo. Para ele, o ingresso de C até a citação é seu ingresso como litisconsorte, quando
C ingressa depois da citação e até o saneamento do processo, é caso de intervenção litisconsorcial voluntária”36.
“Art. 46. Duas ou mais pessoas podem litigar, no mesmo
processo, em conjunto, ativa ou
passivamente, quando: I – entre elas houver comunhão de
direitos ou de obrigações relativamente à lide; II – os direitos
ou as obrigações derivarem do
mesmo fundamento de fato ou
de direito; III – entre as causas
houver conexão pelo objeto ou
pela causa de pedir; IV – ocorrer
afinidade de questões por um
ponto comum de fato ou de
direito”.
34
“Art. 264. Feita a citação, é
defeso ao autor modificar o pedido ou a causa de pedir, sem o
consentimento do réu, mantendo-se as mesmas partes, salvo
as substituições permitidas
por lei”.
35
CARLYLE, Edward. Direito
Processual Civil. Niterói, RJ: Impetrus, 2007, p. 126.
36
FGV DIREITO RIO 63
ação: teoria e procedimentos
No tocante à obrigatoriedade da participação de todos os sujeitos na relação
processual, existe o litisconsórcio necessário e o litisconsórcio facultativo.
O litisconsórcio necessário37 ocorrerá sempre que houver a indispensabilidade de
integração na ação de todos os sujeitos, seja por determinação legal, ou em decorrência da relação jurídica, quando o direito material for indivisível.
A não-implementação do litisconsórcio necessário ensejará o inevitável comprometimento da prestação jurisdicional, visto que a sentença será proferida sem a
necessária presença das partes indispensáveis. Assim, será nula a sentença prolatada,
bem como de todo processo.
A respeito do litisconsórcio facultativo, decorre da prerrogativa das partes litigantes de optar pela formação ou não da pluralidade das partes.
Por fim, conheceremos o litisconsórcio nas modalidades simples ou unitária. Esta
classificação está vinculada ao resultado da prestação jurisdicional. Quando o litisconsórcio for unitário, a manifestação judicante do Estado deverá ser una para
todos os litisconsortes; ao contrário, no caso de litisconsórcio simples, para cada
jurisdicionado litisconsorte poderá haver um resultado distinto.
Assim, há muita confusão acerca da correlação entre a obrigatoriedade ou não da
formação do litisconsórcio e a resposta jurisdicional que advirá na demanda. Questiona-se se o litisconsórcio unitário é necessário, obrigatoriamente. Outra dúvida
recorrente é se todo litisconsórcio necessário terá uma decisão unitária.
Para ambos os questionamentos a resposta é não necessariamente. Embora o
texto do artigo 47 do CPC disponha as hipóteses em que o litisconsórcio será necessário e a decisão será de modo “uniforme”, haverá hipóteses em que a determinação pelo litisconsórcio é fruto de determinação específica de Lei e será necessário
simples.
O exemplo mais utilizado é o da Ação Popular. Em relação aos sujeitos que participaram do ato impugnado, haverá litisconsórcio necessário; todavia, a situação
deles pode ser diferente quando da fixação pelo juiz do valor da indenização que
poderá recair de forma diversa para cada um deles, ou mesmo sequer recair sobre
todos.
A doutrina aponta ainda a existência do denominado litisconsórcio alternativo ou
eventual, que decorre da hipótese em que o autor tem dúvida razoável da identificação do réu ou dos réus da demanda. Nesta ocorrência irá requerer que a sentença
seja prolatada em desfavor daquele que, de acordo com a instrução processual, considere como parte legítima a figurar no pólo passivo da demanda.
Outra ramificação do litisconsórcio é o denominado litisconsórcio multitudinário,
que reflete a hipótese em que o número de sujeitos figura como parte na demanda,
chegando a reunir uma verdadeira multidão ou um número insuportavelmente grande
de colitigantes, gerando um verdadeiro tumulto processual.
O processo litisconsorcial irá produzir reflexos em razão da fixação competência,
prazos diferenciados38, os efeitos da revelia, valor da causa etc., i. e., a escolha do
assistente-técnico, quando não feita por consenso entre os litisconsortes, será feita
por meio de sorteio, exceto se as defesas forem conflitantes, hipótese em que cada
um dos litisconsortes terá direito de indicar o seu assistente-técnico.
“Art. 47. Há litisconsórcio
necessário, quando, por disposição de lei ou pela natureza da
relação jurídica, o juiz tiver de
decidir a lide de modo uniforme
para todas as partes; caso em
que a eficácia da sentença dependerá da citação de todos os
litisconsortes no processo”.
37
“Art. 191. Quando os litisconsortes tiverem diferentes procuradores, ser-lhes-ão contados
em dobro os prazos para contestar, para recorrer e, de modo
geral, para falar nos autos”.
38
FGV DIREITO RIO 64
ação: teoria e procedimentos
3.2. A intervenção de terceiros
Por fim, chegamos ao estudo da intervenção de terceiros, que também consagra um fenômeno de pluralidade de partes no processo. A intervenção de terceiros
acarretará a modificação da relação jurídica existente, na qual terceiro, autorizado
por lei, ingressa numa demanda em curso.
Admite-se uma ampliação subjetiva da relação processual através do ingresso de
pessoas no feito sob a condição de terceiros quando os mesmos demonstrarem interesse jurídico. Esse interesse caracteriza-se pela possibilidade de que a relação jurídica da qual o terceiro é titular venha a ser modificada por decisão judicial proferida
em processo do qual ele não faz parte. Considera-se terceiro todo aquele que não é,
originalmente, parte; ou seja, nem autor nem réu na relação processual.
Em algumas modalidades, o sujeito será acrescido a um dos pólos da demanda, seja
como réu (ex. chamamento ao processo) ou como autor (ex. oposição). Mas também
poderá ingressar no litígio sem compor um dos pólos da demanda (ex. assistência).
São espécies de intervenção de terceiro a oposição39, a nomeação à autoria40, a
denunciação da lide41, o chamamento ao processo42, a assistência, o recurso de terceiro prejudicado e a intervenção fundada em contrato de seguro43.
Sistematicamente, as modalidades de intervenção de terceiros se distinguem da
seguinte forma:
MODALIDADE
CONCEITO
ad causam
PROCEDIMENTO
CLASSIFICAÇÃO
PALAVRACHAVE*
39
Artigos 56 a 61 do CPC.
40
Artigos 62 a 69 do CPC.
41
Artigos 70 a 76 do CPC.
42
Artigos 77 a 80 do CPC.
“Art. 280. No procedimento
sumário não são admissíveis
a ação declaratória incidental
e a intervenção de terceiros,
salvo a assistência, o recurso
de terceiro prejudicado e a intervenção fundada em contrato
de seguro”.
43
* Extraído da obra: DIDIER JR.,
p. 366.
FGV DIREITO RIO 65
ação: teoria e procedimentos
3.3. Processo coletivo
Em relação aos processos coletivos, tecemos algumas considerações iniciais acerca
da evolução legislativa.
O direito processual brasileiro, originalmente filiado às tradições dos ordenamentos de linha romano-germânica, foi concebido em bases eminentemente individualistas, refletindo a mentalidade e as necessidades da sociedade daquela época.
A massificação das relações interpessoais e sua influência no ordenamento processual brasileiro, inspirada nos sopros renovadores provenientes do direito norteamericano, somente puderam ser sentidas no início dos anos oitenta do século passado, quando surge a efetiva e concreta preocupação com a proteção dos interesses
coletivos lato sensu.
A forte influência do direito norte-americano para o desenvolvimento da tutela
coletiva no direito brasileiro é inegável em vista da acentuada proteção aos direitos
coletivos a partir das class actions.
Foi exatamente a partir desta década que, no plano infraconstitucional, tivemos
a regulamentação da ação civil pública pela Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985,
seguida pelas Leis nº 7.853, de 24 de outubro de 1989, regulamentando a ação civil
pública relativa a interesses coletivos de deficientes e 7.913, de 7 de dezembro de
1989, versando acerca da ação civil pública de responsabilidade por danos a investidores do mercado de valores mobiliários.
A defesa dos direitos coletivos no direito brasileiro tem origem mais remota e
está relacionada à criação da Ação Popular, prevista pela primeira vez na Constituição de 1934, marco do início da passagem do Estado liberal para o Estado social,
em seu capítulo II, que tratava dos direitos e garantias individuais.
Todavia, a ausência de regulamentação específica, que perduraria até 1965,
quando seria editada a Lei nº. 4.717, preservava a estrutura clássica do processo
civil, concebido para solucionar situações de conflito entre interesses individuais,
tradicionalmente relacionados às questões obrigacionais.
Destaque-se ainda que um outro diploma, igualmente anterior à Lei nº. 7.347/85,
também previu, embora de modo ainda embrionário, a tutela de interesses metaindiviudais: trata-se da Lei nº. 6.938/81 (que instituiu a Política Nacional do Meio
Ambiente), dispondo, em seu art. 14, § 1°, in fine que: “[...] O Ministério Público
da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e
criminal por danos causados ao meio ambiente”.
Seguindo a linha cronológica, a Constituição Federal de 1988 regulamentou a
tutela dos interesses transindividuais através do mandado de segurança coletivo, da
ação popular e também da ação civil pública44, que recebeu novos matizes a partir
do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n° 8.069, de 13 de julho de 1990),
ao enfocá-la como valioso instrumento a ser utilizado em prol da infância e da juventude.
Em seguida, veio à luz o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078, de
11.9.90), introduzindo diversas alterações na Lei da Ação Civil Pública e regulamentando no ordenamento pátrio a ação coletiva, através de seus arts. 91 a 100.
O artigo 5º da Constituição
Federal de 1988 trata da ação
popular e do mandado de segurança coletivo: “Art. 5º – Todos
são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e
aos estrangeiros residentes no
País a inviolabilidade do direito
à vida, à liberdade, à igualdade,
à segurança e à propriedade, nos
termos seguintes: (...) LXX – o
mandado de segurança coletivo
pode ser impetrado por: a) partido político com representação no
Congresso Nacional; b) organização sindical, entidade de classe
ou associação legalmente constituída e em funcionamento há
pelo menos um ano, em defesa
dos interesses de seus membros
ou associados; (,,,) LXXIII – qualquer cidadão é parte legítima
para propor ação popular que
vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade
de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio
ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor,
salvo comprovada má-fé, isento
de custas judiciais e do ônus da
sucumbência”. A ação civil pública vem inserida no capítulo
que trata do Ministério Público,
como sendo uma de suas funções institucionais: “Art. 127 – O
Ministério Público é instituição
permanente, essencial à função
jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem
jurídica, do regime democrático
e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. (...) Art. 129
– São funções institucionais do
Ministério Público: (...) III – promover o inquérito civil e a ação
civil pública, para a proteção do
patrimônio público e social, do
meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”.
44
FGV DIREITO RIO 66
ação: teoria e procedimentos
Após o CDC, foram ainda editadas a Lei de Improbidade Administrativa (Lei
nº 8.429, de 2 de junho de 1992), visando ao combate dos atos ilícitos praticados
por funcionários públicos no exercício de suas funções e criando mecanismos para a
repressão a esses atos e para a devolução aos cofres públicos das quantias desviadas de
suas finalidades originais; e a Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994, conhecida como
Lei Antitruste, visando ao combate das infrações contra a ordem econômica.
Em 1º de outubro de 2003, foi editada a Lei nº 10.741, conhecida como Estatuto do Idoso, criando normas protetivas às pessoas maiores de sessenta anos e
regulamentando o uso da ação civil pública para a defesa de seus interesses.
Por fim, a Lei Maria da Penha – Lei nº 11.340/06 – que visa a coibir a violência
doméstica, também contemplou a tutela coletiva em seu artigo 37.
4. MATERIAL DE APOIO
Jurisprudência
REsp 258122 / PR ; RECURSO ESPECIAL 2000/0043562-7 Relator(a) Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA (1123) Órgão Julgador T2 – SEGUNDA
TURMA Data do Julgamento27/02/2007 Data da Publicação/Fonte DJ 05.06.2007
p. 302 Ementa RECURSO ESPECIAL. AÇÃO POPULAR. LITISCONSÓRCIO
PASSIVO NECESSÁRIO. NÃO UNITÁRIO. PRAZO DO ART. 21 DA LEI N.
4.717/65 É DECADENCIAL. 1. O artigo 47 do Código de Processo Civil estabelece que, por disposição de lei ou dada a natureza da relação jurídica, decidirá o
Juiz de modo uniforme para todos os litisconsortes, devendo todos ser citados. Em
se tratando de ação popular, que tem por objeto a desconstituição de ato jurídico,
por força da disposição legal (art. 6º da Lei n. 4.711/65), estabelece-se o listisconsorcio necessário, mas não unitário, porquanto, visando a ação a desconstituição de
ato administrativo, poder-se-á mostrar prescindível a presença no pólo passivo do
agente que, embora tenha se beneficiado do ato impugnado, não participou de sua
elaboração. 2. O art. 21 da Lei n. 4.717/65 estabelece que a ação popular prescreve
em cinco anos. Todavia, trata-se de prazo decadencial, visto que o pronunciamento
jurisdicional proferido na ação popular se reveste de eficácia constitucional negativa
e condenatória, mas aquele aspecto precede a este, na medida em que a condenação se apresenta como efeito subseqüente e dependente da desconstitutividade. 3.
Recurso especial improvido. Acórdão Vistos, relatados e discutidos os autos em que
são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior
Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso nos termos do
voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Castro Meira, Humberto Martins,
Herman Benjamin e Eliana Calmon votaram com o Sr. Ministro Relator. Presidiu o
julgamento o Sr. Ministro João Otávio de Noronha.
FGV DIREITO RIO 67
ação: teoria e procedimentos
LEITURA OBRIGATÓRIA (escolher uma das fontes):
BUENO, Cássio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil, vol.
1, São Paulo, Saraiva, 2007, p. 446-455 e Curso Sistematizado de Direito Processual Civil, vol. 2, São Paulo, Saraiva, 2007, p. 1-8.
MARINONI, Luiz Guilherme, ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil, vol. 2, 6. ed. (em edições anteriores Manual do Processo de Conhecimento),
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 54-66.
LEITURAS COMPLEMENTARES
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil, vol. 1, 17 ª edição, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2008, p. 263-271.
DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil, vol. 1, 9ª edição, Salvador,
Podium, 2008, p. 285-298.
GONDINHO, André Osório. Técnicas de cognição e efetividade do processo,
Revista da EMERJ – Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, nº 8,
1999, p. 99-117.
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Tutela de urgência e efetividade do direito, Temas de Direito Processual: oitava série, São Paulo, Saraiva, 2004, p. 89-105.
QUESTÃO DE CONCURSO
MP/RJ (XIX concurso – preliminar)
Pode o Juiz, convencido da responsabilidade exclusiva do denunciado à lide, condená-lo diretamente a pagar a indenização pleiteada pelo Autor e julgar improcedente
o pedido em face do Réu-denunciante? Resposta objetivamente justificada.
OAB/RJ (1ª fase – 32º exame)
Márcia e Tanyra disputam, em um processo judicial, a propriedade de um automóvel. O juiz ainda não proferiu sentença definindo a quem pertence o veículo. José
julga-se o verdadeiro proprietário desse carro. Nessa situação hipotética, caso queira
ver reconhecida a propriedade do referido bem, José deve:
a. propor uma ação de reintegração de posse.
b. intervir como assistente litisconsorcial de uma das partes (Márcia ou
Tanyra).
c. oferecer oposição.
d. opor embargos de terceiro.
FGV DIREITO RIO 68
ação: teoria e procedimentos
OAB/RJ (1ª fase – 31º exame)
A pluralidade de partes no pólo passivo, possibilitada pela natureza da relação jurídica substancial, na hipótese de sentença uniforme para todos os demandados, é
considerada espécie de litisconsórcio:
a. Simples;
b. Unitário;
c. Necessário;
d. Facultativo.
OAB/RJ (1ª fase – 30º exame)
Quanto à inversão do ônus da prova no âmbito do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), assinale a alternativa correta:
a. O CDC prevê apenas a inversão ope legis;
b. O CDC prevê apenas a inversão ope judice;
c. O CDC não prevê a inversão do ônus da prova;
d. O CDC prevê a inversão ope legis e a inversão ope judice.
OAB/RJ (1ª fase – 28º exame)
Maria Clara propôs ação de cobrança em face de Larissa, a fim de satisfazer um
crédito de R$ 100.000,00 (cem mil reais). Contudo, por se considerar o verdadeiro
titular do crédito e desejando recebê-lo, Flávio pretende intervir na ação proposta
por Maria Clara em face de Larissa. Neste contexto, aponte a espécie de intervenção
de terceiros que melhor atenda aos interesses de Flávio:
a. Assistência, pela qual Flávio auxiliará a defesa de Larissa contra a pretensão
de Maria Clara, de modo a evitar o pagamento a quem não é titular do crédito, resguardando, assim, o seu direito de, por via própria, satisfazer o crédito
que lhe é devido;
b. Cautelar incidental, mediante a qual Flávio sobrestará o curso da ação proposta e promoverá a indisponibilidade do valor que Larissa pagará a Maria
Clara, resguardando, assim, o seu direito de, também por via própria, satisfazer o crédito que lhe é devido;
c. Nomeação à autoria, através da qual Flávio, em contraposição aos interesses de
Maria Clara, afirmará ser o verdadeiro autor da pretensão e titular do crédito;
d. Ação de oposição, na qual serão réus, em litisconsórcio necessário, Maria
Clara e Larissa, e pela qual Flávio postulará a procedência de sua pretensão e
a conseqüente improcedência do pedido formulado por Maria Clara.
FGV DIREITO RIO 69
ação: teoria e procedimentos
AULA 08. PETIÇÃO INICIAL: COMPETÊNCIA, REQUISITOS, DESPACHO
LIMINAR, INÉPCIA E EMENDA DA PETIÇÃO INICIAL.
CASO
1) João celebrou contrato com a empresa JJ Móveis Planejados Ltda, no qual esta
se compromete a executar o projeto de mobília da cozinha do contratante no prazo
de 60 dias. João realizou o pagamento em três parcelas, a primeira à vista, a segunda
em trinta dias e a terceira com a entrega do bem. O valor do armário devidamente
instalado era de R$ 3.000,00 (três mil reais). Ultrapassados setenta dias desde a contratação, não havia sido cumprido o objeto do contrato, embora todos os cheques
tivessem sido devidamente descontados. João, cansado de aguardar a execução dos
serviços, procura um advogado para ingressa com uma ação de obrigação de fazer
em face da contratada a ser distribuída a uma das Varas Cíveis da Comarca da Capital. Pergunta-se (resposta devidamente fundamentada):
a) Na qualidade de advogado do autor da ação, quais documentos anexaria à
petição inicial?
b) A petição inicial deixou de indicar o valor da causa. Qual o prazo para o
autor emendar a inicial?
c) Qual o recurso cabível contra o despacho liminar que indefere a petição inicial por inépcia?
d) O que se entende por causa petendi?
e) A assinatura pela parte autora é um requisito da petição inicial?
NOTA AO ALUNO
1. A PETIÇÃO INICIAL
Como visto anteriormente, a ação é um direito constitucionalmente garantido (art.
5º, XXXV da Constituição Federal), que consagra o princípio do acesso à Justiça;
processo, por sua vez, é o instrumento hábil a provocar o Estado para que este preste
jurisdição; a demanda é a postulação de uma providência jurisdicional; por fim, a
petição inicial, que será estudada nas próximas linhas, é a representação física do ato
de demandar45.
Se a petição inicial não possuir seus elementos essenciais – partes, causa de pedir
(causa petendi) e pedido (ou objeto) – ou os requisitos formais elencados no art.
282, CPC, ela será considerada inepta. Assim, embora dê origem a uma relação jurídica processual, esta terá sua validade comprometida, o que poderá conduzir, caso
o vício não seja corrigido no prazo do art. 284, CPC, ao indeferimento da petição
inicial, isto é, à prolação de uma sentença terminativa.
Importante destacar que a
regra é que a demanda deva
ser proposta de forma escrita.
Excepcionalmente, a legislação
autoriza que o pleito do autor
seja realizado de forma oral
(Lei dos Juizados Especiais – no.
9.099/95 e Lei dos Alimentos
– no. 5.478/68). Contudo,
entendemos que não é uma
exceção. Na verdade, o pedido
oral deverá ser transcrito, reduzido a termo para integrar
e iniciar o processo, ou seja, o
direito de ação, resultando na
forma escrita, a materialização
da pretensão autoral.
45
FGV DIREITO RIO 70
ação: teoria e procedimentos
A função da petição inicial é de provocar o início do processo e identificar a
demanda (as partes, o pedido e a causa de pedir) a fim de evitar que demandas
idênticas sejam processadas em juízos diversos.
A petição inicial é a transcrição dos termos da demanda em que o autor demonstra o seu direito, expõe os fatos e fundamentos jurídicos e explicita o próprio
pedido, dando-se início ao processo e constituindo a relação processual.
Ao demandar (instrumentalizada por meio da petição inicial), o autor expõe ao
julgador a sua pretensão para que ele prolate a uma sentença sobre determinada
situação conflituosa ou não46. Assim, desenvolver-se-ão as atividades e o resultado
jurisdicionais.
Esta pretensão posta na petição inicial consagra o que a doutrina chama de objeto
do processo, objeto da demanda ou de mérito, objeto este que o autor busca seja dado
provimento, ou seja, o atendimento à pretensão que o levou a buscar que juridicamente fosse reconhecido por meio da instauração do processo.
Entretanto, para que esta pretensão possa ser avaliada e reconhecida, a demanda deverá ser regida por vertentes de índole processual e material. Caso estas duas
elementares não estejam agrupadas, a apreciação da pretensão restará prejudicada, podendo culminar na extinção do processo sem resolução do mérito (sentença
terminativa); ou mesmo a demanda tramitará seguindo todas as fases processuais,
entretanto culminando numa resposta jurisdicional que não atenda à pretensão autoral, ou seja, uma sentença de mérito de improcedência do pedido.
A ação é considerada proposta com a distribuição da petição inicial ou quando
esta é despachada pelo juiz nos casos em que não há distribuidor, instaurando-se
o processo mesmo que o réu ainda não tenha sido comunicado da propositura da
demanda. Nesse momento, fixa-se a competência47 e interrompe-se o curso da prescrição48.
Passando-se dos requisitos de uma petição inicial, os mesmos estão dispostos no
artigo 282 e 283 do CPC e devem ser seguidos quando da elaboração da exordial
para que se tenha a garantia do regular desenvolvimento do processo.
Quando não atendidos estes requisitos, haverá a extinção do processo sem resolução do mérito por inépcia da petição inicial. Em outras hipóteses, o não-atendimento aos requisitos poderá ser sanado por meio de uma emenda à petição inicial.
2. COMPETÊNCIA
Competência é a divisão para a administração da jurisdição. É o critério para distribuir as atribuições para o exercício da jurisdição entre vários órgãos e a medida da
jurisdição e o âmbito dentro do qual o juiz deverá exercer a jurisdição, garantindo
a efetividade da prestação jurisdicional.
A Constituição Federal define as competências das várias “justiças” do contexto
nacional. Existem as Justiças do Trabalho, Eleitoral, Militar, Federal e Estadual,
também chamada de Justiça Comum. A Constituição também define as atribuições
do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça.
Lembramos que nem toda
demanda decorre de uma lide.
Observe-se a hipótese em que
o autor busca a prestação jurisdicional a fim de tornar jurídica
uma situação de fato, tal como
ocorre em algumas hipóteses
de demandas de jurisdição voluntária.
46
“Art. 87. Determina-se a competência no momento em que a
ação é proposta. São irrelevantes as modificações do estado
de fato ou de direito ocorridas
posteriormente, salvo quando
suprimirem o órgão judiciário
ou alterarem a competência
em razão da matéria ou da
hierarquia”.
47
“Art. 219 (...) § 1o A interrupção da prescrição retroagirá à
data da propositura da ação”.
48
FGV DIREITO RIO 71
ação: teoria e procedimentos
Assim, para demandas de cada natureza existe uma prévia competência para a
apreciação da causa. Deve-se observar primeiramente a “justiça” competente para
julgar conforme termos supracitados; posteriormente, a competência territorial
para apreciar o pleito; a seguir, a competência do juízo; enfim, devem ser observados
critérios previamente estabelecidos em razão de fatores tais como territorialidade,
matéria objeto da lide, valor da causa etc., como observaremos a seguir.
Quando propomos uma demanda, devemos conhecer o juízo competente para
apreciá-la, visto que, apesar de alguns critérios serem sanáveis, outros podem gerar
a nulidade de todos os atos praticados no processo pelo juízo incompetente, por
inobservância do juízo que detinha competência absoluta para apreciar a ação.
O denominado critério objetivo decorre de dois elementos49: o valor da causa e
a natureza da demanda ou critério material. O primeiro, por exemplo, determina
se uma demanda será processada perante o Juizado Especial ou perante o Juízo Comum; o segundo estabelece, por exemplo, se a competência para o julgamento será
da Vara de Fazenda Pública ou Vara Criminal.
Para definir a função desempenhada pelo órgão jurisdicional no processo existe o
critério funcional. Refere-se à atribuição conferida a cada magistrado, se de primeiro
grau, se recursal etc.50
Por fim, o critério territorial ou competência de foro, que decorre da dimensão territorial atribuída à atividade de cada órgão jurisdicional. Nestes termos, a Justiça Estadual é dividida em Comarca, a Justiça Federal, em circunscrição (artigos 94 a 100).
Existe a divisão de competência em absoluta e relativa. A primeira está atrelada
ao interesse público, não admitindo que as partes convencionem de forma diferente.
Deve ser argüida em preliminar de contestação, mas também pode ser conhecida
de ofício pelo juiz e não está sujeita à preclusão, podendo, portanto, ser declarada
em qualquer tempo e grau de jurisdição, sob pena de nulidade de todos os atos
praticados no processo.
A competência relativa, por seu turno, admite ser convencionada de forma diversa da disposta em lei se as partes assim acordarem, por estar ligada ao interesse das
partes. Não pode ser conhecida de ofício e deve ser argüida por meio de exceção de
incompetência relativa, sob pena de preclusão. Se não for argüida será prorrogada a
competência ao juiz inicialmente incompetente51.
Pode ocorrer conflito de competência quando dois ou mais juízes se reputam competentes para certa causa (conflito positivo de competência); quando dois ou mais
juízes reputam-se incompetentes (conflito negativo de competência); quando dois
ou mais juízes controverterem acerca da reunião ou da separação de processos, instaurar-se-á o conflito de competência, que será examinado pelo tribunal de maior
hierarquia, ainda que não esteja vinculado ao mesmo ramo do Poder Judiciário52.
3. OS REQUISITOS DA PETIÇÃO INICIAL
“Art. 91. Regem a competência em razão do valor e da matéria as normas de organização
judiciária, ressalvados os casos
expressos neste Código”.
49
Art. 93. Regem a competência dos tribunais as normas da
Constituição da República e de
organização judiciária. A competência funcional dos juízes
de primeiro grau é disciplinada
neste Código”.
50
“Art. 114. Prorrogar-se-á a
competência se dela o juiz não
declinar na forma do parágrafo
único do art. 112 desta Lei ou o
réu não opuser exceção declinatória nos casos e prazos legais”.
51
“Art. 116. O conflito pode ser
suscitado por qualquer das
partes, pelo Ministério Público
ou pelo juiz”.
52
A petição inicial deverá ser redigida com a indicação do Juiz ou Colegiado ao
qual é dirigida, os nomes e qualificações das partes (estado civil, profissão, endere-
FGV DIREITO RIO 72
ação: teoria e procedimentos
ço, número da identidade, do CPF, endereço de domicílio ou residência). A seguir,
devem constar o relato dos fatos e o direito avocado, ou seja, o fundamento jurídico do pedido, também denominado de causa petendi ou de causa de pedir. Após,
o autor, por seu advogado, exporá o seu pedido, dentre os quais deverá constar
o requerimento de citação do réu, as provas que pretende apresentar, o valor da
causa, a data e a assinatura do advogado53 e o endereço profissional deste para as
intimações54.
Quando do preenchimento do cabeçalho da petição inicial, devem estar resguardados elementos inerentes à competência territorial e funcional para a apreciação
daquela demanda, bem como também influenciarão na fixação da competência
questões como o valor da causa e das provas indicadas.
Exemplificamos: observe-se que os juizados especiais não admitem prova pericial
complexa, ainda que o valor da causa seja compatível com aqueles. Outro exemplo
diz respeito ao rito, objeto da demanda. Quando o rito eleito for o sumário, não se
admite a intervenção de terceiros (exceto a assistência) e a fundada em contrato de
seguro, a ação declaratória incidental e o recurso de terceiro prejudicado55. Caso a
demanda proposta tenha sido pelo rito sumário, havendo alguma dessas hipóteses,
haverá a conversão do rito.
O art. 282, IV do CPC exige que o autor, em sua petição inicial, especifique “o
fato e os fundamentos jurídicos do pedido”, ou seja, que o autor indique a causa de
pedir da demanda. Causa de pedir é o conjunto de fatos que sustentam a pretensão
do autor. Deverá também indicar os fundamentos jurídicos do pedido, ou seja, a
chamada “moldura legal” que vai adequar seu interesse à ordem jurídica.
No caso de ações propostas sob o rito sumário, também integram os requisitos
da petição inicial a indicação do rol de testemunhas e, no caso de requerimento de
perícia, deverá formular os quesitos, podendo indicar assistente técnico56.
A causa de pedir se divide em próxima e remota; a segunda se refere aos fatos
narrados, enquanto a primeira é a indicação do ordenamento que embasa o pedido
decorrente dos fatos narrados.
Nesse sentido, verifica-se a existência de duas correntes: a primeira, seguida, entre
outros, por José Carlos Barbosa Moreira e Cândido Rangel Dinamarco, afirma que
a causa de pedir resume-se aos fatos, sendo irrelevante os fundamentos jurídicos.
Conquanto o CPC, em seu art. 282, III, exija a exposição, na petição inicial,
dos fatos e dos fundamentos jurídicos do pedido, para os autores citados apenas os
primeiros são considerados para efeito de identificação da demanda. Paralelamente,
à segunda corrente se filia, entre outros autores, Humberto Theodoro Júnior, fazendo referência a uma causa de pedir próxima (que seriam os fundamentos jurídicos)
e uma remota (que seriam os fatos), considerando ambas relevantes na tarefa de
identificação da demanda.
Nosso Código de Processo Civil adotou a teoria da substanciação, segundo a
qual exige-se a descrição dos fatos – e não a qualificação jurídica – de que decorre o
direito alegado pelo autor.
Há casos em que a fundamentação fática é bem simples, não gerando dúvidas,
mas há outros em que a decisão do juiz depende justamente da posição fática. Ex:
Novamente destaca-se o
rito dos Juizados Especiais que
dispensam a presença do advogado representando a parte
em determinadas hipóteses.
Existem outras hipóteses em
que dera dispensada a assinatura do advogado. São elas a ação
de alimentos, o habeas corpus e
quando não houver advogado
na comarca (art. 36 do CPC).
53
54
Art. 39, I, do CPC.
55
Art. 280 do CPC.
“Art. 276. Na petição inicial, o
autor apresentará o rol de testemunhas e, se requerer perícia,
formulará quesitos, podendo
indicar assistente técnico”.
56
FGV DIREITO RIO 73
ação: teoria e procedimentos
em caso de acidente de trânsito há uma discussão fática. Haverá condenação ao se
determinar quem infringiu as regras de trânsito.
Uma vez citado o réu, fica defeso ao autor modificar a causa de pedir ou o pedido
sem o consentimento da outra parte, conforme determinação do art. 264 do CPC.
É o chamado princípio da estabilidade da demanda, que impede a alteração dos
fatos narrados na petição inicial depois de citado o réu.
Essa mesma vedação se verifica com relação ao juiz quando do julgamento da
causa, visto que lhe é vedado conhecer causa de pedir diversa daquela indicada na
petição inicial, ele não poderá considerar fatos outros que aqueles expressamente ali
indicados, de acordo com o disposto no art. 128 do CPC. Assim, é fundamental
que a peça vestibular faça referência a todos os fatos que o autor quer que o juiz
conheça, sob pena de, uma vez olvidada a menção de algum, não poder ele ser considerado pelo juiz quando da sua decisão, ao menos naquela demanda.
Todavia, embora exija o CPC a indicação dos fundamentos jurídicos do pedido
na petição inicial (causa de pedir próxima), nada impede que o julgador entenda ser
procedente ou improcedente a demanda com base em outro artigo de lei que não
aquele indicado pelo autor, sem que com isso ocorra modificação da demanda.
O que se veda ao juiz, quando do julgamento da causa, é alterar os fatos narrados, mas pode ele tranqüilamente dar ao caso qualificação jurídica diversa daquela
esposada na inicial, desde que essa nova qualificação decorra diretamente dos fatos
narrados.
Lembremos, assim, que há distinção entre fundamentação jurídica e fundamentação legal da demanda. O autor deverá expor os fundamentos jurídicos daquele
pleito na petição inicial (causa de pedir próxima). Entretanto, o magistrado poderá
fundamentar sua decisão em outro dispositivo (fundamentação legal), diverso do
indicado pelo demandante. A vedação legal é no sentido de impedir que o julgador
altere os fatos narrados e não a qualificação jurídica da demanda.
É de suma importância distinguirmos causa de pedir e pedido. Ambas guardam
correlação no que diz respeito à impossibilidade de modificação após a citação do
réu. A primeira (causa petendi) revela-se tanto como a exposição dos fundamentos
jurídicos do pedido, também chamada de “causa próxima”, como o próprio fato, a
“causa remota”.
Com isto, ao autor cabe provar os fatos constitutivos do seu direito. A este deve
afirmar o fato e apresentar o seu nexo com um efeito jurídico; ao réu, cabe falar dos
fatos modificativos, impeditivos e extintivos do direito afirmado pelo autor57.
O pedido também deverá constar da petição inicial e traduz-se no postulado que
o autor faz ao Estado-Juiz em decorrência das alegações apresentadas na causa de
pedir. Neste requisito da petição inicial, o autor pede determinada providência ao
Órgão judicial para que, por exemplo, declare a existência ou inexistência de uma
relação jurídica, que seja anulado um ato jurídico, que condene o réu a pagar certa
quantia ou mesmo a fazer ou deixar de fazer determinado ato.
O pedido limita a atuação do Órgão julgador, uma vez que qualquer manifestação
judicial que não comporte o pedido seja por estar aquém deste, além deste ou fora do
que foi pedido, ensejará vício da decisão58. A isto se denomina princípio da congruência
Marinoni e Arenhart exemplificam: “Se o autor pede o
pagamento da dívida, e o réu
alega que ela foi parcelada, somente podendo ser exigida em
parte, o fato é modificativo; se
o réu alega pagamento, o fato é
extintivo; se o réu alega exceção
de contrto não cumprido, o fato
é impeditivo”. MARINONI, Luiz
Guilherme e ARENHART, Sérgio
Cruz. Manual do Processo de Conhecimento. 5ª. ed, rev., atual.,
ampl. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2006, pp. 90/1.
57
Vide art. 460 este tema será
tratado detalhadamente na
aula de sentença.
58
FGV DIREITO RIO 74
ação: teoria e procedimentos
ou da correlação, que deve haver entre o pedido e a sentença. Assim, deve o autor, na
petição inicial, delimitar exatamente o que pretende alcançar na demanda.
Destacamos que existem exceções ao princípio da congruência, tal como as hipóteses previstas nos artigos 461 do CPC e 84 do Código de Defesa do Consumidor
(CDC), nas quais o julgador poderá conceder a tutela específica, também denominada de “resultado equivalente ao do adimplemento”; a aplicação de multa pelo
magistrado de ofício.
Ocorrem hipóteses em que o texto legal impõe elementos que devem constar
da decisão do julgador ainda que não tenha sido pleiteado pelo demandante. Isto
ocorrerá, por exemplo, com a imposição de juros legais (art. 293), de correção monetária, dos honorários advocatícios de sucumbência (art. 20), prestações periódicas
(art. 290), ainda que não tenham sido pedidos expressamente pelo autor. A estes
elementos a doutrina denomina de pedidos implícitos.
O pedido se divide em mediato e imediato: pedido mediato é o bem da vida que
se pretende alcançar através da demanda. É o bem da vida pretendido pelo autor, ou
seja, o bem ou interesse que se busca assegurar por meio da prestação jurisdicional.
Por outro lado, existe a possibilidade do pedido imediato, que é a providência jurisdicional pleiteada no sentido do provimento jurisdicional solicitado ao juiz que pode
ter natureza declaratória, constitutiva, condenatória, executiva ou cautelar.
O pedido, como regra, no CPC deve ser certo e determinado (art. 286). Entretanto, o próprio legislador admite algumas exceções em hipóteses nas quais, quando
do início da demanda, tal precisão não puder ser exigida do autor, segundo o princípio da razoabilidade.
O pedido também pode ser alternativo, quando em razão da natureza da obrigação, esta puder ser prestada de mais de um modo. Assim, ainda que o autor não
descreva a possibilidade de cumprimento de modos diversos, ou seja, que faça pedido alternativo, terá o réu a oportunidade de escolher o modo mais conveniente de
cumprir com a obrigação.
Outra hipótese que poderá ocorrer na formulação do pedido é de que sejam
feitos requerimentos que ensejem a cumulação de pedidos, que poderá ocorrer de
forma simples, objetiva, sucessiva ou alternativa.
A cumulação simples ocorrerá quando as partes forem comuns e os pedidos puderem ser formulados em demandas distintas, mas são conjugadas por medida de economia; a cumulação objetiva do pedido se processará quando houver vários pedidos
do mesmo autor em face do mesmo réu, ainda que não haja conexão59. Ocorrerá a
cumulação sucessiva de pedidos quando o segundo pedido somente puder ser apreciado se o primeiro for julgado procedente.
Por fim, a cumulação alternativa ocorrerá quando o magistrado puder acolher o
posterior, caso não acolha o anterior, o que o difere da cumulação sucessiva em que
um pedido somente será apreciado se o anterior for procedente; no caso dos pedidos
alternativos, somente o não acolhimento de um dos pedidos ensejará a apreciação
do pleito seguinte.
Tão logo formulados os pedidos, o autor deverá indicar as provas que pretende
produzir a fim de demonstrar a verdade dos fatos alegados. Esta exigência não surte
“Art. 103. Reputam-se conexas duas ou mais ações, quando
lhes for comum o objeto ou a
causa de pedir”.
59
FGV DIREITO RIO 75
ação: teoria e procedimentos
muita eficácia em termos práticos, visto que em fase posterior, de saneamento do
processo, o juiz de ofício abrirá oportunidade para as partes produzirem provas.
O autor deverá atentar para a exigência do artigo 283, que determina a instrução
da petição inicial com documentos obrigatórios, salvo motivo de força maior, sob
pena de indeferimento da petição. Exemplifica-se: para a abertura do inventário,
necessária faz-se a juntada da certidão de óbito.
Outro requisito da petição inicial é o valor da causa60. A toda demanda deve ser
conferido um valor, ainda que estimado, a ser conferido em moeda nacional, sob
pena de ser considerada inepta a petição inicial61.
4. DESPACHO LIMINAR NA PETIÇÃO INICIAL
O despacho liminar é aquele prolatado pelo juiz tão-logo receba a petição inicial
em que determinará a citação do réu ou não. Nesta oportunidade, o juiz apreciará a
pertinência da demanda, o preenchimento dos requisitos, podendo inclusive negar
seguimento ao feito manifestamente inviável.
Este tema, assim como a sentença liminar inserida no ordenamento Pátrio por
meio da Lei nº. 11.277/06, serão objetos de estudo na próxima aula, que tratará
exclusivamente desses temas.
5. INÉPCIA E EMENDA À PETIÇÃO INICIAL
A petição inicial, conforme estudado, deverá ser elaborada atendendo aos requisitos elencados nos artigo 282 e 283 do CPC, sob pena de ser rejeitada. Há hipóteses, porém, em que qualquer incorreção ou omissão possam ser sanadas em dez dias
por meio da denominada emenda à inicial.
Esta correção da petição inicial é autorizada por determinação legal (artigo 284,
vide nota de rodapé) e o juiz deverá oferecer à parte autora a possibilidade de adequar o petitório à imposição legal. Em não sendo corrigida a petição inicial, o juiz
deverá indeferi-la.
No caso de indeferimento da petição inicial seja pela não-adequação no prazo em
que o autor deveria fazê-la, ou por restar a mesma inserida nas hipóteses previstas
no artigo 295 do CPC62. Destaque-se que mesmo após a citação do réu, é possível
a emenda da petição inicial. Mesmo que isto implique em alterar a causa petendi, já
que o contraditório será resguardado pela determinação para que o réu se manifeste
após a emenda.
“Art. 259. O valor da causa
constará sempre da petição
inicial e será: I – na ação de
cobrança de dívida, a soma do
principal, da pena e dos juros
vencidos até a propositura da
ação; II – havendo cumulação
de pedidos, a quantia correspondente à soma dos valores de
todos eles; III – sendo alternativos os pedidos, o de maior valor;
IV – se houver também pedido
subsidiário, o valor do pedido
principal; V – quando o litígio
tiver por objeto a existência,
validade, cumprimento, modificação ou rescisão de negócio
jurídico, o valor do contrato;
VI – na ação de alimentos, a
soma de 12 (doze) prestações
mensais, pedidas pelo autor; VII
– na ação de divisão, de demarcação e de reivindicação, a estimativa oficial para lançamento
do imposto”.
“Art. 260. Quando se pedirem
prestações vencidas e vincendas, tomar-se-á em consideração o valor de umas e outras. O
valor das prestações vincendas
será igual a uma prestação anual, se a obrigação for por tempo
indeterminado, ou por tempo
superior a 1 (um) ano; se, por
tempo inferior, será igual à
soma das prestações”.
60
O tema valor da causa será
tratado especificamente na
próxima aula, cujo tema é “Aspectos econômicos e éticos do
processo”.
61
“Art. 295. A petição inicial
será indeferida: I – quando for
inepta; II – quando a parte for
manifestamente ilegítima; III
– quando o autor carecer de
interesse processual; IV – quando o juiz verificar, desde logo, a
decadência ou a prescrição (art.
219, § 5o); V – quando o tipo de
procedimento, escolhido pelo
autor, não corresponder à natureza da causa, ou ao valor da
ação; caso em que só não será
indeferida, se puder adaptar-se
ao tipo de procedimento legal;
VI – quando não atendidas as
prescrições dos arts. 39, parágrafo único, primeira parte, e
284”.
62
FGV DIREITO RIO 76
ação: teoria e procedimentos
MATERIAL DE APOIO
Doutrina
Jurisprudência
REsp 837449 / MG ; RECURSO ESPECIAL 2006/0074286-2. Relator(a):
Ministra DENISE ARRUDA (1126). Órgão Julgador: T1 – PRIMEIRA TURMA. Data do Julgamento: 08/08/2006. Data da Publicação/Fonte: DJ 31.08.2006
p. 266. Ementa: Processual Civil. Recurso Especial. Ação de conhecimento. Rito
ordinário. Correção monetária das cadernetas de poupança. Petição inicial. Requisitos. Inépcia. Pedido deficiente. Suposta violação dos arts. 264, parágrafo único,
267, I, 282, IV, e 295, I, do CPC. Não-ocorrência. Emenda depois de apresentada
a contestação. Possibilidade. Interpretação e aplicação do art. 284 do CPC. Dever
omitido pelo juiz. Doutrina. Precedentes do STJ. Preservação do princípio da estabilidade da demanda. Desprovimento. (Grifou-se).
REsp 239561 / RS ; RECURSO ESPECIAL 1999/0106572-0. Relator(a): Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR (1110). Órgão Julgador: T4 – QUARTA TURMA. Data do Julgamento: 20/04/2006. Data da Publicação/Fonte: DJ
15.05.2006 p. 216. Ementa: Civil e Processual. Recurso Especial. Prequestionamento insuficiente. Ação indenizatória. Citação e contestação do réu. Decisão do juízo
monocrático determinando a emenda à inicial. Impugnação do réu via agravo de
instrumento. Pretensão de ver decretada a extinção do processo. Descabimento.
REsp 837449 / MG ; RECURSO ESPECIAL 2006/0074286-2 Relator(a) Ministra DENISE ARRUDA (1126). Órgão Julgador: T1 – PRIMEIRA TURMA.
Data do Julgamento: 08/08/2006. Data da Publicação/Fonte: DJ 31.08.2006 p.
266. Ementa: PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. (...) PETIÇÃO
INICIAL. REQUISITOS. INÉPCIA. PEDIDO DEFICIENTE. (...). EMENDA
DEPOIS DE APRESENTADA A CONTESTAÇÃO. (...). PRESERVAÇÃO DO
PRINCÍPIO DA ESTABILIDADE DA DEMANDA. DESPROVIMENTO. (...)
3. A contestação do réu não obsta a possibilidade de emenda, porque a correção da
inépcia relativa ao bem da vida não implica, necessariamente, a mudança do pedido
ou da causa de pedir. 4. O réu será intimado para se pronunciar sobre a emenda,
assegurando-se, dessa forma, o contraditório e a ampla defesa. Não haverá prejuízo
ou nulidade (CPC, art. 244). Eventual inovação do pedido ou da causa de pedir
sofrerá o controle jurisdicional. Preservar-se-á, com isso, a estabilidade da demanda.
(...). 6. A extinção prematura do processo de conhecimento sem o julgamento do
mérito não obstará o ajuizamento de nova ação, porque a lide não foi solucionada
(CPC, art. 268). Essa solução demandará maior dispêndio de tempo, dinheiro e
atividade jurisdicional, e vai de encontro aos princípios que informam a economia
e a instrumentalidade do processo civil, cada vez menos preocupado com a forma e
mais voltado para resultados substanciais. 7. Recurso especial desprovido.
FGV DIREITO RIO 77
ação: teoria e procedimentos
REsp 837449 / MG ; RECURSO ESPECIAL 2006/0074286-2 Relator(a) Ministra DENISE ARRUDA (1126). Órgão Julgador: T1 – PRIMEIRA TURMA.
Data do Julgamento: 08/08/2006. Data da Publicação/Fonte: DJ 31.08.2006 p.
266. Ementa: PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. (...) PETIÇÃO
INICIAL. REQUISITOS. INÉPCIA. PEDIDO DEFICIENTE. (...). EMENDA
DEPOIS DE APRESENTADA A CONTESTAÇÃO. (...). PRESERVAÇÃO DO
PRINCÍPIO DA ESTABILIDADE DA DEMANDA. DESPROVIMENTO. (...)
3. A contestação do réu não obsta a possibilidade de emenda, porque a correção da
inépcia relativa ao bem da vida não implica, necessariamente, a mudança do pedido
ou da causa de pedir. 4. O réu será intimado para se pronunciar sobre a emenda,
assegurando-se, dessa forma, o contraditório e a ampla defesa. Não haverá prejuízo
ou nulidade (CPC, art. 244). Eventual inovação do pedido ou da causa de pedir
sofrerá o controle jurisdicional. Preservar-se-á, com isso, a estabilidade da demanda.
(...). 6. A extinção prematura do processo de conhecimento sem o julgamento do
mérito não obstará o ajuizamento de nova ação, porque a lide não foi solucionada
(CPC, art. 268). Essa solução demandará maior dispêndio de tempo, dinheiro e
atividade jurisdicional, e vai de encontro aos princípios que informam a economia
e a instrumentalidade do processo civil, cada vez menos preocupado com a forma e
mais voltado para resultados substanciais. 7. Recurso especial desprovido.
TJRJ – 2007.002.13263 – AGRAVO DE INSTRUMENTO DES. HELENA
CANDIDA LISBOA GAEDE – Julgamento: 14/06/2007 – TERCEIRA CAMARA CIVEL. INDENIZAÇÃO. ACIDENTE FERROVIÁRIO. Legitimação da Mrs
Logística, concessionária do serviço. Edital prevendo no item 7.1 a responsabilidade
da RFFSA por eventos anteriores à concessão, mas, admitindo o direito de regresso
para os casos em que a concessionária fosse condenada por decisão judicial. Não
excluiu assim, a possibilidade da concessionária vir a ser responsabilizada. Denunciação da lide, incabível em rito sumário. Prescrição vintenária. Nega-se seguimento
ao recurso. (Grifou-se).
Leitura obrigatória
BUENO, Cássio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil, vol.
2, São Paulo, Saraiva, 2007, p. 65-111.
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil, vol. 1, 17 ª edição, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2008, p. 305-316.
DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil, vol. 1, 9ª edição, Salvador,
Podium, 2008, p. 397-437.
MARINONI, Luiz Guilherme, ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil, vol. 2, 6. ed. (em edições anteriores Manual do Processo de Conhecimento),
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 70-92.
Leitura complementar
CARMONA, Carlos Alberto. Em torno da petição inicial, Revista de Processo, n.
119, jan. 2005, p. 11-34.
FGV DIREITO RIO 78
ação: teoria e procedimentos
QUESTÕES DE CONCURSO
1 – MP/RJ (XXV concurso – específica)
Conceitue pedido implícito, identificando as hipóteses admitidas pelo ordenamento jurídico brasileiro.
2 – MP/RJ (XVIII concurso – preliminar)
Aponte, quanto ao modo de argüição e quanto aos efeitos, as distinções existentes
entre incompetência absoluta e incompetência relativa. Resposta objetivamente justificada.
3 – MP/RJ (XXII concurso – preliminar)
FABIANO propôs na Comarca de sua residência (Rio Bonito), ação de oferecimento
de alimentos em face de CAIO, operando-se a citação em 15.06.98. Por sua vez, CAIO,
na Comarca de sua residência (Maricá), propôs ação de alimentos contra FABIANO,
sendo despachada a petição inicial em 14.06.98. Diante da oferta da exceção de incompetência, FABIANO sustenta que a citação ensejou a prevenção do Juízo de Rio
Bonito. Enfrentando as questões processuais suscitadas, emita opinião sobre o foro
competente para as aludidas ações, apontando normas do Código de Processo Civil.
Resposta objetivamente justificada.
4 – MP/RJ (VI concurso – específica)
Em juízos diversos da comarca da Capital, foram propostas duas ações: uma, pelo
locador, de despejo por falta de pagamento de aluguéis, cuja inicial foi distribuída em
14/1 e despachada em 16/1, tendo sido o réu citado e, 30/1; outra, pelo locatário, de
consignação em pagamento dos mesmos aluguéis, distribuída em 14/1 e despachada
em 15/1, tendo a citação ocorrido em 30/1. Ambas ainda se processam em primeira
instância.
Pergunta-se: Há conexão entre as demandas? Em havendo, qual a consequência
por ela produzida? E se uma das demandas já estivesse julgada em primeira instância, qual a conseqüência? Justifique as respostas.
5 – Magistratura Estadual RS/2000:
O autor cumula no mesmo processo ação de res­sarcimento de danos materiais contra a União e o Estado do Rio Grande do Sul. A deman­da é ajui­zada no Justiça
Federal, circunscrição do Rio Grande do Sul. Neste contexto, o Juiz
(A) determina o processamento de ambas as ações cumuladas.
(B) indefere a inicial por não ser admissível a cu­mulação.
(C)determina tome o autor as providências ne­cessárias para sanear o processo.
(D)determina o prosseguimento apenas da ação contra a União.
(E) extingue o processo por não estarem pre­sentes os pressupostos processuais.
FGV DIREITO RIO 79
ação: teoria e procedimentos
Assinale a assertiva correta.
(A) Reconhecida a incompetência pelo próprio Juiz, os autos são encaminhados
ao Juiz competente.
(B) Julgando-se incompetente para a causa, o Juiz extingue o processo sem julgamento do mérito.
(C)A incompetência absoluta deve ser postula­da em autos próprios.
(D)A incompetência territorial pode ser declara­da de ofício.
(E) Suscitada a incompetência do Juiz, deve ele, desde logo, se dar por suspeito.
FGV DIREITO RIO 80
ação: teoria e procedimentos
AULA 09. DESPACHO LIMINAR DE CONTEÚDO POSITIVO E NEGATIVO.
SENTENÇA LIMINAR (art. 285-A).
CASO
Mévio ingressa em Juízo com Ação de Indenização em face de uma empresa de
telefonia celular alegando que seu nome foi inserido no sistema de órgão de proteção ao crédito sem que a empresa tenha observado o dever de notificá-lo previamente. O autor alega que essa atitude é uma prática reiterada das empresas de telefonia
e anexa à sua petição inicial decisões paradigmas prolatadas em demandas propostas
com a mesma causa de pedir e pedido. Requer o julgamento da ação com base no
artigo 285-A do CPC. Você, como juiz, proferiria sentença liminar de procedência
do pedido? Fundamente.
NOTA AO ALUNO
1. DESPACHO LIMINAR NA PETIÇÃO INICIAL
O despacho liminar é aquele prolatado pelo juiz tão-logo receba a petição inicial
na qual determinará a citação do réu ou não. Nesta oportunidade, o juiz apreciará a
pertinência da demanda, o preenchimento dos requisitos, podendo inclusive negar
seguimento ao feito manifestamente inviável.
Neste primeiro contato com a demanda, o juiz deverá exercer o controle da regularidade formal do processo e da admissibilidade da ação, iniciando-se a atividade
de saneamento do feito. Em casos de invalidade, má-formação, inépcia da petição
inicial, a mesma deverá ser indeferida de plano sem a apreciação do mérito.
Por outro lado, a legislação autoriza ao magistrado apreciar, em situações excepcionais, o mérito da demanda e julgá-la improcedente prima facie (também denominada
de julgamento liminar de mérito), com resolução de mérito antes mesmo da citação do
réu, já que esta sequer chegará a ser determinada pelo juiz no despacho liminar.
O despacho liminar, nestas hipóteses, será convertido em sentença63. São casos
de improcedência prima facie o reconhecimento da prescrição ou da decadência,
o julgamento de causa repetitivas64 e a rejeição in limine dos embargos à execução
previstos no artigo 739, III, do CPC. Caso o autor tenha requerido antecipação dos
efeitos da tutela, o juiz irá se manifestar no momento do despacho liminar.
Neste sentido, destaca Fredie: “(...) não há qualquer violação à garantia do contraditório, tendo em vista que se trata de um julgamento pela improcedência. O
réu não precisa ser ouvido para sair vitorioso. Não há qualquer prejuízo para o réu
decorrente da prolação de uma decisão que lhe favoreça”.
Quanto à natureza do despacho vai além de mero “despacho”, visto o conteúdo
decisório e não de mero impulso, como a natureza do despacho faz concluir. Quando o despacho liminar defere a petição inicial recebe o nome de despacho liminar de
“Art. 162. Os atos do juiz consistirão em sentenças, decisões
interlocutórias e despachos. §
1o Sentença é o ato do juiz que
implica alguma das situações
previstas nos arts. 267 e 269
desta Lei”.
63
“Art. 285-A. Quando a matéria
controvertida for unicamente
de direito e no juízo já houver
sido proferida sentença de total
improcedência em outros casos
idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da
anteriormente prolatada”.
64
FGV DIREITO RIO 81
ação: teoria e procedimentos
conteúdo positivo. Ao contrário, quando indefere, recebe o nome de despacho liminar
de conteúdo negativo.
O despacho de conteúdo positivo torna prevento o Juízo para efeitos de fixação
da competência e tem caráter de decisão interlocutória, conquanto o de conteúdo
negativo será uma sentença, pondo termo ao processo, sendo atacável por meio de
recurso de apelação65.
O despacho liminar de conteúdo positivo quer seja em razão da primeira apreciação do Estado-Juiz considerando estarem presentes todos os requisitos da petição
inicial e em não ocorrendo qualquer das hipóteses de indeferimento da mesma, ou
ainda, em decorrência de correção tempestiva66 de qualquer irregularidade apontada, o juiz determinará a citação do réu.
O indeferimento, ou seja, despacho liminar de conteúdo negativo pode ser total
ou parcial e poderá decorrer da forma (exemplos: inépcia da inicial em razão do
não-atendimento aos requisitos obrigatórios), em razão da ação (exemplo: falta de
interesse processual) e em razão do mérito (exemplo: decadência).
Quanto aos efeitos, o despacho liminar negativo formará coisa julgada formal,
exceto se for improcedência prima facie, que constituirá coisa julgada material67.
2. A SENTENÇA LIMINAR
A Lei nº. 11.277 inseriu na sistemática processual o art. 285-A, vulgarmente
conhecido como da “sentença liminar”. Convém lembrar a discussão que se seguiu
na edição da reforma processual de 1994. Alguns questionavam se a decisão do juiz
que concede a tutela antecipada, na verdade, não seria uma sentença, tendo em vista
que examinava o mérito. Pela primeira vez cunhou-se, ainda que experimentalmente, o termo “sentença liminar”.
A maioria esmagadora da doutrina entendeu não ser procedente tal consideração
e pacificou o entendimento, inclusive com as bênçãos da jurisprudência, no sentido
de que se tratava de decisão interlocutória68.
Agora, curiosamente 12 anos mais tarde, o termo volta à baila com a inserção
no ordenamento do art. 285-A, que assim dispõe: “Art. 285-A. Quando a matéria
controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de
total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida
sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada.” A partir deste (aparentemente) simples e único dispositivo, podemos levantar alguns pontos para reflexão.
Em primeiro lugar, chamamos a atenção para a expressão “matéria controvertida
unicamente de direito”. Partindo deste termo, podem ser suscitadas as mais diversas
questões na inicial. Contudo, o cerne da controvérsia deve estar relacionado a uma
questão apenas de direito. Se houver, ainda que acessoriamente, um fato que precise
ser esclarecido, não terá aplicação a nova regra do artigo 285-A.
Certamente pode haver aqui certa dose de subjetividade intrínseca à cognição. Como cediço, cognição é a atividade intelectual exercida pelo juiz diante das
questões trazidas pelas partes. Quando o juiz examina fatos, leva em consideração,
“Art. 513. Da sentença caberá
apelação (arts. 267 e 269)”.
65
“Art. 284. Verificando o juiz
que a petição inicial não preenche os requisitos exigidos nos
arts. 282 e 283, ou que apresenta defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento
de mérito, determinará que o
autor a emende, ou a complete,
no prazo de 10 (dez) dias”.
66
A respeito da coisa julgada,
conferir em aula 20.
67
Veja-se por todos BEDAQUE,
José Roberto dos Santos. Tutela
Cautelar e Tutela Antecipada:
tutelas sumárias de urgência
(tentativa de sistematização).,
2ª ed. São Paulo: Malheiros,
2001.
68
FGV DIREITO RIO 82
ação: teoria e procedimentos
basicamente, a distribuição do ônus da prova (art. 333), as regras de experiência
(art. 335) e as presunções legais (art. 334, IV).
Ao examinar matéria de direito, leva em consideração as regras de interpretação e
as regras de integração da norma jurídica. Em ambos os casos haverá atividade cognitiva, porém em dimensões diversas. Ademais, a cognição pode ser examinada no
plano horizontal (total ou parcial) ou vertical (exauriente, sumária ou superficial)69.
Assim sendo, em perspectiva de cognição horizontal, sendo apresentadas ao juiz
várias questões, ele só poderá se servir do mecanismo do art. 285-A quando, entre
essas várias questões, aquela que for efetivamente controvertida e significar o cerne
da controvérsia for uma questão unicamente de direito.
Prossegue o legislador: “e no juízo já houver sido proferida sentença”. De se perceber que o legislador não utiliza a expressão “pelo juiz” e sim “no juízo”. Não poucas vezes, existem dois ou mais juízes em exercício no mesmo órgão jurisdicional.
Isso pode levar a alguns dilemas, como na hipótese de dois magistrados designados para a mesma Vara (supondo-se um órgão com número excessivo de procedimentos ou em fase de reestruturação) com posicionamentos diversos sobre uma
mesma questão de direito. Ou mesmo quando um novo juiz titular assume o órgão
após o anterior ter sido promovido e modifica alguns entendimentos, até então
rotineiramente adotados.
O que fazer se no juízo houver precedentes em sentido diametralmente oposto
daqueles que se invocam como aptos a viabilizar a aplicação do novel dispositivo?
Apesar da Lei nada dispor, nesta hipótese não se fará presente a situação de tranqüilidade jurídica exigida pelo legislador para que se aplique o novo mecanismo.
Outro ponto a se enfocar é que a regra do artigo 285-A é excepcional; não pode ser
aplicada indiscriminadamente, sob pena de se subverter o devido processo legal, e debitar-se a conta às expensas da necessidade, a qualquer custo, de um processo rápido.
Não se deve esquecer que a atuação do juiz se situa sempre entre os parâmetros da segurança e da rapidez; ele nunca pode prescindir de um desses fatores integralmente.
O dispositivo atenderá, principalmente, hipóteses em trâmite perante os Juizados Especiais Cíveis (estaduais e federais), órgãos sobrecarregados e que necessitam
de mecanismos de tutela rápida.
De se observar que antes mesmo da vigência desta Lei já havia sido aprovado o
Enunciado nº. 01 do FONAJEF – Fórum Nacional dos Juizados Especiais Federais, no mesmo sentido: “O julgamento de mérito de plano ou prima facie não viola
o princípio do contraditório e deve ser empregado na hipótese de decisões reiteradas de
improcedência pelo juízo sobre determinada matéria”.
O novo dispositivo menciona ainda a expressão “improcedência total”, que deve
ser interpretada literalmente, no sentido de não se permitir a aplicação da regra em
hipóteses de sucumbência recíproca. Prossegue com a expressão “em casos idênticos”.
Isso deve ser visto com muito cuidado, porque é um critério subjetivo, principalmente em sede de legislação federal.
Ademais, pode causar certa perplexidade que uma decisão proferida em outro
processo possa ter algum tipo de efeito vinculante sobre um processo posterior, com
partes diversas.
Ver sobre o tema MARINONI,
Luiz Guilherme. Tutela Inibitória. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1999.
69
FGV DIREITO RIO 83
ação: teoria e procedimentos
Nesse sentido, a Ordem dos Advogados do Brasil ingressou com Ação Direta de Inconstitucionalidade no Egrégio Supremo Tribunal Federal, questionando
este novo dispositivo (ADIN 3.695/06), em face dos Princípios Constitucionais do
Contraditório e da Ampla Defesa. Até o momento do fechamento deste trabalho
não havia decisão sobre a matéria.
De acordo com o posicionamento de Luiz Fux e de Humberto Theodoro Júnior,
por se tratar de um julgamento pela improcedência do pedido autoral, bem como
por não haver qualquer prejuízo a ser experimentado pelo réu – visto que a decisão
lhe é favorável – não há violação alguma ao Princípio do Contraditório.
A legislação admite ao juiz o exercício do juízo de retratação. Se o autor apela, é
facultado ao juiz decidir, no prazo de cinco dias, se reforma sua decisão e determina
o prosseguimento da ação. É uma possibilidade de juízo de retratação muito semelhante à que já existia no art. 296 do CPC.
Interessante a inovação do parágrafo segundo, fruto de questionamentos que
haviam sido levantados por conta da introdução na nova redação do referido artigo
296. Diz o legislador: “§ 2o Caso seja mantida a sentença, será ordenada a citação do
réu para responder ao recurso”.
Com esta inovação, de fato o que se observará é o uso de sentenças padrões ou
“jurisprudência sumulada pelos Tribunais superiores padrão”, mas o princípio do
devido processo legal e o acesso à justiça deverão ser resguardados. Para alcançar uma
redução de sobrecarga de demandas, garantindo por outro lado as garantias constitucionais, os temas ainda haverão de ser tratados de forma exaustiva pelos tribunais.
MATERIAL DE APOIO
Jurisprudência
REsp 780825 / RS ; RECURSO ESPECIAL 2005/0151294-7 Relator(a) Ministra NANCY ANDRIGHI (1118) Órgão Julgador T3 – TERCEIRA TURMA
Data do Julgamento15/08/2006 Data da Publicação/Fonte DJ 05.03.2007 p. 282
Ementa Processo civil. Busca e apreensão proposta com fundamento em contrato de
financiamento com alienação fiduciária. Demanda extinta, sem apreciação do mérito, em primeiro grau, antes da citação do réu. Apelação do requerente. Negativa de
provimento e reforma, de ofício, pelo Tribunal, para o fim de julgar improcedente,
no mérito, a demanda. Impossibilidade. – É ilegal a decisão do Tribunal que julga
improcedente, de ofício, o pedido formulado em ação de busca e apreensão com
fundamento em contrato de financiamento com alienação fiduciária, na hipótese em
que o juízo de primeiro grau havia extinguido o processo antes mesmo da citação
do réu. – O julgamento de mérito de uma demanda sem a citação do réu só veio
a ser admitida posteriormente, em hipóteses específicas, pelo art. 285-A, do CPC,
introduzido pela Lei nº. 11.277/06, norma essa que não estava vigente à época do
julgamento do processo sub judice e que, ainda que assim não fosse, não se aplicaria
à controvérsia. Recurso especial provido.
FGV DIREITO RIO 84
ação: teoria e procedimentos
TJ/RS – TIPO DE PROCESSO: Apelação Cível NÚMERO:  70019782754
RELATOR: Ana Maria Nedel Scalzilli EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO
DECLARATÓRIA CUMULADA COM PEDIDO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO. SERVIÇOS DE TELEFONIA. COBRANÇA DE TARIFA BÁSICA MENSAL. POSSIBILIDADE. Hipótese em se mostra perfeitamente aplicável o disposto
no artigo 285-A, do Código de Processo Civil, com a redação dada pela Lei nº.
11.277/2006. É devida a cobrança de assinatura básica mensal pela concessionária
que, disponibilizando o serviço ao usuário, tem o direito de receber a contraprestação, fins de custear a infra-estrutura fornecida e viabilizar a continuidade da prestação do serviço. Previsão legal e contratual para a cobrança da denominada ‘Tarifa
Básica Mensal’. SENTENÇA CONFIRMADA. APELO IMPROVIDO. (Apelação
Cível Nº. 70019782754, Décima Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS,
Relator: Ana Maria Nedel Scalzilli, Julgado em 20/06/2007).
TRF 2ª Região – Classe: AMS – APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA – 64498 Processo: 2006.51.01.004142-4 UF: RJ Orgão Julgador: QUARTA TURMA ESP. Data Decisão: 21/11/2006 Documento: TRF200159825 DJU
DATA:31/01/2007 PÁGINA: 172. RELATOR: JUIZ LUIZ ANTONIO SOARES
Ementa: TRIBUTÁRIO. EXTINÇÃO DO MANDADO DE SEGURANÇA SEM
RESOLUÇÃO DO MÉRITO. A AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO DA AUTORIDADE IMPETRADA CONSTITUI EM ÓBICE À APLICAÇÃO DA TEORIA
DA CAUSA MADURA. NÃO INCIDE, NO CASO, O DISPOSTO NO ARTIGO 285-A DO CPC. SENTENÇA ANULADA PARA O REGULAR PROCESSAMENTO DO WRIT. 1. A sentença recorrida extinguiu o mandado de segurança,
ao fundamento de que a impetração não pode ser comutada em ação de cobrança,
nos termos da vedação prevista no verbete sumulado pelo STF, nº. 269, antes mesmo
que a autoridade impetrada tivesse sido notificada. 2. A incidência do artigo 285-A do
Código de Processo Civil, com a redação com a qual foi instituído pela Lei nº. 11.277,
de 27.02.2006, pressupõe o julgamento do processo com resolução do mérito, sem o
que não se poderá concluir pela improcedência do pedido, de modo que o dispositivo
não pode ser invocado para aplicação do princípio da instrumentalidade das formas.
3. Não se pode aplicar a “teoria da causa madura” no caso, pois o processo não está em
condições de imediato julgamento, até mesmo sob pena de violação ao respeito que
se deve conferir à não supressão de instância, além da ausência da citação da parte ré,
cumpre anular (cassar) a sentença recorrida e determinar o regular prosseguimento do
feito no juízo “a quo”. 4. Apelo a que se dá parcial provimento.
TJ/RJ – 2007.001.19380 – APELAÇÃO CÍVEL DES. CELSO FERREIRA
FILHO – Julgamento: 12/06/2007 – DÉCIMA QUINTA CÂMARA CÍVEL
DIREITO DO CONSUMIDOR. Ação indenizatória por danos morais em
face da Ampla S/A, onde alega o autor que por força de um APAGÃO, ficou as
escuras no dia 31/12/2005 e no dia 01/01/2006, embora estivesse em dia com os
pagamentos de luz. Lide que traduz a repetição de inúmeras outras com idêntica
causa petendi e pedido, sendo todas reputadas improcedentes pelo mesmo Juízo.
FGV DIREITO RIO 85
ação: teoria e procedimentos
Desnecessária a citação quando os fatos se mostram notórios e de manifesta injuricidade os fundamentos. Circunstância fortuita que atua, na espécie, como excludente da responsabilidade objetiva da concessionária ré. Aplicação do art. 285-A
do CPC. APELO DESPROVIDO.
Doutrina
Leitura obrigatória (escolher uma das fontes)
BUENO, Cássio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil, vol.
2, São Paulo, Saraiva, 2007, p. 112-134.
DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil, vol. 1, 9ª edição, Salvador,
Podium, 2008, p. 439-451.
MARINONI, Luiz Guilherme, ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil, vol. 2, 6. ed. (em edições anteriores Manual do Processo de Conhecimento),
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 93-102.
Sites
http://www.conjur.com.br
FGV DIREITO RIO 86
ação: teoria e procedimentos
AULA 10. ASPECTOS ECONÔMICOS E ÉTICOS DO PROCESSO: CUSTAS,
HONORÁRIOS, VALOR DA CAUSA, IMPUGNAÇÃO AO VALOR DA CAUSA E
PROCURAÇÃO.
CASO
Antônio ajuizou ação em face de SS Previdência Privada, pleiteando o recebimento das diferenças no importe de 34,58% de decorrentes de erro na fixação do
valor que deveria receber a título de aposentadoria por tempo de serviço. Antônio
procurou por um contador particular que apurou que o valor que deve ser corrigido
é de R$ 400,00 (quatrocentos reais) mensais, e que o valor acumulado nos últimos
cinco anos, devidamente corrigidos, chega a R$ 24.000,00 (vinte e quatro mil reais).
Ao propor a Ação de Complementação de Aposentadoria, o advogado de Antônio
fixou o valor da causa em R$ 24.000,00 (vinte e quatro mil reais). Pergunta-se:
a) O valor dado à causa foi correto?
b) O que você entende por fixação em valor de alçada?
c) Quais seriam as conseqüências se a petição deixasse de informar o valor dado
à causa?
d) Caso o réu discorde do valor atribuído à causa poderá impugnar de alguma
maneira? Explique fundamentadamente.
NOTA AO ALUNO
1. ASPECTOS ECONÔMICOS
Todo processo importa em um custo70. O custo do processo engloba as despesas
processuais e os honorários advocatícios. Nas primeiras, encontram-se as taxas judiciárias ou custas, os emolumentos, o custo de certos atos e diligências, a remuneração de auxiliares eventuais e as multas.
As despesas processuais, previstas nos artigos 19 71 a 35 do CPC, são cobradas de acordo com a natureza do processo e o rito processual adotado. Em
relação a elas existe uma responsabilidade provisória e uma responsabilidade
definitiva.
A responsabilidade provisória consiste no ônus imposto à parte (autor ou réu)
de antecipar o pagamento das despesas respeitantes aos atos cuja prática venha a requerer. Assim, as despesas respeitantes a um ato determinado devem ser antecipadas
pela parte que provocar sua prática (CPC, art. 19, caput e § 1°).
Além disso, a responsabilidade provisória também impõe ao autor o ônus de
antecipar as despesas respeitantes a determinados atos que, embora não provocados
por ele, associam-se, no entender do legislador, mais a seu interesse que ao do réu.
Desse modo, se a realização do ato for determinada pelo juiz, agindo de ofício, ou
“Custo do processo é a designação generalizada de todos
os itens entre os quais se distribuem os recursos financeiros a
serem despendidos no processo.
Engloba despesas processuais
e honorários advocatícios”.
DINAMARCO, Cândido Rangel.
Instituições de Direito Processual
Civil, vol. II. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 633.
70
Em relação ao § 5º do art. 19,
cumpre observar que o citado
art. 602 foi revogado pela Lei nº
11.232/2005, sendo esta matéria hoje tratada pelo art. 475-Q.
71
FGV DIREITO RIO 87
ação: teoria e procedimentos
atendendo a requerimento do Ministério Público, quando este atue como custos
legis, caberá ao autor adiantar as despesas respectivas (CPC, art. 19, § 2°).
A responsabilidade definitiva, por sua vez, é o dever (e não simples ônus) imposto à parte derrotada de ressarcir a vencedora das despesas cujo pagamento esta haja
antecipado no curso do processo (CPC, art. 20, caput e § 1°).
As custas possuem a natureza jurídica de taxa, sendo devidas no momento da
propositura da ação e calculadas de acordo com o valor da causa. Os valores das custas variam de estado para estado, havendo uma tabela de consulta em cada um72.
Todos que desejam exercer seu direito de ação, a princípio, estão sujeitos ao
pagamento das custas processuais, com exceção dos hipossuficientes, aos quais é
assegurado o direito à gratuidade de justiça por força da garantia constitucional de
acesso à justiça (art. 5º, XXXV, CF).
A proteção aos hipossuficientes encontra-se prevista em nossa Constituição, em
seu art. 5°, LXXIV73, que garante a gratuidade dos atos processuais mediante a afirmação de insuficiência de recursos. No plano infraconstitucional, a Lei n° 1.060/50
(Lei de Assistência Judiciária) regula a forma de concessão dessa assistência.
A responsabilidade definitiva pelas despesas processuais, mencionada há pouco,
constitui uma sanção imposta ao vencido no processo judicial. Assim, a sentença
deve condená-lo a pagar ao vencedor, independentemente de intimação judicial,
todas as despesas processuais antecipadas por este, acrescidas dos honorários da
sucumbência. Estes últimos, porém, não são devidos, à parte vencedora, mas sim a
seu advogado (arts. 22 a 24 da Lei 8.906/94).
Na ausência de determinação do ônus de sucumbência ou na hipótese de equívoco de sua determinação, a parte interessada poderá, conforme o caso, interpor o
recurso de embargos de declaração, para corrigir a omissão ou a contradição, bem
como o de apelação, para que seja reformada a sentença.
A hipótese é muito comum quando há mais de um sujeito no pólo sucumbente.
Caso um deles tenha sido excluído da lide, não caberão custas à parte que desistiu
ou foi considerada ilegítima. Caso o juiz se omita ou não ressalve na sentença esses
casos, determinando ônus de sucumbência para ambos os sujeitos vencidos, caberá
apelação ou embargos declaratórios, conforme o caso.
Outra sanção prevista é o pagamento em dobro das custas por aquele que as
tenha recebido indevidamente (art. 29 do CPC) ou por aquele que agir de má-fé,
pois as sanções impostas serão contadas como custas (art. 35 do CPC). Havendo
sucumbência recíproca ou litisconsórcio, as despesas processuais serão distribuídas
proporcionalmente (arts. 21 e 23 do CPC).
Destaque-se que é permitido ao advogado ceder a seu cliente, total ou parcialmente, o direito aos honorários da sucumbência. Destaque-se que a Lei 8.906/94,
art. 24, § 3°, que vedava expressamente essa cessão, teve sua vigência suspensa, por
decisão liminar do pleno do STF, na ADI 1.194-4, proferida em 14-02-1996. A decisão foi confirmada em 18.10.2006 (publicada em 27.10.2006), por unanimidade.
Dessa forma, o dispositivo foi considerado inconstitucional.
De se ressaltar o disposto no art. 27 do CPC, segundo o qual “as despesas dos
atos processuais efetuados a requerimento do Ministério Público ou da Fazenda Pública,
No caso do Rio de Janeiro, estão previstas na Lei 3.350/99.
72
Art. 5°, LXXIV da CF/88: “o
Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que
comprovarem insuficiência de
recursos”.
73
FGV DIREITO RIO 88
ação: teoria e procedimentos
serão pagas a final pelo vencido”. O dispositivo se aplica apenas às hipóteses em que o
Ministério Público atue como parte. De modo diverso, quando ele for fiscal da lei,
será necessária a antecipação das despesas relativas aos atos por ele requeridos. Em
tal caso, porém, caberá ao autor, e não ao custos legis, nos termos do CPC, art. 19,
§ 2°, o adiantamento de referidas despesas. Esta é a única exegese capaz de compatibilizar os textos dos arts. 19, § 2°, e 27, caput, do CPC.
Nesse sentido, verifica-se que o Ministério Público, os entes federativos e as respectivas entidades autárquicas estão isentos do pagamento inicial de custas processuais, bem como da antecipação das demais despesas processuais respeitantes aos
atos que se praticarem ao longo do procedimento.
A eles não se aplica, portanto, a responsabilidade provisória pelas despesas processuais, sendo considerada tal isenção uma garantia à supremacia do interesse público sobre o particular.
A respeito deste tema, duas observações não podem ser olvidadas: 1ª) apesar de
isentos da responsabilidade provisória, o Ministério Público e a Fazenda Pública, caso
derrotados, suportarão a responsabilidade definitiva pelas despesas processuais; 2ª)
a isenção da responsabilidade provisória restringe-se às despesas devidas aos cofres
públicos, não se aplicando, pois, às despesas de conteúdo indenizatório (STJ, súmula
190) e às que se destinem ao pagamento de auxiliares que não componham os quadros do judiciário, como costuma ocorrer com a figura do perito (STJ, súmula 232).
A respeito da temática valor da causa, esta corresponde a um dos requisitos da
petição inicial. A toda demanda deve ser conferido um valor, ainda que estimado,
a ser conferido em moeda nacional, sob pena de ser considerada inepta a petição
inicial.
O valor da causa deve ser atribuído a qualquer demanda, contenciosa ou não,
acessória ou principal, em procedimentos descritos pela regra geral do CPC ou para
procedimentos descritos em norma especial. Isto porque, a partir do valor atribuído, será estabelecido o rito, a competência para o Juízo comum ou para os Juizados
Especiais etc. É sobre o valor da causa também que são fixadas as custas judiciais.
Também o valor da causa pode servir de base para o cálculo dos honorários
advocatícios (art. 20, parágrafo 3º do CPC). A correta indicação do valor da causa
também se impõe para evitar que o réu o impugne (art. 261), gerando incidente
processual que pode tumultuar e atrasar o processo que se inicia.
O art. 259 do CPC74 estabelece várias diretrizes que devem ser seguidas para o
alcance do exato valor da causa, devendo elas sempre ser consideradas para a sua
fixação. No caso de a hipótese concreta não estar prevista em lei, o valor da sua
causa deverá corresponder ao valor almejado pelo autor quando da propositura da
ação (isso se a causa visa à obtenção de determinado valor), ao benefício patrimonial
pretendido pelo autor pura e simplesmente, sendo totalmente irrelevante o fato de
o autor ter ou não razão.
Quando através da demanda o autor não visar à obtenção de um ganho patrimonial, deverá ser indicado como valor da causa o valor de alçada, que é uma ficção
criada por lei para suprir a necessidade do valor da causa sempre ser indicado, mesmo nas hipóteses em que a demanda não tenha cunho patrimonial.
“Art. 259. O valor da causa
constará sempre da petição
inicial e será: I – na ação de
cobrança de dívida, a soma do
principal, da pena e dos juros
vencidos até a propositura da
ação; II – havendo cumulação
de pedidos, a quantia correspondente à soma dos valores de
todos eles; III – sendo alternativos os pedidos, o de maior valor;
IV – se houver também pedido
subsidiário, o valor do pedido
principal; V – quando o litígio
tiver por objeto a existência,
validade, cumprimento, modificação ou rescisão de negócio
jurídico, o valor do contrato;
VI – na ação de alimentos, a
soma de 12 (doze) prestações
mensais, pedidas pelo autor; VII
– na ação de divisão, de demarcação e de reivindicação, a estimativa oficial para lançamento
do imposto”.
“Art. 260. Quando se pedirem
prestações vencidas e vincendas, tomar-se-á em consideração o valor de umas e outras. O
valor das prestações vincendas
será igual a uma prestação anual, se a obrigação for por tempo
indeterminado, ou por tempo
superior a 1 (um) ano; se, por
tempo inferior, será igual à
soma das prestações”.
74
FGV DIREITO RIO 89
ação: teoria e procedimentos
Da mesma forma, permite-se a utilização do valor de alçada como valor da causa
de ações através das quais se busca indenização por danos morais, visto que é muito
difícil estimar o quanto se pretende receber a esse título.
O réu terá o prazo da contestação (15 dias) para oferecer impugnação ao valor
da causa75, que será autuada em apenso. O fato de ambas terem que ser apresentadas no prazo de quinze dias não implica dizer que tenham que ser, tanto a impugnação como a contestação, apresentadas ao mesmo tempo. Podem ser ajuizadas em
momentos distintos, desde que respeitado o prazo prescrito em lei.
Quando o procedimento for o especial sumário, o juiz apreciará a impugnação na
ocasião da audiência de conciliação, podendo inclusive alterá-la de ofício. Uma vez corrigido o valor da causa, poderá ocorrer que o mesmo não mais se enquadre ao procedimento eleito originalmente. Neste caso, o juiz ordenará a conversão imediatamente ao
procedimento adequado, em razão do valor da causa nas hipóteses admitidas em lei.
2. ASPECTOS ÉTICOS DO PROCESSO. REPRESSÃO À MÁ-FÉ. RESPONSABILIDADE POR
DANO PROCESSUAL.
O processo, como o conjunto complexo de atos em que se busca a satisfação de uma
pretensão, possui uma série de regras e fundamentos que limitam tanto a atuação das
partes quanto a atuação do magistrado com vistas a assegurar os princípios e fundamentos constitucionais. A este conjunto de regras e fundamentos que rege a atuação dos
personagens do processo encontram-se relacionados os aspectos éticos do processo.
Para assegurar a ética no processo, o CPC prevê uma série de limitações da combatividade permitida, além de diversas sanções à deslealdade, que vão desde a perda
de uma faculdade processual até a multa aplicada pelo magistrado (art. 18 CPC).
Violando a parte seus deveres éticos, isto é, de lealdade e boa-fé processual (art. 14,
II, CPC), ela é considerada litigante de má-fé por estar utilizando o processo com o
objetivo de vencer a qualquer custo ou de, pelo menos, prolongar deliberadamente o
seu curso normal76, causando dano à parte contrária. Todavia, não só a parte (do processo ou da demanda) fica prejudicada. Em verdade, a má-fé proces­sual prejudica todo
o processo, na medida em que pode impedir, até mesmo, a solução da controvérsia.
Nesse sentido, o Código prevê em seu art. 14, I e III, o dever de veracidade em
relação às alegações das partes, bem como o de formular pretensões e alegar defesas
fundamentadas, isto é, de acordo com o sistema normativo vigente.
A litigância de má-fé – espécie do gênero ato processual – decorre de fatos extraprocessuais, como, por exemplo, o descumprimento de um contrato; ou processuais, como a ausência de citação. A parte, ao litigar de má-fé, gera um fato processual,
qual seja, um dano à parte contrária. Ao defini-la, o art. 17 do CPC pressupõe a
comprovação do dolo da parte.
O abuso de direito no processo não é sancionado por norma expressa. Todavia
o uso abusivo dos meios de defesa oferecidos pela lei torna-se ilícito77 quando
ultrapassa os limites da razoabilidade. Exemplificamos: tem-se aceitado como ato
de boa-fé a interposição do recurso inadequado no prazo previsto para o recurso
“Art. 261. O réu poderá impugnar, no prazo da contestação, o
valor atribuído à causa pelo autor. A impugnação será autuada
em apenso, ouvindo-se o autor
no prazo de 5 (cinco) dias. Em
seguida o juiz, sem suspender
o processo, servindo-se, quando
necessário, do auxílio de perito,
determinará, no prazo de 10
(dez) dias, o valor da causa”.
75
Quanto a este aspecto, importante notar a introdução do
princípio da celeridade processual (art. 5º, LXXVIII, CF) através
da Emenda Constitucional n°
45/2004, que certamente será
utilizada como um fator para a
configuração desta responsabilidade.
76
DINAMARCO, Cândido Rangel.
Instituições de Direito Processual
Civil, vol. II. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 261.
77
FGV DIREITO RIO 90
ação: teoria e procedimentos
adequado (fungibilidade recursal). Outro exemplo encontra-se na oposição de
exceção de pré-executividade quando não for admitida.
Embora as sanções à litigância de má-fé se refiram especificamente ao autor, réu
e interveniente (art. 16, CPC), todos os participantes do processo encontram-se
submetidos às normas éticas previstas pelo diploma processual.
Com isso, agindo a Fazenda Pública ou o Ministério Público como litigantes
de má-fé, estarão, igualmente, submetidos ao poder-dever do juiz de aplicação de
multa, que em nada compromete sua imparcialidade, já que, neste caso, sua atuação
está vinculada ao interesse público e à dignidade da Justiça.
No entanto, a discricionariedade do juiz para a aplicação ex officio da sanção
encontra limites no próprio sistema jurídico, como os princípios constitucionais,
dentre os quais destacamos a obrigação de motivação das decisões judiciais.
A sanção para a litigância de má-fé encontra-se prevista no art. 18 do CPC, o
qual estabelece multa não excedente a 1% sobre o valor da causa e indenização à
parte contrária dos prejuízos que esta sofreu, fixada em quantia não superior a 20%
sobre o valor da causa.
No entanto, tendo em vista o disposto na parte final do parágrafo 2º, do art.
18, se o valor do prejuízo causado à parte for vultoso, ou seja, quando houver indícios de grande dano efetivo, poderá o juiz arbitrar o valor da indenização, podendo, inclusive, haver perícia para verificação do montante do dano sofrido.
Como todos os personagens do processo, o advogado também deve agir com
lealdade e boa-fé, sendo responsável perante seu mandante e a parte contrária.
Nesse sentido, o Código de Defesa do Consumidor (Lei n° 8.078/90), em seu
art. 14, prevê a responsabilidade subjetiva78 destes profissionais pelos danos causados aos seus clientes em razão da deficiência na prestação dos serviços e da prestação
insuficiente ou inadequada de informações sobre sua fruição e riscos.
Já em relação aos danos causados à parte contrária, o art. 32 do Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/94) estabelece a responsabilidade do advogado pelos atos que no
exercício profissional praticar com dolo ou culpa, em relação aos quais, em caso de
lide temerária, será solidariamente responsável com seu cliente, desde que coligado
com este para lesar a parte contrária.
A respeito da procuração, trata-se do instrumento de mandato em que a parte
outorga poderes ad judicia ao seu representante processual para representá-la em
Juízo. Está disciplinado pelo artigo 36 do CPC, que determina que a parte esteja
em juízo acompanhada por advogado legalmente habilitado.
O instrumento de mandato é inerente à prática de atos processuais, havendo exceções, entretanto, para evitar a ocorrência de prescrição ou decadência, ou mesmo
para intervir no processo em nome da parte para a prática de atos urgentes, motivos
pelos quais a lei faculta a juntada da procuração em até quinze dias, prorrogáveis, se
o juiz autorizar. Se a procuração não for juntada no prazo estabelecido, os atos até
então praticados serão havidos por inexistentes.
A procuração não habilita o profissional a receber citação inicial, transigir, desistir da ação etc., exceto se no instrumento de outorga constar expressamente os
chamados poderes especiais nesse sentido.
Caberá ao demandante a prova do dano sofrido (art. 333, I,
do CPC).
78
FGV DIREITO RIO 91
ação: teoria e procedimentos
A procuração será assinada em instrumento público ou particular, inclusive podendo constar assinatura digital, nos moldes autorizados pela Lei nº. 11.419/06,
que disciplina a informatização do processo judicial.
MATERIAL DE APOIO
Jurisprudência
Súmulas
Súmula 190 do STJ: “Na execução fiscal, processada perante a Justiça Estadual,
cumpre à Fazenda Pública antecipar o numerário destinado ao custeio das despesas com
o transporte dos oficiais de justiça”.
Súmula 232 do STJ: “A Fazenda Pública, quando parte no processo, fica sujeita à
exigência do depósito prévio dos honorários do perito”.
Decisões
REsp 674198 / RS ; RECURSO ESPECIAL 2004/0109499-5 Relator(a) Ministra
NANCY ANDRIGHI (1118). Órgão Julgador T3 – TERCEIRA TURMA. Data do
Julgamento: 06/04/2006. Data da Publicação/Fonte: DJ 02.05.2006 p. 306. Ementa:
PROCESSO CIVIL. SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO – SFH. AÇÃO
REVISIONAL DAS PRESTAÇÕES. VALOR DA CAUSA. ARTIGO 259, V, DO
CPC INAPLICABILIDADE. PRECEDENTES. – Se na ação revisional o que se pretende é a redução do valor das prestações do contrato, o valor da causa não poderá ser o
valor do próprio contrato, de acordo com as parcelas originais, mas sim um valor compatível com a redução pretendida, que está diretamente relacionada ao conteúdo econômico da demanda. – Nas ações em que se pretende a redução do valor das prestações do
financiamento da casa própria, o valor da causa há de corresponder à diferença entre o
valor da prestação cobrada pelo agente financeiro e o pleiteado pelo mutuário, multiplicado por 12 (doze) vezes. Precedentes. Recurso especial ao qual se nega provimento.
REsp 702409 / SP ; RECURSO ESPECIAL 2004/0160926-7 Relator(a): Ministra
NANCY ANDRIGHI (1118). Órgão Julgador: T3 – TERCEIRA TURMA. Data do
Julgamento: 02/02/2006. Data da Publicação/Fonte: DJ 20.02.2006 p. 335. Ementa:
Processo civil. Decisão sobre impugnação ao valor da causa. Preliminarmente: Agravos
de instrumentos interpostos pelo autor e pelo réu, sendo o primeiro dirigido ao extinto
Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo com o objetivo de reduzir o valor da
causa fixado pelo Juízo de Primeiro Grau, e o segundo ao Tribunal de Justiça de São
Paulo com o objetivo de majorar esse valor. Hipótese em que nenhum dos Tribunais se
declarou incompetente para julgar a questão, tendo o Primeiro Tribunal de Alçada Civil
negado provimento ao Agravo de Instrumento do autor antes do julgamento do recurso
interposto pelo réu, pelo Tribunal de Justiça. Recurso especial interposto apenas para
impugnar o julgamento do segundo agravo de instrumento, pelo Tribunal de Justiça.
Possibilidade. No mérito: Valor da causa. Ação declaratória de nulidade de confissão
FGV DIREITO RIO 92
ação: teoria e procedimentos
de dívida cumulada com repetição dos valores já pagos em cumprimento à avença.
Valor da causa estabelecido por estimativa pelo Tribunal a quo. Revisão. Fixação do
valor do contrato. – Nos termos da Súmula 22/STJ, não compete a esta Corte decidir
conflito de competência entre Tribunal de Justiça e Tribunal de Alçada de um mesmo
Estado-Membro. Com o julgamento pelos dois Tribunais de agravos de instrumento
interpostos contra a mesma decisão, ao STJ compete controlar a legalidade de ambas
as decisões independentemente, caso sejam impugnadas mediante o recurso cabível.
– A jurisprudência do STJ já se assentou no sentido de que, em ações declaratórias, o
valor da causa deve corresponder ao conteúdo econômico da pretensão. Na hipótese de
requerimento de declaração de nulidade de uma confissão de dívida, o conteúdo econômico do pedido corresponde ao valor do contrato. – Quanto ao pedido de repetição dos
valores indevidamente pagos, trata-se de pretensão de caráter conseqüencial em relação
à declaração de nulidade do contrato. Assim, não se deve cumular o valor das prestações
a serem repetidas e o valor do contrato. O valor da causa, mesmo diante do pedido de
repetição, deve se limitar ao valor do contrato. Recurso especial parcialmente provido.
Leitura obrigatória
CABRAL, Antonio do Passo. O contraditório como dever e a boa-fé processual
objetiva, Revista de Processo, nº 126, agosto 2005, p. 58-81.
Leitura complementar
SLAIBI FILHO, Nagib. Manifestações orais extemporâneas são processualmente
ilícitas, Revista da EMERJ – Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, nº 30, 2005, p. 57-61.
Sites
Cf Informativo nº 445, disponível em http://www.stf.gov.br
FGV DIREITO RIO 93
ação: teoria e procedimentos
AULA 11. TUTELAS DE URGÊNCIA; TUTELA ANTECIPADA (ARTS. 273, 461 E
461-A); TUTELA CAUTELAR (ART. 796); TUTELA INIBITÓRIA.
CASO:
Maria faz uso de medicamento imprescindível à manutenção de sua vida que recebe do governo. Comparecendo ao posto de saúde, como de praxe, recebe a negativa no fornecimento do medicamento, o que motivou a procura por um advogado,
que propôs Ação de obrigação de fazer com base no artigo 461 do CPC. Em suas
alegações, o advogado de Maria informa o fato de o medicamento ser indispensável
à manutenção da vida da autora, um bem jurídico garantido pela constituição. O
juiz, de ofício, concede a tutela liminar determinando o imediato bloqueio da conta
bancária da Fazenda Pública, sob pena de aplicação de multa diária pelo inadimplemento, ao fundamento de que o direito à saúde deve prevalecer sobre o princípio da
impenhorabilidade dos recursos públicos, buscando com isto que com o bloqueio
das verbas se consiga a efetivação do direito prevalente.
Diante deste caso:
a) Responda fundamentadamente se o juiz poderia agir de ofício determinando
a antecipação de tutela e a aplicação de multa sem que a parte autora tivesse
requerido tal ato.
b) Reflita sobre a razoabilidade da fundamentação do juiz que mitigou a impenhorabilidade de verbas públicas, diante da omissão de fornecimento de
medicamento pelo ente público.
NOTA AO ALUNO:
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A tutela jurisdicional é a resposta Estatal a uma provocação dos jurisdicionados
por meio da propositura de uma ação. Como vimos, nem sempre a prestação buscará solucionar uma lide necessariamente, mas sempre haverá um objeto da ação que,
por vezes, pode não ter como se sujeitar ao trâmite natural de uma demanda, pois
essa demora processual pode gerar ou agravar um dano. A isto a doutrina denomina de dano marginal. Para minimizar este risco existem medidas emergenciais que
visam garantir o direito tutelado.
Nesse sentido, para que a tutela jurisdicional seja eficaz quanto ao resultado esperado, é imprescindível que o titular da posição jurídica de vantagem possa se valer
dos mecanismos aptos a assegurar não somente a tutela formal de seu direito, como
também proteção real, capaz de proporcionar-lhe, na medida do possível, a mesma
situação que lhe adviria caso houvesse o adimplemento espontâneo da norma pelo
devedor.
FGV DIREITO RIO 95
ação: teoria e procedimentos
Sob a denominação genérica de tutelas de urgência, há que se entender aquelas
medidas caracterizadas pelo periculum in mora. Em outras palavras, as que visem
minimizar os danos decorrentes da excessiva demora na obtenção da prestação jurisdicional, seja ela imputável a fatores de natureza procedimental, ou mesmo extraprocessuais, relacionados à precária estrutura do Poder Judiciário, como a insuficiência de juízes e funcionários, a má distribuição de competências etc.
Nesse contexto, algumas alternativas para remediar o problema da falta de efetividade – notadamente o da prolongada duração do processo – podem ser apontadas
em nosso sistema processual, muitas delas objeto das recentes reformas legislativas
operadas.
A adoção da medida sumária de caráter provisório, seja ela de natureza conservativa, como as cautelares stricto sensu, ou satisfativa, a exemplo da antecipação de
tutela do art. 273, I, representa a opção que mais se coaduna com o nosso sistema
constitucional, sobretudo em vista do embate entre duas importantes garantias: a
segurança jurídica e a efetividade da jurisdição.
Esta solução não implica o completo afastamento do contraditório, este apenas é
diferido para momento posterior, em razão das exigências apresentadas pela relação
de direito material.
As tutelas de emergência podem ser definidas como um mecanismo da sumarização da atividade cognitiva, admitido naquelas hipóteses em que a cognição plena e
exauriente comprometa o resultado útil do processo. São elas as tutelas antecipada,
cautelar e inibitória. Nas próximas linhas conheceremos cada uma dessas medidas
como garantia de prestação jurisdicional à medida do objeto em questão.
A tutela antecipatória possui natureza satisfativa. Por intermédio dela, o juiz profere decisão interlocutória no curso de um processo de conhecimento cujo teor
consiste na antecipação dos efeitos que só seriam alcançados com a prolação da
sentença.
A tutela cautelar apresenta natureza instrumental, não possuindo, pois, cunho
satisfativo. Conforme dito, é usada para assegurar provisoriamente a utilidade de
uma ação principal, antes ou mesmo durante a sua pendência, justificando-se apenas enquanto subsistirem as razões que a determinaram.
Já a tutela inibitória, modalidade de tutela urgência introduzida no direito italiano em 1936 por influência de Calamandrei e trazida para o direito brasileiro em virtude dos estudos desenvolvidos por Luiz Guilherme Marinoni, é tutela de natureza
preventiva, que é pleiteada antes da ocorrência de um dano, solicitada ao juiz com
um dos seguintes objetivos: 1°) impedir a ocorrência de um ilícito de natureza civil;
2°) impedir a repetição de um ilícito; 3°) impedir a continuação de um ilícito.
2. A TUTELA ANTECIPATÓRIA
O art. 273 do Código de Processo Civil prevê duas hipóteses distintas a legitimar
a antecipação provisória dos efeitos do provimento final: o inciso I dispõe sobre
tutela com nítida função de assegurar o resultado útil do processo. Sua concessão
FGV DIREITO RIO 96
ação: teoria e procedimentos
depende, além de prova inequívoca de verossimilhança, da existência de risco concreto para a efetividade da tutela jurisdicional.
É a urgência que justifica a antecipação, e, assim, há perfeita identificação desta medida com as cautelares, pois para sua concessão é necessário o periculum in
mora.
Já na hipótese prevista no inciso II, a antecipação justifica-se não em razão do perigo de dano, mas em função do abuso do direito de defesa e do intuito protelatório
do réu. Somado à forte probabilidade de existência do direito afirmado, entendeu o
legislador agilizar o resultado do processo, a fim de evitar dano maior para o autor
com o retardamento indevido do provimento jurisdicional.
Tratando-se da situação prevista no inciso I do art. 273, pode o juiz determinála a qualquer momento, seja liminarmente (antes da citação) ou em sede recursal.
Basta a demonstração dos requisitos legais. Já na hipótese do inciso II, a concessão
somente pode ocorrer após a resposta do demandado, pois pressupõe abuso de defesa ou propósito protelatório do réu.
Exige o art. 273, caput, como requisito da tutela antecipada, em qualquer de
suas modalidades, a existência de prova inequívoca, suficiente para convencer o juiz
da verossimilhança da alegação. Assim, afirmação verossímil versa sobre fato com
aparência de verdadeiro e prova inequívoca significa grau mais intenso de probabilidade do direito.
Também impõe o legislador, como condição ao deferimento da medida, que
a antecipação dos efeitos não seja irreversível, havendo possibilidade de retorno
ao status quo (art. 273, § 2°). Alternativas possíveis ao requisito da reversibilidade
constituem a indenização por perdas e danos e a caução.
Não se deve confundir tutela antecipada com o julgamento antecipado da lide.
Este se destina a acelerar o resultado do processo e está ligado à suficiência do
conjunto probatório para possibilitar o julgamento definitivo do litígio, quer pela
desnecessidade de prova oral em audiência, quer porque a controvérsia envolve
apenas matéria de direito ou em razão da revelia (art. 330, CPC).
Já a hipótese regulada pelo art. 273 é distinta porque não acarreta a solução
definitiva e irreversível da situação litigiosa e permite, preenchidos seus requisitos,
a antecipação imediata dos efeitos da sentença, ainda que pendente recurso dotado
de efeito suspensivo.
A reforma trazida pela lei 10.444 de 2002 procurou ainda mitigar as dificuldades
enfrentadas pelos operadores do direito no tocante à correta compreensão do instituto da tutela jurisdicional antecipada, bem como da própria categoria das medidas
urgentes, ao estabelecer a regra da fungibilidade.
Assim, dispõe a norma do § 7º do art. 273 que: “Se o autor, a título de antecipação de
tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado”.
Embora o legislador refira-se apenas à possibilidade de substituição da tutela
antecipada por cautelar, não pode haver dúvida, sob pena de comprometer a efetividade almejada pela reforma processual, de que a fungibilidade opera nas duas direções, sendo possível conceder tutela antecipada em lugar de cautelar. Isto porque,
FGV DIREITO RIO 97
ação: teoria e procedimentos
em direito, não há fungibilidade em uma só mão de direção. Se os bens são fungíveis, tanto se pode substituir um por outro, como outro por um, caracterizando o
fenômeno denominado do duplo sentido vetorial.
Enquanto os processo de conhecimento e execução1 oferecem tutela jurisdicional
imediata e satisfativa, através da qual se busca atender à pretensão do autor, o processo cautelar, disciplinado no Livro III de nosso Diploma Processual, oferece uma
tutela jurisdicional mediata de natureza instrumental e caráter não-satisfativo.
3. A TUTELA CAUTELAR
O processo cautelar, regulado no Capítulo I, do Título Único, do Livro III, do
Código de Processo Civil, possui uma estrutura básica de processo sincrético. Inicia-se com a apresentação da petição inicial nos moldes estabelecidos pelo artigo
801, combinado com os artigos 282, 283 e 39, I, todos do CPC.
Tratando-se de ação cautelar preparatória, deve o demandante indicar a lide e
seu fundamento a serem submetidos à cognição do juiz na ação principal, a qual, de
acordo com o artigo 806 do CPC, deverá ser proposta no prazo decadencial de 30
(trinta) dias contados da data da efetivação da medida cautelar, sob pena de cessar
a respectiva eficácia.
Ajuizada a ação principal, os efeitos da medida cautelar perdurarão até que a
mesma mostre-se desnecessária ou injusta, o mesmo ocorrendo se a medida for
concedida no curso do processo principal.
Cessa também a eficácia da medida cautelar se esta não for executada dentro
de 30 (trinta dias) ou se o juiz declarar extinto o processo principal, com ou sem
resolução do mérito (artigo 808 do CPC). Nestes casos, não poderá a parte repetir
o pedido, salvo por novo fundamento.
Na petição inicial do processo cautelar preparatório, deve o demandante expor
a lide e seu fundamento, demonstrando ao juiz o caráter instrumental da medida
que, uma vez satisfeita, não é suficiente para garantir a tutela, já que sua eficácia
encontra-se subordinada à propositura da ação principal.
Não obstante, em situações excepcionais de cautelar com eficácia satisfativa, a
jurisprudência tem afastado a incidência da regra contida no artigo 806 do CPC2,
sendo o dispositivo aplicado apenas quando a medida cautelar requerida importar
em restrição a direito do requerido, uma vez que o próprio Código prevê medidas
cautelares com natureza de jurisdição voluntária, em relação às quais não há ação
principal a ser proposta.
Desta forma, a petição inicial é submetida ao controle do órgão jurisdicional
a que se dirige, o qual, antes de ordenar a citação do réu, poderá, ao despachar a
inicial ou mediante justificação prévia, conceder a medida em caráter liminar de
ofício ou a requerimento da parte sempre que se mostrar necessária à preservação
do suposto direito ameaçado.
Ao decretar a liminar, pode o juiz determinar a prestação de caução real ou fidejussória pelo requerente, a qual responderá pelo eventual ressarcimento dos danos
1
Há que se ressaltar que, a
partir da nova sistemática da
execução, inaugurada pela Lei
n° 11.232/2005, a expressão
“processo de execução” foi restringida, somente se aplicando
à execução de títulos executivos
extrajudiciais e, em caráter excepcional, à execução de alguns
poucos títulos executivos judiciais (CPC, art. 475-N, parágrafo
único). Assim, em regra, referida
expressão tornou-se imprópria
para os casos de efetivação de
sentença, quando será tecnicamente correto falar-se apenas
em execução em virtude da
inexistência de um processo de
execução autônomo.
2 Nesse sentido: STJ - REsp
528525, Rel. Min.
���������������
Denise Arruda, j. 06/12/2005; REsp
139587, Rel. Min. João Otávio
de Noronha, j. 02/12/2004;
REsp 641806, Rel. Min. Nancy
Andrighi, j. 20/09/2004; REsp
88785, Rel. Min. Anselmo Santiago, j. 18/08/1998.
FGV DIREITO RIO 98
ação: teoria e procedimentos
que o réu vier a sofrer (art. 804 do CPC). Nesse caso, não se executará a medida a
menos que seja prestada a caução.
Citado o requerido, este terá 5 (cinco) dias para contestar e indicar as provas que
pretende produzir. De acordo com o artigo 802 do CPC, o prazo contará da juntada aos autos do mandado de citação devidamente cumprido (quando feita pelo oficial de justiça), ou da execução da medida cautelar quando concedida liminarmente
ou após justificação prévia.
Além da contestação, cujo não-oferecimento importará em revelia, poderá também o réu apresentar exceção (de impedimento, suspeição ou incompetência relativa) nos casos do artigo 304 do CPC, a ser processada em apenso aos autos do
processo cautelar, o qual ficará suspenso até que seja definitivamente julgada. Não
pode, porém, o requerido apresentar reconvenção, a qual deverá ser oferecida, se for
o caso, no processo principal.
Contestado o pedido tempestivamente e havendo necessidade de prova oral,
designará o juiz Audiência de Instrução e Julgamento. Por outro lado, caso não
seja oferecida contestação tempestiva ou, oferecida a contestação, seja desnecessária a realização de audiência, a lide deduzida será antecipadamente julgada,
devendo o juiz proferir sentença no prazo de 5 (cinco) dias, conforme artigo 803
do CPC.
A sentença proferida em processo cautelar, por expressa determinação legal (artigo
810 do CPC), não faz coisa julgada material, salvo se o juiz, no procedimento cautelar, acolher a alegação de decadência ou prescrição do direito do autor, hipótese em
que a decisão do processo cautelar influenciará diretamente o processo principal.
Nessa linha de raciocínio, de acordo com o parágrafo único do artigo 807, a
suspensão do processo principal não atinge a eficácia da medida cautelar, a menos
que o juiz assim o decida.
Contra esta sentença caberá apelação dotada, em regra, apenas de efeito devolutivo (CPC, arts. 520, IV, e 558, parágrafo único).
Há de se ressaltar a possibilidade prevista no artigo 805 do CPC de substituição da
medida cautelar, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, pela prestação de
caução ou outra garantia menos gravosa para o requerido quando adequada e suficiente
para evitar a lesão ou assegurar sua integral reparação. Trata-se da regra da fungibilidade.
Além disso, consagra o artigo 807 do CPC a possibilidade de modificação ou
revogação da providência cautelar, a qualquer tempo, que, se requerida por uma das
partes, deve ser precedida de audiência da outra, já que, por força do princípio do
contraditório, é garantido o direito de impugnar a pretendida substituição, modificação ou revogação.
Finalmente, conforme artigo 811, do CPC, o requerente da medida cautelar
responderá, independentemente de culpa, pelos eventuais prejuízos que a execução
da medida causar ao requerido, devendo tal indenização ser liquidada nos mesmos
autos do processo cautelar.
FGV DIREITO RIO 99
ação: teoria e procedimentos
3.1. Características do processo cautelar
a) Instrumentalidade hipotética – o provimento cautelar é instrumental ao processo principal, cujo êxito destina-se a garantir e proteger. Assim, o processo cautelar visa a assegurar a capacidade de o processo principal produzir resultados úteis
para o requerente da medida cautelar na hipótese de este vir a ser vitorioso no processo principal. Nesse sentido, é também possível afirmar a sua independência do
processo principal, já que seus atos desenvolvem-se em seqüência própria e distinta
da seqüência dos atos integrantes do processo principal.
b) Provisoriedade – o provimento cautelar tem uma duração limitada na medida
em que poderá haver a revogação da medida cautelar caso inexista o direito alegado ou
mesmo terá cunho satisfativo por meio do reconhecimento da existência do direito.
c) Revogabilidade – surge em decorrência da provisoriedade. Por força desta
característica, não há preclusão para o juiz, dentro do processo cautelar, quanto à
possibilidade de concessão ou revogação da medida cautelar liminar. Assim é que,
ao examinar a petição inicial, o juiz pode deferir a liminar e, posteriormente, entendo não mais ser a mesma cabível, revogá-la ou vice-versa.
d) Fungibilidade – é licito ao juiz, em razão de seu poder geral de cautela, conceder
medida cautelar diversa da pretendida (requerida) quando for mais adequada à tutela
do direito em questão. Desta forma, ajuizando o requerente uma ação cautelar de
busca e apreensão, pode o juiz ordenar um seqüestro, se julgar que este é mais conveniente. Para vários autores, no entanto, esta quarta característica do processo cautelar
acaba se convertendo em uma permissão legal para o juiz julgar extra petita.
4. A TUTELA INIBITÓRIA
A tutela inibitória é um mecanismo preventivo, idôneo à prevenção da configuração de ilícito. No direito brasileiro são formas efetivas de tutela inibitória o
mandado de segurança e o interdito proibitório.
A tutela jurisdicional pode destinar-se a evitar o ilícito sem necessariamente vislumbrar a reparação de um dano. Daí o papel da tutela inibitória de ser uma tutela
específica que objetiva conservar a integridade do direito, visto que alguns direitos
não podem ser ressarcidos e outros, mesmo que o sejam, não serão efetivamente
satisfativos ao autor, o que vale dizer que é melhor a prevenção ao ressarcimento.
A tutela inibitória destina-se à garantia do direito em si, enquanto a ressarcitória substitui o direito originário por crédito equivalente. A primeira será requerida
por meio de uma Ação inibitória de fazer ou de não fazer de cognição exauriente,
fundamentada nos artigos 461 do CPC e 84 do Código de Defesa do Consumidor.
Dada esta característica de ação, a tutela inibitória também poderá ser requerida
liminarmente ou no curso da ação, por meio da tutela antecipatória.
A tutela inibitória é aplicável no plano coletivo por força dos artigos 11 e 84 da
Ação Civil Pública e do CDC, respectivamente, que autorizam e disciplinam aquele
mecanismo. Um exemplo clássico é a venda de produtos nocivos à saúde do consumidor que podem ser objeto de tutela coletiva inibitória.
FGV DIREITO RIO 100
ação: teoria e procedimentos
5. DISTINÇÃO ENTRE AS MEDIDAS DE URGÊNCIA
Comparando-se os requisitos necessários à concessão da tutela antecipada e da
cautelar, uma leitura pouco atenta dos artigos 273 e 461 do CPC nos dá a falsa impressão de que eles são idênticos, já que ambas pressupõem fumus boni iuris (possibilidade ou, dependendo da corrente adotada, probabilidade de futuro provimento
jurisdicional favorável ao autor) e periculum in mora (possibilidade de dano de difícil
reparação em razão da inevitável demora do provimento jurisdicional principal).
A diferença, no entanto, consiste no grau do fumus boni iuris necessário à tutela
antecipada e à tutela cautelar, sendo possível estabelecer uma diferenciação entre o
fumus boni iuris simples – necessário à tutela cautelar – e qualificado – necessário à
tutela antecipada.
O art. 273 do CPC, que regula a tutela antecipada, exige, ao contrário da tutela cautelar, prova inequívoca que convença o juiz da verossimilhança do direito
alegado, isto é, prova que comporte um só entendimento e que possua suficiente
força persuasiva para fazer verossímil (ou provável) a alegação do requerente. Desta
forma, para fazer valer seu direito a uma tutela antecipatória, é necessário que o
requerente prove mais do que é preciso para a obtenção da tutela cautelar.
Visto isso, podemos apontar como principais características dos provimentos
cautelares a provisoriedade (pelo menos, a princípio), já que o processo principal
reconhecerá a existência ou inexistência do direito, satisfazendo o direito ou revogando a medida cautelar, e a instrumentalidade hipotética ao processo principal.
O provimento cautelar pode ser requerido de forma autônoma, por meio de um
processo cautelar preparatório ou por via incidental, isto é, no curso do processo principal já iniciado. Tanto numa como noutra, a cognição judicial não será exauriente,
mas sumária, já que a decisão será proferida de forma mais expedita por basear-se em
probabilidade favorável ao demandante embora insuficiente de convicção plena.
Assim, quanto ao momento em que a medida cautelar é requerida, poderá ser
classificada em antecedente ou preparatória – se requerida antes da instauração do
processo principal – e incidente ou incidental – se requerida no curso da ação principal. Tratando-se de medida cautelar preparatória, o requerente terá 30 (trinta)
dias contados da efetivação da providência para ajuizar a ação principal (art 806 do
CPC), sob pena de cessar a respectiva eficácia.
Quanto à tipicidade das medidas cautelares, classificam-se em típicas ou nominadas e atípicas ou inominadas, referindo-se as primeiras àquelas expressamente previstas pela legislação processual e as segundas àquelas que podem ser requeridas ao juiz
com base em seu poder geral de cautela, ao qual se refere o art. 798 do CPC.
Isso porque, de acordo com o art. 798, poderá o juiz determinar as medidas
provisórias que julgar adequadas quando houver fundado receio de que uma parte,
antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave ou de difícil reparação. Nesse sentido, com base no princípio da segurança das relações jurídicas,
é possível requerer ao juiz uma medida cautelar não prevista em lei, como, por
exemplo, a suspensão do protesto de um título de crédito e a suspensão dos atos
praticados pelo interditando no curso do processo de interdição.
FGV DIREITO RIO 101
ação: teoria e procedimentos
6. DISTINÇÃO ENTRE MEDIDA LIMINAR E TUTELA CAUTELAR
A expressão tutela liminar não se confunde com a expressão tutela cautelar. Esta
pode ser concedida em caráter liminar, mas também pode ser concedida em caráter
final, isto é, após a prolação da sentença cautelar. Por outro lado, não apenas a tutela
cautelar, como também a tutela satisfativa pode ser concedida em caráter liminar. Desta forma, o sentido das locuções tutela liminar e tutela cautelar não se confundem.
A tutela pode se denominar liminar ou final, tendo em vista o momento do
procedimento em que foi ela concedida. Tutela liminar é a proteção concedida nos
momentos iniciais do procedimento, normalmente, sem que se ouça a parte contrária. Por outro lado, para distinguir entre tutela cautelar e tutela satisfativa, tem-se
em mira a natureza da tutela concedida. Enquanto a tutela cautelar visa assegurar a
eficácia do processo principal, a tutela satisfativa destina-se a proteger diretamente
o direito subjetivo material.
Em suma: 1°) tutela liminar é a que se concede in limine litis, podendo possuir
caráter cautelar ou satisfativo, conforme a hipótese; 2°) tanto a tutela cautelar quanto a tutela satisfativa podem ser concedidas no início ou no fim do procedimento,
sendo classificadas, no primeiro caso, como liminar, e, no último, como final.
Assim é que, com base no art. 804 do CPC, pode o juiz conceder liminarmente
ou após justificação prévia a medida cautelar, sem ouvir o réu, quando verificar que
este, ao ser citado, poderá torná-la ineficaz. Neste caso, poderá o juiz condicionar a
efetivação da medida cautelar liminarmente concedida à prévia prestação de contracautela pelo requerente, isto é, de caução real ou fidejussória, a fim de assegurar a
reparação dos danos que o requerido, eventualmente, venha a sofrer.
Embora o artigo aluda apenas à concessão liminar quando o réu, sendo citado,
possivelmente torne a providência ineficaz, a concessão liminar se legitima sempre
que, nas circunstâncias, se mostre necessária para preservar o suposto direito ameaçado, quer parta do réu, quer não, a ameaça, configurável até em fato de natureza.
A medida liminar pode ser concedida de ofício pelo juiz na medida em que a lei
não exige requerimento do autor. Para que a liminar seja concedida, é preciso que
o juiz verifique a presença cumulativa do fumus boni iuris e do periculum in mora a
serem demonstrados pelo requerente.
Atualmente, em vista do mandamento constitucional contido no art. 5º, XXXV,
garantidor do acesso à ordem jurídica justa, é preciso que seja analisado o caso concreto, devendo o juiz, com base em seu poder geral de cautela, deferir liminarmente
a providência cautelar, seja ela preparatória ou incidental, quando entendê-la indispensável para a garantia do direito do requerente.
Nesse sentido, encontra-se o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n°
8.069/90) que, na linha da interpretação sempre mais favorável ao menor e com
base na eqüidade, permite que o juiz conceda não apenas a liminar de ofício, mas a
própria medida cautelar de ofício, conforme se depreende do art. 153 da Lei.
Quanto à natureza jurídica dos requisitos para concessão da medida liminar, inicialmente tentou-se considerá-los como condições da ação, em uma analogia entre
a Teoria Geral do Processo cautelar e a Teoria Geral do Processo.
FGV DIREITO RIO 102
ação: teoria e procedimentos
Contudo, a nosso ver, não há como negar que tais requisitos representam o
próprio mérito do provimento cautelar, na medida em que se confundem com
a questão principal, observados os limites cognitivos desta modalidade processual.
MATERIAL DE APOIO:
EMENTA: CONTRATO. TUTELA ANTECIPADA. ART. 273 DO CPC. DECISÃO INDEFERITÓRIA DO PEDIDO DE NÃO-INCLUSÃO DO NOME
DO AGRAVANTE NOS ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO CREDITÍCIA E SUSPENSÃO DE COBRANÇAS. Consoante a moderna orientação do Superior Tribunal
de Justiça, nas causas de revisão de contrato por abusividade de suas cláusulas, a
concessão de tutela antecipada para impedir a inscrição do nome do devedor em
órgãos de proteção ao crédito é de ser precedida da análise de três requisitos, a saber:
a) que haja ação proposta pelo devedor contestando a existência integral ou parcial
do débito; b) que haja a efetiva demonstração de que a contestação da cobrança indevida se funda na aparência do bom direito e em jurisprudência consolida do STF
ou do STJ e c) que, sendo a contestação apenas de parte do débito, deposite o valor
referente à parte tida por incontroversa, ou preste caução idônea, ao prudente arbítrio do Magistrado. AUSÊNCIA DE VEROSSIMILHANÇA DO DIREITO ALEGADO. AGRAVO MANIFESTAMENTE IMPROCEDENTE. SEGUIMENTO
NEGADO. (Agravo de Instrumento Nº 70020548947, Primeira Câmara Especial
Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ana Lúcia Carvalho Pinto Vieira, Julgado
em 12/07/2007).
LEITURA OBRIGATÓRIA:
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela Cautelar e Tutela Antecipada:
tutelas sumárias e de urgência (tentativa de sistematização), 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 11-29 (Capítulo 1).
LEITURA COMPLEMENTAR:
DIDIER JR., Fredie, BRAGA, Paula Sarno, OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito
Processual Civil, vol. 2, 2ª edição, Salvador, Podium, 2008, p. 591-683.
MARINONI, Luiz Guilherme, ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil, vol. 2, 6. ed. (em edições anteriores Manual do Processo de Conhecimento),
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 195-231.
MOREIRA, José Carlos Barbosa. A tutela de urgência num episódio recente da
história política brasileira, Temas de Direito Processual: sétima série, São Paulo,
Saraiva, 2001, p. 31-37.
FGV DIREITO RIO 103
ação: teoria e procedimentos
QUESTÕES DE CONCURSO:
Magistratura estadual RS – 2000
Para a concessão de antecipação de tutela nas ações possessórias de força nova, exige-se:
(A) fumus boni iuri e periculum in mora.
(B) verossimilhança do dano emergente.
(C)verossimilhança da posse e da agressão ale­gadas.
(D)relevância do fundamento do fato deduzido.
(E) prova documental da posse alegada.
MP/RJ (XVIII concurso – específica):
Disserte sobre a tutela antecipada, destacando particularmente o conceito, a natureza e os pressupostos de concessão do instituto.
FGV DIREITO RIO 104
ação: teoria e procedimentos
AULA 12. ATOS DE COMUNICAÇÃO PROCESSUAL; CITAÇÃO; ESPÉCIES DE
CITAÇÃO; INTIMAÇÃO; CARTAS (PRECATÓRIA, ROGATÓRIA E DE ORDEM).
CASO:
A comunicação dos atos processuais é requisito de validade desses. A citação,
que é a mais formal das comunicações, caso contenha vícios, poderá gerar a conseqüente nulidade de todos os atos processuais que se seguirem a ela. Exemplificamos
que na hipótese de argüição do vício quando a parte está presente em audiência,
ao magistrado caberá declará-la citada naquela oportunidade, sanando-se qualquer
vício tornando válida a citação. Imagine-se a hipótese em que no pólo passivo da
demanda existam litisconsortes necessários cônjuges. O varão é regularmente citado, o cônjuge virago é citado, entretanto apenas três dias antes da data da realização
da audiência e a esposa-ré não apresenta defesa e nem comparece em audiência.
Pergunta-se:
a) Você como juiz em audiência declararia que a citação foi válida visto que, por
serem cônjuges que coabitarem, a validade da citação de um seria suficiente para
sanar o vício da citação do outro nesta hipótese?
b) Ainda sobre a temática citação, suponhamos outra demanda sob o rito sumário
em que a parte deve apresentar contestação em audiência, mas é citada apenas três dias
antes da realização da mesma. A parte comparece em audiência sem advogado e sem
contestação. Você como juiz entenderia estar suprido o vício e declararia a validade da
citação no momento da audiência em razão do comparecimento da parte ré?
NOTA AO ALUNO:
Como vimos anteriormente, as demandas devem ser regidas pelo devido processo legal, ou seja, a ampla defesa e o contraditório são inerentes ao curso regular
e válido da demanda. Para isto, as partes devem estar sempre cientes de tudo o que
ocorre no trâmite processual. A essa maneira de dar às partes pleno conhecimento
dos atos do processo se denomina atos de comunicação processual, que se operam por
meio da citação e da intimação.
Além dos atos praticados pelas partes, pelo juiz e pelos auxiliares do juízo, temos
os chamados atos de comunicação, que consistem nos atos realizados pelos juízes
entre juízos diversos (entre países, comarcas diferentes ou entre juízos de hierarquia
diferente). Também são atos de comunicação aqueles realizados entre o juízo e as
partes, ou seja, citações e intimações realizadas pelo Oficial de Justiça ou pelo escrivão com auxílio dos Correios ou por meio eletrônico.
FGV DIREITO RIO 105
ação: teoria e procedimentos
1. A CITAÇÃO
A citação, que é o ato mais formal dos acima mencionados, tem o papel de
convocar o réu ou o interessado a se defender no processo, regularizando a relação
processual. Está regulamentado pelo artigo 213 do CPC e constitui requisito de
existência e de validade do processo para uma parte da doutrina, e de eficácia do
processo em relação ao réu, bem como requisito de validade dos atos processuais
que lhe seguirem para outra corrente doutrinária.
A citação pode ser classificada em real, quando há a certeza de que o interessado
foi citado, ou ficta, na qual se presume que o interessado foi citado, dando prosseguimento ao processo.
A citação pelo correio será feita por meio de carta registrada, que deverá ser assinada pelo citando. Em caso de ré pessoa jurídica, os detentores de poderes de gerência
ou de administração poderão receber a citação em nome daquela.
Na hipótese de citação por Oficial de Justiça, cumpre a este, quando encontrar o
réu, citá-lo mediante a leitura do mandado e entrega da contrafé, obtendo a assinatura do citando, que deve ser aposta ao mandado, certificando a negativa em fazê-lo
ou a negativa em receber a contrafé. Os mandados de citações deverão ser entregues
por Oficial de Justiça nas hipóteses previstas nos artigos 222 e 224 do CPC.
São requisitos do mandado de citação estar devidamente instruído com as cópias
– tantas quantas for o número de réus – da petição inicial e do despacho do juiz, a
advertência quanto aos efeitos da revelia, o prazo para a resposta do réu, o juízo e o
cartório com o respectivo endereço. Deverá conter ainda os nomes do autor e do réu
e seus endereços, a finalidade da citação, a data, local e horário de comparecimento,
a assinatura do escrivão que subscreve por ordem do juiz.
Relembre-se que a citação produz inúmeros efeitos na relação processual, motivo
pelo qual deverá ser regida por requisitos essenciais a fim de garantir ao réu a possibilidade de contraditar e se defender. Quando não for possível realizar a citação pessoal
do réu, o processo não poderá ficar engessado prejudicando o autor, por isto o legislador cuidou de conferir hipóteses excepcionais em que haverá a “citação ficta”.
A primeira delas é a citação por hora certa, que ocorrerá por iniciativa do Oficial
de Justiça e independe de despacho do juiz, na hipótese de presunção de ocultação
do citando, hipótese em que o escrivão, após, providenciará o envio de uma carta
para o réu informando-lhe do ocorrido.
Quando o réu se ocultar para se esquivar da citação, após três tentativas do
Oficial de Justiça em proceder a diligência e esta restar infrutífera, o OJA deverá
intimar qualquer pessoa da família ou pessoa vizinha informando-lhe da hora em
que retornará no dia seguinte para proceder com a citação. A este procedimento se
denomina citação por hora certa.
Caso retorne e não encontre o réu para proceder a citação, o meirinho deverá
lavrar uma certidão positiva, ou seja, informando que a citação se dera por regularmente realizada, ainda que o citando não estivesse presente, e que naquela oportunidade deixou a contrafé com a pessoa (vizinho ou parente) intimada na véspera
acerca da realização da citação, declarando o nome do intimado.
FGV DIREITO RIO 106
ação: teoria e procedimentos
A prática de alguns dos juizados especiais já há tempos admite a citação por meio
eletrônico nos processos virtuais. Para tanto, a citação, e também as intimações,
ocorrem quando do momento do acesso ao sistema, por meio de um login e senha
individuais, previamente ajustados.
A partir de 2006, uma nova lei passou a regulamentar os processos virtuais, dispondo, inclusive, sobre a citação eletrônica. Esta é a Lei nº. 11.419/2006, que será
estudada mais à frente.
Outra modalidade de citação ficta é a citação por edital, que será requerida pela
parte no caso de ser o réu incerto, desconhecido ou ignorado, bem como seja incerto ou inacessível o lugar em que se encontre, devendo essas afirmações constar
da citação editalícia, visto que, caso essas alegações sejam dolosas, será imposta à
parte requerente multa em benefício do citando. A citação por edital se procederá
também nas hipóteses determinadas por lei.
A citação por edital deverá obedecer aos requisitos impostos no texto legal, tais
como, além da afirmação do autor na hipótese acima constante do texto, que ocorra
a publicação no prazo máximo de 15 dias, em órgão oficial (e somente neste se a
parte for beneficiária da gratuidade de justiça) e jornal local, o prazo, a advertência
quanto aos efeitos da revelia; deverá ainda ser afixada na sede do juízo e certificada
pelo escrivão. As publicações deverão ser juntadas aos autos.
Caso o réu não se manifeste após a sua citação por edital, impõe-se a nomeação
de curador especial (defensor público), que providenciará a defesa do réu, assegurando assim, o contraditório.
O vício na citação acarreta nulidade no processo, em relação à qual não há preclusão. A citação não poderá ser realizada, sob pena de nulidade, a quem quer que
esteja assistindo culto religioso; ao cônjuge ou qualquer afim do morto, do dia do
falecimento até os sete dias seguintes, considerando desta exclusão os de linha reta
ou no segundo grau da linha colateral; aos noivos ou a um deles até três dias após as
bodas; e aos doentes enquanto grave o seu estado; aos dementes ou a quem está impossibilitado de receber a citação. Nenhum desses impedimentos é hábil a impedir
a citação quando esta for necessária a evitar o perecimento do direito.
A citação pode ser renovada ou repetida caso ocorra a contaminação da mesma
por algum vício, a fim de garantir a regularidade formal de convocação do réu ao
processo. A renovação ocorrerá sem prejuízo da primeira citação que foi válida, mas
que por situações, por exemplo, em que tenha sido alterado o conteúdo da ação
proposta. O réu deverá ser convocado novamente a ofertar resposta.
Quanto à repetição da citação, esta deverá ocorrer quando houver nulidade da
primeira, o que ocorrerá, por exemplo, na hipótese em que há o comparecimento
espontâneo do réu oferecendo resposta à ação proposta.
A anomalia na citação deverá ser reconhecida pelo Judiciário mesmo que as partes não tenham atentado para tal fato, já que cabe àquele a apreciação de oficio dos
pressupostos processuais e das condições da ação.
Ainda sobre a temática de vício na citação, pensemos na hipótese em que o réu vá
aos autos para alegar que houve o vício, o juiz indefere e o réu agrava. O tribunal entende que assiste razão ao réu e declara a nulidade do ato. Os autos baixam e como fica
FGV DIREITO RIO 107
ação: teoria e procedimentos
a citação? Terá que ser expedido um novo mandado citatório? E quanto à validação da
citação quando o réu comparece espontaneamente? Segundo a jurisprudência, a citação
será efetuada através do ato de intimação do réu do retorno dos autos à vara de origem.
São efeitos da citação válida no âmbito material fazer a coisa litigiosa, interromper
a prescrição e constituir o réu em mora. Processualmente, os efeitos da citação válida são o de complementar a constituição da relação jurídica processual, impedindo
a modificação das partes no processo, salvo hipóteses autorizadas por lei; tornar
prevento o juízo; induzir litispendência; impedir a modificação do pedido sem o
consentimento do réu.
2. INTIMAÇÃO
A intimação é o ato pelo qual é dada ciência a alguém dos atos e termos do processo, para que faça ou deixe de fazer alguma coisa (art. 234, CPC). Sua definição
se dá por exclusão à citação, ou seja, o que não for citação será intimação.
As intimações podem ser feitas por meio de imprensa oficial, pelo correio, por
Oficial de Justiça, por edital ou até mesmo pela via eletrônica, que serão dirigidas
às partes ou aos seus advogados; a estes preferencialmente e àquelas quando houver determinação expressa de lei. Preferencialmente porque são os advogados que
detêm capacidade postulatória para a prática de algum ato processual descrito na
intimação, via de regra.
Quando a intimação pela via de jornal impresso tiver que sofrer alguma retificação, o prazo para a parte praticar ou deixar de praticar algum ato se iniciará com
a republicação correta do mesmo, pois só então se aperfeiçoará a intimação. Isto
somente ocorrerá em situações cujo teor da publicação reste deficiente. Se, apesar de
não estar completa a publicação, atingir a sua finalidade, não haverá republicação e
recontagem de prazo em razão de equívocos não substanciais.
Será nula a intimação que deixar de mencionar os nomes das partes e dos advogados. Mesmo que o advogado esteja atuando em causa própria, haverá de constar
da publicação o seu nome como parte e como patrono, sob pena de nulidade do ato
de intimação e de todos os atos que se seguirem.
Destaque-se, porém, que em havendo mais de um advogado para a mesma parte,
basta que a publicação informe o nome de um deles para ter validade. Esta regra não
vale caso um dos advogados tenha requerido prévia e expressamente que a intimação fosse publicada em seu nome, mas é equivocadamente publicada em nome de
outro dos advogados da mesma parte. Neste caso, a intimação restará viciada e a sua
nulidade é indiscutível, segundo a jurisprudência.
Serão feitas pessoalmente as intimações do Ministério Público, Advocacia-Geral da União, Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios.
As intimações far-se-ão nas pessoas de seus representantes e os prazos iniciam-se a
contar do momento em que os autos são entregues mediante vista e não da data do
“ciente”.
FGV DIREITO RIO 108
ação: teoria e procedimentos
3. CARTAS PRECATÓRIA, ROGATÓRIA E DE ORDEM
São atos entre juízos: a carta de ordem, a carta precatória e a carta rogatória.
A carta de ordem é utilizada quando há relação de hierarquia entre o juízo emitente e o juízo ao qual a carta foi destinada. Pode ter qualquer objeto, como a requisição de documento ou a oitiva de testemunha, possuindo natureza instrutória.
A carta precatória é utilizada para comunicação entre comarcas diferentes. É
uma carta de cooperação entre juízos. A carta precatória, por sua vez, também é
utilizada para comunicação dentro de uma mesma comarca, mas quando os juízos
possuem competência diferente.
Por fim, a carta rogatória é utilizada na comunicação entre juízos de países diferentes. Recebida a carta rogatória, nosso ordenamento prevê seu envio ao Supremo
Tribunal Federal, que possui o poder de deferir ou não o pedido. Deferido que seja
o pedido, há o reenvio da carta ao juízo natural.
MATERIAL DE APOIO:
Jurisprudência:
REsp 926215 / RS ; RECURSO ESPECIAL 2007/0032174-3, Relator(a) Ministro CASTRO MEIRA (1125), Órgão Julgador T2 - SEGUNDA TURMA Data
do Julgamento: 12/06/2007. Data da Publicação/Fonte: DJ 27.06.2007 p. 234.
Ementa: PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. ADESÃO AO REFIS. DESISTÊNCIA ANTERIOR À CITAÇÃO. HONORÁRIOS.
1. Quando a desistência for formulada antes da citação da parte embargada, é incabível a condenação em honorários, uma vez que a relação processual só se concretiza
com a intimação da parte embargada. 2. Recurso especial não provido.
EDcl na SEC 833 / EX ; EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NA SENTENÇA
ESTRANGEIRA CONTESTADA 2005/0032212-5. Relator(a): Ministro LUIZ
FUX (1122). Órgão Julgador: CE - CORTE ESPECIAL. Data do Julgamento:
16/05/2007. Data da Publicação/Fonte: DJ 29.06.2007 p. 461. Ementa: PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA.
EFEITOS INFRINGENTES. IMPOSSIBILIDADE (PROCESSUAL CIVIL.
SENTENÇA ESTRANGEIRA CONTESTADA. HOMOLOGAÇÃO. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO.) 1. Os embargos de declaração são cabíveis quando houver no
acórdão ou sentença, omissão, contradição ou obscuridade, nos termos do art. 535,
I e II, do CPC, ou para sanar erro material. 2. Inocorrentes as hipóteses de omissão,
contradição, obscuridade ou erro material, não há como prosperar o inconformismo,
cujo real objetivo é a pretensão de reformar o decisum, o que é inviável de ser revisado
em sede de embargos de declaração, dentro dos estreitos limites previstos no artigo
535 do CPC. 3. A homologação da Sentença Estrangeira pressupõe a obediência ao
contraditório consubstanciado na convocação inequívoca realizada alhures. In casu,
o processo correu à revelia, e não há prova inequívoca, restando cediço na Corte que
FGV DIREITO RIO 109
ação: teoria e procedimentos
a citação por rogatória deve deixar estreme de dúvidas que a comunicação chegou ao
seu destino. 4. É cediço que o trânsito em julgado da sentença alienígena não pode,
no Brasil, ter maior força que a sentença nacional trânsita, sendo certo que no nosso
ordenamento, a ausência de citação contamina todo o processo de cognição, ainda
que vício aferível, apenas, quando da execução (art. 741 do CPC). 5. Deveras, no que
pertine à sentença arbitral em si, objeto da homologação, em sendo o texto apresentado à chancela homologatória apócrifo (fls. 5/8), sobressai impossível a identificação
de quem concordou, em nome da requerida, com os termos de conciliação (fls. 7/8;
tradução fls. 11/12) da “sentença de consentimento” dos árbitros (fls. 5/6; tradução
fls. 9/11). 6. É cediço na jurisprudência do Eg. STJ que a homologação de sentença
estrangeira reclama prova de citação válida da parte requerida, seja no território prolator da decisão homologanda, seja no Brasil, mediante carta rogatória, consoante a ratio essendi do art. 217, II, do RISTJ. 7. Deveras, é assente na Suprema Corte que:”A
citação de pessoa domiciliada no Brasil há de fazer-se mediante carta rogatória, não
prevalecendo, ante o princípio direcionado ao real conhecimento da ação proposta,
intimação realizada no estrangeiro. Inexistente a citação, descabe homologar a sentença.(...)” (SEC 7696/HL, Relator Ministro Marco Aurélio, DJ de 12.11.2004).
8. Precedentes jurisprudenciais do STF: SEC 6684/EU, Relator Ministro Sepúlveda
Pertence, DJ de 19.08.2004; SEC 7570/EU, Relatora Ministra Ellen Gracie, DJ de
30.04.2004 e SEC 7459/PT, Relator Ministro Nelson Jobim, DJ de 30.04.2004.
9. Outrossim, quanto ao thema iudicandum o Eg. STF decidiu: “EMENTA: SENTENÇA ARBITRAL ESTRANGEIRA. CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM.
INEXISTÊNCIA. COMPETÊNCIA NÃO DEMONSTRADA. HOMOLOGAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. 1. O requerimento de homologação de sentença arbitral estrangeira deve ser instruído com a convenção de arbitragem, sem a qual não
se pode aferir a competência do juízo prolator da decisão (Lei 9.307, artigos 37, II,
e 39, II; RISTF, artigo 217, I). 2. Contrato de compra e venda não assinado pela
parte compradora e cujos termos não induzem a conclusão de que houve pactuação
de cláusula compromissória, ausentes, ainda, quaisquer outros documentos escritos
nesse sentido. Falta de prova quanto à manifesta declaração autônoma de vontade da
requerida de renunciar à jurisdição estatal em favor da particular. 3. Não demonstrada
a competência do juízo que proferiu a sentença estrangeira, resta inviabilizada sua
homologação pelo Supremo Tribunal Federal. Pedido indeferido.” (SEC 6.753/UK
- Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, Rel. Min. Maurício Corrêa,
Tribunal Pleno, DJ 04.10.2002). 10. Por fim, reportando-se às partes, às regras da
A.A.A. (Associação de Arbitragem Americana) impunha-se anexá-las como método
integrativo dos parâmetros da arbitragem, o que não restou efetivado, conspirando
contra a homologação. 11. Embargos de declaração rejeitados.
AgRg no AgRg no REsp 588554 / SP ; AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL 2003/0158916-4. Relator(a)
Ministro PAULO GALLOTTI (1115). Órgão Julgador T6 - SEXTA TURMA.
Data do Julgamento: 25/06/2004. Data da Publicação/Fonte: DJ 11.06.2007 p.
382. Ementa: PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESFGV DIREITO RIO 110
ação: teoria e procedimentos
PECIAL. PRAZO DE RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. INÍCIO. JURISPRUDÊNCIAS DO STF E DO STJ.
1. A exigência de intimação pessoal do representante do Ministério Público, prevista no art. 41, inciso IV, da Lei n° 8.625/1993, se aperfeiçoa com o recebimento
dos autos com vista, sendo irrelevante a data em que o seu representante põe o
ciente, correndo a partir daquela oportunidade o prazo de interposição de qualquer
recurso. 2. Agravo regimental improvido.
EMENTA:  APELACAO. NOTA DE EXPEDIENTE REPUBLICADA ANTE
FALHA CARTORARIA, QUE NAO INCLUIU O NOME DO PROCURADOR
DOS AGRAVADOS. PRAZO RECURSAL. RECOMECA A CONTAGEM DO
PRAZO A PARTIR DA PUBLICACAO DA NOTA, QUE CORRIGIU NOTA DE
EXPEDIENTE ANTERIOR NA QUAL NAO CONSTOU O NOME DOS PROCURADORES DOS AGRAVADOS. A REPUBLICACAO E CONSEQUENCIA
DA IDENTIFICACAO DE NULIDADE DA INTIMACAO (ARTIGO 242, “CAPUT”, DO CPC), NAO SE PODENDO CONCEBER A EXISTENCIA DE DOIS
PRAZOS, UM PARA OS AGRAVANTES, OUTRO PARA OS AGRAVADOS.
AGRAVO PROVIDO. (5 FLS) (Agravo de Instrumento Nº. 70001025824, Décima
Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Genacéia da Silva Alberton,
Julgado em 16/08/2000).
Legislação:
1) lei nº. 11.419, de 19 de dezembro de 2006.
capítulo I
da informatização do processo judicial
Art. 1o  O uso de meio eletrônico na tramitação de processos judiciais, comunicação de atos e transmissão de peças processuais será admitido nos termos desta Lei.
§ 1o  Aplica-se o disposto nesta Lei, indistintamente, aos processos civil, penal e
trabalhista, bem como aos juizados especiais, em qualquer grau de jurisdição.
(...)
capítulo II
da comunicação eletrônica dos atos processuais
Art. 4o  Os tribunais poderão criar Diário da Justiça eletrônico, disponibilizado em
sítio da rede mundial de computadores, para publicação de atos judiciais e administrativos próprios e dos órgãos a eles subordinados, bem como comunicações em geral.
§ 1o  O sítio e o conteúdo das publicações de que trata este artigo deverão ser assinados digitalmente com base em certificado emitido por Autoridade Certificadora
credenciada na forma da lei específica.
FGV DIREITO RIO 111
ação: teoria e procedimentos
§ 2o  A publicação eletrônica na forma deste artigo substitui qualquer outro meio
e publicação oficial, para quaisquer efeitos legais, à exceção dos casos que, por lei,
exigem intimação ou vista pessoal.
§ 3o  Considera-se como data da publicação o primeiro dia útil seguinte ao da
disponibilização da informação no Diário da Justiça eletrônico.
§ 4o  Os prazos processuais terão início no primeiro dia útil que seguir ao considerado como data da publicação.
§ 5o  A criação do Diário da Justiça eletrônico deverá ser acompanhada de ampla
divulgação, e o ato administrativo correspondente será publicado durante 30 (trinta)
dias no diário oficial em uso.
Art. 5o  As intimações serão feitas por meio eletrônico em portal próprio aos que
se cadastrarem na forma do art. 2o desta Lei, dispensando-se a publicação no órgão
oficial, inclusive eletrônico.
§ 1o  Considerar-se-á realizada a intimação no dia em que o intimando efetivar a
consulta eletrônica ao teor da intimação, certificando-se nos autos a sua realização.
§ 2o  Na hipótese do § 1o deste artigo, nos casos em que a consulta se dê em dia
não útil, a intimação será considerada como realizada no primeiro dia útil seguinte.
§ 3o  A consulta referida nos §§ 1o e 2o deste artigo deverá ser feita em até 10 (dez)
dias corridos contados da data do envio da intimação, sob pena de considerar-se a
intimação automaticamente realizada na data do término desse prazo.
§ 4o  Em caráter informativo, poderá ser efetivada remessa de correspondência eletrônica, comunicando o envio da intimação e a abertura automática do prazo processual nos termos do § 3o deste artigo, aos que manifestarem interesse por esse serviço.
§ 5o  Nos casos urgentes em que a intimação feita na forma deste artigo possa
causar prejuízo a quaisquer das partes ou nos casos em que for evidenciada qualquer
tentativa de burla ao sistema, o ato processual deverá ser realizado por outro meio
que atinja a sua finalidade, conforme determinado pelo juiz.
§ 6o  As intimações feitas na forma deste artigo, inclusive da Fazenda Pública,
serão consideradas pessoais para todos os efeitos legais.
Art. 6o  Observadas as formas e as cautelas do art. 5o desta Lei, as citações, inclusive da
Fazenda Pública, excetuadas as dos Direitos Processuais Criminal e Infracional, poderão
ser feitas por meio eletrônico, desde que a íntegra dos autos seja acessível ao citando.
Art. 7o  As cartas precatórias, rogatórias, de ordem e, de um modo geral, todas as comunicações oficiais que transitem entre órgãos do Poder Judiciário, bem
como entre os deste e os dos demais Poderes, serão feitas preferentemente por
meio eletrônico.
capítulo IIi
do processo eletrônico
Art. 8o  Os órgãos do Poder Judiciário poderão desenvolver sistemas eletrônicos
de processamento de ações judiciais por meio de autos total ou parcialmente digitais,
utilizando, preferencialmente, a rede mundial de computadores e acesso por meio de
redes internas e externas.
FGV DIREITO RIO 112
ação: teoria e procedimentos
Parágrafo único.  Todos os atos processuais do processo eletrônico serão assinados
eletronicamente na forma estabelecida nesta Lei.
Art. 9o  No processo eletrônico, todas as citações, intimações e notificações, inclusive da Fazenda Pública, serão feitas por meio eletrônico, na forma desta Lei.
§ 1o  As citações, intimações, notificações e remessas que viabilizem o acesso à
íntegra do processo correspondente serão consideradas vista pessoal do interessado
para todos os efeitos legais.
§ 2o  Quando, por motivo técnico, for inviável o uso do meio eletrônico para a
realização de citação, intimação ou notificação, esses atos processuais poderão ser
praticados segundo as regras ordinárias, digitalizando-se o documento físico, que
deverá ser posteriormente destruído.
2) cpc:
Art. 202. São requisitos essenciais da carta de ordem, da carta precatória e da
carta rogatória:
(...)
§ 3o  A carta de ordem, carta precatória ou carta rogatória pode ser expedida por
meio eletrônico, situação em que a assinatura do juiz deverá ser eletrônica, na forma
da lei.
(...)
Art. 221. A citação far-se-á:
(...)
IV - por meio eletrônico, conforme regulado em lei própria.
Art. 237. Nas demais comarcas aplicar-se-á o disposto no artigo antecedente, se
houver órgão de publicação dos atos oficiais; não o havendo, competirá ao escrivão
intimar, de todos os atos do processo, os advogados das partes:
(...)
Parágrafo único.  As intimações podem ser feitas de forma eletrônica, conforme
regulado em lei própria.
Leitura obrigatória:
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil, vol. 1, 17 ª edição, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2008, p. 251-259.
DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil, vol. 1, 9ª edição, Salvador,
Podium, 2008, p. 453-468.
MARINONI, Luiz Guilherme, ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil, vol. 2, 6. ed. (em edições anteriores Manual do Processo de Conhecimento),
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 103-118.
FGV DIREITO RIO 113
ação: teoria e procedimentos
Leitura complementar:
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Citação de pessoa falecida, Temas de Direito Processual: quinta série, São Paulo, Saraiva, 1994, p. 77-84.
FGV DIREITO RIO 114
ação: teoria e procedimentos
AULA 13. RESPOSTA DO RÉU; CONTESTAÇÃO; PRINCÍPIO DA
EVENTUALIDADE; REVELIA; EXCEÇÕES; RECONVENÇÃO.
CASOS:
1 - João, citado em Ação de busca e apreensão em alienação fiduciária proposta
pelo Banco X, oferece reconvenção pleiteando a revisão contratual e a devolução
dos valores pagos a maior. Na mesma oportunidade, deixa de oferecer sua defesa em
contestação. Pergunta-se:
a) Quais são os efeitos da não-apresentação da contestação? Fundamente.
b) A medida eleita por João foi correta ou o seu pleito deveria ter sido realizado
em ação autônoma em que figurasse como autor e não como reconvinte?
Justifique.
c) Qual o prazo para o réu apresentar a reconvenção? Fundamente.
d) Qual a diferença entre reconvenção e pedido contraposto? Explique com
base no Código de Processo Civil e na Legislação extravagante.
2 – Luiz é réu numa determinada Ação de indenização sob o rito sumário. Citado regularmente e intimado na mesma oportunidade da realização de audiência
dentro de 20 dias, Luiz comparece na audiência no dia e hora designados, porém,
sem advogado. O juiz imediatamente decreta a revelia de Luiz, que deveria ter
apresentado contestação naquela oportunidade. Inconformado, Luiz procura por
um advogado para entender as conseqüência daquela decisão judicial e contrata os
serviços daquele profissional. O advogado estuda os autos do processo e verifica
que o mandado de citação e intimação não continha a informação de que Luiz
deveria “comparecer acompanhado de um advogado”. Tempestivamente o advogado interpõe recurso de agravo de instrumento alegando cerceamento de defesa e
pleiteando a nulidade de todos os atos processuais, inclusive da citação. O Tribunal
de Justiça dá provimento ao recurso.
a) Reflita sobre o entendimento do Tribunal correlacionando-o aos princípios
da economia processual e da duração razoável do processo.
b) Considere que o autor-recorrido alegou que não haveria vício na citação, mas
somente na intimação da audiência requerendo fosse mantida a citação do
réu. Você como desembargador, considerando as seguintes possibilidades: a)
nulidade somente da decisão que decretou a revelia; b) nulidade da decisão e
da intimação da audiência; c) nulidade de todos os atos praticados, inclusive
da citação, qual delas você considera a mais coerente?
FGV DIREITO RIO 115
ação: teoria e procedimentos
NOTA AO ALUNO:
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Uma vez proposta a ação pelo autor, deverá ser dado início ao contraditório, momento em que o juiz deverá ouvir as manifestações do requerido e sua versão sobre
os fatos. Esta manifestação do réu é de suma importância, visto que se permanecer
inerte acarretará inúmeros efeitos como sanção ao seu desinteresse.
Por vezes haverá limitação à manifestação do réu – por exemplo, sob o procedimento sumário não há reconvenção, mas somente o pedido contraposto, sem ferir
princípios constitucionais, mas tão-somente zelando pela celeridade que o procedimento requer.
O processo civil brasileiro admite três modalidades de resposta do réu: a contestação, a reconvenção e a exceção. A defesa poderá avocar a irregularidade de forma na
relação processual, ou a defesa de mérito em que se nega o fato constitutivo do direito do autor ou informe fato extintivo, modificativo ou impeditivo das alegações
do demandante.
O prazo para o réu apresentar sua resposta é, via de regra, de quinze dias, mas
poderá sofrer alterações em razão do número de integrantes no pólo passivo (litisconsórcio) e com procuradores distintos, conforme autoriza o artigo 191 do CPC.
Por outro lado, se o advogado for o mesmo, o prazo não sofrerá alteração.
Outra dilação do prazo ocorrerá quando o réu for a Fazenda Pública, autarquia
ou fundação pública, em que o prazo para a resposta será contado em quádruplo,
podendo chegar a oito vezes o prazo inicial quando duas dessas pessoas jurídicas de
direito público estiverem no pólo passivo.
Outra exceção à regra geral de quinze dias para a apresentação de resposta pelo
réu decorre do procedimento sob o qual tramita a ação. Por exemplo, no caso de
rito sumário, o prazo para o réu apresentar sua resposta é na data da audiência preliminar e somente se a tentativa de conciliação restar infrutífera. O prazo mínimo
é de dez dias pela regra do artigo 277 do CPC. Outro exemplo é na hipótese ação
popular, em que o prazo é de vinte dias, prorrogáveis por outro igual.
Quando da oportunidade de sua manifestação o réu poderá deixar de impugnar
as alegações do autor e reconhecer a procedência do pedido formulado pelo autor.
Nesta hipótese, o juiz deverá desde logo, em se tratando de direitos disponíveis,
homologar por sentença para que surtam seus efeitos.
Por outro lado, uma vez que o réu exponha suas razões, o autor poderá reconhecer a razão do réu em sua resistência e renunciar ao seu direito. Uma terceira
hipótese é a de desistência da ação que gera efeitos somente no campo processual,
não impedindo a propositura de uma nova demanda e nisto se distinguindo da
renúncia ao direito.
Passemos ao estudo das modalidades de respostas do réu.
FGV DIREITO RIO 116
ação: teoria e procedimentos
2. CONTESTAÇÃO
A contestação é a modalidade de defesa do réu que abarca todas as matérias de
defesa que o réu tiver em oposição à pretensão autoral, salvo as exceções descritas
em lei que requerem outras medidas (i. e. exceções para alegação de incompetência
relativa).
A petição de contestação deve ser feita na forma escrita e dirigida ao juiz da
causa, aplicando-se o disposto no artigo 282 do CPC no que for cabível, mas sem
a indicação de valor da causa e pedido de citação. Poderá ser apresentada na forma
oral em demandas de competência dos juizados especiais e nas de rito sumário.
Nesta fase o réu poderá promover a intervenção de terceiros, manifestar-se sobre
as provas que pretende produzir, indicando todos os pontos narrados pelo autor,
cujas impugnações devem ser fundamentadas e precisas, pois cabe ao réu o denominado ônus da impugnação específica.
A contestação é a oportunidade que o réu tem de articular toda matéria de defesa que oporá à pretensão autoral sob pena de preclusão. Este ataque às questões
processuais e de mérito deverá ocorrer em respeito ao que a doutrina denomina
de princípio da eventualidade. Por esta razão, deverá alegar vício processual, defesas
diretas e indiretas, negando a ocorrência dos fatos ou aduzindo fatos novos. Deverá ainda alegar a prescrição, a incompetência absoluta do juízo, inexistência ou
nulidade da citação, perempção, litispendência, coisa julgada, incapacidade das
partes etc.
Enfim, deverá argüir todas as questões preliminares e de mérito. De certo, as
questões preliminares podem ser verificadas, inclusive de ofício, em qualquer tempo
ou grau de jurisdição. Contudo, a omissão do réu em alegar em sede de contestação
lhe gerará o ônus de arcar com as custas processuais decorrentes do retardamento
do feito.
2.1. Princípio da eventualidade
Conforme estudamos acima, a contestação obedece ao princípio da eventualidade, o que significa dizer que, salvo quanto às exceções listadas no art. 303, CPC:
“Depois da contestação, só é lícito deduzir novas alegações quando: I - relativas a direito
superveniente; II - competir ao juiz conhecer delas de ofício; III - por expressa autorização legal, puderem ser formuladas em qualquer tempo e juízo”, ela deverá trazer todas
as alegações, ainda que contraditórias ou excludentes. Ocorre preclusão quanto às
matérias que não tenham sido ventiladas na contestação.
Como consectário dessa regra, há o ônus da impugnação especificada dos fatos
narrados na inicial (art. 302, CPC) – como preceitua o parágrafo único do art. 302
ao advogado dativo, ao curador especial e ao órgão do MP. Não se imputa este ônus,
podendo ocorrer a chamada contestação por negativa geral. Quanto aos fatos que
não tenham sido impugnados, prevalecerá a presunção – relativa – de veracidade,
exceto no que diz respeito às hipóteses listadas nos incisos do art. 302, CPC. O
efeito é semelhante àquele da revelia, só que de maneira parcial.
FGV DIREITO RIO 117
ação: teoria e procedimentos
Como observado acima, precederão às questões atinentes ao mérito aquelas relativas à regularidade da ação e do processo, arroladas no art. 301, CPC. Com exceção
do compromisso arbitral (art. 301, §4º, CPC), todas as matérias elencadas neste
artigo podem ser conhecidas de ofício, não ocorrendo, portanto, preclusão quanto
a elas.
2.2. Revelia
Chamado a se manifestar na ação, o réu pode quedar-se inerte e isto implica
em efeitos jurídicos, tal como o da revelia, que é uma espécie de punição imposta
pelo Estado àquele que não colabora na condução do processo e composição do
conflito. A revelia se opera por falta de contestação, e mesmo que tenha ofertado
exceção e/ou reconvenção, ela estará caracterizada; outra hipótese de revelia no
ordenamento pátrio será quando o procedimento em que se opera a demanda
for o sumário e o réu não comparecer à audiência sem justificativa e não apresentar
contestação.
O réu revel terá contra si a presunção da veracidade dos fatos articulados pelo autor
(quanto aos fatos e não quanto ao direito, e isto não implica em procedência do pedido do autor obrigatoriamente), o julgamento antecipado da lide (somente quando
a questão for meramente de direito ou bastarem provas documentais) e o seguimento
do processo sem a intimação do réu revel (se o réu revel tiver oferecido reconvenção
ou exceção, esta sanção não se aplica). Ressalte-se que a presunção de veracidade
é quanto aos fatos e não quanto ao direito e isto não implica em procedência do
pedido do autor obrigatoriamente.
Uma questão que ocorre refere-se à hipótese de litisconsórcio passivo. Caso um
deles ofereça contestação e outro não, serão presumidos verdadeiros os fatos contra
o revel, ou este poderia se aproveitar dos argumentos do litisconsorte que contestou
e ser poupado dos efeitos da revelia? Para a doutrina, somente se aproveita a contestação aos demais litisconsortes quando se tratar de litisconsórcio unitário.
Outra questão: quando se tratar de direitos indisponíveis, haverá a decretação da
revelia? A doutrina e a jurisprudência afirmam que em caso de direitos indisponíveis
a resposta é não.
3. EXCEÇÕES
A exceção é outra modalidade de resposta do réu, cuja matéria a ser ventilada é
restrita à tema processual e cada uma das exceções apresentadas deve ser de forma
autônoma à outra. As exceções deverão ser apreciadas imediatamente para que prossiga o tramite processual, já que o processo estará suspenso. São objetos de exceção
a incompetência relativa, o impedimento e a suspeição do juiz.
Apresentada a exceção, o processo ficará suspenso e, com isto, o prazo para contestar, prazo este que torna a correr quando da decisão de primeiro grau sobre a
exceção, mesmo que pendente recurso de agravo da decisão na exceção.
FGV DIREITO RIO 118
ação: teoria e procedimentos
A exceção de incompetência relativa (em razão do valor da acusa ou do território) deverá ser argüida por meio de exceção de incompetência relativa no prazo
devido sob pena dos efeitos da prorrogação da competência. É, portanto, contrária
à alegação de incompetência absoluta, visto que esta pode ser argüida a qualquer
tempo nunca sujeita à preclusão, podendo ser conhecida de oficio, e não necessita
de exceção, sendo alegada nos próprios autos.
A incompetência relativa deverá ser requerida por meio de petição escrita, apontando os motivos pelos quais há incompetência e apontando o juízo que entende
ser o competente para apreciar a causa. O local da apresentação da exceção será o de
apreciação da causa ou o do domicílio do réu com pedido de remessa ao juízo em
que ocorreu a determinação para a citação e deverá estar instruída com documentos
comprobatórios das alegações.
Se apresentada fora do prazo ou for manifestamente improcedente, poderá ser
indeferida in limine pelo juiz e não haverá a suspensão do processo. Caso contrário
o magistrado deverá ouvir no prazo de dez dias o demandado, denominado excepto, para oferecer impugnação à exceção. Sendo acolhida a exceção, os autos serão
remetidos ao juízo competente.
A exceção de impedimento do juiz decorre da argüição de imparcialidade do magistrado por ser ele parte no processo contencioso ou voluntário, bem como nessas
demandas em que foi perito, funcionou como órgão do Ministério Público ou foi
testemunha, quando atuou como juiz prolatando sentença ou decisão em primeiro
grau de jurisdição, ou tiver postulado como advogado e demais hipóteses elencadas
no artigo 134 do CPC.
Este vício não está sujeito à preclusão e poderá ser argüido em qualquer tempo
e grau de jurisdição, inclusive após o trânsito em julgado e findo o processo, pois
pode ser objeto de ação rescisória.
A exceção por suspeição do juiz ocorrerá quando fundada a parcialidade do juiz
por ser este amigo íntimo, inimigo das partes ou essas serem credoras ou devedoras
do magistrado, além da hipótese de ser a parte empregada do julgador, houver
aconselhado uma das partes etc. O juiz também poderá se declarar suspeito por
questão de foro íntimo. A suspeição está descrita nos artigos 135 e 136 do CPC.
A suspeição, ao contrário do impedimento, está sujeita ao fenômeno da preclusão, mas somente para o autor e o réu, visto que o juiz poderá se declarar suspeito
a qualquer momento.
Em ambas as hipóteses de exceção por parcialidade do magistrado, ao contrário
da exceção de incompetência relativa, o juiz não poderá indeferir liminarmente,
mas deverá determinar suspensão do processo e a sua autuação em apartado. Se
entender pelo reconhecimento da argüição, deverá remetê-la ao juiz substituto.
A parte contrária não se manifestará, pois a exceção ataca o magistrado que, caso
não acolha o pedido, deverá encaminhar para o tribunal após dizer, no prazo de dez
dias, a razão da discordância, as provas documentais e rol de testemunhas. Caso o
tribunal entenda pelo acolhimento da argüição, o juiz será condenado nas custas e
remeterá os autos ao substituto legal.
FGV DIREITO RIO 119
ação: teoria e procedimentos
4. RECONVENÇÃO
A reconvenção, embora integre uma modalidade de resposta do réu, é, em verdade, uma ação autônoma que deve obedecer aos critérios de todas as demais ações,
tais como pressupostos processuais e condições da ação, assim sendo a legitimidade
das partes, inexistência de coisa julgada e litispendência, possibilidade jurídica do
pedido etc.
Apesar de a reconvenção estar pendente à ação principal, que pressupõe uma ligação entre as duas ações, a primitiva e a reconvencional, a reconvenção é autônoma
e, como tanto, deverá ser anotada no distribuidor (art. 253, parágrafo único, CPC)
e poderá ter destino diverso ao da ação principal.
A legitimidade para ser pólo passivo na reconvenção compete exclusivamente ao
autor, bem como a titularidade para ser reconvinte é do réu da ação originária. O
réu que reconvir será o reconvinte e o autor será o reconvindo. Quanto ao art. 315,
parágrafo único, CPC, vale o esclarecimento que não pretende o legislador se referir
aos casos de representação, já que, nesses casos, a parte é o representado e não o representante. O que pretende a lei é consignar regra de que o réu não poderá reconvir
se sua pretensão disser respeito ao autor quando este estiver atuando como substituto
processual.
Na substituição processual, o autor pleiteia direito alheio em nome próprio.
Logo, o autor substituto processual não poderá sofrer reconvenção quando o direito demandado pelo réu reconvinte for exigível do autor e não daquele por quem
litiga o autor. Nos casos de substituição processual, só poderá ocorrer a reconvenção
quando o pedido do réu reconvinte for demandado em face do autor, substituto
processual, tanto para a ação quanto para figurar no pólo passivo de reconvenção.
Logo, a substituição processual deverá ocorrer tanto na ação quanto na reconvenção
para que seja considerada admissível a reconvenção.
A reconvenção é inspirada no princípio da economia processual, pois permite que,
num mesmo processo, discutam-se questões ligadas por um vínculo, aumentando o
objeto litigioso proposto pelo autor. Ainda que o juiz deva se manifestar especificamente
sobre a reconvenção (art. 318, CPC), a economia processual aparece de forma bem clara
na produção de provas, que se dará simultaneamente, e nos debates, por exemplo.
Esse meio de manifestação do réu não pode ser utilizado para matérias argüíveis
por meio da contestação, eis que careceria de interesse processual. Exemplificamos:
na hipótese de haver coisa julgada do objeto da ação originária, ao réu caberá falar
em contestação. Caso o réu busque seja declarada a inexistência da relação jurídica,
mas com força de coisa julgada e que seja prejudicial à ação originária, deverá fazê-lo
por meio de reconvenção.
São requisitos da reconvenção: haver conexão com a ação originária ou fundamento da defesa; a reconvenção ser oferecida sob pendência em primeiro grau de
jurisdição a ação originária; não ser regida a ação principal pelo rito sumário; o juízo
da ação originária não ser absolutamente incompetente para apreciar a reconvenção; ambas as ações (a originária e a reconvenção) serem regidas sob o mesmo de
procedimento.
FGV DIREITO RIO 120
ação: teoria e procedimentos
O prazo para o oferecimento da reconvenção é o mesmo da contestação e deve
ser ajuizada por meio de petição escrita dirigida ao juiz, sujeita, no que couber, aos
requisitos da petição inicial. Admitida a reconvenção, o reconvindo será intimado
(com efeitos de citação inicial) a se manifestar no prazo de quinze dias. Quanto à
possibilidade de revelia na reconvenção, a doutrina entende que não há distinção
quanto à revelia na ação principal.
A doutrina criou as hipóteses de reconvenção subjetivamente ampliativa e reconvenção subjetivamente restritiva. A primeira hipótese ocorrerá quando uma terceira
pessoa estranha a relação for incluída no pólo passivo, passando a figurar como
reconvindo. Isto contraria a legislação, que proíbe a reconvenção em face de quem
não é autor na ação originária, mas a doutrina afirma que é admissível ao principal
fundamento de economia processual.
A reconvenção subjetivamente restritiva ocorrerá na hipótese em que houver litisconsórcio no pólo ativo da ação originária, mas a reconvenção for oferecida somente em face de um ou alguns, excluindo os demais litisconsortes. Esse entendimento
não é unânime, assim como não há uniformidade em aceitar a hipótese da reconvenção ampliativa.
No que diz respeito à competência do juízo para a reconvenção, em razão do
fato de a ação e a reconvenção estarem adstritas a uma mesma relação processual
e terem decisões simultâneas, a ação e a reconvenção devem pressupor que o juiz
seja competente para ambas. A competência relativa poderá ser prorrogada, mas a
competência absoluta não poderá ser alterada em função da reconvenção.
A reconvenção sofrerá o mesmo juízo de admissibilidade por que passa uma petição inicial, aquele baseado nos arts. 282 a 285, CPC. A decisão de indeferimento
liminar da reconvenção desafia o recurso de agravo, por ter natureza de decisão
interlocutória. Isso ocorre porque, apesar de tal decisão extinguir o processo concernente ao pedido reconvencional, não chega a extinguir o processo totalmente,
como ocorre no caso do indeferimento liminar da petição inicial, que comporta o
recurso da apelação.
Após a admissão da reconvenção, será o autor intimado, na pessoa de seu procurador, para contestá-la no prazo de 15 dias. Tal intimação tem natureza e produz os
mesmo efeitos de uma citação. Questiona-se doutrinariamente se o autor poderá,
quando da apresentação de sua contestação à reconvenção, apresentar reconvenção.
Ocorreria, nesse caso, a reconvenção da reconvenção.
Na prolação da sentença, deverá o juiz observar a necessidade de parte dispositiva diversa da ação e da reconvenção, ainda que o relatório e os fundamentos sejam
expostos conjuntamente. Caso haja desrespeito a esta regra, oriunda do art. 318,
CPC, ocorrerá nulidade da sentença.
FGV DIREITO RIO 121
ação: teoria e procedimentos
MATERIAL DE APOIO:
Jurisprudência:
AgRg no REsp 643316 / PB ; AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO
ESPECIAL 2004/0031955-0. Relator(a): Ministra DENISE ARRUDA (1126).
Órgão Julgador: T1 - PRIMEIRA TURMA. Data do Julgamento: 05/06/2007.
Data da Publicação/Fonte: DJ 29.06.2007 p. 491. Ementa: PROCESSUAL
CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL. ACIDENTE DE TRÂNSITO.
INDENIZAÇÃO. ALEGADA VIOLAÇÃO DOS ARTS. 225, II, E 285, SEGUNDA PARTE, DO CPC. NÃO-OCORRÊNCIA. DANOS EMERGENTES E LUCROS CESSANTES COMPROVADOS. PRECEDENTES. DESPROVIMENTO.
1. A omissão, no mandado de citação, acerca dos efeitos da revelia, não gera nulidade processual nem induz cerceamento de defesa; apenas impede a presunção ficta
conseqüente da revelia (CPC, art. 285). 2. O TRF da 5ª Região não decretou, sequer
implicitamente, a revelia. Ao contrário, com base nos fatos e provas, concluiu que os
danos emergentes e os lucros cessantes da agravada foram devidamente demonstrados. 3. Agravo regimental desprovido.
REsp 872427 / SP ; RECURSO ESPECIAL 2006/0168558-6. Relator(a):
Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA (1127). Órgão Julgador: T4 - QUARTA TURMA. Data do Julgamento: 12/12/2006. Data da Publicação/Fonte: DJ
05.02.2007 p. 259. Ementa: RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. QUESTÃO DE ORDEM PÚBLICA. APRECIAÇÃO DE OFÍCIO. POSSIBILIDADE.
PRECLUSÃO. INOCORRÊNCIA. EFEITO TRANSLATIVO. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO FUNDADA EM ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. DECRETOLEI N.º 911/69. RECONVENÇÃO. CABIMENTO. ECONOMIA E CELERIDADE PROCESSUAIS. EFETIVIDADE DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL.
RECURSO ESPECIAL CONHECIDO EM PARTE E, NESTA EXTENSÃO,
PROVIDO.
1. Conquanto não tenha havido impugnação específica em relação ao alegado não
cabimento da reconvenção, trata-se de tema referente à possibilidade jurídica do pedido que, como condição da ação, configura questão de ordem pública, podendo ser
reconhecida de ofício pelo Tribunal de origem. Assim, não incide, na espécie, a regra
da congruência ou da correlação entre o pedido e a decisão, porquanto prescindível a
iniciativa da parte. Com efeito, as questões de ordem pública transferem-se ao exame
do órgão de segundo grau, por força do princípio translativo, não havendo falar em
julgamento extra petita ou em preclusão. 2. Com o advento da Lei 10.931/2004, tornou-se pleno o juízo de cognição da ação de busca e apreensão fundada em propriedade fiduciária. De fato, o referido diploma legal, em harmonia com o Código de Processo Civil, substituiu a expressão “contestação” por “resposta” no artigo 3º, § 3º, do
Decreto-lei n.º 911/69, autorizando, por conseguinte, o exercício, pelo réu, de ampla
FGV DIREITO RIO 122
ação: teoria e procedimentos
defesa, seja direta ou indireta. Cabíveis, portanto, contestação, exceções e reconvenção na ação de busca e apreensão decorrente de contrato de alienação fiduciária. 3.
Tendo em vista as modificações que a ação de busca e apreensão sofreu desde a edição
do Decreto-lei n.º 911/69, especialmente com o advento da Lei n.º 10.931/2004 e
com a evolução do sistema do Código de Processo Civil, o cabimento da reconvenção
na busca e apreensão corrobora a consecução da efetividade da prestação jurisdicional, garantindo a celeridade e a economia processuais, diante da resolução, em um
mesmo processo e sentença, de todas as questões relativas ao contrato de alienação
fiduciária. 4. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, provido para
cassar o acórdão recorrido e determinar o prosseguimento da reconvenção.
REsp 790567 / RS ; RECURSO ESPECIAL 2005/0175866-9. Relator(a): Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS (1096). Órgão Julgador: T3 - TERCEIRA TURMA. Data do Julgamento: 24/04/2007. Data da Publicação/Fonte: DJ
14.05.2007 p. 285. Ementa: RECURSO ESPECIAL. EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA. ATOS PRATICADOS NO PERÍODO DE SUSPENSÃO. NULIDADE.
1. A simples oposição da exceção de incompetência suspende o processo, até o
julgamento definitivo do incidente. 2. Durante o período de suspensão previsto no
Art. 306 do CPC, é proibida a prática de atos processuais, salvo aqueles urgentes,
imprescindíveis para a conservação do direito objeto da lide. 3. Antes de realizar
qualquer ato processual, inclusive audiência de instrução previamente designada, o
juízo deve decidir a exceção de incompetência. 4. São nulos os atos praticados pelo
juiz, durante a suspensão do processo por efeito de exceção de incompetência.
TJRJ:
2007.002.03525 - AGRAVO DE INSTRUMENTO. DES. LINDOLPHO
MORAIS MARINHO - Julgamento: 13/04/2007 - DECIMA TERCEIRA CAMARA CIVEL PROCESSUAL CIVIL.DEMANDA VISANDO CONDENAÇÃO DOS ENTES PÚBLICOS MUNICIPAL E ESTADUAL A FORNECEREM
MEDICAMENTOS. CONTESTAÇÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
APRESENTADA EXTEMPORANEAMENTE. DECISÃO QUE CONQUANTO CORRETA NA DECRETAÇÃO DA REVELIA, DETERMINA O DESENTRANHAMENTO DA PEÇA DE RESISTÊNCIA. PROVIMENTO LIMINAR
DO RECURSO.Se o réu não contestar a demanda, reputar-se-ão verdadeiros os
fatos afirmados pelo autor.A revelia não induz, contudo, tal efeito se o litígio versar
sobre direitos indisponíveis (art. 320, II, do Código de Processo Civil).Descabida a
decisão que, conquanto correta em decretar a revelia, determina o desentranhamento da peça de resistência, que poderá servir como mais um elemento de convicção
do magistrado.Recurso liminarmente provido, para, mantida a revelia, determinar a
reinserção, nos autos principais, da peça de contestação oferecida pelo agravante.
FGV DIREITO RIO 123
ação: teoria e procedimentos
Leitura obrigatória (escolher uma das fontes):
BUENO, Cássio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil, vol.
2, São Paulo, Saraiva, 2007, p. 134-194.
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil, vol. 1, 17 ª edição, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2008, p. 317-332.
DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil, vol. 1, 9ª edição, Salvador,
Podium, 2008, p. 469-498.
MARINONI, Luiz Guilherme, ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil, vol. 2, 6. ed. (em edições anteriores Manual do Processo de Conhecimento),
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 119-150.
Leitura complementar:
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil, volume
III, São Paulo, Malheiros, 2001, p. 527-547 (Capítulo LXXXVIII).
QUESTÕES DE CONCURSO:
Magistratura estadual RS – 2000.
Tício, inquilino de Caio, propõe contra este ação de procedimento ordinário, visando
a se ressarcir de danos pessoais causados, segundo alega, por agressão física do locador.
Caio não contesta a ação a tempo (a peça não foi entregue em cartó­rio por erro do
escritório de seu advogado), mas ingressa atempadamente com reconvenção, ale­gando
infração do regulamento interno do edifício por Tício, em virtude de comportamento
escanda­loso deste no episódio e, por conseguinte, afronta ao contrato de locação, que
o obrigava, pedindo em conseqüência o despejo do locatário. Neste caso, o Juiz:
(A) não aceita a reconvenção porque não houve contestação.
(B) não admite a reconvenção porque a causa de pedir de ambas as ações não
coincide.
(C)admite a reconvenção, entendendo estarem preenchidos os pressupostos do
art. 315 e respectivos parágrafos do Código de Proces­so Civil.
(D)não admite a reconvenção porque ela não tem o mesmo procedimento da
ação.
(E) não admite a reconvenção porque entende não coincidirem os pedidos de
ambas as de­mandas.
Assinale a assertiva correta.
(A) O revel não pode se manifestar nos autos.
(B) A revelia acarreta a procedência da ação em cujo processo for declarada.
(C)Sempre que o réu não contestar a ação, ha­verá o efeito da revelia.
(D)Ocorrendo revelia, o autor poderá alterar o pedido.
(E) O revel poderá intervir em qualquer fase do processo.
FGV DIREITO RIO 124
ação: teoria e procedimentos
Magistratura federal - TRF2 - 4º concurso:
O autor, ainda que ocorra revelia, pode alterar o pedido ou a causa de pedir?
Indique a base legal que justifica a sua resposta.
MP/RJ (IX concurso - preliminar):
Caio, menor púbere, assistido por seu pai, propôs ação em face de Tício, imputando-lhe a autoria de ato de que resultaram danos em veículo de sua propriedade,
guardando na garagem do prédio habitado por ambos, e pedindo a condenação do
réu ao ressarcimento dos prejuízos. Tício, citado, ofereceu contestação, alegando
não ter sido ele o autor do ato, e denunciou a lide a Marco, que, na sua versão, fora
quem causara os danos e deveria, consequentemente, ser condenado a reembolsá-lo
do que viesse eventualmente a pagar a Caio. Pergunta-se: a) é admissível a denunciação da lide? b) se o juiz determinar a citação do denunciado e, ao final, diante
das provas constantes dos autos, ficar cabalmente demostrada a procedência das
alegações de Tício, em que sentido deve pronunciar-se o Ministério Público? RESPOSTAS OBJETIVAMENTE JUSTIFICADAS.
MP/RJ (XII concurso - preliminar):
Agripina, em nome próprio, na qualidade de mãe de nascituro, propôs ação de
investigação de paternidade em face de Mévio. Este, contestando o pedido, alega
preliminar de ilegitimação para a causa, pois a autora não seria titular da pretensão
de direito material e não lhe socorreria o art. 6° do Código de Processo Civil. Autos
com vista ao Ministério Público. OPINE, OBJETIVA E JUSTIFICADAMENTE,
SOBRE A ARGÜIÇÃO PRELIMINAR.
MP/RJ (XIX concurso - preliminar):
Pode o Juiz, convencido da responsabilidade exclusiva do denunciado à lide, condená-lo diretamente a pagar a indenização pleiteada pelo Autor e julgar improcedente
o pedido em face do Réu-denunciante? Resposta objetivamente justificada.
MP/RJ (XXII concurso - preliminar):
Em processo pertinente a ação de investigação de paternidade, não houve citação da
pessoa que figura como réu, correndo-lhe a ação à revelia, resultando, a final, o trânsito em julgado da respectiva sentença. Questiona-se sobre os efeitos da sentença:
em relação ao autor no caso de ser julgado improcedente o pedido; e em relação ao
réu no caso de ser julgado procedente o pedido. Questiona-se ainda sobre o meio de
impugnação a ser usado, no caso, pelo réu. Resposta objetivamente justificada.
MP/RJ (XXVII concurso - preliminar):
É obrigatória a intervenção do Ministério Público nas causas em que o usucapião é
argüído como defesa?
FGV DIREITO RIO 125
ação: teoria e procedimentos
MP/RJ (XI concurso – específica):
CAIO propôs ação de rito ordinário em face de TÍCIO e MARCO, pedindo a condenação de ambos ao pagamento da indenização dos prejuízos que sofrera em função de ato ilícito cometido, segundo o autor, por TÍCIO, a mando de MARCO.
No prazo legal, TÍCIO ofereceu contestação, negando tão somente a prática do ato,
enquanto MARCO deixou de apresentar defesa.
Pergunta-se:
a) o comportamento de MARCO torna dispensável para o autor a produção de
prova de sua participação no ato?
b) se o Juiz acolher o pedido em relação aos dois réus, se ambos apelarem e
TÍCIO posteriormente desistir do recurso, ocorrerá em relação a ele, em
virtude da desistência, o trânsito em julgado da sentença?
FGV DIREITO RIO 126
ação: teoria e procedimentos
AULA 14. PROVIDÊNCIAS PRELIMINARES.
CASO:
João da Silva trafegava por uma via pública em sua bicicleta, quando foi atingido
por um coletivo da empresa Viação Rio Ltda, ocasião em que lhe foram causadas
inúmeras lesões, inclusive de cunho permanente. A empresa e a vítima celebraram
um acordo extrajudicial em que foi fixado o valor correspondente à indenização
pelo conserto da bicicleta, pelos gastos com medicamentos e pelos dias em que João
ficou afastado de suas atividades laborais. Posteriormente, orientado por um advogado, João ingressou com uma ação em juízo pleiteando por uma pensão vitalícia
em razão das lesões corporais que lhe incapacitaram parcial e permanentemente. O
juiz extingue o processo sem resolução do mérito em fase de saneamento do processo por falta de interesse processual (art. 267, VI, do CPC) e condena o autor nas
custas e nos honorários advocatícios no importe de 10% sobre o valor da causa.
Pondere as seguintes hipóteses:
a) Quanto à interpretação do acordo extrajudicial, terá que ser restritiva ou de
fato vincula as partes que não poderão propor posterior ação judicial a fim
de buscar o mesmo objeto? E o julgador agiu corretamente ao extinguir o
processo por falta de interesse processual, pois, a seu ver, o recibo de quitação
demonstra a renúncia ao direito disposto em lei?
b) Quanto às providências preliminares, neste caso em concreto, você entende
que a causa restava madura para o julgamento ou haveria de ensejar uma
instrução probatória mais ampla?
NOTA AO ALUNO:
Após o réu oferecer sua resposta, o órgão jurisdicional deverá tomar providências
em razão dos argumentos ofertados pelo réu, ou em decorrência da inércia deste.
A essa fase processual que se inaugura a doutrina denomina de “primeira fase do
saneamento” ou “fase de ordenamento do processo”, que será finalizada com o chamado “despacho saneador”. Tecnicamente, a nomenclatura mais adequada é “decisão
saneadora” e assim procedeu o legislador quando da alteração da redação do artigo
338 do CPC, por meio da Lei nº 11.280/06, que utilizou a expressão “decisão de
saneamento”.
Esta decisão somente será prolatada caso o processo se encontre em condições de
seguir para a audiência de instrução e julgamento; caso contrário, o juiz desde logo
porá termo ao processo por meio de uma sentença extintiva com ou sem resolução
do mérito.
FGV DIREITO RIO 127
ação: teoria e procedimentos
Caso tenha sido ofertada a exceção, o processo não ingressará a essa fase até que
cesse a suspensão do processo em conseqüência ao julgamento da questão excepta.
Do mesmo modo, se houver reconvenção, o processo somente ingressará em fase de
saneamento após a apresentação da contestação à reconvenção ou que tenha transcorrido in albis o prazo para tanto. Neste caso, as providências preliminares haverão
de albergar as questões da ação originária concomitantemente às questões objeto da
reconvenção.
Na oportunidade das providências preliminares, as partes poderão sanar eventuais vícios decorrentes de irregularidades ou nulidades sanáveis, iniciando-se pelo
autor e, eventualmente, o reconvinte, e após abre-se prazo ao réu e reconvindo, se
for o caso.
Nesta mesma ocasião, caso o réu tenha demonstrado questão prejudicial de mérito em sede de contestação, o autor poderá requerer a denominada “sentença incidente” por meio de uma ação declaratória incidental – ADI (artigos 5º e 325 do
CPC), cuja existência de uma “questão prejudicial” é condição à admissibilidade da
declaratória incidental. As partes devem ser as mesmas que compõem a ação principal, incabível, portanto, a quem não seja parte no feito.
A ADI consiste numa demanda formulada pelo autor em decorrência de relação
jurídica prejudicial apontada na contestação para que o magistrado se manifeste
conferindo coisa julgada material ao objeto. O réu também poderá alegar questão
prejudicial ao pleito autoral, entretanto, a ação declaratória intentada pelo réu é, na
verdade, a reconvenção com pedido declaratório.
O prazo peremptório para ambas as hipóteses é de 15 (quinze) dias, e mesmo
que haja cumulação das situações acima, o autor deverá replicar e requerer a “sentença incidente” na ação declaratória incidental no mesmo prazo. O juiz determinará a correção das irregularidades ou sanará as nulidades, respeitando-se a prescrição
em fazê-lo e determinando sejam realizadas as correções no prazo máximo de trinta
dias, que, em não sendo respeitado ou em não sendo sanados os vícios, acarretará a
extinção do processo sem resolução do mérito por ausência de pressuposto ao válido
e regular de seguimento.
Em relação à natureza do julgamento da ação declaratória incidental (ADI), será
sentença caso seja julgada com a ação principal, atacável por meio de apelação; por
outro lado, será decisão e atacável por meio de agravo para a rejeição in limine da
ADI, bem como na hipótese de ser posto termo à mesma antes do julgamento da
ação originária.
As ações originária e declaratória incidental devem ser instruídas nos mesmos
autos e julgadas concomitantemente, visto que a segunda é prejudicial à primeira.
Inexistindo a instrução e julgamento ao mesmo tempo, acarretará a inexaustão da
prestação jurisdicional e conseqüente nulidade da sentença.
A propósito, o prazo da contestação à ADI é objeto de controvérsia na doutrina,
assinalando alguns que é de 15 (quinze) dias, analogamente ao da contestação à
reconvenção. Outros sustentam ser de 10 (dez dias),  por analogia ao artigo 392,
que dispõe sobre a contestação no incidente de falsidade documental, que partilha
da natureza da ação declaratória incidental.
FGV DIREITO RIO 128
ação: teoria e procedimentos
No caso de ter havido revelia, o juiz deverá atentar nesta fase para eventual irregularidade da citação. Se a revelia for fruto de citação ficta, o juiz nomeará curador
especial. Caso o réu tenha apresentado reconvenção, o autor será intimado a contestá-la em quinze dias; caso a contestação tenha sido baseada em defesa indireta,
o prazo para réplica será de dez dias, portanto, dois prazos distintos para o autor se
manifestar. Se o autor em sua réplica trouxer documentos, em respeito ao contraditório, o réu terá que ser intimado a se manifestar e o prazo é de cinco dias, conforme
preceitua o artigo 398 do CPC. No caso de defesa direta, não haverá réplica, exceto
se instruída com documentos, em que igual prazo de cinco dias (art. 398 do CPC)
terá o réu para se manifestar.
Após o cumprimento dessas formalidades, ou não sendo o caso de fazê-las, ultrapassa-se a fase de providências preliminares e inicia-se a fase de possível julgamento
conforme o estado do processo, como será estudado na próxima aula, podendo haver
o julgamento antecipado da lide, ser designada a audiência preliminar ou mesmo
haver a extinção do processo com ou sem resolução do mérito, conforme autoriza
o artigo 329 do CPC.
Esta fase de ordenamento do processo visa regularizar o processo para que se torne
apto a receber uma a decisão conforme o estado do processo ou habilite-o a prosseguir
com os demais trâmites regulares do processo, como a fase probante, por exemplo.
MATERIAL DE APOIO:
Jurisprudência
REsp 323405 / RJ ; RECURSO ESPECIAL 2001/0054481-9 relator (a):
Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA (1088). Órgão julgador: T4
– Quarta Turma. Data do julagamento: 11/09/2001. Data da Publicação/Fonte: DJ
04.02.2002 p. 386. Ementa: PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA
INCIDENTAL. EXTINÇÃO SEM JULGAMENTO DE MÉRITO. SENTENÇA
INCIDENTE. ART. 325, CPC. JULGAMENTO ANTERIOR À AÇÃO POSSESSÓRIA PRINCIPAL. NATUREZA DE DECISÃO INTERLOCUTÓRIA.
RECURSO CABÍVEL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO ESPECIAL
PROVIDO.
I - Contra a “sentença” que põe fim à ação declaratória incidental, cabe agravo
de instrumento se a ação versar, como no caso, questão prejudicial ao julgamento da
principal e for julgada anteriormente a esta, liminarmente ou não, dada a natureza
de decisão interlocutória. II - Ocorrendo extinção apenas parcial do processo(v.g.,
quando indeferida a declaratória incidental, a reconvenção ou excluído um dos litisconsortes), o recurso próprio é o agravo.
EMENTA:  IMISSÃO DE POSSE. PROMESSA DE COMPRA E VENDA.
UNIÃO ESTÁVEL. DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE INEFICÁCIA DA
COMPRA E VENDA. SENTENÇA EXTRA PETITA. Declaração incidental de
FGV DIREITO RIO 129
ação: teoria e procedimentos
ineficácia da compra e venda de imóvel, em face de união estável. Dispositivo da
sentença, que fez constar declaração de ineficácia da compra e venda, em face do reconhecimento da união estável existente entre os réus, quando ausente pedido incidental. Art. 5º e art. 325, do CPC. Julgamento extra petita. Sentença desconstituída.
Enfrentamento da matéria de mérito, que deve ser feita pelo primeiro grau. Matéria
de fato. Inaplicabilidade do § 3º, art. 515, do CPC, no caso dos autos. Acolheram
a preliminar e deram provimento ao apelo. (Apelação Cível Nº 70009971425, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Heleno Tregnago
Saraiva, Julgado em 03/05/2005).
EMENTA:  APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE SEPARAÇÃO LITIGIOSA. ALIMENTOS. PRELIMINAR. MÁ-FÉ. A declaração de incidente nos moldes do art.
325 do CPC, incumbe ao autor, não ao réu. Cabível a reconvenção quando há
conexão com a causa principal ou com a defesa oposta, razões porque desacolhe-se
a preliminar de nulidade da sentença. Estando os alimentos adequados ao binômio
necessidade/possibilidade, como ficou claro nos autos, mantém-se o valor fixado na
sentença. Ferido o princípio da lealdade processual das partes, vez que a pretensão
de modificar a decisão baseia-se em fato incontroverso, impõe-se a condenação na
litigância de má-fé. Preliminar desacolhida. Apelação desprovida. (Apelação Cível
Nº 70006197586, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José
Ataídes Siqueira Trindade, Julgado em 29/05/2003).
EMENTA:  ACAO DECLARATORIA E CONSTITUTIVA. REQUISITOS.
TRATANDO-SE DE DEMANDA AUTONOMA, COM OBJETIVOS DIFERENCIADOS DAQUELES PRETENDIDOS EM ACAO ANULATORIA INTENTADA POR PRIMEIRO, INAPLICAVEL O DISPOSTO NO ARTIGO 325
DO CPC. PRELIMINARES DE CARENCIA DE ACAO E DECADENCIA REJEITADAS. SENTENCA DE PROCEDENCIA DA ACAO MANTIDA. APELO
DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70000488502, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Pilla da Silva, Julgado em 17/02/2000).
FGV DIREITO RIO 130
ação: teoria e procedimentos
Legislação
CAPÍTULO IV
DAS PROVIDÊNCIAS PRELIMINARES
Art. 323 - Findo o prazo para a resposta do réu, o escrivão fará a conclusão dos
autos. O juiz, no prazo de 10 (dez) dias, determinará, conforme o caso, as providências preliminares, que constam das seções deste Capítulo.
SEÇÃO I
DO EFEITO DA REVELIA
Art. 324 - Se o réu não contestar a ação, o juiz, verificando que não ocorreu o
efeito da revelia, mandará que o autor especifique as provas que pretenda produzir
na audiência.
SEÇÃO II
DA DECLARAÇÃO INCIDENTE
Art. 325 - Contestando o réu o direito que constitui fundamento do pedido, o
autor poderá requerer, no prazo de 10 (dez) dias, que sobre ele o juiz profira sentença
incidente, se da declaração da existência ou da inexistência do direito depender, no
todo ou em parte, o julgamento da lide (art. 5º).
SEÇÃO III
DOS FATOS IMPEDITIVOS,
MODIFICATIVOS OU EXTINTIVOS DO PEDIDO
Art. 326 - Se o réu, reconhecendo o fato em que se fundou a ação, outro Ihe
opuser impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, este será ouvido no
prazo de 10 (dez) dias, facultando-lhe o juiz a produção de prova documental.
SEÇÃO IV
DAS ALEGAÇÕES DO RÉU
Art. 327 - Se o réu alegar qualquer das matérias enumeradas no art. 301, o juiz
mandará ouvir o autor no prazo de 10 (dez) dias, permitindo-lhe a produção de prova documental. Verificando a existência de irregularidades ou de nulidades sanáveis,
o juiz mandará supri-las, fixando à parte prazo nunca superior a 30 (trinta) dias.
Art. 328 - Cumpridas as providências preliminares, ou não havendo necessidade
delas, o juiz proferirá julgamento conforme o estado do processo, observando o que
dispõe o capítulo seguinte.
FGV DIREITO RIO 131
ação: teoria e procedimentos
Leitura obrigatória
BUENO, Cássio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil, vol.
2, São Paulo, Saraiva, 2007, p. 195-215.
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil, vol. 1, 17 ª edição, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2008, p. 332-340.
MARINONI, Luiz Guilherme, ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil, vol. 2, 6. ed. (em edições anteriores Manual do Processo de Conhecimento),
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 151-158.
FGV DIREITO RIO 132
ação: teoria e procedimentos
AULA 15. JULGAMENTO CONFORME O ESTADO DO PROCESSO; AUDIÊNCIA
PRELIMINAR (ART. 331); SANEAMENTO.
CASO:
A propõe Ação de cobrança pelo rito sumário em face de B, que foi regularmente
citado em 14/07/06, e desde já intimado da realização da audiência prevista para o
dia 24/07/06. B procura por um advogado e comparecem à audiência munidos da
contestação. Apresentam-na ao juiz que prolata a sentença na própria audiência de
conciliação, visto que não havia novas provas a serem constituídas e as tentativas de
conciliação restaram infrutíferas. Insatisfeito com a sentença condenatória, o réu recorre ao fundamento de que o prazo para a realização da audiência não foi respeitado,
requerendo que o processo fosse integralmente anulado. Os argumentos da recorrida
são no sentido de que o prazo havia sido respeitado visto que entre os dias 14 e 24
foram respeitados os dez dias determinados pelo artigo 277 do CPC. Pergunta-se:
a) A contagem de prazo deve ser computada a partir de qual termo inicial?
b) Este argumento deveria ter sido explanado em contestação ou pode ser argüido a qualquer tempo e grau de jurisdição?
c) Quais são as conseqüências processuais quando o prazo do artigo 277 do
CPC não é respeitado?
d) A realização da audiência de conciliação é obrigatória? Quais são as conseqüências caso seja suprimida e desde logo designada Audiência de Instrução e
Julgamento?
e) As partes podem de comum acordo requerer ao juiz a não realização da audiência preliminar?
f ) Se o magistrado não designar Audiência de Instrução e Julgamento, haverá
nulidade do processo?
NOTA AO ALUNO:
Nesta aula daremos continuidade ao estudo da fase saneadora do processo. Uma
vez realizadas as providências preliminares, também denominadas de primeira fase
do saneamento ou fase de ordenamento do processo, como vimos na aula anterior,
o juiz poderá julgar o processo no estado em que se encontre ou determinar a realização de providências que viabilizem o seguimento do processo.
A primeira delas o julgamento antecipado da lide. Assim, o magistrado deverá
observar quanto à possibilidade de desde já prolatar uma sentença extintiva do processo, que pode ser tanto com resolução como sem resolução do mérito, nos termos
dos artigos 267 e 269, II a V, do CPC.
FGV DIREITO RIO 133
ação: teoria e procedimentos
Caso tenha ocorrido qualquer vício até então e o magistrado tenha aberto oportunidade para que as partes o sanassem ou suprissem, porém estas permanecem
inertes, o juiz deverá nesta oportunidade declarar a anulação do processo.
Quando o tema é a obrigatoriedade ou não imposta ao magistrado em julgar antecipadamente a lide quando viável, esclarecemos que não existe um entendimento
unânime.
Para parte da doutrina, o juiz tem o dever e não a mera faculdade de julgar o
processo se houver condições, ou seja, se estiverem presentes as condições que autorizem o julgamento antecipado da causa, tal como ocorrerá se a prova documental
for suficiente para formar o seu livre convencimento.
Há quem afirme ser uma faculdade do julgador, ao argumento de que o juiz deve
ser cauteloso em julgar antecipadamente a lide, visto o grande número de sentenças
que são anuladas ao fundamento de cerceamento de defesa.
As partes podem requerer o julgamento antecipado da lide se entenderem aplicável, mas o juiz poderá entender que há a necessidade de realização de prova em audiência verificando o caso concreto, e contrariar o pedido das partes determinando
a produção de provas necessárias à instrução do processo ex officio.
O fundamento autorizador do julgamento antecipado, defende Chiovenda, é o
princípio de que o processo não pode prejudicar o autor que tem razão. Com isto,
se o processo não requer que outras provas sejam realizadas, estando, portanto, madura a causa ao julgamento, o autor tem direito constitucional à tutela tempestiva,
ou seja, em tempo razoável e racional, sendo, assim, eficiente.
Passemos à análise de cada uma das motivações ao julgamento conforme o estado do processo.
a) Questão unicamente de direito, ou de direito e de fato, quando não houver
necessidade de produzir prova em audiência – destaquemos que questões de
fato, para serem apreciadas e excluírem este fundamento para julgar antecipadamente a lide, terão que ser pertinentes (que tenham correlação com o
mérito), relevantes (além de ser pertinentes, poderão influir no julgamento
do mérito), controvertidas e tem que haver a necessidade de produção de
prova. Caso contrário, a questão será meramente de direito e poderá ensejar
o julgamento conforme o estado do processo. Se o fato for pertinente, relevante, controvertido, mas se o processo já estiver devidamente instruído,
sem a necessidade de realização de novas provas, impõe-se o julgamento
antecipado.
b) Revelia – a revelia não ensejará o imediato julgamento antecipado do mérito
necessariamente. Há de se distinguir a revelia de seus efeitos, visto que a veracidade dos fatos em razão da revelia é meramente relativa. Destaque-se que
existe distinção entre a não-contestação, que exige a inércia do réu e ausência
de outras afirmações que possam demonstrar a vontade de contestar o fato
alegado; a confissão, que libera a parte contrária de provar o fato alegado; e
o reconhecimento jurídico da procedência do pleito autoral, que conduz à conclusão de existência do direito. As duas primeiras dizem respeito ao fato, e o
FGV DIREITO RIO 134
ação: teoria e procedimentos
último, ao direito, tanto que nas primeiras hipóteses o pedido poderá ser julgado improcedente, caso o juiz entenda que os efeitos jurídicos pretendidos
não decorrem dos fatos.
Não sendo o caso de prolação de sentença com ou sem resolução do mérito, nem
de julgamento antecipado da lide, o magistrado deverá iniciar outra fase processual,
que é a probatória. Todavia, em sendo o objeto da demanda suscetível de transação,
deverá ser designada a audiência fundamentada no artigo 331 do CPC.
A audiência preliminar buscará promover a conciliação entre as partes. Nada
impede que mesmo que seja caso de julgamento antecipado da lide, o juiz designe
a realização de uma audiência prévia a fim de conciliar as partes.
Não sendo o caso da realização da audiência preliminar, prossegue a fase probatória iniciada após a prolação do “despacho saneador”, determinando a realização
de audiência de instrução e julgamento.
Posteriormente, o magistrado poderá proferir sentença quando o objeto da demanda for exclusivamente de direito, ou ainda que também de fato, não haja necessidade de produção de prova em audiência; igualmente prolatará sentença quando
for hipótese de revelia.
Não sendo qualquer das hipóteses acima, o juiz designará a audiência preliminar,
quando a matéria em questão for transacionável. Destaque-se que o termo correto para se referir a essa audiência é “preliminar” e não mais “de conciliação”. Isto
ocorreu em 2002, após a alteração por meio da Lei no. 10.444. É mais adequada a
nova terminologia, haja vista que na audiência prévia tem tríplice escopo: conciliação, saneamento do processo e delimitação da instrução. Na audiência preliminar,
o magistrado informará as provas que serão admitidas e não admitidas, designará
perito, determinará a inspeção judicial etc.
A audiência preliminar irá possibilitar a transação de direitos disponíveis e eventualmente alguns indisponíveis. A redação anterior à alteração de 2002 disciplinava
que audiência de conciliação seria designada nas hipóteses que envolvessem direitos
disponíveis. Mais uma vez acertou o legislador, visto que na audiência preliminar
pode haver a transação de direitos indisponíveis, como na ação de alimentos e demandas coletivas, verbi gratia.
Assim, direitos indisponíveis e direitos intransigíveis são situações distintas e não
estão correlacionadas, necessariamente. Igualmente, não se pode confundir transação com conciliação, pois são institutos distintos.
Nas audiências preliminares há a possibilidade de a parte fazer-se representar por
preposto, que funcionará como representante, ou por procurador, com poderes para
transigir. É o que autoriza a nova redação conferida ao artigo 331 do CPC.
Para ser preposto basta o indivíduo ser capaz, e mesmo o menor de dezoito anos
e maior de dezesseis, ainda que não seja emancipado, poderá ser preposto. Questionamos se para ser preposto de uma empresa o indivíduo precisa necessariamente ser
empregado. Segundo a doutrina, o vínculo empregatício não se faz necessário.
O preposto deverá estar de posse de uma procuração, que recebe o nome de “carta
de preposto”, com poderes especiais para conciliação, já que a transação pode integrar
FGV DIREITO RIO 135
ação: teoria e procedimentos
a conciliação, mas não estará restrita a transigir. Os poderes devem estar expressos no
mandato sob pena de ineficácia do acordo, mesmo que tenha sido homologado.
Ultrapassadas as fases acima, será prolatada a decisão saneadora. Se o magistrado, verificando o caso concreto, entende que não deverá ser realizada a audiência
preliminar, em razão do direito objeto da demanda, se as circunstâncias evidenciarem a impossibilidade de transação etc, o julgador poderá suprimir a realização
dessa audiência, conforme autoriza o artigo 331, § 3o, do CPC.
A partir de então o magistrado, verificando as condições de seguimento regular e
válido do processo, proferirá uma decisão escrita e fundamentada, ainda que de forma concisa, oportunidade em que irá se manifestar acerca das questões prejudiciais,
delimitar a atividade probante etc.
A ausência de decisão saneadora ensejará a nulidade absoluta, que poderá ser
decretada ex officio. Essa é uma decisão interlocutória, argüível por meio de agravo.
As matérias que não forem atacadas na decisão restarão preclusas. Todavia, se a decisão deixar de se manifestar sobre determinado ponto da controvérsia, ainda que
a parte não questione e assim permaneça, o juízo terá até o desfecho da demanda
para apreciar, inclusive determinando de oficio a realização de prova não ordenada
por ocasião do saneamento.
Eventuais questões relacionadas à admissibilidade do processo poderão ser conhecidas a qualquer tempo e grau de jurisdição, inclusive de oficio, mesmo que
não tenham sido tratadas na decisão saneadora. Não há preclusão para o exame de
questões que ficaram pendentes, porém, se já tiverem sido decididas, a preclusão
se operará (lembrem-se: se for viável a interposição de recurso, há possibilidade de
preclusão), salvo para questões supervenientes.
Na decisão em tela o juiz poderá deferir provas e depois dispensá-las se entender
que há elementos suficientes nos autos para a apreciação da questão. Portanto, a decisão não vincula o magistrado às provas admitidas na decisão. Outrossim, o julgador poderá inclusive abster-se de conhecer qualquer das provas da decisão saneadora
e modificar sua decisão anterior, inclusive julgando antecipadamente a lide.
Há, contudo, entendimento no sentido contrário, afirmando que a prova pericial deferida deverá ser realizada, não podendo o magistrado julgar antecipadamente, haja vista que o deferimento conduzirá obrigatoriamente à audiência de
instrução e julgamento, com os debates orais e esclarecimento do laudo. Além do
quê, a nomeação do perito é imposição legal, e não mera faculdade do julgador, o
que impede que o juiz volte em sua decisão e não aprecie a prova ao argumento de
desnecessidade.
MATERIAL DE APOIO
Jurisprudência
REsp 493187 / DF ; RECURSO ESPECIAL 2002/0157040-1. Relator (a)
Ministro CASTRO FILHO (1119). Órgão Julgador: T3 – TERCEIRA TURFGV DIREITO RIO 136
ação: teoria e procedimentos
MA. Data do julgamento: 03/04/2007. data da Publicação/Fonte: DJ 07.05.2007
p.313. Ementa: PROCESSO CIVIL. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. AÇÃO
QUANTI MINORIS. DETERMINAÇÃO DE OFÍCIO QUE OBRIGA A EMPREITEIRA A REALIZAR OBRAS PARA ADEQUAR O IMÓVEL AOS FINS
DESTINADOS. DECISÃO EXTRA PETITA.
Tendo a petição inicial veiculado pedido específico visando o abatimento do preço dos imóveis adquiridos na planta, em vista de diferença detectada entre o que foi
contratado e o que foi efetivamente entregue, não poderia o magistrado, de ofício,
em audiência prévia de conciliação, determinar que a ré apurasse os vícios e realizasse
os reparos necessários. Ainda que se faculte ao juiz, em circunstâncias especiais, proceder a ajustes na extensão da providência judicial requerida, a iniciativa não pode
alterar a essência da pretensão perseguida, como se verifica no caso em análise, em
que se acabou por conceder prestação jurisdicional diversa do que foi exposto e requerido na inicial, iniciativa que não se justifica, nem mesmo a pretexto de tratar-se
de tutela de direitos do consumidor. Recurso especial não conhecido.
AgRg no Ag 693982 / SC ; AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE
INSTRUMENTO 2005/0116092-8. Relator (a): Ministro JORGE SCARTEZZINI (1113). Órgão julgador: T4 - QUARTA TURMA. Data do Julgamento:
17/10/2006. Data da Publicação/Fonte: DJ 20/11/2006 p. 316. Ementa: PROCESSO CIVIL - AGRAVO REGIMENTAL - RESPONSABILIDADE CIVIL
- DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL - FALTA DE COTEJO ANALÍTICO
– AUDIÊNCIA PRELIMINAR - NÃO REALIZAÇÃO - AUSÊNCIA DE NULIDADE – JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE - CERCEAMENTO DE
DEFESA - INOCORRÊNCIA.
1 - Quanto à divergência jurisprudencial, a recorrente limitou-se no recurso especial a transcrever ementas, deixando de proceder ao cotejo analítico com a finalidade de demonstrar as circunstâncias que assemelham os casos confrontados. 2
- Não importa nulidade do processo a não realização da audiência de conciliação,
uma vez que a norma contida no artigo 331 do CPC visa a dar maior agilidade ao
processo e as partes podem transigir a qualquer momento. Precedentes. 3 - No que
se refere à apontada ofensa aos artigos 234 e 330, I, do CPC, relativa ao julgamento
antecipado da lide, o magistrado tem o poder-dever de julgar antecipadamente a
lide, desprezando a realização audiência para produção de provas, ao constatar que
o acervo documental é suficiente para nortear e instruir seu entendimento. É do seu
livre convencimento o deferimento de pedido para a produção de quaisquer provas
que entender pertinentes ao julgamento da lide. 4 - Agravo regimental desprovido.
EDcl nos EDcl no AgRg no REsp 827116 / DF ; EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL
NO RECURSO ESPECIAL 2006/0046558-3. Relator (a): Minsitro GILSON DIPP
(1111). Órgão Julgador: T5 – QUINTA TURMA. Data do Julgamento: 07/12/2006.
Data da Publicação/Fonte: DJ 05.02.2007 p. 358. Ementa: PROCESSUAL CIVIL.
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AUSÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS. OFENFGV DIREITO RIO 137
ação: teoria e procedimentos
SA AO ARTIGO 535 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. OMISSÃO MANIFESTA. AUSÊNCIA. CONCLUSÃO LÓGICO-SISTEMÁTICA DO DECISUM.
ART. 264, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. RAZÕES DA APELAÇÃO. INOVAÇÃO DA CAUSA DE PEDIR. IMPOSSIBILIDADE. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS.
I - Os embargos de declaração devem atender aos seus requisitos, quais sejam,
suprir omissão, contradição ou obscuridade, não havendo qualquer um desses pressupostos, rejeitam-se os mesmos e, sobretudo, quando a oposição dos mesmos cinge-se a repisar todos os fundamentos anteriormente já debatidos. II - Para admitir-se
o recurso especial com esteio no artigo 535 do Código de Processo Civil a omissão
tem de ser manifesta, ou seja, imprescindível para o enfrentamento da quaestio nas
Cortes superiores. No caso dos autos, não é o que se verifica. III - Ademais, compete ao magistrado fundamentar todas as suas decisões, de modo a robustecê-las,
bem como afastar qualquer dúvida quanto a motivação tomada, tudo em respeito
ao disposto no artigo 93, IX, da Carta Magna de 1988. Cumpre destacar que deve
ser considerada a conclusão lógico-sistemática adotada pelo decisum, como ocorre
in casu. IV - Segundo dispõe o art. 264, parágrafo único do Código de Processo
Civil, é defeso à parte alterar a causa de pedir ou o pedido após a fase de saneamento do processo. Assim, inviável a apresentação de nova causa de pedir em sede de
apelação. V - O julgador não está obrigado a responder a todos os questionamentos
formulados pelas partes, competindo-lhe, apenas, indicar a fundamentação adequada ao deslinde da controvérsia, observadas as peculiaridades do caso concreto,
como ocorreu in casu, não havendo qualquer omissão ou obscuridade no julgado
embargado, já que houve a efetiva análise das matérias anteriormente expostas. VI Tendo em vista o caráter manifestamente protelatório dos embargos, cuja pretensão
encontra-se em contraste com a jurisprudência uníssona deste Tribunal, impõe-se
aplicar a multa prevista no art. 538, parágrafo único do Código de Processo Civil,
arbitrada em 1% (um por cento) sobre o valor corrigido da causa. VII - Embargos
de declaração rejeitados.
EMENTA:  APELAÇÃO CÍVEL. ENERGIA ELÉTRICA. DESVIO. RECUPERAÇÃO. PEDIDO DECLARATÓRIO DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO.
JUÍZO DE PROCEDÊNCIA NO 1º GRAU QUE MERECE MANTIDO. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ DA RÉ. 1.Tendo a ré, em sentença anterior que julgou conforme o estado do processo, argüido cerceamento de defesa e logrado êxito perante o
Tribunal, alegando a necessidade de prova pericial e testemunhal, não pode depois,
quando do retorno ao 1º Grau para realizá-las, alegar serem suficientes as já constantes dos autos antes do primeiro julgamento para desfazer a presunção a favor da autora, decorrente da relação de consumo, com responsabilidade objetiva. 2. Ademais,
conseguiu o que queria no Tribunal e depois, inclusive após formulação de quesitos,
desistiu da prova pericial, e levou à audiência testemunha que nada sabia acerca dos
fatos, até porque se encontrava em licença-maternidade. Conduta processual que caracteriza má-fé por proceder de modo temerário, respondendo, conseqüentemente,
por multa e indenização (CPC, arts. 17, V, e 18), pois envolveu o juízo singular e o
próprio tribunal por longo período (mais de cinco anos), para absolutamente nada.
FGV DIREITO RIO 138
ação: teoria e procedimentos
3. Apelação desprovida, com multa e indenização por litigância de má-fé. (Apelação
Cível Nº 70014143945, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator:
Irineu Mariani, Julgado em 06/06/2007).
Leitura obrigatória (escolher uma das fontes):
BUENO, Cássio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil, vol.
2, São Paulo, Saraiva, 2007, p. 215-230.
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil, vol. 1, 17 ª edição, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2008, p. 340-353.
DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil, vol. 1, 9ª edição, Salvador,
Podium, 2008, p. 499-519.
MARINONI, Luiz Guilherme, ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil, vol. 2, 6. ed. (em edições anteriores Manual do Processo de Conhecimento),
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 235-245.
Leitura complementar
MOREIRA, José Carlos Barbosa Moreira. Vicissitudes da audiência preliminar,
Temas de Direito Processual, nona série, São Paulo, Saraiva, 2007, p. 129/140
(podendo o mesmo texto ser encontrado na Revista Forense 374/143)
WAMBIER, Luiz Rodrigues Wambier. A audiência preliminar como fator de
otimização do processo. O saneamento ‘compartilhado’ e a probabilidade de
redução da atividade recursal das partes, Revista de Processo, 118, nov./dez.
2004, p. 137-142.
QUESTÕES DE CONCURSO:
Magistratura estadual RS – 2000.
O saneamento do processo constitui
(A) decisão interlocutória que desafia o recurso de agravo.
(B) acolhimento das preliminares de defesa pro­cessual deduzidas pelo réu.
(C)deferimento da prova requerida pelas partes.
(D)fixação dos pontos controvertidos da lide.
(E) despacho ordinatório.
MP/RJ (VIII concurso - preliminar)
Reconhecendo o Juiz, expressamente, ao declarar saneado o processo, a presença
das condições da ação, em decisão contra a qual não houve recurso, poderá ele,
na sentença, reapreciar a matéria se a decisão (irrecorrida) que declarou saneado o
processo não contiver pronunciamento explícito de seu prolator sobre as condições
da ação? RESPOSTA OBJETIVAMENTE JUSTIFICADA.
FGV DIREITO RIO 139
ação: teoria e procedimentos
AULA 16. PROVAS; TEORIA GERAL E ESPÉCIES; INVERSÃO DO ÔNUS DA
PROVA; PRINCÍPIO DA CARGA DINÂMICA DA PROVA; PODER INSTRUTÓRIO
DO JUIZ; A PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS.
CASO:
Pedro, empresário, propõe Ação de reparação de danos em face de Joaquim, proprietário do escritório de contabilidade que prestava serviços ao autor. Pedro anexa
à petição inicial cópias de livros contábeis da empresa. Joaquim oferece contestação,
o processo tramita regularmente, as audiências preliminar e de instrução de julgamento são realizadas e os autos são conclusos para a prolação da sentença. Quando
da elaboração do relatório da sentença, o magistrado observa que há indícios de
adulteração das cópias dos livros contábeis que integram o processo. Imediatamente determina a realização de perícia técnica dos livros da empresa do autor Pedro.
Pergunta-se:
a) O juiz tem poderes para determinar a realização de perícia não requerida
pelas partes? Fundamente.
b) Quais são os prazos para a exibição de provas por cada uma das partes do
processo? Justifique.
c) Reflita sobre a regra geral prevista no CPC e as duas teorias que seguem, e
pondere sobre possíveis conflitos que possam decorrer deles: a) a teoria da
carga dinâmica determina que a prova seja realizada por aquele que melhor
tem condições de produzi-la; b) a inversão do ônus da prova libera o hipossuficiente de provar suas alegações cabendo à parte contrária provar a negativa
dos argumentos contra si apresentados; c) o ônus probandi incumbe a quem
alega os fatos (artigo 333 do CPC).
d) Na hipótese de deferimento do pedido de inversão do ônus da prova, você
entende que deve ser integral ou poderá ser relativo, e, nestes termos, o juiz
pode determinar ao beneficiado que alguns elementos probantes podem ser
comportados pelo mesmo?
NOTA AO ALUNO:
1. A TEORIA GERAL E ESPÉCIES DE PROVAS:
Passada a fase de saneamento do processo, não tendo havido condições de julgamento conforme o estado do processo, inicia-se a fase de instrução probatória dos
autos. São inadmissíveis no processo as provas obtidas por meio ilícito.
Sobre essa inadmissibilidade, relembremos que são invioláveis os sigilos de
correspondência, de comunicações telegráfica e telefônica, bem como de registros
FGV DIREITO RIO 140
ação: teoria e procedimentos
contidos em memórias de microcomputadores, nos moldes protegidos pelo artigo 5º da Constituição, salvo com autorização judicial para fins de investigação e
instrução processual penal. A jurisprudência é assente ao autorizar que em direito
de família, mormente quando o objeto da ação trata de direito de menores, há de
ensejar a mais ampla produção de provas.
O nosso ordenamento admite as chamadas provas emprestadas, ou seja, são aquelas oriundas de translado de provas obtidas em outro processo, desde que respeite
a alguns critérios. São eles: a prova tem que ter sido contraditada, indiscutivelmente. O outro requisito é que as partes do processo que recebe a prova emprestada
guardem correlação com as partes que contraditaram no processo que empresta
as provas. Por fim, o terceiro requisito das provas emprestadas guarda divergência
doutrinária. Este diz respeito à obrigatoriedade de prova produzida em processo
judiciário para ser emprestada e, se produzida em processo administrativo, não será
permitida.
O papel da prova no processo é levar ao juiz o conhecimento da realidade fática para que o julgamento seja o mais firme, preciso e o mais próximo possível da
realidade dos fatos. Isto porque ex facto oritur jus, ou seja, todo direito concebido
e garantido pela lei será decorrência inexorável de determinados fatos que formam
aquele direito.
Destaquemos que nem sempre a prova será necessária; quando os fatos narrados
não forem impugnados pela outra parte, ou, como no caso da revelia, for a hipótese de
confissão, ou na hipótese de fatos notórios, que são aqueles de conhecimento geral.
Quanto a sua posição sistemática, a prova corresponde a um direito processual
e não material. Essa se destina a preparar o processo para o julgamento e representa um direito constitucionalmente garantido, como uma das vertentes do devido
processo legal.
A prova não se destina a provar fatos, mas as afirmações desses; destina-se a
comprovar as alegações que podem ou não corresponder verdadeiramente ao que se
passou e deu início à formação do processo.
A doutrina classifica os fatos em principais e secundários. Os primeiros devem
constar da petição inicial e da contestação e destinam-se a comprovar quem está
com a razão; já os fatos secundários não precisam ser alegados para serem conhecidos, tendo em vista que podem advir no momento da instrução probatória com a
finalidade de demonstrar que o fato principal é verdadeiro.
A despeito do ônus da prova, ou onus probandi, estabelece a regra do artigo 333
do CPC ao autor, quando pretende provar fato constitutivo do seu direito e ao réu
quando versarem suas alegações sobre a existência de fato impeditivo, modificativo
ou extintivo do direito do autor.
E quanto à possibilidade de o juiz determinar ex officio a realização de prova, não
violaria a sua imparcialidade? A jurisprudência é consolidada no sentido de que não
há comprometimento do dever do julgador de se manter eqüidistante, isto porque,
se as provas colacionadas aos autos não restarem suficientes para a verificação das
alegações das partes, o magistrado deverá determinar meios que lhe permitam o
melhor conhecimento dos fatos para decidir sobre a contenda.
FGV DIREITO RIO 141
ação: teoria e procedimentos
As provas também podem ser classificadas:
a) quanto ao objeto (ou fato) – de forma direta, em que a parte forma a prova para demonstrar o fato que alega, ou indireta, a fim de demonstrar fato
outro, porém conexo ao fato que se pretende demonstrar – por exemplo, na
ocorrência de um determinado dano não houve fotografias, porém, a perícia
vai ao local e em seu laudo o perito narra detalhes do dano que possibilitam
ao juiz ponderar com as alegações das partes. A foto seria a forma direta, o
laudo pericial, a indireta de comprovar os fatos demonstrados no processo. A
forma indireta também é conhecida como forma indiciária;
b) quanto aos sujeitos (ou às fontes) – pessoais, depoimentos das partes, provas
testemunhais, e as reais, são os laudos periciais, documentos etc. Sobre essa
temática, pergunta-se: a pessoa que se submete a uma perícia médica está
sendo fonte de prova real ou pessoal? Segundo a doutrina, a resposta é “real”,
visto que a pessoa está sendo objeto da prova e não formadora da prova;
c) quanto ao objeto (quanto à natureza) – testemunhais ou orais, documentais e
materiais, por exemplo, os laudos periciais;
d) quanto à preparação – constituídas, que são produzidas no curso do processo,
pré-constituídas, que antecedem ao processo. Existem ainda as provas obtidas
e as provas produzidas; estas dizem respeito ao juízo de admissibilidade e as
primeiras não. Provas obtidas são aquelas decorrentes de demandas cautelares para a produção antecipada de provas, por exemplo.
Vimos que as provas se prestam a evidenciar as alegações dos fatos. E quanto
ao direito, precisa ser provado? Há dois entendimentos na doutrina. O primeiro
assegura que terá que ser provado a teor do artigo 337 do CPC, a saber: “Art. 337.
A parte, que alegar direito municipal, estadual, estrangeiro ou consuetudinário, provarlhe-á o teor e a vigência, se assim o determinar o juiz”.
De forma diversa entende a segunda corrente, pois afirma que essas informações
dizem respeito a fatos de qualquer maneira, ou seja, se a parte avoca o mesmo artigo
337, terá que provar que se enquadra no teor daquele direito.
Para finalizar o estudo da teoria geral das provas, passemos à análise do sistema
de valoração de provas. Em tempos longínquos, o sistema adotado era o das ordálias,
ou juízo de Deus, cuja veracidade das alegações era provada em razão da “proteção
de Deus” em determinadas condutas às quais era submetido quem alegava o fato.
Posteriormente, veio o sistema de provas tarifadas, ou sistema de provas legais, no
qual cada prova teria um valor determinado, sendo a de maior peso a confissão e,
portanto, buscada por qualquer meio.
Seguiu-se do sistema da íntima convicção, até os dias de hoje presente nos julgamentos pelos jurados do tribunal do Júri, que dispensa a fundamentação, e, para
finalizar, o sistema atual, que é o sistema do livre convencimento motivado ou sistema
da persuasão racional, que exige a fundamentação das decisões, bem como que o
julgador tenha que estar atrelado ao conteúdo dos autos, sem poder utilizar o seu
conhecimento pessoal.
FGV DIREITO RIO 142
ação: teoria e procedimentos
São espécies de provas no processo civil brasileiro o depoimento pessoal, a confissão, a exibição de documento ou coisa, a prova documental, a prova testemunhal,
a prova pericial e a inspeção judicial.
2. A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA E O PRINCÍPIO DA CARGA DINÂMICA DA PROVA
Como vimos, o ônus da prova resta disciplinado pelo artigo 333 do CPC, mas
esta regra poderá ser relativa a despeito do que prevê o Código de Defesa do Consumidor, que inseriu no nosso ordenamento a possibilidade de inversão do ônus da
prova.
Disciplina o código consumerista (art. 6º, VIII) que em havendo a figura do
hipossuficiente e outras circunstâncias, haverá a inversão do onus probandi a fim de
buscar um estabelecimento de igualdade entre as partes, possibilitando a defesa dos
seus direitos em juízo.
Aqui reside a teoria da carga dinâmica da prova, que confere tratamento diferenciado para processos com necessidades especiais, possibilitando, ao contrário da
regra geral do CPC, a atribuição do ônus da prova a quem melhor tem condições
de provar e não à parte que a requisitou. A expressão “dinâmica” decorre justamente
dessa quebra da regra consolidada no artigo 333, que é “estática”.
Esta “flexibilização” decorre do fato de que muitas vezes quem alegava o fato
jamais conseguia provar o seu prejuízo, daí ser passada a carga probandi a quem tem
melhores condições de fazer, seja em razão de ser menos onerosa ou ainda em razão
da facilidade em fazê-lo.
Essa possibilidade de inversão do ônus não libera o requerente automaticamente de instruir o processo. Em verdade, deverá colaborar para o alcance da verdade
levando aos autos todos os elementos a facilitar o conhecimento dos fatos para a
formação do convencimento do julgador.
3. O PODER INSTRUTÓRIO DO JUIZ.
O poder probatório do juiz está esculpido no artigo 130 do CPC que anuncia:
“Art. 130. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas
necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias”.
Isto decorre do fato de que o juiz não pode ser mero expectador dos argumentos
demonstrados e provados pelos instrumentos eleitos pelas partes. Ao contrário, o
julgador exercerá um papel ativo em defesa da prestação jurisdicional adequada e
sempre na busca pela verdade.
FGV DIREITO RIO 143
ação: teoria e procedimentos
4. A PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS
A produção antecipada de provas está regulamentada nos artigos 846 e 851 do
CPC. É uma medida que buscará viabilizar a instrução probatória do processo principal, visto que não retrata a prova em si, mas sim uma via prévia de assegurar que,
no momento da apresentação da prova no processo principal, a prova esteja hábil a
ser apresentada sem que tenha sofrido os efeitos da deterioração em razão da demora. Por isto os elementos fumus boni iuris e periculum in mora, que nós já estudamos,
deverão estar presentes.
A produção antecipada de provas é um procedimento cautelar e poderá ser utilizada por qualquer das partes e, inclusive, por terceiros com interesse no objeto
da demanda principal. A produção antecipada da prova pode consistir em interrogatório da parte, inquirição de testemunhas, que deverão ser realizados antes do
ajuizamento da ação principal, ou, se já proposta, antes da realização da audiência
de instrução e julgamento, e no exame pericial.
O requerente deverá demonstrar a razão do pedido de antecipação, já que esta
será deferida por motivo de necessária ausência que impossibilite o depoente em
fazê-lo no momento oportuno no processo principal, ou em razão de este se encontrar em estado enfermo grave, ou por ter idade avançada e, no caso de prova pericial,
que ao tempo da apresentação, a prova tenha perecido.
Proposta a demanda cautelar, o requerido será citado para responder no prazo
de cinco dias contados da juntada aos autos do mandado de citação devidamente
cumprido. Será lícito ao juiz conceder liminarmente ou após justificação prévia a
medida cautelar sem a oitiva do réu.
Se a medida cautelar se prestar à realização de prova pericial, o juiz deverá nomear desde logo o perito e ordenar a citação do requerido para acompanhar a diligência, bem como para que este tenha a oportunidade de indicar assistente técnico,
se assim o quiser. Por esta razão, será nulo o processo se a citação ocorrer após a
realização da perícia. Se o requerido não impugnar a perícia realizada, preclui o seu
direito e não poderá fazê-lo no processo principal.
Como uma medida cautelar específica, a produção antecipada de provas seguirá
a regra geral das cautelares, devendo ser proposta a ação principal no prazo decadencial de trinta dias contados da efetivação da medida cautelar.
MATERIAL DE APOIO
Jurisprudência
REsp 651632 / BA ; RECURSO ESPECIAL 2004/0046602-9. Relator (a) Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO (1108). Órgão Julgador: T3
– TERCEIRA TURMA. Data do Julgamento: 27/03/2007. Data da Publicação/
Fonte: DJ 25.06.2007 p. 232. Ementa: Sistema Financeiro da Habitação. Reajustamento das prestações. Inversão do ônus da prova. Custeio da perícia. Precedentes
FGV DIREITO RIO 144
ação: teoria e procedimentos
da Corte. 1. A necessidade da prova pericial afirmada pelo acórdão tem fundamento na medida em que se torna necessário aferir se está sendo cumprida a equivalência salarial, diante da afirmação da contestação de que vem sendo respeitada. 2. Na
linha da jurisprudência da Corte, a inversão do ônus da prova, deferida nos termos
do art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, não significa transferir para
a parte ré o ônus do pagamento dos honorários do perito, embora deva arcar com
as conseqüências de sua não-produção. 3. Recurso especial conhecido e provido,
em parte.
REsp 629312 / DF ; RECURSO ESPECIAL 2004/0020033-8 Relator(a) Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA (1127) Órgão Julgador T4 - QUARTA TURMA Data do Julgamento27/03/2007 Data da Publicação/Fonte DJ 23.04.2007 p.
271 Ementa RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. INICIATIVA PROBATÓRIA DO JUIZ. DETERMINAÇÃO EX OFFICIO. POSSIBILIDADE. ART.
130 DO CPC. RECURSO NÃO CONHECIDO.
1. No caso dos autos, determinou o Tribunal a quo o retorno dos autos à primeira instância, cassando, por conseguinte, a sentença de improcedência prolatada, na
medida em que, tendo admitido expressamente o magistrado singular que as provas
colacionadas aos autos não seriam suficientes para verificação da alegada violação
de cláusulas contratuais, deveria ter determinado, ex officio, sua realização. 2. “A
experiência mostra que a imparcialidade não resulta comprometida quando, com serenidade e consciência da necessidade de instruir-se para melhor julgar, o juiz supre
com iniciativas próprias as deficiências probatórias das partes. Os males de possíveis
e excepcionais comportamentos passionais de algum juiz não devem impressionar o
sentido de fechar a todos os juízes, de modo absoluto, as portas de um sadio ativismo” (in: Instituições de Direito Processual Civil, vol. III, 2ª ed. São Paulo: Malheiros,
2002, páginas 52-54, grifos no original). 3. Recurso especial não conhecido.
REsp 803995 / RS ; RECURSO ESPECIAL 2005/0203406-7. Relator(a):
Ministro JOSÉ DELGADO (1105). Órgão Julgador: T1 - PRIMEIRA TURMA.
Data do julgamento: 22/08/2006. Data da Publicação/Fonte: DJ 18.09.2006 p.
284. Ementa: PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. ERRO MÉDICO. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ARTIGO 535, II, DO CPC. AUSÊNCIA DE
PREQUESTIONAMENTO DOS ARTIGOS 458, II 131 333, II, E 335 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E. 6º, VIII, DO CÓDIGO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR. DISSÍDIO NÃO-DEMONSTRADO. ACÓRDÃO FUNDADO NAS PROVAS DOS AUTOS. SÚMULA 7/STJ. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E NÃO-PROVIDO.
1. Cuidam os autos de ação indenizatória por danos morais e materiais proposta
por MARISIA SPECK MARTINS contra Roberto Côrrea Chen decorrentes de erro
médico, consubstanciado no esquecimento de fragmento significativo de uma luva
cirúrgica na coxa da peticionária. Em juízo singular a ação foi julgada improcedente
por não ter sido comprovado que no procedimento cirúrgico realizado pelo recorFGV DIREITO RIO 145
ação: teoria e procedimentos
rido tenha sido deixado corpo estranho na coxa da demandante, podendo ter ocorrido nos procedimentos anteriormente realizados em Torres ou mesmo nos outros
realizados em Porto Alegre. Ocorrendo o falecimento da autora, o então Espólio de
Marisia Speck Martins interpôs apelação e o recorrido, recurso adesivo requerendo
a majoração dos honorários para o percentual de 20% sobre o valor da causa. As
apelações receberam julgamentos assim ementados: “RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MÉDICO. NEXO CAUSAL. NÃO CONFIGURADO. Conjunção
fática e probatória que não confortam as alegações postas na inicial de que houve
negligência do demandado, pois teria deixado fragmentos da luva cirúrgica, o que
dera origem aos problemas que culminaram em novo procedimento cirúrgico, por
outro profissional. Ao contrário, as evidências apontam para a circunstância de que a
cirurgia foi feita pela demandado justamente para remover granuloma que, segundo
exame anatomopatológico teria origem em corpo estranho (resto de luvas). Este,
pelo visto, permaneceu na coxa da paciente por não ter sido aquele removido integralmente, o que também não pode ser atribuída ao profissional, não integrando,
por outro lado, causa de pedir.
APELO E RECURSO ADESIVO IMPROVIDOS” .(fl. 825) “EMBARGOS
DE DECLARAÇÃO OMISSÃO NÃO CONFIGURADA. PREQUESTIONAMENTO. Os embargos de declaratórios só podem ensejar a complementação da
decisão embargada nas hipóteses previstas em Lei (art. 535 do CPC), não se prestando para a sua revisão, sob pretexto da existência omissão, no caso, não configurada,
eis que refutadas pelos próprios termos do aresto. O Colegiado, por outro lado,
não necessita rebater todos os fundamentos das partes, bastando que coloque os
seus, restando afastados, de maneira implícita, todos aqueles que com estes forem
antagônicos. EMBARGOS DESACOLHIDOS.” (fl. 847): Irresignado o Espólio
de Marisia Speck Martins interpôs recurso especial pelas letras ‘a” e “c” sustentando,
em suma: a) afronta aos arts. 458, II e 535, II, do CPC, em sede de embargos de
declaração, por se persistir na negativa de sanar os vícios apontados; b) negativa de
vigência aos arts. 131 e 335 do CPC e ao art. 6º, VIII, do CDC, pois, consoante
teoria da carga dinâmica da prova, o ônus da prova caberia àquele que tem melhores
condições de produzi-la, e, in casu, tal encargo deveria recair sobre o recorrido; c) o
art. 333, II, do CPC restou contrariado pelo motivo de o julgamento ter sido norteado por premissa equivocada, “hipóteses improvadas de que os fatos poderiam ter
sido diversos daqueles narrados pela recorrente”, ao invés de ter sido embasada no
fato de o médico não ter conseguido demonstrar a ausência de culpa (erro médico);
e d) caracterização de divergência jurisprudencial quanto à questão de que incumbe
ao prestador de serviços, in casu, o médico responsável pelo procedimento, o ônus
da prova de demonstrar a ausência de erro médico. Contra-razões requerendo o nãoprovimento do recurso, por inexistir o nexo causal entre o fato e os danos advindos à
autora, bem como ausência de culpa do recorrente, fato este corroborado, inclusive,
pelo laudo do perito judicial. Aduz, ainda, o caráter protelatório do recurso manejado pela Sucessão de Marisia Speck Martins, entendendo caber a condenação pela
litigância de má-fé. Juízo positivo de admissibilidade. 2. Não se conhece de recurso
especial quando, não obstante a oposição de embargos de declaração, os dispositivos
FGV DIREITO RIO 146
ação: teoria e procedimentos
de lei ditos como contrariados não foram objeto de debate pelo acórdão objurgado.
No caso, os artigos 458, II 131 333, II, e 335 do Código de Processo Civil e 6º, VIII,
do Código de Defesa do Consumidor ressentem-se da falta de prequestionamento.
3. Não restou configurada a aludida afronta ao artigo 535, II, do CPC, uma vez que
o decisório, ainda que não tenha examinado o caso à luz dos preceitos elencados pela
parte, não deixou de apresentar os fundamentos que entendeu aplicáveis à hipótese
dos autos. 4. Se o acórdão profligado encontra-se debruçado no conjunto fático
probatório, inviável se apresenta o acesso à via especial. Incide o óbice sumular n.º
7/STJ. 5. Recurso especial parcialmente conhecido para, afastando a alegada afronta
ao artigo 535, II, do CPC, negar-lhe provimento.
TJRS
EMENTA: COBRANÇA. EXPANSÃO DE REDE. FALTA DE PROVA. A verossimilhança que pode conduzir à inversão do ônus da prova (CDC, art. 6º, inc.
VIII), com o efeito de constituir a única prova do fato constitutivo do direito invocado, não pode repousar única e exclusivamente na pura e simples alegação da parte. Se
o consumidor alega que efetuou dispêndio em obra de expansão de rede de energia
elétrica, como suporte para o seu pedido de cobrança, deve produzir um mínimo
indício documental nesse sentido, sob pena de desatender o encargo probatório que
lhe cabe, sujeitando-se à improcedência do pedido. Recurso provido. Unânime. (Recurso Cível Nº 71001288224, Primeira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais,
Relator: João Pedro Cavalli Junior, Julgado em 12/07/2007).
EMENTA: AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. INSTALAÇÃO DE REDE ELÉTRICA EM PROPRIEDADE RURAL. PRELIMINAR DE INTERESSE DE ANEEL
AFASTADA. CASO CONCRETO. MATÉRIA DE FATO. AUSÊNCIA DE DOCUMENTO ESSENCIAL À PROPOSITURA DA LIDE. INEXISTÊNCIA DE
MÍNIMA COMPROVAÇÃO DA OCORRÊNCIA DE PACTUAÇÃO ENTRE
AS PARTES. IMPOSSIBILIDADE DE SUPRESSÃO PELA INVERSÃO DO
ÔNUS DA PROVA NO CASO VERTENTE. IMPROCEDÊNCIA DA PRETENSÃO INDENIZATÓRIA. Apelo provido. (Apelação Cível Nº 70020203006,
Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Vicente Barrôco
de Vasconcellos, Julgado em 11/07/2007).
TJRJ
2007.002.16719 - AGRAVO DE INSTRUMENTO. DES. JOSE GERALDO
ANTONIO - Julgamento: 11/07/2007 - SETIMA CAMARA CIVEL RELAÇÃO
DE CONSUMO - INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA - INDEFERIMENTO
- FATO IMPEDITIVO, MODIFICATIVO OU EXTINTIVO DO DIREITO
DO AUTOR - ÔNUS DA RÉ QUESTÕES FÁTICAS A DESAFIAR DIVERSOS
MEIOS DE PROVA - CONVERSÃO EM RETIDO. Se a parte Ré nega o direito
dos autores, alegando fato impeditivo (falta de ajuste prévio entre as partes) a ela cabe
FGV DIREITO RIO 147
ação: teoria e procedimentos
prová-lo, independente da inversão do ônus previsto na lei consumerista. Estabelecida a controvérsia sobre fatos que desafiam vários meios de prova, o indeferimento da
inversão do ônus da prova deve ser apreciado a posteriori, ensejando a conversão do
agravo de instrumento em retido, na forma do artigo 527, II, do CPC.
2007.002.16719 - AGRAVO DE INSTRUMENTO. DES. JOSE GERALDO
ANTONIO - Julgamento: 11/07/2007 - SETIMA CAMARA CIVEL RELAÇÃO
DE CONSUMO - INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA - INDEFERIMENTO
- FATO IMPEDITIVO, MODIFICATIVO OU EXTINTIVO DO DIREITO
DO AUTOR - ÔNUS DA RÉ QUESTÕES FÁTICAS A DESAFIAR DIVERSOS
MEIOS DE PROVA - CONVERSÃO EM RETIDO. Se a parte Ré nega o direito
dos autores, alegando fato impeditivo (falta de ajuste prévio entre as partes) a ela cabe
prová-lo, independente da inversão do ônus previsto na lei consumerista. Estabelecida a controvérsia sobre fatos que desafiam vários meios de prova, o indeferimento da
inversão do ônus da prova deve ser apreciado a posteriori, ensejando a conversão do
agravo de instrumento em retido, na forma do artigo 527, II, do CPC.
2007.001.30068 - APELACAO CIVEL. DES. CARLOS SANTOS DE OLIVEIRA - Julgamento: 10/07/2007 - QUINTA CAMARA CIVEL AÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MATERIAIS E MORAIS. FRATURA NO
DENTE DO AUTOR EM DECORRÊNCIA DE CORPO ESTRANHO CONTIDO NO INTERIOR DO ALIMENTO PRODUZIDO PELA RÉ. PRELIMINARES REJEITADAS. RELAÇÃO DE CONSUMO. RESPONSABILIDADE
OBJETIVA FUNDADA NO RISCO DO EMPREENDIMENTO. INVERSÃO
DO ÔNUS PROBATÓRIO. SENTENÇA QUE JULGA PROCEDENTE O
PEDIDO. Acordo realizado entre as partes, que possibilitou a troca do produto,
demonstrando ser a primeira ré a fabricante do mesmo. Preliminar já analisada em
decisão de saneamento irrecorrida. Ilegitimidade passiva da segunda ré, comerciante,
em face do disposto no artigo 13, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor. A
responsabilidade do comerciante é subsidiária e não solidária. Relação de consumo.
Responsabilidade objetiva fundada no risco do empreendimento. Hipossuficiência
da parte autora a justificar a inversão do ônus probatório. Se a parte ré não prova
a impossibilidade, em virtude do rigoroso processo de fabricação do alimento, da
presença de um corpo estranho no mesmo, verossímel se apresenta a afirmação autoral nesse sentido. É suficiente para a caracterização do dever reparatório a prova
acerca da ocorrência do fato, do dano e do nexo de causalidade. Prova pericial que
conclui pela existência de nexo de causalidade entre a conduta e o acidente descrito
na inicial. Comprovado o dano material, não pode a parte ré se eximir do dever de
repará-lo. Dano moral configurado. Arbitramento mediante observância dos princípios da razoabilidade, proporcionalidade e vedação ao enriquecimento sem causa,
considerando, inclusive, a extensão do dano. Desprovimento do recurso.
FGV DIREITO RIO 148
ação: teoria e procedimentos
Leitura obrigatória
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil, volume
III. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 43-57 (Capítulo LX).
MOREIRA, José Carlos Barbosa. A Constituição e as provas ilicitamente obtidas,
Temas de Direito Processual: sexta série, São Paulo, Saraiva, 1997, p. 107-124.
Leitura complementar
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil, vol. 1, 17 ª edição, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2008, p. 373-389.
BUENO, Cássio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil, vol.
2, São Paulo, Saraiva, 2007, p. 231-253.
DIDIER JR., Fredie, BRAGA, Paula Sarno, OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito
Processual Civil, vol. 2, 2ª edição, Salvador, Podium, 2008, p. 23-100.
MARINONI, Luiz Guilherme, ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil, vol. 2, 6. ed. (em edições anteriores Manual do Processo de Conhecimento),
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 246-308 e p. 380-398.
QUESTÕES DE CONCURSO:
Magistratura estadual RS – 2000.
Assinale a assertiva correta.
(A) O princípio dispositivo impede o Juiz de de­terminar diligências probatórias.
(B) Se Pedro apresenta, num processo movido contra Paulo, um documento por
este assi­nado e Paulo contesta a assinatura, o ônus da prova cumpre a Pedro.
(C)O sistema de avaliação da prova no proces­so civil brasileiro é o da convicção
íntima.
(D)A prescrição da dívida, uma vez evidente, é óbice à concessão do arresto.
(E) O prazo do art. 806 do Código de Processo Civil é de prescrição.
MP/SP 85º concurso:
A produção antecipada de provas prevista no Código de Processo Civil:
(A) Precisa necessariamente conter a indicação da lide e de seus fundamentos.
(B) Pode consistir tão somente em interrogatório da parte e inquirição de testemunhas.
(C)Não se aplica ao direito das relações de consumo em decorrência das especificidades processuais existentes na Lei nº 8.078/90.
(D)Tem como finalidade permitir a efetiva produção de provas somente nas
ações de conhecimento.
(E) Tem como finalidade permitir a efetiva produção de provas em ação de conhecimento ou de execução.
FGV DIREITO RIO 149
ação: teoria e procedimentos
AULA 17. PROVAS EM ESPÉCIE; DEPOIMENTO PESSOAL; CONFISSÃO;
EXIBIÇÃO DE DOCUMENTO OU COISA; PROVA DOCUMENTAL; PROVA
TESTEMUNHAL; PROVA PERICIAL; INSPEÇÃO JUDICIAL.
CASO
Caio e Z Automóveis Ltda celebram contrato de compra e venda de automóvel
X. Caio, como adquirente do bem, observa que o sistema de som e o rádio, que
deveriam integrar o bem comprado, foram totalmente retirados, gerando, inclusive,
danos à coisa. Caio exige de Tício o rádio e as caixas de som, além do documento
de compra e venda do veículo que ainda não havia sido entregue. A revendedora
de automóveis se nega a entregá-lo, a reinstalar o sistema de som e reparar os danos
oriundos da retirada do rádio. Caio contrata um advogado para ingressar com uma
demanda judicial a fim de obter a reparação do dano à coisa, o documento de compra e venda do veículo e a reinstalação do sistema de som e do rádio.
Pergunta-se:
a) Como advogado, você elegeria qual medida emergencial e para qual dos pedidos?
b) Quais são os tipos de provas que poderão ser realizados para a instrução dos
autos do processo diante dos fatos narrados?
c) Caso o juiz não se convença das provas dos autos e queira vistoriar pessoalmente os danos à coisa, poderá fazê-lo? Justifique.
d) A parte poderá se negar a depor sobre as alegações articuladas com base nas
chamadas regras do privilégio. Por outro lado, a regra do artigo 345 assegura
prejuízos à parte que se recusar a depor sobre determinado fato. Pondere
essas duas regras e reflita sobre a razoabilidade de negativa do depoente em
responder às perguntas em audiência de instrução e julgamento.
Legislação
“Art. 345. Quando a parte, sem motivo justificado, deixar de responder ao que lhe for
perguntado, ou empregar evasivas, o juiz, apreciando as demais circunstâncias e elementos de prova, declarará, na sentença, se houve recusa de depor”.
FGV DIREITO RIO 150
ação: teoria e procedimentos
NOTA AO ALUNO:
1. PROVAS EM ESPÉCIE
1.1. Depoimento pessoal
O depoimento pessoal consiste na oitiva das partes sobre os fatos narrados no processo. É a via que poderá levar o julgador o mais próximo possível da verdade dos fatos,
porém, em razão do envolvimento emocional e o interesse pelo êxito da causa podem
levar à distorção da realidade dos fatos, consagrando esta prova como menos confiável.
Existe distinção entre o depoimento pessoal e o interrogatório livre. Este busca esclarecimentos de que o magistrado pode se valer para se inteirar dos fatos, podendo
ser determinada de ofício e em qualquer fase processual. De modo diverso, o depoimento é fonte de prova, com o intuito de alcançar a confissão da parte ouvida. Por
isto, este deve respeitar o momento em que será produzido, que será na audiência
de instrução e julgamento e, além do juiz, o advogado da parte contrária também
poderá expor seus questionamentos.
A parte depoente deverá comparecer em juízo pessoalmente para depor na audiência de instrução e julgamento. O mandado de intimação deverá conter expressamente que a ausência da pessoa intimada acarretará a chamada confissão ficta.
Iniciado o depoimento, a parte será qualificada e argüida pelo magistrado e a este
deverá responder diretamente, sendo admissíveis pequenas consultas a apontamentos sobre fatos de difícil memorização. Se o advogado da parte contrária quiser formular questionamento, poderá fazê-lo a seguir. O juiz preside a audiência e, desta
forma, as perguntas deverão ser dirigidas ao depoente por meio dele, que ditará ao
escrivão as declarações do depoente para que sejam reduzidas a termo.
1.2. Confissão
A confissão ocorrerá quando a parte admite a verdade de um fato, e se contrário
ao seu interesse e em favor do seu ex adverso, pode a confissão ser judicial ou extrajudicial, espontânea ou provocada. A confissão é um ato exclusivo da parte, exceto
na hipótese de confissão espontânea, que poderá ser realizada por mandatário com
poderes especiais. A confissão emanada de dolo ou fraude será revogada.
A confissão retrata que determinado fato ocorreu na forma alegada, mas o julgador deve estar atento se esta confissão não conflita com as outras provas constantes
dos autos.
Três elementos são defendidos pela doutrina como inerentes à confissão. O primeiro deles é o objetivo, que diz respeito aos fatos desfavoráveis ao depoente, aqui
chamado de confitente, e favoráveis à parte contrária; o segundo é o elemento subjetivo, em que a confissão somente poderá ser feita pela parte; por fim, o elemento
intencional ou volitivo, segundo o qual não poderá haver vício na manifestação, que
há de ser uma declaração da verdade voluntariamente realizada, ou seja, dotada de
animus confitendi.
FGV DIREITO RIO 151
ação: teoria e procedimentos
A confissão distingue-se do reconhecimento do pedido e da renúncia ao direito.
Esses dois últimos estão ligados à disposição do direito material, seja por abdicação,
seja em razão de deixar de resistir à pretensão da parte contrária, e em ambas há o
fim de extinguir com o litígio.
Na confissão, de modo diverso há apenas o reconhecimento de algum ou alguns
dos fatos narrados. Não haverá a garantia da procedência do pedido, eis que não
necessariamente a confissão deve atribuir indiscutível razão à parte contrária ao
confitente.
A confissão distingue-se ainda em efetiva e em ficta, e esta segunda decorre de
uma presunção relativa decorrente da ausência da parte em audiência ou daquela
que se recusa a depor.
A confissão divide-se ainda em judicial ou extrajudicial e em espontânea e provocada. A confissão extrajudicial, para que opere os seus efeitos, deverá ser realizada
por escrito e em documento endereçado à parte contrária para que tenha os mesmos
efeitos da confissão judicial. Se endereçada a terceiros, deverá ser confrontada com
as demais provas e livremente apreciada pelo juiz.
Quanto à provocação da confissão, esta ocorrerá em depoimento pessoal, em que
o confitente declarará fatos contrários aos seus interesses e favoráveis à parte contrária. A confissão espontânea poderá ocorrer em qualquer momento do processo e,
como dito anteriormente, poderá ser realizada pela própria parte ou por mandatário
como poderes especiais para tal ato.
1.3. Exibição de documento ou coisa
A exibição de documento e de coisa são figuras anômalas, visto que não consagram a prova, mas sim viabilizam a produção dessa, visto ser um mero mecanismo
de obtenção de elementos de prova. A exibição poderá, inclusive, ser determinada de
ofício pelo julgador.
A natureza do instituto dependerá de a quem se destina a exibição, se à parte ou
a terceiro. Se for contra a parte, será incidente do processo. Se dirigida a terceiro,
será ação incidental.
O pedido deverá conter a individualização da coisa ou do documento a ser exibido, a finalidade da prova buscada e o fundamento que leve o requerente a afirmar
que a coisa existe e se acha em poder do ex adverso.
Após, o requerido terá o prazo de cinco dias para apresentar o documento ou a
coisa, e justificar caso haja negativa em fazê-lo, cuja ocorrência deverá ser baseada
nos argumentos elencados no artigo 363 do CPC, tais como em razão de violação
de honra ou que a negativa em exibir decorra de razão que deva ser guardada por
força de segredo de profissão, por não estar de posse da coisa solicitada ou em decorrência de ser descabida ou desnecessária a exibição.
Não se admitirá recusa se o requerido tiver obrigação legal de exibir, se o requerido
aludiu ao documento ou à coisa, no processo, com o intuito de constituir prova ou se o
documento, por seu conteúdo, for comum às partes (art. 358 do CPC).
FGV DIREITO RIO 152
ação: teoria e procedimentos
Quando o documento ou a coisa se encontrar em posse de terceiro, será instaurada uma ação incidente, mediante a elaboração de uma petição inicial que atenda
a todos os requisitos previstos nos artigos 282 e 283 do CPC e o terceiro será citado
a responder em dez dias. Havendo a negativa, será designada uma audiência para a
tomada de depoimento do terceiro e das partes, oportunidade em que outros meios
de prova poderão ser apresentados, seguindo-se de uma sentença de procedência ou
de improcedência do pedido de exibição.
No caso de procedência, o terceiro terá o prazo de cinco dias para depositar a coisa
em cartório e, em caso de descumprimento, será expedido mandado de apreensão,
sem prejuízo do crime de desobediência e eventual multa pelo descumprimento.
1.4. Prova documental
A prova documental será realizada, em princípio, durante fase postulatória, visto
que tanto a petição inicial quanto a contestação deverão estar instruídas com documentos comprobatórios nas alegações.
Todas as vezes que a parte juntar documentos aos autos, a parte contrária será
intimada a se manifestar no prazo de cinco dias. Se houver impugnação à juntada,
o magistrado poderá determinar o desentranhamento, caso acolha a impugnação.
Trata-se de uma decisão, portanto, sendo atacável por meio de agravo.
Existe uma distinção doutrinária entre prova documental e prova documentada.
Documentado será todo documento escrito que compõe o processo, visto que todo
ato será escrito e documentado em razão do princípio que rege o nosso direito, que
é o princípio da escritura.
A prova documental, por outro lado, é somente representação imediata do fato
a ser reconstituído para formar o livre convencimento do juiz acerca das alegações
apresentadas pelas partes.
Numa visão contemporânea de instrução processual, houve uma nova classificação das provas documentais. São elas os documentos de telemática (ex: telegrama e
fac-símile) e os documentos informáticos (ex: memórias de computador). São documentos cuja autoria poderá ser relativa, pois não se pode assegurar com certeza que
a pessoa que enviou foi a real autora do documento.
O Código Civil buscou então regulamentar a hipótese, disciplinando que para
que tenha valor probante, o documento não poderá ter sido impugnado pela parte
contrária. Sobre a temática, já disciplinava o CPC que: “Art. 374. O telegrama, o
radiograma ou qualquer outro meio de transmissão tem a mesma força probatória do
documento particular, se o original constante da estação expedidora foi assinado pelo
remetente”.
Outra importante fonte de prova documental são as fotografias. O problema
emerge quando o tema é, contudo, a fotografia digital. O CPC admite a foto como
meio probante, desde que acompanhada de negativo (art. 385, § 1o). Quando o
tema são fotografias digitais, este mecanismo não será mais possível, visto que essas
não têm negativos, mas somente cartão de memória.
FGV DIREITO RIO 153
ação: teoria e procedimentos
1.5. Prova testemunhal
A prova testemunhal, a seu turno, apesar de sofrer críticas e restrições devido à
sua fragilidade (deficiência de percepção e de memória das pessoas; falso testemunho etc.), ainda é amplamente aceita em nosso ordenamento, em razão do grande
número de fatos que só por meio dessa prova podem ser levadas ao conhecimento
do juiz.
Assim, entende-se por prova testemunhal a técnica de obtenção de informes sobre fatos relevantes para o julgamento mediante perguntas a serem respondidas por
pessoas estranhas ao processo, as testemunhas.
Ao contrário da perícia, é uma prova pessoal e ativa a sua fonte, porque dela participa uma pessoa com seus sentidos e sua vontade, ouvindo e respondendo.
Destina-se à demonstração de fatos cotidianos, dos quais a testemunha tenha
conhecimento por observação própria ou através de terceiro, sendo irrelevante seu
preparo em áreas técnicas ou científicas.
A menor confiabilidade do legislador por esse meio de prova vem demonstrada
no art. 401 do CPC, que exclui a eficácia da prova “exclusivamente testemunhal”
quanto à existência de contratos de valor acima do equivalente a dez salários mínimos. Nos contratos de valor alto, só se permite tal meio de prova em associação a
um “começo de prova escrita”, entendida esta como qualquer documento emanado
pelo adversário, ainda que por ele não assinado, tais como recibos, cartas, bilhetes,
anotações, gráficos etc, que contenham declarações que tornem verossímil a existência do contrato. (art. 402, inc. I).
Admite-se, ainda, sua utilização nos contratos de grande monta, quando a parte
“não pode ou não podia, moral ou materialmente, obter a prova escrita da obrigação”
(art. 402, inc. II). Tal é o que ocorre nos contratos em família, entre amigos, à distância ou negociados com auxílio da Internet, operações em bolsa etc.
Não obstante as ressalvas legais, a admissibilidade desse meio de prova constitui
regra geral, dispondo o art. 400 do Código de Processo que a “prova testemunhal é
sempre admissível, não dispondo a lei de modo diverso”. Todavia, o juiz deverá indeferir a prova testemunhal quando os fatos já estiverem provados por documentos
ou confissão da parte; ou que só por documentos ou exame pericial puderem ser.
(art. 400, incisos, CPC).
A condição de testemunha impõe deveres – como os de comparecimento, depoimento e veracidade, podendo inclusive incorrer em tipo penal se faltar intencionalmente com a verdade (Cf. arts. 342, CP e 415, caput e par., CPC) – como
também gera direito às partes, como ao reembolso das despesas e eventuais prejuízos
suportados em virtude do comparecimento, que ficarão a cargo da parte vencida ao
final (arts. 20, § 2º; 419, caput e par., CPC).
A testemunha só tem o dever concreto de comparecer e depor se intimada, e ao
menos vinte e quatro horas antes da audiência (arts. 192 e 412, CPC). A intimação
pode ser dispensada se assim pedir a parte que a arrolou, assumindo, contudo, o
risco de não ouvi-la, caso a testemunha não compareça espontaneamente (art. 412,
§ 1°). Também as residentes em outro foro não têm o dever de comparecer na sede
FGV DIREITO RIO 154
ação: teoria e procedimentos
do juízo do processo em curso: elas serão intimadas e inquiridas pelo juiz do foro
onde residem, em atenção à carta precatória ou rogatória (art. 410, III).
Possuem ainda a faculdade de requerer ao juiz a dispensa em depor quando se
tratar de fatos que lhe acarretem danos graves, bem como ao seu cônjuge, parentes
ou afins, ou a cujo respeito deva guardar sigilo (arts. 406 e 414, § 2°).
Embora a lei não determine o número mínimo de testemunhas, tal como ocorria
no passado, em que o depoimento de uma única testemunha nada provava (testis
unus, testis nullus), fixa a quantidade máxima de testemunhas que a parte pode inquirir. Assim, para informar sobre cada um dos fatos relevantes para o julgamento,
ou seja, os pontos controvertidos fixados na audiência preliminar (art. 331, § 2°),
cada parte apenas tem direito a três testemunhas, observando o limite máximo de
dez testemunhas no total (art. 407, par.).
Diferentemente do sistema norte-americano (do cross examination), cuja formulação de perguntas é feita diretamente pelos advogados, em nosso direito – de caráter presidencialista – os depoimentos testemunhais são tomados diretamente pelo
juiz segundo as exigências dos princípios da imediação e oralidade, cabendo a ele,
com exclusividade, a tarefa de dirigir perguntas às testemunhas, ouvir respostas e
ditá-las ao auxiliar que documenta o ato, bem como lhe assiste o poder de indeferir
perguntas despropositadas ou repetitivas feitas pelos advogados das partes (estes,
todavia, têm o direito a consignar as perguntas indeferidas, o que poderá ensejar
futura alegação de cerceamento de defesa – art. 416, § 2º).
De grande relevo prático é a pertinente possibilidade da testemunha ser contraditada, isto é, de sua inquirição ser impugnada nos caso de incapacidade, suspeição
ou impedimento, pelo advogado da parte contrária (art. 414, § 1º).
A contradita, em regra, deve ser apresentada antes do início do depoimento para
permitir ao juiz, em acolhendo as razões pela parte, que deixe de colher a prova.
Não obstante, pode acontecer que as causas de impedimento ou suspeição não venham a ser conhecidas durante a inquirição ou logo após sua realização, hipótese
em que, devidamente fundamentada pela parte, deve o juiz admitir a impugnação.
Oferecida a contradita, deve o juiz ouvir a testemunha, que poderá reconhecer
os fatos alegados ou negá-los. No caso de reconhecimento, o juiz poderá excluir
seu depoimento, ou, ainda, entendendo que o depoimento é necessário, acolherá a
inquirição da testemunha com as ressalvas estabelecidas em lei, vale dizer, os depoimentos serão prestados independentemente de compromisso, e o juiz lhes atribuirá
o valor que convir (art. 405, § 4°).
Mas se os fatos alegados forem negados pela testemunha, deverá ser procedida
instrução sumária a fim de verificar a procedência ou não da contradita. Para tal
fim, admitir-se-á a juntada de documentos e até mesmo a inquirição de testemunhas sobre as circunstâncias suscitadas.
FGV DIREITO RIO 155
ação: teoria e procedimentos
1.6. Prova pericial
De modo geral, a demonstração dos fatos alegados faz-se por documentos ou
depoimentos (para uma leitura mais abrangente recomenda-se Aspectos Relevantes
da Prova no Processo Civil, por Humberto Theodoro Jr, RJTAMG 51/15). Há ocasiões, entretanto, em que a apuração dos fatos envolve matéria técnica e científica que
foge ao conhecimento do homem médio. Nessas hipóteses, a prova documental e a
oral se revelam insuficientes para o necessário esclarecimento das alegações formuladas pelas partes, sendo adequada a realização de prova pericial.
Assim, denomina-se perícia o exame feito em pessoas ou coisas, por profissional
portador de conhecimentos técnicos e com a finalidade de obter informações capazes de
esclarecer dúvidas quanto a fatos, utilizada, por exemplo, em ação de investigação de
paternidade que, mediante exame de DNA, intente-se descobrir a identidade do
pai, na ação de usucapião, em que seja necessário delimitar com precisão a extensão
da área usucapienda, ou em ação de acidente de trabalho, para a apuração do grau
de incapacidade do obreiro e do déficit funcional.
O critério para a admissibilidade desse meio de prova é traçado pela conjugação das seguintes disposições do Código de Processo Civil: do art. 145, segundo o
qual quando a prova depender de conhecimento técnico ou científico, o juiz será
assistido por perito; do art. 335, que autoriza o magistrado a se valer de sua experiência comum, bem como da eventual experiência técnica razoavelmente acessível,
ressalvados os casos em que se exige perícia; do art. 420, parágrafo único, que dispõe sobre o indeferimento da prova, quando a perícia se mostrar impraticável ou
desnecessária ao esclarecimento de questões técnicas e especializadas; e, ainda, do
art. 427, que permite sua dispensa, caso as partes apresentem, na petição inicial e
na contestação, pareceres técnicos ou documentos que o julgador considere elucidativos.
Desse modo, o juiz deverá evitar a produção da prova pericial sempre que puder
apurar a veracidade das afirmações de forma mais célere, ou menos onerosa, desde
que não prejudique o contraditório e a ampla defesa das partes em litígio.
As espécies de perícia variam conforme o objeto sobre o qual atua e segundo o
ramo do saber técnico ou científico pretendido, dispondo o Código sobre quatro
meios: exame, vistoria, avaliação e arbitramento (art. 420).
Há que se falar, também, na perícia informal (art. 421, § 2º), introduzida no
diploma processual, a partir do modelo instituído pela Lei dos Juizados Especiais.
Consiste no exame informal da fonte probatória por testemunhas técnicas e inquirição destas em audiência, sem elaboração do laudo, e é admitida quando “a natureza
do fato o permitir”, em outras palavras, quando forem menos complexas as questões
técnicas a dirimir.
1.7. Inspeção judicial
Muitas vezes, só a observação pessoal poderá conferir ao julgador condições de
formar sua convicção de maneira sólida sobre determinado ponto duvidoso nas
FGV DIREITO RIO 156
ação: teoria e procedimentos
alegações apresentadas pelas partes. Por isto o juiz poderá de oficio ou a requerimento da parte e em qualquer fase do processo inspecionar pessoas ou coisas a fim
de melhor esclarecer-se sobre as alegações das partes, é o que autoriza o artigo 440
do CPC. Esta inspeção poderá ser direta e com o auxílio de perito.
É salvaguardado às partes participarem da inspeção e se manifestarem à vista de
aclarar os fatos. Todo procedimento deverá contar de um auto circunstanciado em
que contará tudo o que for útil à resolução da causa.
Quando da inspeção de pessoas, surge a questão quanto à imposição ou não a
que terceiro seja submetido à inspeção judicial. A doutrina entende que não há imposição legal, por força do disposto no artigo 5º, II, da Constituição da República,
que somente poderá ser realizada com o seu consentimento.
MATERIAL DE APOIO
Jurisprudência
REsp 862448 / AL ; RECURSO ESPECIAL 2006/0126089-0. Relator(a): Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO (1108). Órgão Julgador: T3
– TERCEIRA TURMA. Data do Julgamento: 15/05/2007. Data da Publicação/
Fonte: DJ 25.06.2007 p. 236. Ementa: Ação de exibição de documentos. Art. 356,
I, do Código de Processo Civil. 1. Na ação de exibição de documentos é necessário
que a parte autora faça a individuação do documento, não sendo suficiente referência genérica que torne inviável a apresentação pela parte ré. Ainda que não seja
completa a individuação, deve ser bastante para a identificação dos documentos a
serem apresentados. 2. Recurso especial conhecido e provido.
TJRJ
2006.001.60616 - APELACAO CIVEL. DES. MARIA HENRIQUETA LOBO
- Julgamento: 11/04/2007 - SETIMA CAMARA CIVEL
Ação indenizatória de danos morais cumulada com obrigação de fazer.Aponte do
nome da autora nos cadastros restritivos de crédito.Compra e venda de imóvel em
construção.Quitação do preço mediante instrumento de confissão de dívida em que
a autora figurou como fiadora, com o restante do pagamento financiado pela Caixa
Econômica Federal.Seguro por morte e invalidez permanente.Óbito do afiançado-segurado.Continuidade da cobrança em face da autora, que, em não pagando, teve seu
nome negativado. O recibo do pagamento do prêmio, embora comprove a contratação do seguro, nos termos do artigo 758 do Código Civil, não demonstra, inequivocamente, que o seguro foi acionado após o sinistro e a indenização, efetivamente, paga
à ré, com a conseqüente quitação da dívida cobrada da autora.Também não indica,
com a clareza que o caso requer, e na ausência da apólice do seguro, qual dívida é a
segurada - se a poupança que deveria ser paga em prestações à ré, objeto da confissão
de dívida afiançada pela autora, ou as parcelas do financiamento junto à Caixa, ou
FGV DIREITO RIO 157
ação: teoria e procedimentos
ambas.Ônus da prova da autora (artigo 333, inciso I, do Código de Processo Civil), a
quem cabe comprovar os fatos constitutivos de seu direito.Pairando dúvida quanto à
ilegitimidade da negativação, que, havendo inadimplemento, e à míngua da prova de
quitação da dívida cobrada, constitui exercício regular de direito, não há dano moral
a indenizar.Provimento do recurso para cassar o dano moral, invertendo os ônus de
sucumbência, com observância do artigo 12 da Lei nº 1.060/50.
2007.002.15357 - AGRAVO DE INSTRUMENTO. DES. MONICA COSTA
DI PIERO - Julgamento: 03/07/2007 - NONA CAMARA CIVEL
AGRAVO DE INSTRUMENTO. CAUTELAR DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. LIMINAR. INDEFERIMENTO. GRATUIDADE DE JUSTIÇA
TAMBÉM INDEFERIDA. CONDIÇÃO DE HIPOSSUFICIENTE DA AGRAVANTE. SITUAÇÃO ECONÔMICA COMPATÍVEL COM O BENEFÍCIO.
AUSÊNCIA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES PARA A CONCESSÃO
DA LIMINAR. Objetiva a reforma da decisão que indeferiu o benefício da gratuidade de justiça, bem como indeferiu a liminar. A agravante comprovou sua condição
de hipossuficiente, uma vez que é aposentada pelo INSS e recebe mensalmente um
salário mínimo. Ademais, a agravante é pessoa idosa para os fins da Lei 3.350/99,
pois tem mais de 65 anos e receba até 10 (dez) salários mínimos mensais. Ausência
dos requisitos autorizadores para a concessão da liminar que objetivava a exibição de
extratos bancários para fim de instrução de ação referente aos chamados expurgos inflacionários. Inexistência de perigo de ocorrência de prescrição, uma vez que, como
amplamente divulgado através da mídia, tal prazo (para o ajuizamento da referida
ação) decorreu no mês de maio do corrente ano e não necessitava da comprovação
do conteúdo dos extratos para o seu ajuizamento. Recurso parcialmente provido.
2007.002.15357 - AGRAVO DE INSTRUMENTO. DES. MONICA COSTA
DI PIERO - Julgamento: 03/07/2007 - NONA CAMARA CIVEL AGRAVO DE
INSTRUMENTO. CAUTELAR DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. LIMINAR. INDEFERIMENTO. GRATUIDADE DE JUSTIÇA TAMBÉM INDEFERIDA. CONDIÇÃO DE HIPOSSUFICIENTE DA AGRAVANTE. SITUAÇÃO
ECONÔMICA COMPATÍVEL COM O BENEFÍCIO. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES PARA A CONCESSÃO DA LIMINAR. Objetiva a reforma da decisão que indeferiu o benefício da gratuidade de justiça, bem
como indeferiu a liminar. A agravante comprovou sua condição de hipossuficiente,
uma vez que é aposentada pelo INSS e recebe mensalmente um salário mínimo.
Ademais, a agravante é pessoa idosa para os fins da Lei 3.350/99, pois tem mais
de 65 anos e receba até 10 (dez) salários mínimos mensais. Ausência dos requisitos
autorizadores para a concessão da liminar que objetivava a exibição de extratos bancários para fim de instrução de ação referente aos chamados expurgos inflacionários.
Inexistência de perigo de ocorrência de prescrição, uma vez que, como amplamente
divulgado através da mídia, tal prazo (para o ajuizamento da referida ação) decorreu
no mês de maio do corrente ano e não necessitava da comprovação do conteúdo dos
extratos para o seu ajuizamento. Recurso parcialmente provido.
FGV DIREITO RIO 158
ação: teoria e procedimentos
2007.001.31744 - APELACAO CIVEL. DES. MAURICIO CALDAS LOPES Julgamento: 20/06/2007 - SEGUNDA CAMARA CIVEL. Cautelar de exibição de
coisa. Serviço de radiodifusão. Fitas magnéticas. Apagamento. Sentença de extinção
do processo sem resolução do mérito, a pretexto da perda de objeto da medida. A
recusa de exibição da coisa pretendida exibir, ainda que sob a alegação de sua inexistência, demanda sentença a propósito da respectiva legitimidade. Extinção do processo afastada. Mérito. Cuidando-se de informação noticiosa, não emitida em meio
a debates ou entrevistas, a obrigação de acautelamento da respectiva gravação é, nos
termos do artigo 58, da Lei de Imprensa, de 60 dias, contados da transmissão. Fita
magnética apagada antes de decorrido tal lapso de tempo. Ilegitimidade da recusa
configurada. Provimento do recurso para, julgando proceder o pleito, reputar provados os fatos que, por meio da coisa ou documentos, a parte pretendia provar.
2007.002.16006 - AGRAVO DE INSTRUMENTO. DES. REINALDO P. ALBERTO FILHO - Julgamento: 28/06/2007 - QUARTA CAMARA CIVEL. E M
E N T A: Agravo de Instrumento. R. Decisão indeferindo inspeção judicial do local
onde o veículo em lide teria sido supostamente adquirido. Tendo-se em conta que,
de acordo com entendimento doutrinário e jurisprudencial (RESP. n.º 332682/RS),
o artigo 130 da Lei de Ritos exara verdadeira faculdade do Magistrado, nada obsta,
portanto, o indeferimento da diligência requisitada. Ademais, cabe ao Magistrado a
presidência do feito, determinando a realização de diligências pertinentes e esclarecedoras à refrega. Inspeção judicial inútil e/ou protelatória, na medida em que não
guarda relação com o ponto controvertido da demanda, qual seja, a existência de
relação jurídica empregatícia entre o Preposto e a Primeira Agravada. Testemunha
sequer soube precisar o local a ser diligenciado. Recurso manifestamente improcedente. Aplicação do art. 557 do C.P.C. c.c. art. 31, inciso VIII do Regimento Interno deste E. Tribunal. Negado Seguimento.
TJRS
EMENTA:  APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. INSTRUMENTO PARTICULAR DE CONFISSÃO DE DÍVIDA. ASSINATURA DE DUAS TESTEMUNHAS. O instrumento de confissão de dívida
que instruiu a ação de execução não foi firmado por duas testemunhas, não se prestando para embasar o feito executivo, em face da inobservância de requisito legal
previsto no art. 585, II do Código de Processo Civil. A assinatura dos avalistas não
supre a exigência legal, considerando que estes não apresentam o desinteresse próprio
da condição de testemunha. Embargos acolhidos. Execução extinta. APELAÇÃO
PROVIDA. (Apelação Cível Nº 70016610958, Décima Câmara Cível, Tribunal de
Justiça do RS, Relator: Paulo Roberto Lessa Franz, Julgado em 28/06/2007).
EMENTA:  AÇÃO DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. PRELIMINARES
DE PRESCRIÇÃO, DE INÉPCIA DA INICIAL E DE FALTA DE INTERESSE
DE AGIR REJEITADAS. O contratante tem o direito de exigir a exibição de cópia
FGV DIREITO RIO 159
ação: teoria e procedimentos
do contrato que está em poder da demandada, por se tratar de documento comum
às partes, indispensável à propositura da ação de cobrança a ser intentada. Não apresentado o documento especificado, a sua recusa é ilegítima. VERBA HONORÁRIA. Não verificada a inadequação alegada, resta mantida a fixação dos honorários.
Sentença confirmada. REJEITARAM AS PRELIMINARES E NEGARAM PROVIMENTO AOS APELOS. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70019965177, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Otávio Augusto de
Freitas Barcellos, Julgado em 11/07/2007).
Leitura obrigatória
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil, vol. 1, 17 ª edição, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2008, p. 389-407.
Leitura complementar
BUENO, Cássio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil, vol.
2, São Paulo, Saraiva, 2007, p. 253-316.
DIDIER JR., Fredie, BRAGA, Paula Sarno, OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito
Processual Civil, vol. 2, 2ª edição, Salvador, Podium, 2008, p. 101-240.
MARINONI, Luiz Guilherme, ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil, vol. 2, 6. ed. (em edições anteriores Manual do Processo de Conhecimento),
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 308-380.
QUESTÕES DE CONCURSO
Magistratura federal - TRF2 - 10º concurso
O perito e o assistente técnico estão sujeitos a impedimento ou suspeição? Justifique
a resposta no espaço disponível.
MP/SP 85º concurso
A perícia complexa prevista no Código de Processo Civil:
(A) Autoriza o juiz nomear mais de um perito e a parte indicar um assistente
técnico.
(B) Autoriza o juiz nomear um perito e a parte indicar mais de um assistente
técnico.
(C) Não se aplica ao Direito Processual vinculado ao direito das relações de consumo.
(D)Não se encontra em consonância com o sistema de perícia única prevista no
art. 421 do Código de Processo Civil.
(E) Foi prevista pelo legislador infraconstitucional exatamente em face de hipótese que abranja mais de uma área do conhecimento especializado como nas
hipóteses previstas no Direito Processual Ambiental.
FGV DIREITO RIO 160
ação: teoria e procedimentos
AULA 18. AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO.
CASO:
Durante a audiência de instrução e julgamento, o juiz ouve os depoimentos
das testemunhas do autor e julga procedente o pedido autoral, visto que os depoimentos foram suficientes para o seu livre convencimento. As testemunhas do
réu comparecem espontaneamente à AIJ para prestarem depoimento, mas o juiz
se negou a ouvi-las visto que o arrolamento ocorreu de forma extemporânea. O
réu, que atuava em causa própria, insatisfeito com a sentença, recorre ao argumento de cerceamento de defesa, pedindo a anulação da sentença. O Tribunal
aprecia o recurso, mas não conhece o mesmo, mantendo a decisão de primeiro
grau. Pergunta-se:
a) Com base nos princípios da razoabilidade e da economia processual, considere a hipótese acima e reflita se haveria alguma possibilidade de o juiz ouvir
as testemunhas do réu, mesmo que arroladas fora do prazo legal, assegurando
garantia da ampla defesa?
b) Considere a hipótese acima em que o réu atuava em causa própria, correlacione-o ao artigo 344, parágrafo único, do CPC e responda: o réu, enquanto
advogado em causa própria, pode ouvir os depoimentos das testemunhas?
Legislação:
“Art. 344. A parte será interrogada na forma prescrita para a inquirição de testemunhas.
Parágrafo único. É defeso, a quem ainda não depôs, assistir ao interrogatório da
outra parte”.
NOTA AO ALUNO:
A Audiência de Instrução e Julgamento, a AIJ, é uma etapa processual de suma
importância na prestação jurisdicional, pois resguarda a realização de muitas etapas
em um único momento. A AIJ é formal e complexa, pois concentra diversos atos
processuais, que se sucedem na forma prevista na lei e são realizados quase simultaneamente, inclusive sentença.
Nela podem ser realizadas uma nova tentativa de conciliação, a oitiva das partes,
testemunhas, peritos etc., as quais serão realizadas sempre que não for o caso de
extinção do processo de forma prematura, como estudado nas aulas anteriores, com
a prolação de sentença liminar, por impossibilidade de seguimento da ação, por
FGV DIREITO RIO 161
ação: teoria e procedimentos
julgamento antecipado da lide, ou em razão de realização de acordo homologado
em audiência preliminar ou mesmo fora desta.
É regida conforme preceitos que lhe são inerentes e indissociáveis. Será um ato
público, salvo exceções como o risco de exposição das partes a constrangimento, ou
quando exigir o interesse público e causas que envolvam direito de família, como a
filiação, o divórcio litigioso, guarda de menores etc.
São princípios que devem reger a AIJ:
(a) princípio da publicidade - Todos atos processuais são públicos, nos termos
do art. 155 do CPC. É o que se chama princípio da publicidade dos atos
processuais. A publicidade é um imperativo do Estado Democrático de Direito. Nada mais antidemocrático do que um processo secreto, em que não
se conhecem as razões da absolvição ou da condenação;
(b) princípio da imediação - previsto no art. 446, inciso II, do CPC; o juiz que
preside a AIJ deverá ser o mesmo que colherá a prova oral, ou seja, ouvirá
os esclarecimentos do perito e dos assistentes técnicos (art. 435 do CPC),
tomará o depoimento pessoal das partes (art. 416 do CPC) e inquirirá as
testemunhas (art. 416 do CPC);
(c) princípio da identidade física do juiz - decorre do princípio da imediação. O
juiz que inicia a AIJ e colhe a prova oral deverá ser o mesmo que julgará o processo. Por óbvio, o princípio da identidade física do juiz, previsto no art. 132
do CPC, tem lugar nos casos em que o juiz não profere a sentença na AIJ;
(d) princípio da unidade da AIJ - também chamado de princípio da concentração, previsto no art. 455 do CPC, todos os atos processuais da AIJ devem
ser realizados num só dia. Caso, por algum motivo, não seja possível realizar
tudo num só dia, a AIJ continuará noutra data designada pelo juiz.
Cabe ao juiz que preside a AIJ zelar pela ordem e disciplina dos trabalhos. Através do poder de polícia, o juiz deverá tomar todas as medidas necessárias para o bom
andamento da AIJ.
Segundo o art. 445 do CPC, complementado pelo art. 446, inciso III e parágrafo único, também do CPC, o juiz poderá e/ou deverá:
(a) manter a ordem e o decoro na audiência;
(b) ordenar que se retirem da sala da audiência os que se comportarem inconvenientemente;
(c) requisitar, quando necessário, a força policial;
(d) exortar os advogados e o Ministério Público a que discutam a causa com
educação e urbanidade;
(e) impedir que qualquer advogado intervenha ou aparteie, salvo com sua licença.
Como a AIJ é uma concentração de atos processuais, tais atos deverão obedecer a
um procedimento previsto em lei. O desrespeito à ordem de realização da AIJ acarretará a nulidade da mesma. Tal nulidade será sanável ou não, conforme os artigos
244 e 249 do CPC.
FGV DIREITO RIO 162
ação: teoria e procedimentos
A AIJ deverá ser realizada em dias úteis forenses, entre as seis horas e as vinte
horas, podendo prosseguir nas audiências já iniciadas, visto que a AIJ é una e contínua, podendo, contudo, ser suspensa nas hipóteses previstas em lei, tais como
falecimento do procurador em audiência ou qualquer das partes, ou por motivo que
impossibilite a conclusão da mesma.
As etapas de uma AIJ, a rigor, iniciam-se com a abertura nos dias e horas designados, em que serão apregoados as partes e seus procuradores. A jurisprudência firmouse no entendimento de que ausência de pregão enseja a nulidade da audiência. O
pregão é o anúncio feito, em voz alta, à porta da vara, pelo oficial de justiça ou outro
serventuário, de que a AIJ irá começar. O apregoador ainda deverá falar os nomes das
partes do processo e de seus advogados, para que se façam presentes à AIJ.
A presença das partes não é essencial para a realização da AIJ, salvo se a parte tenha sido intimada para prestar depoimento pessoal. Nesse caso, se a parte não comparecer por motivo justificado, a AIJ poderá ser adiada, conforme o art. 453, inciso
II, do CPC. Do contrário, a parte ausente sofrerá a pena de confissão, ou seja, todos
os fatos alegados contra ela serão presumidos verdadeiros, até prova em contrário
(presunção relativa), de acordo com o art. 343, parágrafo segundo, do CPC.
A ausência do advogado tem conseqüências relevantes para a AIJ. O juiz poderá
dispensar a produção das provas requeridas pela parte, cujo advogado não compareceu,
conforme dispõe o art. 453, parágrafo segundo, do CPC. Todavia, se a ausência do
advogado for justificada, a AIJ será adiada, nos termos do art. 453, inciso II, do CPC.
Presentes as partes, ou possuindo os advogados poderes para transigir, e versando
a causa sobre direitos patrimoniais, o juiz, logo após abrir a AIJ, tentará a conciliação, conforme os artigos 447 e 448 do CPC. Destaque-se que a tentativa de conciliação é de incidência obrigatória na AIJ, sob pena de nulidade da mesma.
Obtida a conciliação, esta será tomada por termo, homologada pelo juiz e o
processo será extinto, com julgamento do mérito, conforme o art. 269, inciso III,
do CPC.
O art. 331 do CPC, que previu a tentativa de conciliação na audiência preliminar, não revogou os artigos 447 e 448 do CPC, pois compete ao juiz tentar,
em qualquer momento do processo, conciliar as partes, de acordo com o art. 125,
inciso IV, do CPC.
Não conseguida a conciliação, o juiz, de acordo com o art. 451 do CPC, fixaria os
pontos controvertidos do processo sobre os quais recairiam as provas. Entretanto, tal tarefa, desde a Reforma de 1994, é feita na audiência preliminar do art. 331 do CPC, não
mais na AIJ. Como não há fixação dos pontos controvertidos, segue-se a instrução.
A próxima etapa são os debates orais iniciados pelos peritos e pelos assistentes
técnicos, que responderão aos quesitos de esclarecimento. Em seguida, as partes deporão, iniciando-se pelo autor, seguido pelo réu. Na mesma ordem serão inquiridas
as testemunhas de cada uma das partes.
Se a testemunha chegar após iniciada a audiência, deverá ser ouvida, mesmo
que inverta a ordem dos debates orais, isto porque a jurisprudência entende que a
negativa em ouvir a testemunha nessas circunstâncias importará em cerceamento
de defesa.
FGV DIREITO RIO 163
ação: teoria e procedimentos
A parte que arrolou a testemunha estará livre para desistir de ouvi-la no ato da
AIJ, sem que a parte contrária possa se opor a isto ou alegue que deixou de arrolá-la
anteriormente por já estar nos autos arrolado por seu ex adverso.
Encerrada a instrução, o juiz dará a palavra, sucessivamente, ao advogado do
autor, ao advogado do réu e ao representante do Ministério Público, se presente
estiver, para falarem em alegações finais, pelo prazo de 20 minutos, prorrogáveis por
mais 10, conforme o caput do art. 454 do CPC.
Como autoriza o parágrafo segundo do art. 454 do CPC, se o processo apresentar questões complexas de fato ou de direito, as alegações finais poderão ser substituídas, a critério do juiz, por memoriais por escrito, caso em que serão marcados dia
e hora para o protocolo das petições.
Após os debates orais, o juiz proferirá sentença na própria AIJ, ou no prazo impróprio de 10 dias, conforme o art. 456 do CPC. Se houve memoriais por escrito,
por óbvio a sentença será prolatada fora da audiência. Neste caso, o escrivão lavrará
o termo de audiência que conterá o resumo do ocorrido, inclusive das decisões e dos
despachos. O termo será rubricado e assinado pelo juiz, partes e representante do
Ministério Público. Uma cópia do termo será trasladada para os autos do processo,
de acordo com o art. 457 do CPC.
A AIJ poderá ser adiada nas seguintes hipóteses, conforme o art. 453 do CPC:
(a) por convenção das partes, caso em que só será admissível uma vez;
(b) se não puderem comparecer, por motivo justificado, o perito, as partes, as
testemunhas ou os advogados.
A ausência justificada da parte em audiência deverá ser adiada pelo juiz independentemente de demonstração de prejuízo, visto que este será presumido.
Como visto, o julgador na AIJ exerce variadas funções, como o poder de polícia
na mantença da ordem e do decoro na sala de audiência, advertindo, se necessário, conceder ou negar licença para intervenção dos advogados nos depoimentos; a
função conciliatória; função ligada à atividade instrutória por meio de colheita de
depoimento pessoal, fixação dos pontos controvertidos; a presidência dos debates
orais; funções decisórias sobre as inúmeras hipóteses que podem ocorrer em audiência; e a função de documentar o ocorrido em audiência ditando os termos ao
escrivão.
MATERIAL DE APOIO:
Jurisprudência
REsp 808455 / ES ; RECURSO ESPECIAL 2006/0005929-2. Relator (a):
Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR (1110). Órgão Julgador: T4 – QUARTA TURMA. Data do Julgamento: 15/03/2007. Data da Publicação/Fonte: DJ
14.05.2007 p. 319. Ementa: PROCESSUAL CIVIL. ROL DE TESTEMUNHAS.
FGV DIREITO RIO 164
ação: teoria e procedimentos
APRESENTAÇÃO. AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO. PRAZO. EXTEMPORÂNEO. ART. 407 DO CPC. PRETENSÃO ANULATÓRIA
AFASTADA.
I. É extemporânea a apresentação de rol de testemunhas, com determinação de
novos endereços, em prazo inferior ao descrito no art. 407 do CPC, de sorte que
improcede a pretensão da ré de ver anulado o processo por cerceamento de defesa.
Recurso especial não conhecido.
Leitura obrigatória
DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil, vol. 1, 9ª edição, Salvador,
Podium, 2008, p. 241-254.
FGV DIREITO RIO 165
ação: teoria e procedimentos
AULA 19. SENTENÇA; REQUISITOS; LIMITAÇÃO OBJETIVA E SUBJETIVA;
ESPÉCIES.
CASO
Jorge propõe ação de cobrança de lucros cessantes em face de Transportes General Ltda, em razão de seu caminhão, após um acidente com um ônibus da empresa
ré, ter ficado parado por 60 dias, deixando assim de auferir lucros. Mesmo que a
seguradora da ré tenha custeado os reparos, não pagou os lucros cessantes. A ré
denuncia à lide à Seguradora que contestou, alegando que não haveria cabimento
a denunciação, visto que a cobertura contratual não abrange os lucros cessantes. A
sentença foi de procedência parcial do pedido do autor, condenando a ré Transportes General e julga procedente a denunciação da lide. Todos recorrem segundo seus
argumentos iniciais. A parte dispositiva da sentença não expõe claramente e com a
devida especificação qual é a condenação, bem como não julga a denunciação à lide
e nem dispõe quem pagará a sucumbência da lide secundária. A sentença, portanto,
possui o relatório, a fundamentação e a parte dispositiva, trata das questões postas,
mas a parte dispositiva é insuficiente de esclarecimentos a respeito da condenação.
Diante deste fato, pondere quanto à possibilidade de o Tribunal, de ofício, determinar a desconstituição da sentença, por inexistência do ato, ante ao disposto
no artigo 458, III, do CPC e ao mesmo tempo deixar de apreciar os recursos que
restariam prejudicados.
Legislação
“Art. 458. São requisitos essenciais da sentença:
I - o relatório, que conterá os nomes das partes, a suma do pedido e da resposta
do réu, bem como o registro das principais ocorrências havidas no andamento do
processo;
II - os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito;
III - o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões, que as partes lhe submeterem”.
NOTA AO ALUNO
1. INTRODUÇÃO
Sentença, segundo definição do próprio CPC (art. 162, parágrafo 1º, com a redação dada pela Lei 11.232/2005), é “o ato do juiz que implica alguma das situações
previstas nos artigos 267 e 269”. A definição antiga (“o ato do juiz que põe termo ao
processo”) era imensamente criticada pela doutrina, que entendia que esse conceito
FGV DIREITO RIO 166
ação: teoria e procedimentos
apenas facilitava a escolha do recurso admissível contra o ato, pois qualquer que
fosse o resultado final, chamar-se-ia sentença ao pronunciamento do juiz.
Assim sendo, são consideradas sentenças tanto os provimentos judiciais que julgam o objeto do processo propriamente dito (sentenças de mérito, previstas no art.
269 do CPC), bem como aquelas que deixam de apreciar o mérito da questão sub
judice, por algum dos motivos elencados no art. 267 do CPC.
No que pertine à classificação das sentenças, de acordo com a teoria de Pontes de
Miranda (que hoje reflete a concepção dominante), denominada de teoria quinária,
as sentenças podem apresentar cinco eficácias diferentes, quais sejam: eficácia declaratória, condenatória, constitutiva, mandamental e executiva.
Terá eficácia declaratória a sentença que se limita a definir a existência ou a inexistência de uma relação jurídica, o que inclui também a declaração de falsidade
ou autenticidade de documento. Essa decisão atua apenas no plano jurídico, não
opera nenhuma mudança na realidade dos fatos, e o demandante visa apenas tornar
indiscutível a existência ou não daquela relação jurídica.
Sentença constitutiva é aquela que implica na mudança de uma relação jurídica, seja extinguindo-a, modificando-a ou criando-a. A sentença constitutiva tem
como condão constituir um estado jurídico novo. Temos, como exemplo de ações
com eficácia constitutiva, a resolução de contrato, a separação de cônjuges, entre
outras.
As sentenças com eficácia condenatória são aquelas em que o juiz impõe uma
sanção pelo descumprimento de um direito, ou que impõem ao réu a obrigação
de prestar alguma coisa devida ao autor, sendo exemplo as ações indenizatórias em
geral.
A eficácia mandamental será encontrada naquelas sentenças em que é determinada uma ordem. Através da sentença com eficácia preponderantemente mandamental, o juiz determinará que o sujeito passivo faça alguma coisa. A eficácia
mandamental nada mais é do que uma ordem, um comando do juiz que determina
ao sujeito passivo um fazer ou não-fazer.
Por fim temos as sentenças cuja eficácia é executiva, que se caracterizam por
impor uma transmissão patrimonial independentemente do ajuizamento de um
processo de execução. A sentença executiva representa a possibilidade de que ações
integrantes do processo de conhecimento tragam em si embutida capacidade executória.
Vale aqui ressaltar que Pontes de Miranda chama a atenção para outro aspecto,
além do fato de que possam ser encontradas cinco diferentes eficácias nas sentenças:
afirma que não existe sentença pura, que as sentenças contêm mais de uma eficácia,
sendo sempre uma a preponderante, e é de acordo com essa eficácia preponderante
que se classifica a sentença proferida.
FGV DIREITO RIO 167
ação: teoria e procedimentos
2. REQUISITOS DA SENTENÇA
São requisitos, ou elementos (como muitos autores preferem denominar) essenciais da sentença aqueles previstos no art. 458 do CPC, quais sejam, o relatório, a
fundamentação e o dispositivo. Tais requisitos não precisam aparecer na sentença
exatamente na ordem em que são apresentados no art. 458 do CPC, a lei não exige
que essa ordem seja seguida, embora a lógica praticamente induza o seu relator a
iniciá-la pelo relato dos fatos, passar pelos fundamentos e após elaborar a conclusão,
contida no dispositivo. Outro requisito essencial da sentença é a necessidade dela
ser datada e assinada pelo juiz, conforme a exigência do art. 164 do CPC.
Tais requisitos representam uma exigência que o juiz (ou o tribunal) há de necessariamente atender por ser essencial; corresponde a uma regra de forma, pelo que
a falta de algum deles levará à contaminação da sentença por vícios, seja uma mera
irregularidade até o reconhecimento da sua inexistência.
A exigência da sentença sempre conter um relatório tem como fim primordial
demonstrar às partes que o juiz tem conhecimento do processo que irá julgar. No
relatório, o juiz conta a história do processo, sendo indispensável que identifique
claramente nesse momento os elementos individualizadores da ação, quais sejam,
as partes, o pedido e a causa de pedir, pois só assim irá identificar a ação que está
sendo julgada por aquela sentença. É através do relatório que se verifica que o juiz
examinou atentamente todas as provas trazidas ao processo, que prestou atenção
aos fatos e à fundamentação jurídica aduzida por ambas as partes para demonstrar
o seu direito. O relatório é parte impessoal da sentença, o juiz apenas irá descrever
o que existe para decidir no processo, não irá emitir nenhum juízo de valor, não irá
apreciar nesse momento nem o pedido nem a defesa, apenas irá relatá-los.
A ausência de relatório levará à nulidade da sentença, ante a infringência do
art. 458, I do CPC. Todavia, caso o relatório seja mal elaborado, se deixar de fazer
referência a ponto não fundamental da ação, ou mesmo se se encontrar deslocado (como, por exemplo, redigido dentro da motivação da sentença), a falha será
considerada mera irregularidade, não implicando, nesses casos, em nulidade da
sentença.
A necessidade de fundamentação da sentença, bem como de todas as decisões judiciais, foi erigida à categoria de garantia fundamental assegurada pela Constituição
Federal no seu art. 93, IX, além de ser exigida pelo art. 458, II do CPC, e várias são
as razões para que se dê tamanha importância à motivação das decisões como um
todo, e em especial das sentenças.
Em primeiro lugar, a motivação objetiva demonstrar ao próprio juiz, antes mesmo do que às partes, a ratio scripta que legitima o decisório, cujo teor se encontrava
em sua intuição. Depois, necessária a fundamentação para demonstrar e convencer
as partes de que a ação foi regularmente julgada. Ademais, mister esteja presente
a motivação da sentença para convencer também a opinião pública de que aquela
decisão tomada pelo Poder Judiciário foi acertada.
Também a adoção do sistema da persuasão racional do juiz, ou do livre convencimento motivado pela legislação pátria impõe a necessidade de motivação da senFGV DIREITO RIO 168
ação: teoria e procedimentos
tença, visto que, caso contrário, o princípio da convicção liberal poderia, pelo menos
no plano teórico, redundar em exacerbado subjetivismo, uma vez que o próprio
julgador, livre para sentenciar, seria naturalmente induzido a não se auto-controlar.
Ademais, a fundamentação é imprescindível para afastar o risco de arbitrariedade
por parte do juízo, pois sendo obrigatória a exposição das razões, dos fundamentos
de fato e de direito que foram considerados para decidir dessa ou daquela forma,
fica praticamente impossível o juiz proferir decisão apenas porque pessoalmente
considera a mais adequada.
A falta de motivação da sentença não induz à sua inexistência, ela existe, mas é
nula, conforme expressamente prevê o art. 93, IX da Constituição Federal. Por ser
requisito de ordem pública, a falta de motivação induz à nulidade absoluta da sentença, pelo que pode ser reconhecida pelos órgãos jurisdicionais a qualquer tempo,
inclusive de ofício.
Também a insuficiência de fundamentação, ocorrente quando faltar o exame de
alguma questão necessária para a solução de algum pedido ou de alguma causa de
pedir, pode levar ao reconhecimento da nulidade da sentença, mas isso não ocorre
quando a fundamentação simplesmente for ruim, ou seja, quando o juiz apreciou as
questões que deveria apreciar, só que o fez interpretando de forma errônea os fatos
ou o direito. Nesses casos, caberá à parte prejudicada requerer a reforma da decisão
pelo juízo ad quem, em virtude da presença de um error in judicando, todavia, o
pedido de sua anulação por falta de fundamentação nesses casos não será possível.
Quando a sentença for desprovida de fundamentação, deverá a parte prejudicada
interpor apelação, requerendo a declaração da sua nulidade. Caso tal providência
não seja tomada, a decisão, a despeito de estar eivada de nulidade absoluta, transitará em julgado, podendo depois disso apenas ser atacada via ação rescisória, tendo
por fundamento violação ao disposto no art. 458, II do CPC.
No dispositivo, caberá ao juiz determinar o comando da sentença. É aqui que o
juiz dá a resposta ao pedido deduzido na demanda.
O dispositivo deve decorrer logicamente do relatório e da fundamentação. É
com base no que anteriormente foi demonstrado na sentença que se vai chegar a
uma conclusão no dispositivo. Assim, no momento em que a fundamentação é relatada em um sentido, mas a decisão final, constante no dispositivo, for em outro,
contraditória será a sentença, passível portanto de ataque via embargos de declaração, como se verá a seguir.
Ademais, deve-se lembrar que a porção da sentença que transita em julgado é
justamente o conteúdo do seu dispositivo.
A ausência de dispositivo, assim como a falta dos demais requisitos, leva à nulidade da sentença, embora parte da doutrina prefira falar em inexistência.
Apontamos como questões diversas da sentença:
a) Falta de Assinatura da Sentença - O art. 164 do CPC exige que todos os despachos, decisões, sentenças e acórdãos sejam devidamente assinados pelo juiz. No
caso de faltar a assinatura do juiz na sentença, ela será considerada inexistente, pois
é apenas com a sua assinatura que se vai obter a certeza de que aquele ato realmente foi praticado por um juiz, apenas com a assinatura que ela “passará a existir no
FGV DIREITO RIO 169
ação: teoria e procedimentos
mundo jurídico”. Assim, mister que o juiz lance sua assinatura na sentença, sem a
qual não terá ela aptidão para adquirir existência jurídica;
b) Pedido Certo e Decisão Líquida - O parágrafo único do art. 459 do CPC
exige que, quando o autor tiver formulado pedido certo, profira o juiz sentença
líquida, ou seja, proíba que seja proferida sentença que “não determinar o valor ou
não individuar o objeto da condenação” (art. 603 do CPC). Tal dispositivo tem por
fim evitar a necessidade de utilização de ação de liquidação de sentença, quando for
possível desde já quantificar o montante devido, ou o que é devido. Nesses casos,
não existe razão para se postergar para uma futura liquidação o que pode ser definido desde já, e por isso justifica-se a vedação imposta pelo parágrafo em comento;
c) Da Limitação ao Pedido - O art. 460 do CPC determina que “é defeso ao juiz
proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar
o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado”. Tal
disposição complementa o conteúdo do art. 128 do mesmo diploma legal, que dispõe
que “o juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de
questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte”. Desse modo, a
lei vincula a atividade jurisdicional ao pedido elaborado na petição inicial, refletindo o
princípio dispositivo, em decorrência do qual cabe apenas à parte tanto a iniciativa da
ação como a sua delimitação. Assim, necessariamente deve haver congruência entre o
pedido e a causa de pedir deduzidos na inicial e a sentença proferida.
A primeira hipótese referida no art. 460 do CPC veda ao juiz a possibilidade de
conceder ao autor sentença de natureza diversa da pedida na inicial; o juiz sempre
está adstrito ao pedido do autor, não podendo conceder tutela diversa daquela expressamente requerida.
O art. 460 do CPC ainda estabelece ser vedada a condenação do réu em quantidade superior à requerida pelo autor, ou seja, veda a prolação de sentença ultra
petita. Essa norma, embora se refira apenas às sentenças condenatórias, aplica-se a
todas as sentenças, sejam condenatórias, constitutivas, declaratórias, mandamentais
ou executivas. Por isso, deve o juiz se abster, da mesma forma, de declarar mais do
que requerido pelo autor, ou de constituir ou desconstituir situação diversa daquela
exposta pelo autor na inicial. Assim, “se o pedido formulado pela parte é de declaração da nulidade de uma das cláusulas de certo contrato, não poderá a sentença
declarar a nulidade de mais alguma cláusula, ou do próprio contrato, pois estaria a
ultrapassar os limites do pedido”.
Por fim, refere o art. 460 ser vedada a condenação em objeto diverso daquele requerido na inicial. A norma em foco se refere ao objeto mediato do pedido, ou seja,
não poderá o juiz conceder bem da vida diverso daquele expressamente requerido
pelo autor em sua petição inicial, sendo que, mais uma vez, o CPC exige congruência entre o pedido das partes e o provimento jurisdicional. Desse modo, temos que
o juiz não é livre para julgar, ele apenas pode fazê-lo dentro dos limites fixados pelas
partes: a condenação em objeto diverso daquele requerido na inicial não pode ser
deferida, nem que seja para conceder ao autor coisa similar ou de mesmo valor que
a requerida; o juiz deve ater-se ao exato conteúdo do pedido, apenas lhe sendo lícito
conceder aquilo que foi efetivamente requerido pelo autor.
FGV DIREITO RIO 170
ação: teoria e procedimentos
A sentença que julgar fora do pedido (sentença extra petita) violará diretamente
o disposto no art. 460 do CPC, implicando na nulidade do julgamento. Caso o
julgamento for apenas ultra petita, pode-se requerer a sua reforma ao invés da sua
invalidação, visto que é possível adequá-la aos limites da lide, aproveitando-se o
ato processual nos limites do pedido inicial. Assim, pode perfeitamente o Tribunal,
através do julgamento de recurso, reduzir a decisão aos limites do pedido.
Vale aqui ainda afirmar que não estará o juiz julgando extra ou ultra petita quando aplicar ao caso concreto dispositivo legal diverso daqueles invocados pelas partes
como fundamento jurídico da sua pretensão na petição inicial ou na contestação.
O que é vedado ao julgador é julgar com base em fatos não referidos no processo,
ou concedendo objeto ou providência diversa da requerida pelas partes. Todavia lhe
é permitido qualificar juridicamente o caso de forma diversa daquela indicada pelo
autor ou pelo réu, desde que essa nova qualificação decorra diretamente dos fatos
narrados.
Mister que seja ainda feita uma última observação. A regra é que o pedido seja
interpretado restritivamente (art. 293 do CPC), ou seja, não pode o juiz considerar
pedido não expresso pelas partes. Todavia, há casos em que tal providência é autorizada pela lei. Nessas hipóteses específicas, o juiz não julgará extra petita ao analisar pedido não expresso pelas partes, pois a própria lei autoriza a apreciação desse
pedido, chamado implícito. É o caso de o juiz incluir na condenação parcelas que
se venceram no decorrer da lide, conforme faculta o art. 290 do CPC, ou quando
condenar ao pagamento de juros legais (art. 293, in fine), independentemente de
pedido do autor nesse sentido;
d) Sentença certa - Exige ainda o art. 460, em seu parágrafo único, que “a sentença deve ser certa, ainda quando decida relação jurídica condicional”. A função
da sentença é declarar a certeza sobre a relação jurídica. Deve o juiz deferir ou não
a pretensão, não lhe sendo lícito condicionar o provimento ou não de uma ação à
ocorrência de evento futuro e incerto.
O que a lei veda é que a sentença crie condições independentes da natureza da
obrigação sub judice, que crie suas próprias condições, que sentencie determinando
que o autor terá direito apenas se ocorrer determinada situação futura e incerta, ou
seja, a sentença não pode condicionar a procedência do pedido ao preenchimento
pelos autores de tais ou quais requisitos. Ou o autor faz jus ao que pede, ou não faz.
A sentença há de ser certa, ainda quando decida relação jurídica condicional;
e) Da Inalterabilidade da Sentença após a sua Publicação - Com a publicação
da sentença de mérito, está encerrada a atividade do juiz sobre a causa, sendo-lhe
vedado modificá-la ou revogá-la, a não ser para corrigir erros materiais ou erros de
cálculo, ou ainda se opostos pelas partes embargos de declaração, segundo a letra
do art. 463 do CPC.
Como erro material entende-se aquele erro flagrante, aquele equívoco contido
na redação da sentença cuja correção não implicará na alteração do seu conteúdo.
Erros materiais são inexatidões tais que a seu respeito não pode surgir a mínima
hesitação, porque se puder elevar-se, caso não é de correção pela via prevista no inc.
I da disposição comentada, e sim através de embargos de declaração, ou recurso.
FGV DIREITO RIO 171
ação: teoria e procedimentos
Quanto aos embargos de declaração, serão cabíveis quando na sentença houver
obscuridade ou contradição, ou quando for omitido ponto sobre o qual devia pronunciar-se o juiz ou tribunal, conforme o art. 535 do CPC.
No momento em que o Código autoriza a interposição de embargos de declaração para afastar obscuridade, óbvio é que se exige que a sentença seja redigida de
forma clara, a facilitar a sua compreensão. Assim, cabível será o recurso em comento
sempre que a sentença não estiver bem redigida, ou quando tiver redação sem lógica, confusa, dificultando com isso o entendimento sobre o alcance do julgamento,
enfim, qualquer falta de clareza apta a gerar dificuldade de entendimento do conteúdo da sentença enseja a oposição de embargos de declaração. Vale referir ainda
que a obscuridade pode ter lugar tanto no relatório como na fundamentação ou no
dispositivo: não importa onde ela é encontrada, estando presente na sentença, serão
cabíveis embargos de declaração para afastá-la.
Contradição, por sua vez, refere-se à situação em que o conteúdo da sentença
não tem uma conclusão lógica, tem algum tipo de incoerência, pelo que se impõe
a oposição de embargos de declaração para que o julgado seja corrigido, passando a
ter conteúdo harmonioso. Nesses casos, o juízo prolator da sentença necessariamente irá reexaminar o conteúdo da sentença, as suas idéias ou proposições desavindas,
a fim de harmonizá-las, o que poderá implicar o sacrifício ou exclusão de uma, com
a prevalência da outra, e até mesmo no afastamento de ambas, para que através dessa providência o julgamento passe a fazer sentido, passe a ser coerente.
São cabíveis os embargos de declaração ainda caso houver omissão na sentença.
A omissão a que a lei se refere é aquela sobre algum ponto relevante, sobre algum
ponto imprescindível ao julgamento do pedido por inteiro, não exigindo que o juiz
se pronuncie sobre todos os fatos e fundamentos aduzidos pelas partes no processo;
haverá omissão apenas se o juiz deixar de referir fato imprescindível ao julgamento
completo da questão sub judice. Desse modo, se o juiz, por exemplo, deixar de relatar que o réu foi citado, não será a sentença considerada omissa.
A omissão pode se encontrar tanto no relatório quanto na fundamentação ou no
dispositivo, sendo mais graves as omissões constantes nesse último elemento da sentença, visto que, se o juiz deixa de se pronunciar sobre questão relevante no próprio
dispositivo, teremos um julgamento claramente incompleto, que não decidiu todo
o pedido conforme exige a lei, falha essa que, se não corrigida a tempo, implicará na
impossibilidade da sua posterior execução.
MATERIAL DE APOIO
Jurisprudência
TJRJ
2007.001.38368 - APELACAO CIVEL DES. CARLOS EDUARDO PASSOS
- Julgamento: 16/07/2007 - SEGUNDA CAMARA CIVEL RELAÇÃO DE CONSUMO. Inversão do ônus da prova na sentença. Violação ao princípio do contraFGV DIREITO RIO 172
ação: teoria e procedimentos
ditório. Aplicação do verbete nº. 91, da Súmula de Jurisprudência Predominante
deste Tribunal. Necessidade de oferecer oportunidade ao fornecedor da produção da
contraprova. Sentença cassada de ofício.
TJRS
EMENTA:  APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. REQUISITOS DA SENTENÇA. ARTIGO 458, CPC. INOBSERVÂNCIA. POSSIBILIDADE DE CONHECIMENTO DA MATÉRIA DE OFÍCIO. Estão arrolados no
artigo 458 do CPC os requisitos da sentença, quais sejam, o relatório, os fundamentos
e o dispositivo. A própria norma adjetiva refere o porquê de cada parte do decisum,
consignando que o relatório conterá os nomes das partes, a suma do pedido e da resposta do réu, bem como o registro das principais ocorrências havidas no andamento
do processo e nos fundamentos o juiz analisará as questões de fato e de direito. Não
constando do decisum o relatório da cautelar em apenso nem os fundamentos que
levaram à convicção de procedência, impõe-se a desconstituição, inclusive ex officio
por se tratar de matéria de ordem pública. Precedentes. DESCONSTITUÍRAM
A SENTENÇA. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº. 70015090012, Nona Câmara
Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Tasso Caubi Soares Delabary, Julgado em
21/06/2006).
Leitura obrigatória
BUENO, Cássio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil, vol.
2, São Paulo, Saraiva, 2007, p. 325-382.
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil, vol. 1, 17 ª edição, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2008, p. 409-437.
Leitura complementar
DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil, vol. 1, 9ª edição, Salvador,
Podium, 2008, p. 255-345.
MARINONI, Luiz Guilherme, ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil, vol. 2, 6. ed. (em edições anteriores Manual do Processo de Conhecimento),
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 402-483.
QUESTÕES DE CONCURSO
OAB/RJ (1ª fase – 32º exame)
24 - João moveu processo que visava rescindir contrato de prestação de serviços com
Pedro e pedir indenização por perdas e danos. Ao proferir a sentença, o juiz concedeu a rescisão e não apreciou o pedido de perdas e danos. Nessa situação hipotética,
a sentença está viciada porque é:
FGV DIREITO RIO 173
ação: teoria e procedimentos
a. citra petita, pois julgou improcedente um dos pedidos ao não apreciá-lo.
b. infra petita, pois, se julgou procedente a rescisão, deveria julgar procedente a
indenização por perdas e danos.
c. citra petita, pois não tratou de todos os pedidos formulados, ainda que fosse,
com fundamento no art. 267 do CPC, para não apreciá-los no mérito.
d. extra petita, pois, se julgou procedente a rescisão, deveria julgar procedente a
indenização por perdas e danos.
MP/RJ (XI concurso - preliminar)
CAIO propôs ação em face de TÍCIO, reivindicando, como proprietário, determinado imóvel, cuja entrega pediu fosse o réu condenado a fazer. TÍCIO, na contestação, alegou usucapião, mas a defesa foi repelida e o pedido julgado procedente,
por sentença irrecorrida. Na hipótese de TÍCIO, posteriormente, intentar ação de
usucapião, requerendo a citação de CAIO, em cujo nome o imóvel se acha registrado, pode o juiz examinar o mérito da causa? RESPOSTA OBJETIVAMENTE
JUSTIFICADA.
MP/SP 85º concurso
50. O Estado democrático de direito e o juiz natural:
(A) Não exigem necessariamente a imparcialidade do juiz para proferir decisões
nos procedimentos de jurisdição voluntária.
(B) Não exigem necessariamente a imparcialidade do juiz para proferir decisões
nos processos contenciosos.
(C)Exigem a imparcialidade do juiz para proferir decisões somente nos processos contenciosos(objetivos e subjetivos).
(D)Exigem a imparcialidade do juiz para proferir decisões tanto nos processos
contenciosos como nos procedimentos de jurisdição voluntária.
(E) Permitem a parcialidade do juiz destinada a realizar os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil.
56. Responde por perdas e danos o juiz quando:
(A) Retardar, com justo motivo, providência que deva ordenar de ofício.
(B) Em nenhuma hipótese, na medida em que o conteúdo do art. 133 do Código de Processo Civil é inconstitucional.
(C)Independentemente de estar no exercício de suas funções proceder com fraude.
(D)Retardar sem justo motivo providência a requerimento da parte observando-se o que estabelece o parágrafo único do art. 133 do Código de Processo
Civil.
(E) Retardar sem justo motivo providência a requerimento da parte independentemente da prévia intimação apontada no parágrafo único do art. 133 do
Código de Processo Civil em face do que estabelece o art. 5.º, LXXVIII da
Constituição Federal.
FGV DIREITO RIO 174
ação: teoria e procedimentos
AULA 20. COISA JULGADA; PRECLUSÃO; COISA JULGADA FORMAL E
MATERIAL; RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA.
CASO
José propõe ação cautelar de exibição de documento em face de Telecomunicações S.A. A sentença julga procedente o pedido e o juiz determina a intimação da ré
para o cumprimento da obrigação transitada em julgado, sob pena de multa diária
no importe de R$ 500,00 (quinhentos reais). O ré agrava afirmando que na sentença havia a determinação de multa diária de R$ 100,00 (cem reais), o que ofenderia
a coisa julgada. Analise a possibilidade de o juiz a quo revisar a multa de astreintes na
obrigação de fazer, quando houver ocorrido o trânsito em julgado e se a multa diária
integra a lide propriamente dita, sendo abarcada pelos efeitos da coisa julgada.
Legislação
CPC – “Artigo 461 (...). § 6o O juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a
periodicidade da multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva”.
NOTA AO ALUNO
1. CONSIDERAÇÕES GERAIS
Os juristas da antiguidade diziam que o instituto da coisa julgada era relevante
por uma razão natural ou de direito natural, imposta pela própria essência do Direito. Sem ela, o Direito seria ilusório, a incerteza nas relações sociais reinaria. Esta
justificativa não resultava, contudo, absoluta. Na sistemática do Direito, a certeza
é uma necessidade. Deve ceder, todavia, sob determinadas condições, para que
triunfe a verdade. A coisa julgada não é instituto de índole natural. Aliás, a razão
natural é outra: o escrúpulo da verdade deve prevalecer diante da necessidade de
certeza.
A concepção da coisa julgada imposta pela necessidade de certeza, com respaldo
no direito natural, não prevaleceu na Roma antiga. Os romanos admitiam a autoridade da res judicata como a indiscutibilidade ulterior do bem reconhecido ou desconhecido pelo juiz. A razão para tanto era eminentemente prática: a exigência de
certeza e segurança na vida em sociedade. Eles não estavam sequer preocupados em
atribuir uma presunção de verdade ao que o juiz afirmava. Não havia a identificação
da noção de coisa julgada com a própria sentença, com seu respectivo conteúdo
ou com sua eficácia geral, E muito menos com um de seus efeitos ou qualidade da
sentença.
FGV DIREITO RIO 175
ação: teoria e procedimentos
No mundo moderno, doutrinariamente, prevalece a opinião de que a coisa julgada é especialmente uma exigência de cunho político, não configurando, em hipótese alguma, uma razão natural. Na realidade, revela-se como uma exigência prática
(como já observavam os romanos), tendo em vista sua utilidade social.
2. CONCEITO E DOUTRINA DA COISA JULGADA
O direito positivo brasileiro, no art. 6º, § 3º, Lei de Introdução ao Código Civil,
dá a seguinte definição: “chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de
que já não caiba recurso”. Muitas críticas doutrinárias são feitas à forma como a lei
tratou do tema. Esta redação não se baseou em boa técnica jurídica e, nos termos
em que foi redigida, encontra-se equivocada e incompleta.
O vocábulo res, componente da expressão res in judicium deducta e res judicata,
não tem o significado de “coisa”, mas sim de uma “relação” ou “conflito”. O particípio judicata qualifica o substantivo res, indicando a situação particular que surgia do
fato de já se ter proferido o julgamento. Do mesmo modo, a expressão in judicium
deducta qualifica a res submetida ao conhecimento do juiz, mas ainda não julgada.
Os juristas portugueses, diante disso, preferem traduzir a expressão latina por
“caso julgado”. Tal expressão não denota, somente, o julgamento da res, mas a especial autoridade de que esta se reveste com a preclusão da faculdade de interposição
de recursos, o que faz com que se torne imutável. Para Egas Moniz de Aragão, é a
imutabilidade do julgamento que consubstancia a coisa julgada.
O conceito da Lei de Introdução ao Código Civil chama de coisa julgada a sentença inatacável por meio de recurso. Na verdade, é a partir desse momento que se
forma a res judicata. Ademais, tal assertiva está incompleta. O legislador se esqueceu
de mencionar a remessa necessária (duplo grau de jurisdição obrigatório), nos casos
do art. 475, CPC, onde não se tem, tecnicamente, recurso, e que, enquanto não
equacionada, impede a formação da coisa julgada. A regra legal ressalta o aspecto
cronológico e esquece do aspecto ontológico da coisa julgada.
Este mesmo conceito, proposto pela Lei de Introdução ao Código Civil, inspirou
muitas dúvidas entre os juristas brasileiros, especialmente no que dizia respeito à
sentença sujeita ao recurso extraordinário. Alfredo Buzaid escreveu o Anteprojeto do
Código de Processo Civil procurando solucionar essa questão. No texto da Exposição de Motivos, mencionou adotar, no art. 507, conceito de coisa julgada elaborado
por Liebman (que já era seguido por boa parte da doutrina nacional).
A redação do citado artigo era a seguinte: “Chama-se coisa julgada material a
qualidade que torna imutável e indiscutível o efeito da sentença não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário”. O Projeto do Código de Processo Civil, contudo,
transformou esta disposição. Em seu art. 471, rezava: “Denomina-se coisa julgada
material a eficácia que torna imutável e indiscutível o efeito da sentença não mais
sujeita a recurso ordinário ou extraordinário”. O Senado Federal deu a redação que
prevalece até hoje (no art. 467 do CPC), substituindo a expressão “o efeito da sentença” por “a sentença”.
FGV DIREITO RIO 176
ação: teoria e procedimentos
A sentença, norma jurídica concreta, refere-se à situação apresentada pelas partes ao juiz, destinando-se, desde que não mais possa ser atacada via recurso, a
perdurar de forma indefinida. Os efeitos da sentença, de seu lado, não têm essa
pretensão.
As definições encontradas no Anteprojeto e no Projeto do Código de Processo
Civil não correspondem exatamente àquela de Liebman, que via na autoridade da
coisa julgada uma qualidade da sentença e dos seus efeitos. Examina-se, a seguir, a
trajetória da doutrina até a conclusão de Liebman sobre o assunto.
A contribuição de Chiovenda à doutrina do tema consistiu na depuração do
conceito e fenômeno da coisa julgada de conceitos e fenômenos afins. Separou seu
conteúdo jurídico das suas justificações político-sociais. Realizou a distinção entre a
autoridade da coisa julgada e a simples preclusão. Limitou a autoridade da coisa julgada à decisão de mérito da ação, para declará-la procedente ou improcedente. Em
sua opinião, a coisa julgada não era mais do que o bem julgado, aquele reconhecido
ou desconhecido pelo magistrado.
Carnelutti, por sua vez, via no processo a função de integrar a norma da lei,
transformando-a em comando concreto. A eficácia da decisão prolatada era tão intensa quanto a da própria lei. Comparava, assim, a sentença a uma lei especial (lex
specialis). Resolvia o problema da coisa julgada em duas etapas distintas: a da eficácia (a autoridade da coisa julgada ou coisa julgada material) e a da imutabilidade da
sentença (coisa julgada formal, que consistiria na preclusão dos recursos).
Equiparar-se a coisa julgada formal à preclusão não é correto. São dois fenômenos diversos na perspectiva da decisão irrecorrível. A preclusão, do ângulo subjetivo,
é a perda de uma faculdade processual e, do prisma objetivo, um fato impeditivo.
A coisa julgada formal revela uma qualidade da decisão, ou seja, sua imutabilidade
dentro do processo. Tratam-se, sem dúvida, de institutos diferentes, apesar de estarem ligados por uma relação lógica de antecedente-conseqüente.
A preclusão é genérica, sendo a coisa julgada uma das várias situações jurídicas
que detêm a chamada eficácia preclusiva. Na res judicata, a eficácia preclusiva se
manifesta no impedimento que surge, com o trânsito em julgado, à discussão
e apreciação das diversas questões que poderiam influenciar o pronunciamento
judicial (mesmo que elas não tenham sido examinadas pelo juiz). A preclusão
refere-se à decisão interlocutória, a coisa julgada às sentenças que examinam o
mérito.
Tais questões perdem toda sua relevância naquilo que é atinente à matéria julgada.
Mesmo demonstrando-se que a conclusão do julgamento seria outra se estas questões tivessem sido consideradas, a decisão judicial não pode mudar. Se a decisão for
do tipo que só produz coisa julgada formal, o efeito preclusivo fica restrito ao interior
do processo em que foi proferido. Se tiver aptidão para gerar coisa julgada material,
como a sentença definitiva, o efeito preclusivo projeta-se para fora do processo.
Para Carnelutti, a imutabilidade da decisão decorria da sua função declarativa.
Contra isso se insurgiu Chiovenda, que via na coisa julgada o efeito da sentença.
Este doutrinador concebia a res judicata como a eficácia da sentença que acolhe ou
rejeita o pedido do autor.
FGV DIREITO RIO 177
ação: teoria e procedimentos
Enfatizava, ainda, que a decisão do juiz sobre o bem litigado, pelo princípio da
segurança jurídica, não poderia mais ser contestada em outra ação. Sua definição
consistia na afirmação de uma vontade concreta da lei, ou seja, na produção de
certeza a respeito da sua existência. Relacionava, enfim, do mesmo modo que fez
Carnelutti, o caso julgado com a declaração emitida pelo magistrado.
Curioso notar que, na teoria de Carnelutti, a coisa julgada formal não era tida
como pressuposto da coisa julgada material. Segundo o autor, a imperatividade da
sentença estaria na certeza que produz. Tal imperatividade é que constituiria a coisa
julgada material, a qual, através
A teoria de Liebman consistia na assertiva de que a autoridade da coisa julgada
não cobria unicamente o elemento declaratório da sentença, mas também os elementos constitutivos e condenatórios.
Observou ele que a identificação da declaração jurisdicional com a autoridade da
coisa julgada constituía um erro. Uma coisa seria distinguir os efeitos da sentença
segundo a sua natureza (p. ex., declaratória); outra diferente seria verificar o modo
mais ou menos perene e imutável com que estes se produziam.
Todos os efeitos da sentença poderiam ocorrer independentemente da autoridade da coisa julgada, mas esta seria algo que se ajuntaria para aumentar-lhes a estabilidade. Afirma Barbosa Moreira que os efeitos da sentença são exatamente aquilo
que escapa ao selo da imutabilidade; uma vez cumprida a decisão espontaneamente
pelo devedor ou terminada a execução forçada da sentença condenatória, esse efeito
desaparece.
Liebman partiu da premissa de Carnelutti de que a imperatividade e a imutabilidade da sentença são coisas diferentes. A sentença é imperativa e produz todos os
seus efeitos antes (e independentemente) do seu trânsito em julgado. Dessa forma, a
autoridade da coisa julgada não seria efeito da sentença, mas um modo como esta se
manifesta e produz seus efeitos. Conclui que é errado definir a eficácia da sentença
como autoridade da coisa julgada.
Diante da doutrina supra exposta, pode-se equacionar a questão da seguinte
forma: coisa julgada formal refere-se à imutabilidade da sentença enquanto ato processual e a coisa julgada material indica a mesma imutabilidade em relação ao seu
conteúdo. Sentença imutável é aquela cujo conteúdo não admite modificação.
A extensão desta imutabilidade é que traz a diferenciação entre a coisa julgada
formal e a material. A primeira ocorre quando a imutabilidade se opera no âmbito
do processo em que foi proferida, não representando óbice para que, em outro
processo, nova decisão sobre o mesmo tema seja proferida. A segunda indica que
a imutabilidade da sentença prevalece ainda em relação a processos distintos (que
versem sobre a mesma questão).
3. A COISA JULGADA FORMAL E MATERIAL
Certas decisões, mesmo depois de esgotadas as vias recursais, têm uma eficácia
transitória. São obrigatórias, apenas, com relação ao processo em que foram profeFGV DIREITO RIO 178
ação: teoria e procedimentos
ridas e ao estado de coisas que se considerou no momento de decidir. Em processo
posterior não obstam que, mudada a situação fática, a coisa julgada possa ser modificada. A isto chama-se de coisa julgada formal.
A res judicata formal só tem uma das características da res judicata material: a da
não-impugnabilidade. Carece da outra (mais importante): a imutabilidade fora do processo em que foi proferida. Conclui-se que a coisa julgada, nesta primeira etapa, é eficaz, tão-somente, com relação ao caso concreto em que se verificou ou com relação ao
estado de coisas (pessoas, objeto, causa, por exemplo) que se teve em conta ao decidir.
Tanto a coisa julgada formal quanto a material acarretam a imutabilidade do
decisum. Há, porém, uma notória diferença entre elas: na coisa julgada formal, o
conteúdo da sentença se torna imutável, apenas, dentro do processo em que proferida, ao passo que, na coisa julgada material, ele se torna imutável para qualquer
relação processual.
Tal distinção é de suma importância, já que, consoante Liebman, todas as sentenças são suscetíveis da primeira, enquanto somente as sentenças que acolhem ou
rejeitam a demanda no mérito alcançam a segunda. No direito processual dos países
ocidentais, há um momento em que os recursos se esgotam. Conseqüentemente,
não há processo que não se encerre, fazendo com que as decisões lá proferidas se
tornem imutáveis no seu âmbito.
Resumindo: a coisa julgada formal surge pela impossibilidade da reforma da
sentença através de recursos (desde que não se trate de caso inserto no art. 475 do
CPC), seja porque são incabíveis, seja porque não foram interpostos no prazo, ou
mesmo porque deles se desistiu ou renunciou-se àquele interposto. O resultado será
a imutabilidade da sentença enquanto ato processual (dentro do processo).
Quando à condição de inatacável no mesmo processo, a sentença reúne o requisito da imutabilidade em relação a qualquer processo; outro fenômeno ocorre:
forma-se a coisa julgada material. A coisa julgada formal é um degrau para atingir-se a coisa julgada material. Trata-se de antecedente necessário sem o qual não
seria possível a formação da última. É possível a existência de coisa julgada formal
sem coisa julgada substancial, mas não pode existir esta sem a formação anterior
daquela.
Entendemos que a natureza do conteúdo do art. 467, CPC é imutável e indiscutível no próprio processo e em qualquer outro (aquilo que se reveste da autoridade
da coisa julgada); é o conteúdo da sentença. A coisa julgada não se revela nem como
efeito da sentença, nem como qualidade da mesma.
A coisa julgada suscita uma situação jurídica inédita, que surge com a decisão
judicial. É traduzida na imutabilidade e indiscutibilidade do conteúdo da sentença
(que formam a autoridade da coisa julgada).
4. LIMITES SUBJETIVOS E OBJETIVOS DA COISA JULGADA
A investigação dos limites subjetivos da coisa julgada consiste em saber quem
será beneficiado ou prejudicado pela sentença. Em princípio, a coisa julgada apenas
FGV DIREITO RIO 179
ação: teoria e procedimentos
alcança as partes do litígio. Os demais não são afetados, nos termos do art. 472,
CPC:
“A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem
prejudicando terceiros. Nas causas relativas ao estado de pessoa, se houverem sido citados
no processo, em litisconsórcio necessário, todos os interessados, a sentença produz coisa
julgada em relação a terceiros”.
A autoridade da coisa julgada não vai além das partes porque estas constituem um
dos elementos da lide. O art. 472 apenas explicita os termos do art. 468, CPC.
O sucessor (inter vivos ou mortis causa) também fica sujeito à autoridade da coisa
julgada. No que diz respeito às ações de estado, a disposição da 2ª parte do art. 472,
CPC é supérflua: a coisa julgada se forma, em qualquer processo, para os litisconsortes necessários que estão presentes (e não pode ser impugnada por terceiros sem
interesse jurídico).
Não se reunindo no processo todos os interessados, o terceiro que tiver interesse
jurídico não ficará sujeito à coisa julgada. O tratamento dispensado pelo Código de
Processo Civil à coisa julgada nas causas de estado de pessoa, portanto, não constitui exceção à regra de que a sentença faz coisa julgada entre as partes a quem é dada,
não se estendendo aos terceiros.
Ressalva-se que o assistente da parte fica em situação extraordinária diante da
coisa julgada produzida no processo. Embora parte secundária, a ele se aplica a disposição especial do art. 55, CPC, in verbis:
“Transitada em julgado a sentença, na causa em que interveio o assistente, este
não poderá, em processo posterior, discutir a justiça da decisão, salvo se alegar e provar
que: I – pelo estado em que recebera o processo, ou pelas declarações e atos do assistido,
fora impedido de produzir provas suscetíveis de influir na sentença; II – desconhecia
a existência de alegações ou de provas, de que o assistido, por dolo ou culpa, não se
valeu”.
O exame que se faz dos limites objetivos da coisa julgada contém a investigação
para se saber qual parte da sentença faz coisa julgada. O relatório, que apenas tem
a função de exposição dos acontecimentos principais da causa, obviamente, aí não
se inclui. Resta saber se a res judicata atinge os fundamentos da sentença e o dispositivo.
O dispositivo da sentença é que faz coisa julgada, consoante dispõe o art. 469,
CPC (contrario sensu). É ponto pacífico, na doutrina brasileira, que os limites objetivos da res judicata se determinam em função de dois elementos: o pedido e a causa
de pedir. A sentença de mérito produz coisa julgada material na medida em que se
pronuncia acerca do pedido (acolhendo-o ou rejeitando-o), relativamente ao fundamento (ou aos fundamentos) invocado pela parte autora. Tal proposição decorre
de toda a sistemática do direito processual civil brasileiro, notadamente do disposto
nos arts. 128, 301, §§1º a 3º, 469, todos do CPC.
FGV DIREITO RIO 180
ação: teoria e procedimentos
Dispõe, ainda, o Código, que não faz coisa julgada a questão prejudicial decidida
(tecnicamente seria mais correto o CPC dizer “examinada”, ao invés de “decidida”)
incidentalmente no processo (art. 469, III). Afinal, se a resolução desta questão é
uma preparação lógica e cronológica da sentença, terá natureza jurídica de fundamento ou motivação da sentença. Para que a questão prejudicial faça coisa julgada,
é necessário, nos termos do art. 470, CPC, que a parte o requeira através de ação
declaratória incidental (com fulcro nos arts. 5º e 325 do Código), desde que o juízo
tenha competência em razão da matéria para decidi-la.
5. RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA
A relativização da coisa julgada vem ganhando cada vez mais espaço nos estudos
dos processualistas contemporâneos, mais precisamente a partir do ano 2000, e foi
iniciado em nosso sistema através dos estudos de Humberto Theodoro Júnior, Cândido Rangel Dinamarco, entre outros.
Por outro lado, alguns estudiosos afirmam que a relativização da coisa julgada
é anterior e que foi semeada desde o Direito Romano, no qual havia a figura da
querela nullitatis insanabilis.
Com o estudo da relativização, a coisa julgada, até então absoluta e classificada
como a qualidade consubstanciada na imutabilidade do acertamento ou da declaração contida na sentença no que diga respeito ao direito controvertido, começa
a ser vista sob outro enfoque que é a possibilidade de mutabilidade das decisões
transitadas em julgado.
Nos moldes doutrinários, a relativização terá espaço quando da ocorrência de
uma injustiça intolerável, guarnecida de gravidade e na hipótese da coisa julgada dita como inconstitucional. Será a denominada reapreciação da matéria em
juízo.
Para justificar a relativização da coisa julgada, há argumentos doutrinários que
asseguram que existe uma verdadeira negação da existência da coisa julgada material,
ou inexistência da mesma. Isto porque a coisa julgada não se formaria em razão da
ausência de qualquer outro meio para requerer novo exame da matéria diante da
ocorrência da preclusão total. Esta ausência de medida outra que admitisse a reapreciação do tema justifica a negativa quanto à ocorrência da coisa julgada.
Já outra linha da doutrina não nega a ocorrência da coisa julgada, mas a admite
com viés de volubilidade, posto que a imutabilidade da sentença é que seria negada.
A mutabilidade seria justificada quando a decisão disponha de vício que a macule,
e por isto deveria ser desconsiderada.
O nosso sistema processual, antes da polêmica sobre a relativização da coisa julgada, já permitia algumas formas de rever matérias julgadas e transitadas em julgado, abrandando o então rigor conferido ao instituto da coisa julgada. São exemplos
desses mecanismos a ação rescisória, a revisão criminal, entre outros.
FGV DIREITO RIO 181
ação: teoria e procedimentos
MATERIAL DE APOIO
Jurisprudência
REsp 867009 / MT ; RECURSO ESPECIAL 2006/0155125-7 Relator(a) Ministro CASTRO MEIRA (1125) Órgão Julgador T2 - SEGUNDA TURMA Data
do Julgamento12/06/2007 Data da Publicação/Fonte DJ 27.06.2007 p. 231 Ementa PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. ART. 610 DO CPC. HOMOLOGAÇÃO DE CÁLCULOS. PRECLUSÃO.
1. Na fase de liquidação de sentença é possível a correção de erro material na
feitura da conta.
2. Extrapola o limite da coisa julgada a capitalização de juros sem que haja comando expresso na sentença para tal prática. 3. Recurso especial provido.
EDcl no REsp 931240 / RS ; EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL 2007/0045098-2 Relator(a) Ministro HÉLIO QUAGLIA
BARBOSA (1127) Órgão Julgador T4 - QUARTA TURMA Data do Julgamento12/06/2007 Data da Publicação/Fonte DJ 29.06.2007 p. 664 Ementa EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. HONORÁRIOS DE ADVOGADO. FIXAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE.
VIOLAÇÃO DO ARTIGO 463, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E
VIOLAÇÃO DA COISA JULGADA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO IMPROVIDOS.
1. “Com a prolação da sentença, o juiz cumpre e acaba o ofício jurisdicional (art.
463), de sorte que não poderá posteriormente conceder honorários de advogado
nela não previstos” (JTA 116/128) (Theotônio Negrão, 27ª edição, p. 543). Tendo
ocorrido o trânsito em julgado de Acórdão que foi omisso no arbitramento da verba
honorária, não cabe mais a fixação supletiva da mesma, sob pena de violação ao
artigo 463, do Código de Processo Civil e afronta à coisa julgada. 2. Embargos de
declaração rejeitados.
Leitura obrigatória
DINAMARCO, Cândido Rangel. Relativizar a coisa julgada material. Nova Era do
Processo Civil. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 220-266 (o mesmo texto pode
ser encontrado na Revista de Processo, nº 109, jan./mar. 2003, p. 9 –38).
Leitura complementar
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil, vol. 1, 17 ª edição,
Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2008, p. 457-492.
BUENO, Cássio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil, vol.
2, São Paulo, Saraiva, 2007, p. 382-404.
FGV DIREITO RIO 182
ação: teoria e procedimentos
DIDIER JR., Fredie, BRAGA, Paula Sarno, OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito
Processual Civil, vol. 2, 2ª edição, Salvador, Podium, 2008, p. 551-589.
MARINONI, Luiz Guilherme, ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil, vol. 2, 6. ed. (em edições anteriores Manual do Processo de Conhecimento),
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 631-651 e 666-686.
QUESTÕES DE CONCURSO
OAB/RJ (1ª fase – 32º exame):
25 - O limite objetivo da coisa julgada pode ser concretamente ampliado por meio de:
a. uma ação constitutiva de vínculo de imutabilidade quanto aos fundamentos
da sentença.
b. uma ação declaratória incidental.
c. uma ação autônoma que vise à ampliação da autoridade da coisa julgada para
terceiros não participantes da relação processual.
d. ato discricionário do juiz, evitando a repetição de ações conexas.
OAB 1ª fase – 30º exame:
27 - Quanto à coisa julgada no processo civil, é correto dizer que:
a. Impede, se houver modificação no estado de fato ou de direito em relação
jurídica continuativa, a revisão do que foi estatuído na sentença;
b. Faz coisa julgada a verdade dos fatos estabelecida como fundamento da sentença;
c. Não atinge os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da
parte dispositiva da sentença;
d. Não repele as defesas que seriam dedutíveis no processo, mas não o foram
por conveniência da parte.
MP/RJ (VI CONCURSO - preliminar)
A sentença que julga procedente o pedido em ação de alimentos produz coisa julgada material? (Resposta objetivamente justificada).
MP/RJ (III concurso – específica)
Faz coisa julgada quanto ao assistente a decisão da causa?
MP/RJ (XI concurso – específica)
É suscetível de produzir coisa julgada material a sentença que indefere a petição
inicial por entender não justificarem os fatos narrados pelo autor, diante das normas
jurídicas aplicáveis, o acolhimento do pedido?
MP/SP 85º concurso
A tese da desconsideração da coisa julgada:
(A) Tem previsão claramente estabelecida no art. 467 do Código de Processo
Civil.
(B) Tem previsão claramente estabelecida no art. 103, I da Lei n.o 8.078/90.
FGV DIREITO RIO 183
ação: teoria e procedimentos
(C)Tem previsão claramente estabelecida no art. 16 da Lei n.o 7.347/95.
(D)Tem previsão claramente estabelecida no art. 18 da Lei n.o 4.717/65.
(E) Tinha previsão na Lei para a Intervenção do Ministério Público no Processo
Civil assinada em 15 de julho de 1941 por Adolf Hitler dando poderes ao
parquet para dizer se a sentença seria justa ou não, se atendia aos fundamentos do Reich alemão e aos anseios do povo alemão.
FGV DIREITO RIO 184
ação: teoria e procedimentos
AULA 21. O CUMPRIMENTO DA SENTENÇA E A LEI Nº. 11.232/05.
CASO
A nova redação dada ao CPC, com o advento da Lei nº. 11.232/05, extinguiu o
processo de execução para o cumprimento das sentenças judiciais, que agora ocorrem de forma sincrética em fase denominada “cumprimento de sentença”. Suponhamos que, uma vez transitada em julgado a condenação e a parte não tendo
cumprido espontaneamente com o julgado, o autor requeira o cumprimento de
sentença, com a aplicação de multa no importe de 10% sobre o valor do quantum
debeatur (art. 475-J do CPC). Tendo em vista que já há uma “punição” ao devedor
que não cumpre espontaneamente com o julgado, pondere-se quanto à imposição
concomitante de custas processuais e honorários de sucumbência, o que ocorria
antes da inovação legislativa com o processo de execução (um processo autônomo,
apenso, com necessidade de petição inicial nos termos dos artigos 282 e seguintes
do CPC, com novas citação e sentença, etc., em que havia a condenação nas custas
processuais e nos honorários de sucumbência).
Legislação
“Art. 475-J. Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já
fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do
credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado
de penhora e avaliação.”
NOTA AO ALUNO
1. ANTECEDENTES HISTÓRICOS
É certo que as recentes reformas empreendidas no Código de Processo Civil em
muito vêm auxiliando a efetividade do processo e tornando-o instrumento apto a
cada vez mais dar à parte aquilo que fora postulado.
Dentro desse escopo, o Professor e Ministro Aposentado do Superior Tribunal
de Justiça Athos Gusmão Carneiro, já em março de 2001, elaborou o Anteprojeto
Relativo à Execução. O mencionado trabalho teve como idéia central facilitar o procedimento executivo retirando-lhe formalidades desnecessárias, para que o credor
possa receber o quanto antes o que lhe é de direito.
Havia a previsão inicial de alteração de cerca de 60 artigos do Código de Processo Civil, o que induziria a uma tramitação lenta junto ao Congresso, frustrando as
latentes necessidades de reforma.
Desse modo, após inúmeros debates realizados durante o segundo semestre do
ano de 2002, o Instituto Brasileiro de Direito Processual, contando com a ativa parFGV DIREITO RIO 185
ação: teoria e procedimentos
ticipação dos Ministros do Superior Tribunal de Justiça Sálvio de Figueiredo Teixeira
e Fátima Nancy Andrighi, bem como do jurista Petrônio Calmon Filho e do próprio
autor do Anteprojeto original, reduziu o leque de alterações legislativas, mantendo
apenas o seu núcleo essencial, sempre privilegiando a celeridade processual.
Assim sendo, foi apresentado o Projeto de Lei 3.253/04, que tramitou no Congresso Nacional até o fim do ano de 2005 e previa alterações em apenas 25 artigos
do Código de Processo Civil, nos quais se prestigiavam a supressão do processo
autônomo de execução de título executivo judicial, a alteração topográfica do procedimento de liquidação de sentença e o fim dos embargos do executado.
Com pequenas alterações, o Projeto foi levado ao exame do Presidente da República
que, finalmente, em 22 de dezembro de 2005, sancionou a Lei Federal nº. 11.232.
2. OS PRINCÍPIOS DA AUTONOMIA E DO SINCRETISMO
A promulgação da Lei 11.232/05 inovou substancialmente o processo civil brasileiro ao permitir que a sentença passada em julgado fosse impelida ao cumprimento independente de qualquer outro processo, tornando a justiça mais célere e menos
dispendiosa.
Antes dessa inovação, para que uma sentença fosse cumprida, o autor vencedor deveria inaugurar uma nova ação, denominada ação de execução, em que seria
proposta uma nova demanda, regida pelo princípio da autonomia e apensada ao
processo de conhecimento, com petição inicial, citação, recolhimento de custas,
sentença, enfim, uma série de atos que se arrastava pelo Judiciário até que o credor,
que passaria a ser o exeqüente, alcançasse a satisfação de seu crédito. O devedor, então executado, poderia utilizar os embargos para se defender ou para simplesmente
postergar o andamento do feito.
Com o advento da Lei nº. 11.232/ 05, um outro princípio passou a reger a fase
“pós-sentença”, é o chamado princípio do sincretismo, segundo o qual o processo de
conhecimento passa a ter agora cinco fases. São elas as fases postulatória, saneadora,
instrutória, decisória e de cumprimento da sentença. Assim, o legislador aboliu o princípio da autonomia do processo de execução e prestigia as práticas das atividades
cognitiva e executória no mesmo processo.
Com isto, o que se buscou (e o que se tem observado) é a garantia de maior
celeridade e economia processuais, visto que o processo passa a transcorrer num
período de tempo inferior, com menos custos e custas, prometendo maior satisfação
ao jurisdicionado e maior efetividade da atividade judicante do Estado.
Com o modelo sincrético, o réu também terá oportunidade de apresentar sua
defesa aos argumentos do autor, como veremos mais adiante. Porém, fica integralmente afastada a figura dos embargos à execução, que tanto atrasavam o desfecho
integral da demanda. Os embargos eram uma ação incidental à ação autônoma
(processo de execução); já a nova figura de defesa do réu, a impugnação, é bem mais
simples, cumpre o seu papel de oferecer oportunidade de se manifestar, mas sem
obstaculizar ainda mais o cumprimento da decisão judicial.
FGV DIREITO RIO 186
ação: teoria e procedimentos
3. A LEI Nº. 11.232/05 E AS ALTERAÇÕES TÉCNICAS REFERENTES AO TERMO “SENTENÇA”.
A Lei nº. 11.232/05 alterou a redação dos artigos 267 e 269 do CPC, conferindo
maior adequação técnica ao provimento judicial fundamentado nesses dispositivos.
Note-se que, independente do provimento jurisdicional resolver o mérito do processo (art. 269 do CPC) ou não chegar a apreciar o seu objeto (art. 267 do CPC), o
mesmo será considerado sentença para os efeitos processuais pertinentes (interposição de recurso e execução provisória, principalmente).
A modificação prevista nos artigos 267 e 269 atende aos mesmos pressupostos
indicados na alteração sugerida ao art. 162 do Código de Processo Civil. Andou
bem o legislador ao substituir a palavra “julgamento” por “resolução”, pois nem
sempre o processo se extingue através de decisão impositiva.
Entretanto, Athos Gusmão Carneiro critica a manutenção da expressão “extingue-se o processo” no art. 267, afirmando que teria sido melhor se o referido artigo
tivesse sido alterado como foi o art. 269, que se limitou a dizer que, nos casos elencados, não haveria a resolução do mérito.
A precípua finalidade deste dispositivo é diferenciar as sentenças definitivas (que
resolvem o mérito do processo, apreciando o objeto do pedido posto em juízo) das
terminativas (que não resolvem o mérito, pois não chegam a apreciar o chamado
objeto da demanda).
Já em relação ao artigo 463 do CPC, a intenção da reforma é corrigir a imprecisão técnica do Código de Processo Civil. O dispositivo é adequado ao novo modelo
eleito pelo legislador, a saber, o sincretismo. Com isso, pode-se dizer que, após proferir a sentença, o juiz não encerra seu ofício. Ele deve ainda atuar concretamente,
caso necessário, impondo a vontade do Estado consignada naquele título judicial.
4. A LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA
Em sua essência, a liquidação é destinada à obtenção de um valor ou à individualização de um objeto, estabelecendo o quantum debeatur e completando os
pressupostos que a lei exige para que o título executivo judicial possa constituir
fundamento de um processo de execução. Ela tem lugar sempre que a sentença for
genérica, por não se poder mensurar, quando de sua prolação, a extensão do dano.
A liquidação realiza-se mediante dilação probatória e cognição plena (obviamente dentro do referencial do que se pode conhecer e decidir em sede de liquidação) e
apresenta caráter preponderantemente cognitivo.
No artigo 475-H houve uma alteração de porte. Embora o procedimento de
liquidação configure-se como um incidente processual, a fim de completar um dos
requisitos necessários aos títulos executivos, era entendimento majoritário que a
decisão que lhe põe fim seria interlocutória ou sentença conforme a modalidade
de liquidação utilizada (por artigos ou por arbitramento) ou a necessidade de mero
cálculo aritmético, ou ainda a atualização desse cálculo.
FGV DIREITO RIO 187
ação: teoria e procedimentos
De se observar ainda que a Lei 11.232/05, em seu artigo 9º, revoga expressamente o inciso III do artigo 520, que previa, exatamente, o cabimento de apelação sem
efeito suspensivo nas hipóteses de sentença que julga liquidação.
Temos aqui, a nosso ver, duas interpretações possíveis.
A primeira, que pensamos ser mais acertada, aplica literalmente os termos do
novel artigo 475 – H, c/c artigo 9º da Lei, resultando na utilização do agravo como
recurso apto a desafiar toda e qualquer decisão proferida em sede de liquidação.
A segunda, de natureza teleológica, permitiria a utilização de apelação nas hipóteses de liquidação por artigos e por arbitramento, tendo em vista a natureza das
questões aí decididas. Ocorre que tal apelação seria recebida nos efeitos devolutivo
e suspensivo, ante a revogação do artigo 520, inciso III, o que claramente contraria
o espírito da Lei.
De se ressaltar ainda que o dispositivo parece criar exceção à regra trazida pela
recente Lei nº. 11.187/05, que alterou novamente o procedimento do agravo e determinou, como regra, a forma retida para esse recurso.
5. O PROCEDIMENTO DO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA
O cumprimento da sentença, quanto às obrigações de fazer ou não fazer, não
sofreu mudanças com o presente projeto, continuando a ser regulado pelos artigos
461 e 461-A da atual lei.
A inovação trazida pelo presente dispositivo diz respeito ao cumprimento da
sentença quanto às obrigações por quantia certa. Estando a sentença líquida, ou
após a devida liquidação, a execução dar-se-á dentro do processo de conhecimento, sendo a etapa final deste, sem a necessidade de um processo autônomo de
execução.
A execução das prestações pecuniárias, segundo o artigo 475-J, quando o credor
requerer o cumprimento da sentença condenatória por quantia certa e o devedor
não o fizer no prazo de quinze dias, será acrescido ao quantum debeatur uma multa
no importe de 10% do valor da condenação, além da expedição de mandado de
penhora e avaliação.
Em relação a essa multa, Luiz Fux afirma que: “A letra da lei deixa entrever, de
forma inequívoca, que a multa tem natureza de meio de coerção e reverte em favor do
credor”. Acompanha este entendimento Athos Gusmão Carneiro.
Se o pagamento efetuado no prazo do caput for parcial, a multa incidirá sobre o
valor restante, evitando, assim, que o devedor se livre da penalidade da multa sem
adimplir integralmente o valor devido.
Ainda em relação à multa legal prevista na Lei 11.232, entende-se que a mesma
não pode ser majorada ou sofrer qualquer tipo de gradação de intensidade pelo magistrado que irá aplicá-la ao caso concreto. Porém, de acordo com o entendimento
de Hugo Filardi “como decorre de um novo dever de lealdade processual imposto ao
litigante vencido, a multa do artigo 475-J tem fundamento no contempt of court,
podendo sim ser cumulada com as penas previstas nos artigos 17 e 18 do CPC.”
FGV DIREITO RIO 188
ação: teoria e procedimentos
A nova redação prevê ainda o arquivamento do processo diante da inércia do
credor em requerer a execução. O requerimento poderá ser feito caso o devedor
não pague o valor devido no prazo de quinze dias ou se pagar parcialmente, ocasião em que, como já visto, ficará sujeito à incidência da multa de 10% sobre o
valor restante e à penhora de seus bens para garantia do pagamento desta parte
da dívida.
Desse modo, se o credor não proceder ao requerimento da execução dentro dos
seis meses e quinze dias que sucederem à publicação da decisão relevante, o processo
será arquivado de ofício pelo juiz da causa, sem prejuízo da possibilidade de seu desarquivamento posterior a pedido da parte interessada, e a partir daí começa a fluir
o prazo da prescrição intercorrente.
Quando o prazo de 15 dias supracitado transcorrer sem nenhuma manifestação
do obrigado, caberá ao credor requerer, dentro do processo em que a condenação
foi proferida, a expedição do mandado de penhora e avaliação através de simples
petição, a qual deverá ser instruída com planilha de débito atualizada.
Tal “requerimento” do credor, realizado por meio de petição, terá como causa de
pedir a afirmação de que o obrigado não realizou espontaneamente o pagamento
de seu débito, e o pedido certo e determinado do exeqüente terá como objeto imediato a prestação jurisdicional reclamada pelo exeqüente e, como objeto mediato, o
pedido de obtenção do bem da vida contemplado no título.
Tratando-se de obrigação prevista em título judicial cujo valor não seja prontamente determinado, ao exeqüente é aberta a oportunidade de ingressar com procedimento liqüidatório – art. 475- A -, para só posteriormente ingressar na atividade
jurisdicional de cumprimento de sentença.
Uma outra importante novidade, já mencionada acima, trazida pela Lei
11.232 é a desnecessidade de nova citação do devedor quando inaugurada fase
de cumprimento de sentença. Realizada a penhora e a avaliação, intimar-se-á o
executado, que poderá impugnar a execução no prazo de 15 dias, na forma do
art. 475-J, § 1º.
Seguindo o procedimento do art. 475 –J, o § 2º determina que, se após o requerimento do credor, for expedido mandado de penhora e avaliação e o oficial de
justiça que for cumpri-lo não conseguir proceder à avaliação do bem, por depender
de conhecimentos especializado, o juiz nomeará avaliador que deverá entregar o
laudo.
6. A EXECUÇÃO PROVISÓRIA E DEFINITIVA
A execução será definitiva, quando da sentença transitada em julgado, e provisória, quando se tratar de sentença impugnada mediante recurso ao qual não foi
atribuído efeito suspensivo.
Dar-se-á a execução provisória quando esta for fundada em título judicial passível de modificação por meio de recurso ainda não julgado e desde que o efeito
atribuído seja apenas devolutivo.
FGV DIREITO RIO 189
ação: teoria e procedimentos
A execução provisória deverá ser provocada pelo exeqüente, que ficará responsável por reparar eventuais danos que o executado venha a sofrer em razão da referida
execução em decorrência de reforma ou anulação da sentença.
Para assegurar isto, é exigida caução, que será prestada pelo exeqüente quando
o mesmo for realizar atos que importem em expropriação de bens do executado e
que possam lhe gerar algum dano, a não ser que se trate de execução de crédito ou
decorrente de ato ilícito até o limite de sessenta salários mínimos, desde que o exeqüente mostre que se encontra em situação de necessidade e ainda no caso de estar
pendente agravo de instrumento contra decisão que não admitiu recurso especial ou
extraordinário.
Numa seqüência lógica, passa-se a analisar a forma de satisfação do direito subjetivo do credor consagrado pela sentença de mérito obtida em processo de cognição.
Como visto, a inércia do executado em cumprir a prestação a que foi condenado
traz implicações importantes ao campo patrimonial do devedor.
Primeiramente, porque, ao valor de sua condenação, será acrescida multa de
10% como forma de punição a sua mora, e segundo, porque ao credor será dado
direito de ingressar com petição requerendo o início da constrição dos bens do
inadimplente, através de expedição de mandado de penhora e avaliação.
Quando o exeqüente for requerer, por meio de simples petição, a expedição de
mandado de penhora e avaliação, poderá também indicar, desde logo, os bens que deseja atingir no patrimônio do devedor, tudo com objetivo de ter seu crédito satisfeito.
Inexistindo nomeação de bens pelo exeqüente, a fase de expropriação se dará por
ato do oficial de justiça, que, na posse do mandado de penhora, procederá à penhora de tantos bens quanto bastarem para satisfação do crédito do exeqüente.
A penhora traduz-se numa providência necessária para afetar certo bem do devedor no patrimônio exposto à expropriação, garantindo, assim, o cumprimento da
obrigação, pois tais bens suportarão a dívida do executado.
Seguindo o raciocínio legal, a intimação da penhora abrirá prazo de quinze dias
para o executado oferecer impugnação.
7. DA IMPUGNAÇÃO
No que se refere à impugnação prevista no § 1º do art. 475-J, admite-se a intimação do devedor pelo correio, o que não ocorria anteriormente a essa inovação
legislativa. Antes, o meio de defesa do devedor executado eram os chamados embargos à execução e possuía natureza de ação cognitiva. A impugnação, ao contrário,
retrata um simples incidente processual.
Por meio da impugnação, que excepcionalmente será recebida no efeito suspensivo, o devedor poderá alegar exclusivamente em pelo menos uma das hipóteses a
seguir:
a) falta ou nulidade da citação, se o processo correu à revelia – necessariamente
terá que haver revelia. Se o vício da citação foi sanado pelo comparecimento
FGV DIREITO RIO 190
ação: teoria e procedimentos
b)
c)
d)
e)
f )
espontâneo do réu, por exemplo, esta fundamentação não poderá ser alegada
a fim de que a impugnação seja recebida;
inexigibilidade do título – o devedor deverá alegar a ausência do título ou de
seus atributos, tais como certeza e liquidez. Exemplos: a sentença revogada,
a sentença desprovida de força executiva e a sentença submetida a recurso
suspensivo;
penhora incorreta ou avaliação errônea – penhora incorreta será aquela que
contenha vício por não atender aos requisitos do artigo 665 do CPC, ou ainda que recaia sobre bens impenhoráveis etc. Avaliação errônea poderá ter sido
feita por Oficial de Justiça ou mesmo por avaliadores nomeados pelo juiz;
ilegitimidade das partes;
excesso de execução – que deverá ser instruída com planilha indicando o valor que
o devedor entende correto, sob pena de rejeição liminar da impugnação; e
qualquer causa impeditiva, modificativa ou extintiva da obrigação, como pagamento, novação, compensação, transação ou prescrição, desde que superveniente
à sentença.
O prazo definido em lei para a impugnação é de quinze dias, a contar da intimação, realizada depois de confeccionado auto de penhora e avaliação. O termo inicial
do prazo pode ser considerado desta forma, aquele resultante da juntada aos autos
do mandado de penhora e avaliação.
Decorrido o prazo legal sem que o executado tenha oferecido impugnação, este
decairá do direito de se defender da execução que está sendo promovida. Porém,
resta ainda ao devedor alegação de exceções e objeções através de ação autônoma ou
exceção de pré-executividade.
A impugnação não terá efeito suspensivo em regra, de acordo com o art. 475
– M, mas o juiz poderá recebê-la sob o efeito suspensivo. Porém, para que o juiz
atribua efeito suspensivo às impugnações, dois requisitos deverão ser conjugados:
(i) relevância dos fundamento; e (ii) prosseguimento da execução, na pendência da
impugnação, se mostrar suscetível de causar grave dano ao executado ou dano de
difícil ou incerta reparação.
Mesmo sendo atribuído efeito suspensivo, permite o § 1º do artigo 475- M que
o exeqüente prossiga com a execução desde que preste caução idônea, dando tal
dispositivo uma boa oportunidade para satisfação do crédito de forma mais tempestiva. Tal caução oferecida e prestada deve ser suficiente e idônea, sendo arbitrada
pelo juiz e prestada nos próprios autos.
A decisão que resolve a impugnação desafia recurso de agravo por instrumento, a
não ser que desta impugnação resulte extinção da execução, caso em que será cabível
o recurso de apelação (artigo 475- M, § 3º).
FGV DIREITO RIO 191
ação: teoria e procedimentos
8. DO JUÍZO COMPETENTE
Quando se tratar de cumprimento de sentença de acórdão proferido em causa de
competência originária de colegiado, são competentes para processar o cumprimento de sentença os tribunais (de acordo com o previsto no art. 475 – P, I).
São competentes para efetuar o cumprimento de sentença, os juízos onde foram
processadas as causas em primeira instância. Nesse ponto, o parágrafo único do
artigo anteriormente mencionado abre a oportunidade ao exeqüente de optar pelo
juízo do local onde se encontram os bens sujeitos a expropriação ou juízo do atual
domicílio do executado.
Para tanto, o exeqüente deverá requerer tal faculdade ao juízo prolator da
sentença, o qual remeterá os autos para a comarca onde se encontram os bens a
serem executados ou comarca do domicílio do executado. Tal deslocamento de
competência visa garantir maior facilidade para aquisição do bem da vida postulado.
MATERIAL DE APOIO
Jurisprudência
AgRg no REsp 825690 / RJ ; AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL 2006/0048613-3 Relator(a) Ministro FELIX FISCHER (1109) Órgão
Julgador T5 - QUINTA TURMA Data do Julgamento24/04/2007 Data da Publicação/Fonte DJ 04.06.2007 p. 418 Ementa: AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. LIQUIDAÇÃO DE
SENTENÇA. HOMOLOGAÇÃO DE CÁLCULOS. RECURSO CABÍVEL.
APELAÇÃO. PRECEDENTES. ART. 475-H DO CÓDIGO CIVIL. LEI Nº.
11.232/05. INAPLICABILIDADE.
I- Esta c. Corte firmou o entendimento de que o recurso cabível contra decisão de
homologação de cálculos é, em regra, a apelação, admitindo-se, ainda, a interposição
de agravo de instrumento por aplicação do princípio da fungibilidade. Precedentes.
II- Não se aplica ao caso o art. 475-H do Código de Processo Civil, acrescentado pela
Lei nº. 11.232/05, vez que não estava em vigor à época da interposição da apelação
pelo ora agravado. Agravo regimental desprovido.
TJRJ
2007.002.16280 - AGRAVO DE INSTRUMENTO DES. HENRIQUE DE
ANDRADE FIGUEIRA - Julgamento: 25/07/2007 - DECIMA SETIMA CAMARA CIVEL PROCESSO CIVIL. AGRAVO LEGAL. EXECUÇÃO POR TÍTULO JUDICIAL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. INTIMAÇÃO DO
DEVEDOR PARA ADIMPLIR A CONDENAÇÃO. A intimação da parte vencida para o pagamento de quantia certa definida em título executivo judicial se faz
FGV DIREITO RIO 192
ação: teoria e procedimentos
mediante publicação no Diário Oficial, tão somente para definir o termo inicial de
liquidação voluntária da condenação. Recurso desprovido.
TJPE
Agravo de Instrumento 93760-0 Relator Frederico Ricardo de Almeida Neves
Órgão Julgador 4ª Câmara Cível Data de Julgamento 6/7/2006 14:00:00 Ementa: PROCESSO CIVIL. LEVANTAMENTO DE DEPÓSITO EM DINHEIRO.
CAUÇÃO SUFICIENTE E IDÔNEA. NECESSIDADE. RECURSO PROVIDO. DECISÃO UNÂNIME. Em execução provisória, a caução suficiente e idônea é condição absolutamente indispensável para o levantamento do depósito em
dinheiro (artigo 475-O inciso III do CPC).
Leitura obrigatória
PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. A nova sistemática do cumprimento
de sentença: reflexões sobre as principais inovações da Lei nº 11.232/05.
Revista Dialética de Direito Processual, vol. 37, 2006, p. 46-62;
PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. A nova sistemática do cumprimento
de sentença: outras reflexões sobre a Lei nº 11.232/05. Revista Dialética de
Direito Processual, vol. 39, 2006, p. 56-71.
Leitura complementar
DIDIER JR., Fredie, BRAGA, Paula Sarno, OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito
Processual Civil, vol. 2, 2ª edição, Salvador, Podium, 2008, p. 477-549.
SOUSA, José Augusto Garcia de. A nova execução civil: o que falta mudar. Revista da EMERJ – Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, nº 39,
2007, p. 40-77.
FGV DIREITO RIO 193
ação: teoria e procedimentos
AULA 22. A INFORMATIZAÇÃO DO PROCESSO E A LEI Nº. 11.419/06.
CASO
O expediente forense, para atendimento ao público, limita o termo final para
a prática de atos nos processos ao encerramento das atividades e aos dias úteis.
Todavia, verifica-se que o “expediente virtual” admite que os usuários utilizem-se
das páginas dos tribunais a quaisquer dia e horário para consultar processos, jurisprudência, notícias, enfim, uma gama de atividades disponíveis em tempo integral.
Com o advento da Lei nº. 11.419/06, que disciplina a informatização dos processos virtuais, em que as partes podem protocolizar petições, interpor recursos etc.,
utilizando-se da internet, surge a seguinte questão: é razoável que o encerramento
dos prazos seja fixado com o término do expediente forense, mesmo nos casos de
processos virtuais, ou para os processos dessa natureza os atos podem ser praticados
até às 23:59h do dia final do prazo conferido para a prática daquele ato? Sem querer
antecipar se a resposta é positiva ou negativa, suponhamos que seja positiva, isto
não seria ofensivo ao princípio da igualdade, tendo em vista que, por exemplo, nem
todos os tribunais estão devidamente aparelhados a atender ao processo virtual?
NOTA AO ALUNO
A Lei 11.419/06 é oriunda do Projeto de Lei 5.828/01, posteriormente convertido em PLC 71/02. A Lei foi editada em 19.12.2006 e entrou em vigor em
20.3.2007. Segundo as disposições da lei, são regulamentadas a tramitação de processos judiciais, a comunicação de atos e a transmissão de peças processuais.
A Lei se aplica aos procedimentos cíveis, criminais e trabalhistas, em todas as instâncias, sendo certo, porém, que há restrições em procedimentos criminais, como é
o caso da citação expressamente referida no art. 6º, aplicável também aos procedimentos infracionais, previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente.
Diante do silêncio da lei, pensamos que foi intenção do legislador excluir a sua
incidência sobre procedimentos militares e eleitorais, que, em razão da peculiaridade das matérias, ficará restrito às normas procedimentais gerais.
Pensamos, ainda, que também não deve se aplicar a nova lei aos procedimentos
administrativos, eis que, para tanto, será necessário que o Poder Executivo se estruture a fim de obter as condições mínimas exigidas pela lei.
A fim de garantir a segurança dos atos processuais praticados dentro da nova
sistemática, a lei prevê a figura da assinatura eletrônica, que será instrumentalizada
por meio de uma assinatura digital, baseada em certificado emitido por autoridade
credenciada, bem como a existência de um cadastro de usuários do Poder Judiciário
(art. 2º).
FGV DIREITO RIO 194
ação: teoria e procedimentos
Demócrito Reinaldo Filho3, em artigo esclarecedor sobre este certificado a que
se refere à nova Lei, afirma que:
“(...) a Lei 11.419/06 limita-se a dizer que o certificado digital deve ser “emitido
por Autoridade Certificadora credenciada, na forma da lei específica”, mas é claro
que somente quem tiver certificado expedido por entidade credenciada junto à
ICP-Brasil (Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira) pode se cadastrar perante
os órgãos da Justiça. Várias razões levam a essa conclusão. A primeira delas reside
na circunstância de que o seu art. 20, na parte em que atribuía nova redação ao
parágrafo único do art. 154 do CPC, foi vetado. Na sua redação atual, conferida
pela Lei 11.280/06, o art. 154 do CPC contém previsão de que os tribunais podem
disciplinar a prática e a comunicação de atos processuais por meios eletrônicos
desde que “atendidos os requisitos de autenticidade, integridade, validade jurídica
e interoperabilidade da Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil”.
Nas razões do veto, o Presidente da República acentuou que “a norma já em vigor
é de suma importância por deixar expressa a obrigatoriedade de uso da ICP-Brasil
na prática de atos processuais”. Logo, permanecendo em vigor o § único do art.
154, na redação que lhe deu a Lei 11.280/06, a realização de atos processuais judiciais em meio eletrônico, para ser válida, necessita da certificação de entidade
credenciada à ICP-Brasil. A segunda razão deriva do fato de que, na alínea a do inc.
III do § 1º. do art. 1º., onde o legislador oferece o conceito de assinatura digital,
ele indica que o status de autoridade certificadora credenciada a emitir certificado
digital é regulado “na forma de lei específica”. A legislação que trata especificamente
da utilização de certificados digitais para garantir a autenticidade e validade jurídica
de documentos e transações em forma eletrônica é a Medida Provisória n. 2.200,
que instituiu a ICP-Brasil. A terceira razão que pode também ser citada, em complemento aos dois argumentos anteriores, consiste no fato de que, nos termos do
art. 10 (e seus parágrafos) da citada medida provisória, somente os documentos eletrônicos produzidos com processo de certificação da ICP-Brasil têm valor jurídico
oponível contra todos”.
Os órgãos do Poder Judiciário poderão criar um cadastro único para o credenciamento dos usuários do sistema eletrônico, fornecendo aos mesmos o registro e o
meio de acesso ao sistema, de forma a preservar o sigilo, a identificação e a autenticidade de suas comunicações (art. 2º, §§ 2º e 3º).
A esse respeito, Reinaldo Filho4 anota que:
“(...) o CNJ aliás já desenvolveu um modelo de processo eletrônico, que pretende seja adotado por todos os órgãos da Justiça brasileira. O sistema, que vem sendo
denominado de ‘Sistema Virtual Nacional’, foi desenvolvido em software livre e é
baseado no sistema Pro-Jud, do Tribunal de Justiça da Paraíba. O CNJ está promovendo a divulgação desse sistema de processo eletrônico, incentivando os tribunais
a adotá-lo”.
3
REINALDO FILHO, Demócrito.
A garantia de identificação
das partes nos sistemas para
transmissão de peças processuais em meio eletrônico –
o modelo da lei 11.419/06,
publicado no sítio do informativo Migalhas. disponível em:
http://www.migalhas.com.br/
mostra_noticia_articuladas.
aspx?cod=35826. Acesso em:
26 de fevereiro de 2007.
Idem. http://www.migalhas.
com.br/mostra_noticia_articuladas.aspx?cod=35826.
Acesso em: 26 de fevereiro de
2007.
4
FGV DIREITO RIO 195
ação: teoria e procedimentos
Segundo a regra do artigo 3º, o ato processual efetivado por meio eletrônico é
considerado como realizado no dia e hora de seu envio, sendo certo que isto poderá
ocorrer até as 24 horas do último dia do prazo, como acrescenta o parágrafo único
deste dispositivo.
Ao comentar o art. 3º, Ana Amélia Menna Barreto de Castro Ferreira5 destaca que:
“Em sentido oposto ao atual procedimento dos Tribunais, adotando a teoria da
expedição, o texto legal considera realizado o ato processual por meio eletrônico no
dia e hora de seu envio ao sistema disponibilizado pelo Poder Judiciário, que deve
gerar protocolo eletrônico de recebimento da peça.”
Esta é, sem dúvida, uma das grandes inovações da Lei. Com a nova sistemática,
os advogados não ficam mais restritos ao horário de fechamento do Setor de Protocolo, podendo aproveitar ao máximo o último dia do prazo.
Outra grande inovação, relativa à comunicação eletrônica dos atos processuais,
encontra-se no art. 4º e seus parágrafos. Segundo este dispositivo, a publicação
eletrônica substitui qualquer outro meio de publicação oficial, para quaisquer efeitos legais, com exceção das hipóteses em que se exigir, por lei, intimação ou vista
pessoal.
Ainda segundo este dispositivo, os atos judiciais poderão ser publicados em um
Diário de Justiça Eletrônico, que ficará hospedado em um sítio na internet.
Segundo as novas regras, publicado o ato judicial na internet, considera-se como
data da publicação o primeiro dia útil seguinte ao da disponibilização da informação. E o prazo processual só se inicia no primeiro dia útil seguinte à data da publicação, ou seja, o segundo dia útil seguinte à data da disponibilização da informação.
Assim, por exemplo, se a decisão é disponibilizada no sítio do Tribunal numa
sexta-feira, o prazo só se inicia na terça-feira subseqüente.
De se observar que esta regra não se aplica aos casos em que a lei exija intimação
pessoal, como ocorre, por exemplo, na hipótese do art. 267, § 1º, quando o juiz
deve notificar pessoalmente o autor, antes de extinguir o feito sem resolução de
mérito, ante a sua pretensa inércia.
O art. 5º trata das intimações feitas por meio eletrônico para as pessoas que se
cadastrarem junto ao órgão do Poder Judiciário, dispensando-se a publicação no
órgão oficial, inclusive eletrônico. Nesse caso, considera-se efetivada a intimação,
no dia em que a pessoa realiza a consulta eletrônica ao ato judicial, o que deverá ser
regularmente certificado nos autos.
Caso a consulta seja feita em dia não útil, considera-se como realizada no primeiro dia útil seguinte.
O § 3º do art. 5º estabelece o prazo de 10 dias corridos, contados da data do
envio da intimação, para que seja feita a consulta. Ao término desse prazo, considera-se realizada a diligência.
Esta regra é atenuada pelo §5º do mesmo artigo, nas hipóteses de casos urgentes ou de perigo de prejuízo para as partes. Podemos exemplificar aqui, com a
hipótese tão corriqueira das partes que demandam nos Juizados Especiais Cíveis
5
FERREIRA, Ana Amelia Menna
Barreto de Castro. Roteiro da Lei
11.419/2006 Processo Judicial
Informatizado. Disponível em:
www.migalhas.com.br. Acesso
em: 10 de fevereiro de 2007.
FGV DIREITO RIO 196
ação: teoria e procedimentos
sem assistência de advogado, quando o valor da causa não ultrapassa 20 salários
mínimos.
O § 4º do art. 5º prevê o serviço opcional, de caráter informativo, da remessa de
correspondência eletrônica pelos Tribunais para aqueles que se manifestarem interessados em obter informações acerca do envio da intimação e abertura automática
do prazo processual.
Para que não reste nenhuma dúvida acerca da efetividade das novas regras, o §
6º determina que essas intimações são consideradas pessoais para todos os efeitos
legais.
Também os atos de comunicação entre Juízos (artigo 7º) serão efetivados preferencialmente por meio eletrônico. É o caso das cartas precatória, rogatória e de
ordem.
Quanto às citações, também elas poderão ser feitas por meio eletrônico, desde que
a íntegra dos autos seja acessível ao citando. Necessário aqui fazer referência ao art.
11, § 5º, que trata da hipótese de existência de documentos, cuja digitalização seja
tecnicamente inviável. Nesse caso, os documentos devem ser apresentados no cartório ou secretaria dentro do prazo de 10 (dias), a contar do envio da petição eletrônica
de comunicação do fato, sendo devolvidos à parte após o trânsito em julgado.
Os arts. 8º a 13 tratam do processo eletrônico. Pelas novas regras, os autos podem ser total ou parcialmente digitais, devendo se utilizar preferencialmente a internet, bem como a assinatura eletrônica para todos os atos processuais.
O art. 9º estabelece que todas as citações, intimações e notificações no processo
eletrônico, incluindo a Fazenda Pública, serão feitas por meio eletrônico. Caso seja
constatada a inviabilidade técnica para a realização de tais atos processuais, poderão
os mesmos ser praticados de acordo com as regras ordinárias, digitalizando-se o
documento físico, que deverá ser destruído posteriormente.
O art. 10 permite a prática dos atos processuais, incluindo petição inicial, contestação e recursos diretamente pelos advogados, públicos ou privados, sem a necessidade da intervenção física do cartório, devendo o sistema fornecer automaticamente recibos eletrônicos de protocolo.
O art. 10, § 2.º traz regra expressa para a hipótese do sistema do Poder Judiciário
se tornar indisponível, determinando que o prazo ficará automaticamente prorrogado para o primeiro dia útil seguinte à resolução do problema.
Ademais, para garantir o acesso à justiça nesta nova dimensão virtual, o § 3º do
art. 10 determina que os órgãos do Poder Judiciário devem manter à disposição da
população equipamentos de digitalização e de acesso à internet.
O art. 11 estabelece que os documentos produzidos eletronicamente que contenham garantia da origem e de seu signatário serão considerados originais para fins
de prova judicial.
Já no tocante aos originais dos documentos digitalizados, o detentor deverá preservá-los até o trânsito em julgado da sentença, ou, quando admitida, até o final do
prazo para interposição de ação rescisória (§§ 2º e 3º do art. 11).
Cabe, ainda, ao Poder Judiciário proteger os autos dos processos eletrônicos
por meios de segurança de acesso, além de armazená-los de forma que sejam
FGV DIREITO RIO 197
ação: teoria e procedimentos
garantidas a preservação e integridade dos dados, conforme estabelecido no § 1º
do art. 12.
Se houver necessidade dos autos de processos eletrônicos serem remetidos a outro Juízo ou instância superior que não disponha de sistema compatível, deverão os
mesmos ser impressos em papel (art. 12, § 2º). Neste caso, o escrivão ou o chefe da
secretaria certificará a origem dos documentos, bem como a forma pela qual será
possível acessar o banco de dados para confirmação da autenticidade das peças e
assinaturas digitais (art. 12, § 3º).
O art. 13 prevê a possibilidade de o magistrado determinar que sejam realizados
a exibição e o envio de dados e documentos necessários à instrução do processo por
meio eletrônico.
Para os efeitos deste mesmo artigo, são considerados cadastros públicos aqueles
que contenham informações indispensáveis ao exercício da função judicante, sejam
eles mantidos por concessionárias de serviço público ou por empresas privadas, podendo ser acessados por qualquer meio tecnológico (art. 13, §§ 1º e 2º).
Por fim, a nova lei, a partir do art. 14, traz disposições gerais acerca do procedimento.
Os sistemas e programas de informática devem ser desenvolvidos preferencialmente com o código aberto, priorizando-se a sua padronização e permitindo o acesso ininterrupto via internet.
Os sistemas devem, ainda, identificar ocorrências de prevenção, litispendência e
coisa julgada, bem como conter o nº do CPF ou do CNPJ das partes, para fins de
busca ou indexação de informações.
De acordo com o parágrafo único do art. 15, as peças de acusação criminais
deverão ser instruídas pelos membros do Ministério Público ou pelas autoridades
policiais com os números de registros dos acusados no Instituto Nacional de Identificação do Ministério da Justiça, se existirem.
O art. 19 determina a convalidação de atos eletrônicos praticados antes da publicação da lei e desde que não tenha havido prejuízo para as partes.
O art. 20 altera diversos dispositivos do CPC, com o objetivo de adequar os
institutos processuais à nova sistemática.
Hugo Leonardo Penna Barbosa6 elenca e comenta essas alterações, a começar
pelos arts. 38, 154 e 164 do referido Diploma, que se referem basicamente à assinatura eletrônica:
“O artigo 38 do CPC versa sobre a procuração que habilita a representação dos
procuradores judiciais. A nova lei inclui um parágrafo único, permitindo que a petição
seja assinada eletronicamente, desde que haja certidão de autenticidade de assinatura
por meio de autoridade certificadora credenciada. O artigo 154 do CPC tem incluído
um novo parágrafo, o segundo, possibilitando que os atos e termos processuais sejam
produzidos, transmitidos, armazenados e assinados por meio eletrônico. (...) O mesmo ocorre no art. 164 que ganha um parágrafo único para permitir que a assinatura
dos juízes, em todos os graus de jurisdição, seja realizada eletronicamente.”
6
BARBOSA, Hugo Leonardo
Pena. “Lei n.º 1.419/2006: o
processo eletrônico como garantia de um Judiciário efetivo”.
In Revista Dialética de Direito
Processual. Nº. 49, São Paulo:
Editora Oliveira Rocha, 2007,
pp. 79-94.
FGV DIREITO RIO 198
ação: teoria e procedimentos
Em seguida, o autor ressalta as modificações ocorridas nos arts. 169, 202, 221,
237, 365 e 399 do CPC, conforme transcrevemos abaixo:
“O artigo 169 do CPC que faz parte do rol de dispositivos que trata do tempo e
do lugar dos atos processuais recebe dois novos parágrafos. (...) A alteração do art. 202
do CPC tem cunho apenas de adaptação ao novo texto legal, permitindo que a carta
de ordem, carta precatória ou carta rogatória sejam expedidas por meio eletrônico.
As alterações do art. 221 que trata da citação, e do art. 237 do CPC que versa sobre
a intimação, têm a mesma finalidade, incluir a citação e a intimação por meio eletrônico. No que tange às provas produzidas no processo civil, o art. 365 do diploma
processual ganha novos incisos e parágrafos. (...) A nova lei determina, ainda, que os
documentos originais digitalizados ficarão sob a guarda de seu detentor até o final do
prazo para a interposição da ação rescisória, podendo o juiz determinar o depósito em
cartório sempre que houver relevância ou se tratar de título executivo extrajudicial”.
Quanto às provas documentais arquivadas em repartições públicas, a nova lei
permite que o juiz requisite, no prazo máximo de 30 (trinta) dias, certidões ou
reproduções fotográficas das peças necessárias à instrução do processo. As repartições públicas poderão, também, fornecer todos os documentos através de meio
eletrônico.
Por fim, o autor fala das alterações introduzidas nos arts. 457 e 556 do CPC,
relatando que ao primeiro foi acrescentado o § 4º, com remissão ao art. 169; e ao
segundo foi incluído o parágrafo único, possibilitando que os votos, acórdãos e
demais atos processuais praticados no Tribunal também possam ser registrados em
arquivo eletrônico inviolável e assinados eletronicamente.
Como uma pequena conclusão sobre a nova lei, podemos dizer que a iniciativa
do legislador é ambiciosa, mas muito bem-vinda. Por outro lado, não se pode fechar os olhos para a realidade brasileira, segundo a qual a maioria esmagadora da
população ainda se encontra excluída dos meios eletrônicos e digitais. Deste modo,
espera-se que haja prudência na aplicação da nova lei, de modo a não aumentar
ainda mais a desigualdade hoje existente.
Contudo, é preciso insistir para que a transição seja feita de forma gradual, respeitando-se os princípios do contraditório e da ampla defesa e as limitações materiais e estruturais de cada órgão do Poder Judiciário.
MATERIAL DE APOIO
Jurisprudência
RESOLUÇÃO Nº. 341, DE 16 DE ABRIL DE 2007.
Institui o Diário da Justiça Eletrônico do Supremo Tribunal Federal e dá outras
providências.
FGV DIREITO RIO 199
ação: teoria e procedimentos
A PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, no uso da competência prevista no art. 363, I, do Regimento Interno, considerando o disposto
no parágrafo único do art. 154 do Código de Processo Civil, acrescido pela Lei
nº. 11.280, de 16 de fevereiro de 2006, e na Lei nº 11.419, de 19 de dezembro de
2006, e tendo em vista o decidido na Sessão Administrativa de 5 de fevereiro de
2007 sobre o Processo nº 327.841, R E S O L V E:
Art. 1º Fica instituído o Diário da Justiça Eletrônico como instrumento de comunicação oficial, publicação e divulgação dos atos judiciais do Supremo Tribunal Federal.
§ 1º O Diário da Justiça Eletrônico substitui a versão impressa das publicações
oficiais e passa a ser veiculado gratuitamente na rede mundial de computadores
– Internet, endereço www.stf.gov.br.
§ 2º Nos casos em que houver determinação expressa em lei, as publicações serão
feitas também no formato impresso, por meio da imprensa oficial.
§ 3º O Supremo Tribunal Federal manterá publicação impressa e eletrônica a
contar da vigência desta Resolução até 31 de dezembro de 2007.
§ 4º Após o período previsto no § 3º, o Diário da Justiça Eletrônico substituirá
integralmente a versão em papel.
Art. 2º O Diário da Justiça Eletrônico será publicado diariamente, de segunda a
sexta-feira, a partir das 10h, exceto nos feriados nacionais e forenses e nos dias em
que, mediante divulgação, não houver expediente.
Art. 3º Considera-se como data da publicação o primeiro dia útil seguinte ao da
divulgação da informação no Diário da Justiça Eletrônico.
§ 1º Os prazos processuais terão início no primeiro dia útil que seguir ao considerado como data da publicação.
§ 2º Os prazos processuais dos casos previstos no § 2º do art. 1º serão contados
com base na publicação impressa.
Art. 4º Após a publicação do Diário da Justiça Eletrônico, os documentos não
poderão sofrer modificações ou supressões.
Parágrafo único. Eventuais retificações de documentos deverão constar de nova
publicação.
Art. 5º As edições do Diário da Justiça Eletrônico do Supremo Tribunal Federal
serão assinadas digitalmente, atendendo aos requisitos de autenticidade, integridade, validade jurídica e interoperabilidade da Infra-Estrutura de Chaves Públicas
Brasileira – ICP-Brasil.
Parágrafo único. A Presidência designará os servidores titular e substituto que
assinarão digitalmente o Diário da Justiça Eletrônico.
Art. 6º A responsabilidade pelo conteúdo do material remetido à publicação é
da unidade que o produziu.
Parágrafo único. Cabe à unidade produtora referida no caput, o encaminhamento das matérias para publicação no Diário da Justiça Eletrônico.
Art. 7º Compete à Secretaria de Tecnologia da Informação a manutenção e o
pleno funcionamento dos sistemas informatizados, bem como a responsabilidade
pelas cópias de segurança do Diário da Justiça Eletrônico.
FGV DIREITO RIO 200
ação: teoria e procedimentos
Parágrafo único. As publicações no Diário da Justiça Eletrônico do Supremo
Tribunal Federal, para fins de arquivamento, serão de guarda permanente.
Art. 8º Cabe ao(à) Diretor(a)-Geral da Secretaria baixar os atos necessários ao
funcionamento e controle do disposto nesta Resolução.
Art. 9º Os casos omissos serão resolvidos pela Presidência do Supremo Tribunal
Federal.
Art. 10. Fica revogada a Resolução nº 311, de 31 de agosto de 2005.
Art. 11. Esta Resolução entra em vigor em 23 de abril de 2007.
Ministra Ellen Gracie
Leitura obrigatória
BARBOSA, Hugo Leonardo Pena. Lei 11.419/2006: o processo eletrônico como
garantia de um Judiciário efetivo, Revista Dialética de Direito Processual, vol.
49, 2007, p. 79-94.
FGV DIREITO RIO 201
ação: teoria e procedimentos
AULA 23. A DESJUDICIALIZAÇÃO DE PROCESSOS SEM LIDE; A LEI Nº
11.441/07; SEPARAÇÃO, DIVÓRCIO, INVENTÁRIO E PARTILHA
EXTRAJUDICIAIS.
CASO
João e Maria, pais de Joaquim, de dezessete anos, decidem se separar consensualmente, momento em que fixarão a guarda e visitação do menor. Ingressam em juízo
com a ação competente que tramita regularmente. Ocorre que, antes da decisão
saneadora, eis que insurge na sistemática processual civil a Lei nº. 11.441/07, que
entrou em vigor na data de sua publicação. Naquela mesma semana, Joaquim completa dezoito anos de idade e a ação de separação passa a atender a todos os requisitos
autorizadores para que pudesse tramitar extrajudicialmente. Nesta hipótese, avalie se
a ação deverá ser imediatamente remetida ao cartório de registro civil, que passará a
ser competente para prosseguir com o andamento do feito; ou seria razoável que esta
remessa fosse faculdade atribuída às partes em fazê-lo; ou ainda, o fato de já estar
instaurado o processo judicial nesta forma terá que prosseguir até o seu desfecho.
NOTA AO ALUNO
A Lei 11.441, de 04 de janeiro de 2007, corresponde ao Projeto de Lei nº.
4.725/04, de iniciativa do Poder Executivo e integrante do chamado Pacote Republicano.
Esta lei traz três alterações básicas. Em primeiro lugar, modifica a redação dos
artigos 982, caput e § único, 983 e 1.031; em seguida, insere o art. 1.124-A, caput
e §§ 1º, 2º e 3º; finalmente, revoga o parágrafo único do art. 983.
A lei trata basicamente das hipóteses da denominada jurisdição voluntária, em
que todos os interessados são maiores e capazes, não havendo entre eles litígio ou
contraposição de interesses.
A idéia é retirar do âmbito do Poder Judiciário aqueles processos que não demandam uma decisão de mérito e de caráter impositivo; são hipóteses nas quais o
Poder Judiciário tem uma atuação de natureza meramente burocrática e homologatória da manifestação de vontade expressa pelos interessados.
Uma importante vantagem oferecida pela via extrajudicial, prevista na nova lei,
consiste na inegável celeridade decorrente da possibilidade de se promover importantes atos da vida civil através de escritura pública.
Examinando especificamente o art. 982, ficam claras essas premissas do legislador. Entretanto, algumas questões podem ser levantadas diante da falta de regulamentação expressa.
FGV DIREITO RIO 202
ação: teoria e procedimentos
Em primeiro lugar, deve se observar que o procedimento é facultativo, na medida em que o legislador utiliza o verbo “poderá”, e não a forma imperativa “deverá”.
Nada impede que algum interessado se sinta mais confortável ou até mesmo
protegido estando amparado por uma decisão judicial, que, entre outras vantagens,
permite uma atividade executória (cumprimento de sentença) muito mais rápida e
objetiva.
Nesse passo, a Corregedoria-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, através de
grupo de estudo especialmente designado para o fim de editar orientações sobre a
nova lei7, externou o mesmo entendimento ora esposado, ao estatuir, nos itens 1.1
e 1.2 das referidas orientações, que o novo diploma legal não impede a utilização
da via judicial. Será, pois, facultado aos interessados optar entre a via judicial e a
extrajudicial.
De igual sorte, poderão os interessados desistir da via judicial, a fim de promover
seus interesses através da via extrajudicial, ou vice-versa. Vale ressaltar, contudo, que
é defeso aos interessados valer-se de ambas as vias simultaneamente. Do mesmo
modo, não poderão os interessados pretender instrumentalizar o mesmo ato através
de mais de uma escritura pública em diferentes Serventias Extrajudiciais.
O parágrafo 1º do artigo 1.124-A, inserido no Código de Processo Civil pela
nova lei, estabelece expressamente que a escritura não depende de homologação
judicial.
Embora esse parágrafo esteja situado no dispositivo que trata das escrituras de separação e divórcio consensuais, entendemos que as escrituras públicas de inventário
e partilha também independem de homologação judicial, não obstante a inexistência de regra semelhante no artigo 982.
A Lei não faz menção aos emolumentos.
Vale consignar que o §3º do artigo 1.124-A do CPC reconhece, expressamente,
a gratuidade do ato notarial para os necessitados, na forma da lei.
Assim sendo, cabe considerar, a uma, que o artigo 982, que versa sobre a escritura de inventário e partilha não trata da matéria, bem como, a duas, que, embora
o caput do artigo 1.124-A regule as escrituras de separação e divórcio, o §3º alude a
escrituras públicas em geral, sem fazer qualquer distinção.
Diante disso, é autorizado aplicar o teor do §3º a todas as escrituras indistintamente, sendo, portanto, cabível a concessão de gratuidade aos reconhecidamente
necessitados para a lavratura de escrituras de inventário e partilha.
Com efeito, aplica-se aos atos notariais e registrais o disposto no artigo 3º, incisos I e II da Lei nº 1.060/50. Caso o Tabelião entenda ser infundada a declaração
de pobreza, pode suscitar dúvida acerca da gratuidade.
Por outro lado, o Tabelião deverá atender a gratuidade solicitada pela Defensoria
Pública ou por qualquer órgão credenciado que se dedique à advocacia dativa, sob
pena de responsabilidade, na forma do artigo 31 da Lei nº 8.935/94.
No estado de São Paulo, a E. Corregedoria-Geral de Justiça estabeleceu que, enquanto não houver a estipulação dos emolumentos especificamente relacionados aos
atos previstos na Lei no 11.441/07, deverão ser cobrados os emolumentos de acordo
com a tabela atualmente em vigor, na forma do item 2.1 de suas orientações.
7
Conclusões aprovadas pelo
Grupo de Estudos instituído pela
Portaria CG no 01/2007, quanto
à prática dos atos notariais relativos à lei federal no 11.441/2007.
Diário Oficial do Estado de São
Paulo de 08/02/2007. Disponível em: www.tj.sp.gov.br.
Acesso em: 15/02/2007.
FGV DIREITO RIO 203
ação: teoria e procedimentos
O dispositivo exige a presença de pelo menos um advogado, não havendo previsão de patrocínio pela Defensoria Pública, o que poderia levar à interpretação
de que, nesses casos, seria necessário recorrer ao procedimento judicial. Parece-nos
que tal entendimento é equivocado e pode gerar tratamento desigual e até mesmo
preconceituoso.
Outro ponto que certamente vai gerar controvérsias, diz respeito à fiscalização
do recolhimento de tributos no inventário extrajudicial.
No Rio de Janeiro, a Secretaria Estadual de Fazenda e a Procuradoria-Geral do
Estado editaram a Resolução Conjunta no 03/2007, dispondo sobre os procedimentos a serem adotados para lançamento do ITD em partilhas por escritura pública8.
De fato, o artigo 1º dispõe que o imposto de transmissão deverá ser pago antes da
lavratura da escritura de inventário, partilha, separação ou divórcio, elencando-se,
no artigo 2º, os documentos que devem ser apresentados à autoridade fazendária, a
fim de que seja emitida a respectiva guia de recolhimento do imposto.
Após o pagamento dos tributos, as guias deverão ser remetidas à PGE, para
confirmação de sua regularidade no prazo máximo de cinco dias úteis (artigo 4º). A
PGE fornecerá, então, os documentos necessários, que deverão ser entregues pelos
interessados ao tabelião, a fim de que seja lavrada a escritura pública, na forma do
artigo 5º da citada Resolução.
Havendo necessidade de sobrepartilha (art. 1.040 do CPC), nada impede que
tal providência seja também efetivada pela via extrajudicial. Faz-se necessário, para
tanto, que os interessados estejam concordes e sejam capazes no momento da lavratura da escritura de sobrepartilha – inclusive e principalmente eventual novo
interessado na sobrepartilha –, ainda que não o fossem por ocasião da partilha.
Em outras palavras, para a lavratura da escritura de sobrepartilha, são exigidos os
mesmos requisitos legais da escritura pública de partilha, previstos no artigo 982,
parágrafo único.
Do mesmo modo, é admissível a lavratura de escritura pública, a fim de proceder
à partilha parcial do monte inventariado e ao chamado inventário negativo.
A nova redação do artigo 983, caput, associada à revogação de seu parágrafo único, traz uma alteração relativa aos prazos; o inventário, que antes deveria ser aberto
em 30 (trinta) dias, tem agora prazo mais elástico (60 dias); assim como a previsão
para seu término, que antes era de 6 (seis) meses, agora passa a ser de 12 (doze),
sendo certo, porém, que tais prazos são prorrogáveis por decisão judicial mediante
requerimento da parte interessada.
À primeira vista, esse dispositivo parece aplicar-se somente ao procedimento judicial, na medida em que é utilizado o termo “processo” e que o inventário e a partilha por escritura pública não demandam nenhuma diligência que possa fazer com
que o ato se estenda tanto.
Por outro lado, diante da omissão legal, parece razoável a interpretação extensiva
no sentido de que o prazo para requerer o inventário e a partilha extrajudiciais seja
também de 60 (sessenta) dias9.
Com efeito, entendendo-se que o prazo de 60 dias referido no caput do artigo
983 do CPC aplica-se a inventário e partilha extrajudiciais, conseqüentemente a
8
Resolução Conjunta no
03/2007. Publicada no Diário
Oficial do Estado do Rio de
Janeiro – Poder Executivo de
09/02/2007. p. 08.
No estado do Rio de Janeiro, a
Lei Estadual nº 3.633, de 13 de
Setembro de 2001, já previa o
prazo de 60 (sessenta) dias, sob
pena de incidência de multa no
valor de 10% do imposto devido
na transmissão causa mortis.
9
FGV DIREITO RIO 204
ação: teoria e procedimentos
multa prevista na legislação estadual fluminense será aplicável, em caso de inércia
dos interessados.
De igual sorte, consta expressamente, no item 4.27 das orientações elaboradas
pela Corregedoria-Geral de Justiça do TJSP, a admissibilidade da lavratura de escritura pública de inventário a qualquer tempo, cabendo ao tabelião, contudo, fiscalizar o pagamento de eventual multa pelo decurso de prazo legal.
Nesse sentido, apesar da imprecisão terminológica, parece-nos que o prazo vale
tanto para a via judicial como para a extrajudicial, inclusive com aplicação da multa,
sobretudo para que não se criem duas realidades distintas e se venha a ofender o
Princípio da Isonomia, consagrado no artigo 5º do Texto Constitucional.
Por fim, registre-se que o parágrafo único do artigo 983 foi revogado pelo artigo
5º da Lei nº 11.441/07. O dispositivo revogado permitia ao juiz o requerimento do
inventariante e dilatar o prazo de seis meses para a conclusão do procedimento de
inventário e partilha.
Como agora o prazo é de 12 meses, o legislador suprimiu a possibilidade de dilatação
do prazo, talvez sob inspiração do Princípio da Duração Razoável do Processo, esculpido
no artigo 5º, inciso LXXVIII da Carta de 1988 por força da Emenda nº 45/04.
Não obstante isso, não parece crível que um procedimento com a complexidade
do inventário seguido da partilha, possa ser concluído em 12 meses, incluídos todos
os incidentes e recursos cabíveis.
Com relação à separação e ao divórcio por escritura, o novo artigo 1.124-A
representa, sem dúvida, uma grande inovação, que tem por objetivo aliviar a quantidade excessiva de processos que hoje trafegam pelas Varas de Família.
Contudo, mais uma vez, parece que a abordagem do legislador foi excessivamente simplória, deixando de prever diversas situações que ocorrem, até mesmo com
freqüência, na prática.
Um ponto relevante consiste no segredo de justiça de que se revestem os processos judiciais de separação e divórcio, ainda que consensuais, em razão do disposto
no artigo 155, inciso II, do CPC. Nesse passo, abre-se o debate acerca da manutenção do sigilo em relação às escrituras públicas.
Com efeito, os atos notariais e registrais, salvo as exceções previstas em lei, são
essencialmente públicos, sendo a publicidade um dos princípios norteadores desta atividade10. Assim sendo, entendemos que, não constando na Lei no 11.441/07
qualquer ressalva nesse sentido, incide a regra geral, sendo públicas as escrituras
reguladas na nova lei, inclusive as de separação e divórcio.
A Corregedoria do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo comunga o mesmo posicionamento, entendendo que as escrituras de separação e divórcio não se
revestem de segredo de justiça, mantendo, pois, o seu caráter público, conforme
consta no item 5.11 de suas orientações.
Diante disso, será autorizado a qualquer interessado requerer certidão relativa a esses atos, na forma dos artigos 16 e 17 da Lei de Registros Públicos (Lei no 6.015/73).
Acerca da desnecessidade de homologação judicial das escrituras públicas, reportamo-nos, primeiramente, aos comentários tecidos em momento anterior, por
ocasião da análise do item 3.
Artigo 1º da Lei Federal no
8.935/94 – “Serviços notariais e
registrais são os de organização
técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade,
autenticidade, segurança e
eficácia dos atos jurídicos. (grifo
nosso)
10
FGV DIREITO RIO 205
ação: teoria e procedimentos
Indo além, um outro ponto que merece atenção é a conjugação do novo artigo
1.124-A do CPC, com o art. 1.574, parágrafo único, do Código Civil. Este dispositivo autoriza o juiz a deixar de homologar o acordo, caso entenda que o direito de
um dos cônjuges não está sendo adequadamente tutelado.
Com efeito, tal prerrogativa é exclusiva do juiz, não podendo se estender ao
tabelião, que, neste caso, a nosso ver, deverá invocar o já referido art. 198 da Lei de
Registros Públicos e suscitar dúvida.
Este mecanismo da dúvida representa, hoje em dia, importante instrumento de
proteção para o Tabelião, eis que há forte entendimento jurisprudencial no sentido
de ser pessoal e objetiva sua responsabilidade civil por danos causados aqueles que
utilizam seus serviços.
O juiz, ao receber essa dúvida, deve determinar a extinção do procedimento
administrativo e remeter os interessados à via judicial, a fim de que a complexidade da matéria possa ser analisada na sede adequada, pela autoridade judicial
competente.
Podemos observar que não está contemplada a figura da conversão consensual da
separação em divórcio, prevista no art. 25 da Lei nº. 6.515/77. Apesar da omissão,
parece que esta conversão também pode ser feita pela via extrajudicial, desde que a
separação já tenha sido deduzida desta forma.
Estamos em que, se a separação foi judicial, a conversão também deverá ser, a fim
de evitar possíveis manifestações contraditórias entre instâncias diversas.
Reconhecemos que essa posição pode soar excessivamente formalista e retrógrada; contudo, quer nos parecer que num momento de transição legislativa um pouco de prudência é sempre adequado. Ademais, trata-se de questão que logo estará
superada, na medida em que, a partir de agora, as separações judiciais consensuais
tendem a cair em desuso, de modo que, muito em breve, as conversões serão extrajudiciais, como decorrência da separação que assim já terá se processado.
Cabe registrar, contudo, que a Corregedoria-Geral de Justiça do Estado de
São Paulo entende que a Lei no 11.441/07 não só permite a conversão da separação em divórcio por escritura pública, como também estatui que a separação
judicial também pode ser convertida em divórcio por escritura pública, bastando,
para tanto, que o interessado apresente a certidão da averbação da separação (judicial) no assento do casamento expedida pelo Registro Civil de Pessoas Naturais
onde o casamento fora celebrado, conforme consta nos itens 7.2.1 e 7.2.2 das
orientações.
O caput do artigo 1.124-A determina a comprovação pelos interessados do decurso dos prazos legais como requisito para a lavratura da escritura pública de separação e divórcio. Isto posto, para a lavratura da escritura pública de divórcio consensual direto, faz-se necessária a comprovação do decurso do prazo de dois anos de
separação de fato, a teor do §2º do artigo 1.580, do Código Civil de 2002.
No que tange à separação consensual, deverão os interessados comprovar, mediante a apresentação da certidão do Registro Civil, o decurso do prazo de mais de
um ano desde a celebração do casamento, a fim de que possa ser lavrada a escritura,
conforme disposto no artigo 1.574, do Código Civil de 2002.
FGV DIREITO RIO 206
ação: teoria e procedimentos
Se houver reconciliação (art. 46 da Lei nº. 6.515/77 e artigo 1.577, CC/02),
nada impede que tal circunstância seja devidamente documentada e apresentada ao
tabelião, caso a separação tenha ocorrido no âmbito extrajudicial.
MATERIAL DE APOIO
Jurisprudência
RESPONSABILIDADE OBJETIVA - ESTADO - RECONHECIMENTO DE
FIRMA - CARTÓRIO OFICIALIZADO. Responde o Estado pelos danos causados
em razão de reconhecimento de firma considerada assinatura falsa. Em se tratando de
atividade cartorária exercida à luz do artigo 236 da Constituição Federal, a responsabilidade objetiva é do notário, no que assume posição semelhante à das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos - § 6º do artigo 37 também
da Carta da República.(RE 201595/SP. Julgado em 28.11.2000. Min. Marco Aurélio.
2ª Turma). CONSTITUCIONAL. SERVIDOR PÚBLICO. TABELIÃO. TITULARES DE OFÍCIO DE JUSTIÇA: RESPONSABILIDADE CIVIL. RESPONSABILIDADE DO ESTADO. C.F., art. 37, § 6º. I. - Natureza estatal das atividades
exercidas pelos serventuários titulares de cartórios e registros extrajudiciais, exercidas
em caráter privado, por delegação do Poder Público. Responsabilidade objetiva do
Estado pelos danos praticados a terceiros por esses servidores no exercício de tais
funções, assegurado o direito de regresso contra o notário, nos casos de dolo ou culpa
(C.F., art. 37, § 6º). II. - Negativa de trânsito ao RE. Agravo não provido. (RE – AgR
209354/PR. Julgado em 02.03.1999. Min. Carlos Velloso. 2ª Turma).
1. No entanto, já começam a surgir posicionamentos divergentes. A título de
exemplo, veja-se o precedente a seguir: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL
CIVIL - RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO - EVENTO DANOSO
CAUSADO POR ATO DE TABELIONATO NÃO OFICIALIZADO - LEGITIMIDADE PASSIVA - DENUNCIAÇÃO DA LIDE - AÇÃO DE REGRESSO
– NEXO DE CAUSALIDADE. 1. Provado nos autos que a fraudulenta alienação
imobiliária só se realizou em face de apresentação de falsa procuração pública, cabe
ao Estado responder pela indenização por ato ilícito do seu preposto. 2. Os tabelionatos são serventias judiciais e estão imbricadas na máquina estatal, mesmo quando
os servidores têm remuneração pelos rendimentos do próprio cartório e não dos
cofres públicos. 3. Embora seja o preposto estatal também legitimado para responder pelo dano, sendo diferentes as suas responsabilidades, a do Estado objetiva e a
do preposto subjetiva, caminhou a jurisprudência por resolver em primeiro lugar
a relação jurídica mais facilmente comprovável, ressalvando-se a ação de regresso
para apurar-se a responsabilidade subjetiva do preposto estatal. 4. Nexo causal devidamente estabelecido pela perda de um negócio jurídico oneroso, só praticado
pela apresentação de uma procuração falsa. 5. Recurso especial improvido. (STJ.
Segunda Turma. REsp 489511 / SP. Rel. Min.Eliana Calmon. Julg em 22/06/2004.
DJ 04.10.2004, p. 235).
FGV DIREITO RIO 207
ação: teoria e procedimentos
Legislação
Em abril de 2007, o CNJ, por meio da Resolução nº 35/07, regulamentou a
matéria. Os principais pontos da Resolução são os seguintes:
Art. 1º. Para a lavratura dos atos notariais de que trata a Lei nº 11.441/07, é livre
a escolha do tabelião de notas, não se aplicando as regras de competência do Código
de Processo Civil.
Art. 2°. É facultada aos interessados a opção pela via judicial ou extrajudicial;
podendo ser solicitada, a qualquer momento, a suspensão, pelo prazo de 30 dias, ou
a desistência da via judicial, para promoção da via extrajudicial.
Art. 3º. As escrituras públicas de inventário e partilha, separação e divórcio consensuais não dependem de homologação judicial e são títulos hábeis para o registro
civil e o registro imobiliário, para a transferência de bens e direitos, bem como para
promoção de todos os atos necessários à materialização das transferências de bens
e levantamento de valores (DETRAN, Junta Comercial, Registro Civil de Pessoas
Jurídicas, instituições financeiras, companhias telefônicas, etc.)
Art. 12. Admitem-se inventário e partilha extrajudiciais com viúvo(a) ou
herdeiro(s) capazes, inclusive por emancipação, representado(s) por procuração formalizada por instrumento público com poderes especiais, vedada a acumulação de
funções de mandatário e de assistente das partes.
Art. 15. O recolhimento dos tributos incidentes deve anteceder a lavratura da
escritura.
Art. 19. A meação de companheiro(a) pode ser reconhecida na escritura pública, desde que todos os herdeiros e interessados na herança, absolutamente capazes,
estejam de acordo.
Art. 20. As partes e respectivos cônjuges devem estar, na escritura, nomeados e
qualificados (nacionalidade; profissão; idade; estado civil; regime de bens; data do
casamento; pacto antenupcial e seu registro imobiliário, se houver; número do documento de identidade; número de inscrição no CPF/MF; domicílio e residência).
Art. 22. Na lavratura da escritura deverão ser apresentados os seguintes documentos: a) certidão de óbito do autor da herança; b) documento de identidade oficial e
CPF das partes e do autor da herança; c) certidão comprobatória do vínculo de parentesco dos herdeiros; d) certidão de casamento do cônjuge sobrevivente e dos herdeiros
casados e pacto antenupcial, se houver; e) certidão de propriedade de bens imóveis e
direitos a eles relativos; f ) documentos necessários à comprovação da titularidade dos
bens móveis e direitos, se houver; g) certidão negativa de tributos; e h) Certificado de
Cadastro de Imóvel Rural - CCIR, se houver imóvel rural a ser partilhado.
Art. 28. É admissível inventário negativo por escritura pública.
Art. 30. Aplica-se a Lei n.º 11.441/07 aos casos de óbitos ocorridos antes de sua
vigência.
Art. 32. O tabelião poderá se negar a lavrar a escritura de inventário ou partilha
se houver fundados indícios de fraude ou em caso de dúvidas sobre a declaração de
vontade de algum dos herdeiros, fundamentando a recusa por escrito.
FGV DIREITO RIO 208
ação: teoria e procedimentos
Art. 33. Para a lavratura da escritura pública de separação e de divórcio consensuais, deverão ser apresentados: a) certidão de casamento; b) documento de identidade
oficial e CPF/MF; c) pacto antenupcial, se houver; d) certidão de nascimento ou
outro documento de identidade oficial dos filhos absolutamente capazes, se houver;
e) certidão de propriedade de bens imóveis e direitos a eles relativos; e f ) documentos
necessários à comprovação da titularidade dos bens móveis e direitos, se houver.
Art. 36. O comparecimento pessoal das partes é dispensável à lavratura de escritura pública de separação e divórcio consensuais, sendo admissível ao(s) separando(s)
ou ao(s) divorciando(s) se fazer representar por mandatário constituído, desde que
por instrumento público com poderes especiais, descrição das cláusulas essenciais e
prazo de validade de trinta dias.
Art. 42. Não há sigilo nas escrituras públicas de separação e divórcio consensuais.
Art. 44. É admissível, por consenso das partes, escritura pública de retificação
das cláusulas de obrigações alimentares ajustadas na separação e no divórcio consensuais.
Art. 46. O tabelião poderá se negar a lavrar a escritura de separação ou divórcio
se houver fundados indícios de prejuízo a um dos cônjuges ou em caso de dúvidas
sobre a declaração de vontade, fundamentando a recusa por escrito.
Art. 47. São requisitos para lavratura da escritura pública de separação consensual: a) um ano de casamento; b) manifestação da vontade espontânea e isenta de vícios
em não mais manter a sociedade conjugal e desejar a separação conforme as cláusulas
ajustadas; c) ausência de filhos menores não emancipados ou incapazes do casal; e d)
assistência das partes por advogado, que poderá ser comum.
Art. 53. A declaração dos cônjuges não basta para a comprovação do implemento
do lapso de dois anos de separação no divórcio direto. Deve o tabelião observar se
o casamento foi realizado há mais de dois anos e a prova documental da separação,
se houver, podendo colher declaração de testemunha, que consignará na própria
escritura pública. Caso o notário se recuse a lavrar a escritura, deverá formalizar a
respectiva nota, desde que haja pedido das partes neste sentido.
Leitura obrigatória
CAHALI, Francisco José e outros. Escrituras Públicas – Separação, Divórcio, Inventário e Partilha Consensuais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007 (ler,
na Parte I, a Introdução: Uma lei de procedimentos).
FGV DIREITO RIO 209
ação: teoria e procedimentos
AULA 24. OS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS ESTADUAIS E FEDERAIS
CASO
Rosa comprou um aparelho celular da marca Z, na empresa X, da operadora
Y. Logo na primeira semana Rosa não conseguia fazer ligações e a operadora dizia
que o problema era do aparelho e que Rosa deveria buscar uma assistência técnica
autorizada ou retornar à loja em fora realizada a compra, a fim de trocar o aparelho.
A loja se negou a fazê-lo, a firmando que quem responderia a partir de então seria
a empresa Z. Ainda assim, Rosa compareceu à assistência técnica que, por sua vez,
não encontrava defeitos no aparelho atribuindo o defeito à linha. Rosa ingressa com
uma ação em face Z, X e Y, em litisconsórcio passivo perante do Juizado Especial
Cível de Jacarepaguá. Pergunta-se:
a) Foi correta a opção de Rosa por demandar em face do fabricante, do fornecedor da mercadoria e o fornecedor do serviço ao mesmo tempo? Se sim, que
hipótese de litisconsórcio seria?
b) Cabe litisconsórcio em sede de Juizados Especiais Cíveis? Se sim, como se
calcularia o valor da causa para fins de fixação de competência, por rata ou
em razão do montante?
c) Suponhamos que Rosa não comparecesse à audiência preliminar, a sua ausência pode ser suprida pela presença do seu advogado? E na AIJ?
d) O advogado da empresa pode funcionar ao mesmo tempo como preposto e
como representante processual?
e) Empresas podem ser autoras em Juizados Especiais Cíveis?
NOTA AO ALUNO
Os Juizados Especiais Cíveis, concebidos para a resolução de causas de menor complexidade, visam apresentar ao jurisdicionado uma forma de solução de controvérsias
mais rápida, informal e desburocratizada, permitindo que ele consiga buscar, perante
o Estado, a solução para o seu conflito de interesses.
No Brasil, os Juizados Especiais Cíveis tiveram como principal fonte jurídica a
Constituição, que, em seu artigo 24, inciso X, atribui competência concorrente à
União, aos Estados e ao Distrito Federal para legislar sobre a criação, funcionamento e processo dos Juizados Especiais.
Ademais, o art. 98 da Constituição atribuiu competência para criar juizados
especiais no âmbito da Justiça Estadual aos Estados e, no da Justiça do Distrito
Federal e dos Territórios, à União. Determinou, por fim, através de parágrafo único
acrescentado ao art. 98 pela EC 22/99, que lei federal disporia sobre a criação de
juizados especiais no âmbito da Justiça Federal.
FGV DIREITO RIO 210
ação: teoria e procedimentos
Apesar das previsões constitucionais, a regulamentação dos Juizados Especiais
somente se verificou muitos anos depois, pela Lei Federal n° 9.099, de 26 de setembro de 1995, no plano estadual, e pela Lei Federal n° 10.259, de 12 de julho de
2001, no plano federal.
Além da Constituição e da Lei n° 9.099/95, a Constituição do Estado do Rio de
Janeiro, em seus artigos 64 e 164, bem como as Leis Estaduais n° 2.556/96, 2.307/94
e 1.053/86, também restritas ao Estado do Rio de Janeiro, disciplinam a matéria.
Voltando nosso estudo para os Juizados Especiais Estaduais, o artigo 2º da Lei n°
9.099/95 estabelece como seus princípios fundamentais a oralidade, a simplicidade,
a informalidade, a economia processual, a celeridade e o estímulo à conciliação ou
à transação, seguindo a linha traçada pelas ondas renovatórias de Mauro Cappelletti
em seu movimento universal de acesso à justiça.
Nesse contexto, verifica-se que os Juizados Especiais Estaduais procuram estabelecer um procedimento eminentemente oral, ao contrário do que predomina no
processo comum, em que a prática demonstra um processo estritamente escrito.
Assim, além de contribuir para a celeridade processual, a oralidade contribui ainda
para a obtenção de uma resposta mais fiel à realidade em virtude do contato direto
com os sujeitos do conflito.
Pelo princípio da simplicidade, permite-se que o cidadão, ao compreender o
procedimento judicial, aproxime-se da tutela jurisdicional estatal.
Já em razão do princípio da informalidade, relacionado ao princípio da instrumentalidade das formas, o processo torna-se menos burocrático com o aproveitamento dos atos processuais, desde que atingidos seus fins.
Os princípios da economia processual e da celeridade contribuem para a efetividade do processo, a qual será atingida através de uma resposta jurisdicional mais
barata e rápida, em perfeita harmonia com a menor complexidade das causas que
lhe são submetidas.
Ademais, prioriza-se a conciliação das partes ou a transação entre elas, como
forma de atingir a pacificação social, fim último da jurisdição.
Deve ser ressaltado que os Juizados Especiais Cíveis também estão subordinados
à observância dos já estudados princípios do contraditório e do devido processo
legal, bem como aos demais princípios fundamentais do direito processual, como a
imparcialidade, a persuasão racional e o juiz natural.
A competência dos Juizados Especiais Cíveis Estaduais foi regulada nos artigos
3º e 4º da Lei nº 9.099/95, que consideram como causas cíveis de menor complexidade aquelas cujo valor não exceda a quarenta salários mínimos, as enumeradas no
artigo 275, inciso II do CPC, a ação de despejo para uso próprio e as ações possessórias sobre bens imóveis de valor não excedente a quarenta salários mínimos.
A capacidade de ser parte perante o Juizado Especial é mais restrita que na justiça
comum, já que não se admite como parte o incapaz, o preso, as pessoas jurídicas de
direito público, as empresas públicas da União, a massa falida e o insolvente civil
(artigo 8º).
No que tange ao procedimento dos Juizados Especiais Estaduais, é possível identificar grandes diferenças em relação aos procedimentos contemplados pelo Código
FGV DIREITO RIO 211
ação: teoria e procedimentos
de Processo Civil, visando a, por um lado, atender aos princípios norteadores explicitados e, por outro, fornecer mecanismos adequados à proteção dos interesses
abrangidos pela competência deste órgão.
Desta forma, a citação e as intimações serão realizadas da maneira mais informal possível, desde que a comunicação seja idônea a atingir a sua finalidade. Nesse
contexto, não se admite, no procedimento do juizado, citação por edital, presumindo-se as partes intimadas de todos os atos realizados em audiência, inclusive da
sentença, em relação à qual a parte será intimada na própria audiência em que for
proferida a decisão.
A petição inicial deve ser lavrada de forma simples. Assim, registrado o pedido,
a secretaria designará sessão de conciliação.
Não comparecendo o autor à audiência preliminar ou a qualquer outra, o processo é extinto sem resolução do mérito. Diversamente, o não-comparecimento do
réu a qualquer destas audiências implica revelia. Importante lembrar, ainda, que
nas causas de valor superior a vinte salários mínimos, ainda que presente o réu, a
ausência de contestação, escrita ou oral, também implica revelia.
A disciplina da revelia na Lei n° 9.099/95 admite a desconsideração da presunção de veracidade conforme a convicção do juiz. Tal regra decorre do preceito ínsito
no artigo 5o da Lei, que permite ao juiz a mais ampla liberdade na proposição, produção e valoração da prova.
O mesmo ocorrerá quanto ao denominado ônus da impugnação especificada,
que é um minus em relação à revelia. Embasa tal conclusão não só a liberdade na
produção e valoração de provas pelo juiz no procedimento do juizado, como também a promoção da igualdade material das partes no processo.
Isto porque, de acordo com o artigo 9º da Lei e em homenagem aos princípios
da informalidade, simplicidade e gratuidade, nas causas de valor até vinte salários
mínimos, a parte poderá comparecer a juízo independentemente de advogado. Ao
permitir a presença da parte sem advogado, deve a lei conferir poderes ao juiz para
promover a igualdade de armas no processo. Desta forma, não se pode obrigar a
parte leiga a impugnar todos os fatos e fundamentos, já que isto, na maioria das
vezes, acarretará um desequilíbrio dentro da relação jurídica processual.
Havendo conciliação, esta será reduzida a escrito e homologada por juiz togado.
Em princípio, a decisão homologada é irrecorrível por força de preclusão lógica.
Entretanto, certos vícios formais poderão ensejar recurso visando a anular a conciliação.
Superada sem êxito a tentativa da conciliação, resta ainda a alternativa do juízo
arbitral, prevista no artigo 24 da Lei.
Com o início da audiência de instrução e julgamento, na qual serão produzidas
todas as provas, ainda que não requeridas previamente, há a apresentação da defesa (art.30), ouvindo-se os peritos, se houver (art.35), as partes – primeiro autor e
depois o réu – e, finalmente, as testemunhas (no máximo três) do autor e depois
do réu (art. 28). Essa audiência é contínua, devendo o juiz decidir de plano todos
os incidentes que possam impedir o seu prosseguimento e somente eles, ficando as
demais questões reservadas para a sentença.
FGV DIREITO RIO 212
ação: teoria e procedimentos
Concluída a instrução, a despeito do silêncio da Lei, deve o juiz conferir a palavra às partes para as alegações finais, haja vista a sua utilidade e necessidade, diante
da novidade e da concentração da prova.
A intimação da sentença dar-se-á na própria audiência em que for proferida.
Impõe-se que o juiz que dirigiu a instrução, togado ou leigo, profira a sentença,
aplicando-se, aqui, o princípio da identidade física do juiz, cuja preterição gera
nulidade por incompetência absoluta (funcional horizontal).
As despesas processuais relativas aos Juizados Cíveis são disciplinadas, principalmente, na Seção XVI, do Capítulo II da Lei. Nesta Seção, mais uma vez reflete-se a finalidade desses juizados de garantir o acesso à justiça de todas as pessoas,
independente de suas condições econômico-sociais, já que a regra é a dispensa de
preparo e de condenação em custas processuais e honorários advocatícios. Assim,
no primeiro grau de jurisdição, não há pagamento de custas, taxas e despesas, nem
a condenação do vencido em custas e honorários advocatícios, salvo em caso de
litigância de má-fé.
Quanto aos recursos e meios de impugnação, a estrutura dos Juizados Especiais
comporta um segundo grau de jurisdição composto por um colegiado interno ao
juizado, isto é, por três juízes togados de primeiro grau. Neste caso, independentemente do valor da causa, deve a parte estar assistida por advogado.
Desestimula-se o recurso sem base sólida, em prol do princípio da efetividade
(celeridade) do processo, através da obrigatoriedade de se efetuar o preparo do recurso inominado, sob pena de deserção (§1º, artigo 42), ressalvados, por óbvio, os
casos de assistência judiciária gratuita. Outra técnica, utilizada para desestimular a
interposição de recurso, consiste na imposição ao recorrente vencido do pagamento
de honorários da sucumbência e das despesas processuais (art. 55, caput).
Os despachos e as decisões interlocutórias que não possam gerar dano irreparável a direito são irrecorríveis, sendo as sentenças não homologatórias impugnáveis por meio de embargos de declaração e recurso inominado, semelhante à
apelação. Além destes, admite-se a interposição de recurso extraordinário, não
sendo possível a propositura de ação rescisória. Há ainda a possibilidade de impetração de mandado de segurança perante as turmas recursais, para impugnar
decisão interlocutória ou inércia do juízo de primeiro grau, bem como para o
Tribunal de Justiça, para possibilitar o controle de competência dos juizados
especiais.
Desta forma, nota-se que houve uma restrição à admissão de recursos, por força
dos princípios da oralidade e celeridade que regem os juizados, na medida em que a
possibilidade de sua interposição representa, pelo menos quanto às matérias de fato,
apenas maior retardamento na prestação jurisdicional.
O parágrafo 1º, do artigo 3º da Lei, confere competência aos Juizados Especiais
para promover a execução dos seus julgados e dos títulos executivos extrajudiciais
no valor de até quarenta vezes o salário mínimo.
Quanto às medidas cautelares, não obstante a ausência de expressa disposição
legal a respeito, parece mais adequado admiti-las, na medida em que visam garantir
a efetividade do processo de conhecimento e de execução. Ademais, se, ao Juizado
FGV DIREITO RIO 213
ação: teoria e procedimentos
são conferidos meios de coerção (multa) e sub-rogação para atingir a satisfação da
execução, com mais razão, deve-se admitir a tutela cautelar.
Para regular a matéria no âmbito federal, editou-se a Lei n° 10.259, de 16 de
julho de 2001, que entrou em vigor seis meses após a data de sua publicação, dispondo sobre a instituição dos Juizados Especiais Federais Cíveis e Criminais.
A Lei n° 10.259 guiou-se pelas diretrizes e critérios orientadores dos Juizados Especiais Estaduais, estabelecidos no artigo 2° da Lei n° 9.099/95, a saber: oralidade,
simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando sempre
que possível a conciliação ou a transação.
O texto, no entanto, apresenta muitas lacunas, que levam o intérprete a se socorrer de outros diplomas legais, em especial da própria lei que regulamentou os
Juizados Estaduais, a fim de preencher os espaços vazios deixados pelo legislador.
Em verdade, esse sistema de tipo aberto demonstra uma nova tendência do Poder Legislativo de deixar aos membros do Poder Judiciário maior discricionariedade
na aplicação das leis, conferindo-lhes poderes para decidir o conflito que lhes é
apresentado com base em seu prudente arbítrio, nos princípios constitucionais e
nas regras vigentes no ordenamento jurídico, afirmando, enfim, quais as regras jurídicas da Lei n° 9.099/95 que se aplicam ou não ao sistema dos Juizados Especiais
Federais.
Não obstante, à medida que progredimos na sua análise, identificamos diversos
aspectos positivos na regulamentação, como a ampliação do valor de alçada, de 40
para 60 salários mínimos, a extinção dos prazos diferenciados, a concessão ope legis
de poderes de conciliação aos representantes legais dos entes federais, o tratamento
dado à prova pericial, à execução, inclusive com a possibilidade de seqüestro, a menção expressa à medida cautelar, entre outros.
O procedimento dos Juizados Especiais Federais, tal qual ocorre na Lei n° 9.099,
possui caráter sincrético, isto é, compõe-se, em regra, de duas etapas, uma de conhecimento e outra de execução, dirigido para as causas de valor até sessenta salários
mínimos, salvo nos casos de execução dos títulos extrajudiciais submetidos àquela
mesma alçada, cujo procedimento especial consagra verdadeiramente um processo
executório.
A competência, de caráter absoluto onde houver vara instalada (artigo 3°, §3°),
recebe uma flexibilização substancial, por permitir que o autor apresente sua causa
ao Juizado Especial mais próximo do foro competente (art. 4° da Lei 9.099/95).
Inovação também digna de nota é a referência expressa às medidas cautelares, de
ofício ou a requerimento das partes, resolvendo de vez as dúvidas sobre seu cabimento no procedimento especial.
A Lei n° 10.259/2001 confere legitimidade ativa às pessoas físicas, às microempresas e às empresas de pequeno porte, e passiva, à União, às autarquias, às fundações e às empresas públicas federais.
Cumpre destacar aqui que, conforme o Enunciado n° 53 do FONAJEF, no âmbito dos Juizados Especiais Federais não há prazo em dobro para a Defensoria Pública.
As citações e intimações da União serão feitas consoante os arts. 35 a 38 da Lei
Complementar n° 73/93. A citação das autarquias, fundações e empresas públicas,
FGV DIREITO RIO 214
ação: teoria e procedimentos
por sua vez, serão realizadas em face do representante máximo da entidade. As intimações de ambas as partes, exceto da União, são feitas em audiência, por publicação
ou por via postal.
Estabelece o Enunciado nº 73 do FONAJEF que é permitida a intimação telefônica, visto que a mesma atende plenamente aos princípios constitucionais aplicáveis
à comunicação dos atos processuais, desde que realizada diretamente com a parte e
devidamente certificada pelo servidor responsável.
Uma grande novidade trazida pela Lei foi a previsão expressa de poderes de
conciliação, transação e desistência deferida aos representantes judiciais da União,
autarquias, fundações e empresas públicas federais, bem como aos representantes
dos autores.
A sistemática recursal dos Juizados Especiais Federais nega a possibilidade de
interposição de agravo de instrumento, embora a lei indique de maneira velada sua
possibilidade em face das decisões cautelares. Com isso, os recursos admissíveis seriam a apelação, que também aqui deverá ser conhecida como recurso inominado;
os embargos de declaração (Lei 10.259, arts. 5° e 1°, Lei 9.099, arts. 48 a 50); o
pedido de uniformização de interpretação de Lei Federal (Lei 10.259, art. 14); e o
recurso extraordinário (Lei 10.259, art. 15).
Assim, alcança-se o escopo principal dessa nova Justiça, no âmbito civil, de simplificar o exame dos processos de menor expressão econômica, ampliando o acesso à
justiça e permitindo a atuação do direito em relação às partes menos favorecidas nas
demandas em face da União, autarquias, fundações e empresas públicas federais, já
que a solução desses litígios ocorrerá mais rapidamente em virtude da desnecessidade dos precatórios, por força do que dispõe o art. 100, §3° da Constituição.
MATERIAL DE APOIO
Jurisprudência
STF
MS-AgR-ED 26427 / PE – PERNAMBUCO EMB.DECL.NO AG.REG.NO
MANDADO DE SEGURANÇA Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA Julgamento: 06/06/2007. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação: DJ 29-06-2007
PP-00030. EMENT VOL-02282-05 PP-00871. EMENTA: MANDADO DE
SEGURANÇA. AGRAVO REGIMENTAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO.
TURMAS RECURSAIS DOS JUIZADOS ESPECIAIS. INCOMPETÊNCIA
DO STF. INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO, OBSCURIDADE OU CONTRADIÇÃO NA DECISÃO EMBARGADA. EMBARGOS REJEITADOS. O Supremo Tribunal Federal não tem competência para julgar mandado de segurança
impetrado contra decisões de juizados especiais ou turmas recursais. Precedentes.
Inexiste omissão, obscuridade ou contradição no acórdão recorrido. Embargos de
declaração rejeitados.
FGV DIREITO RIO 215
ação: teoria e procedimentos
AI-AgR 453483 / PB – PARAÍBA AG.REG.NO AGRAVO DE INSTRUMENTO Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO. Julgamento: 15/05/2007. Órgão
Julgador: Primeira Turma Publicação: DJ 08-06-2007 PP-00030. EMENT VOL02279-05 PP-00899. EMENTA: DECISÃO - TURMA RECURSAL - FUNDAMENTAÇÃO. A Lei nº 9.099/95 viabiliza a adoção pela turma recursal dos fundamentos contidos na sentença proferida, não cabendo cogitar de transgressão do
artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal.
TJRS
EMENTA: COBRANÇA. SEGURO DPVAT. INVALIDEZ PERMANENTE.
IMPLANTES METÁLICOS NA PERNA. NECESSIDADE DE PROVA PERICIAL PARA AFERIÇÃO DA INCAPACIDADE. COMPLEXIDADE DA CAUSA. EXTINÇÃO SEM JULGAMENTO DE MÉRITO. LEI Nº 9.099/95, ART.
51, INC. II. SENTENÇA CONFIRMADA PELOS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. Recurso desprovido. Unânime. (Recurso Cível Nº 71001273234, Primeira
Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: João Pedro Cavalli Junior, Julgado
em 12/07/2007).
Leitura obrigatória
MARINONI, Luiz Guilherme, ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil, vol. 2, 6. ed. (em edições anteriores Manual do Processo de Conhecimento),
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 689-720.
FGV DIREITO RIO 216
ação: teoria e procedimentos
AULA 25. OS NOVOS RUMOS DO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO;
O AFASTAMENTO DO SISTEMA HERMÉTICO DO CIVIL LAW E DO SUPERADO
PARADIGMA ITALIANO; A APROXIMAÇÃO COM O SISTEMA COMMON LAW;
A DOUTRINA DO PRECEDENTE E AS SÚMULAS VINCULANTE (LEI Nº. 11.417/06)
E IMPEDITIVA DE RECURSO (LEI Nº. 11.276/06).
CASO
Luiz da Silva foi aprovado em concurso público em segundo lugar. Em auditoria
realizada pelo Tribunal de Contas do Estado, no entanto, foi levantada a suspeita de
irregularidades nas alterações de notas, viciando a lisura do certame e a própria nomeação de Luiz. Foi instaurado processo administrativo em que foi aberta a oportunidade do contraditório e da ampla defesa. Ocorre que, segundo Luiz e a prova dos
autos, durante a instrução do feito naquela Corte de Contas, o Município, instado
a apresentar documentos sobre o concurso, quedou-se inerte, o que resultou na
decisão do TCE no sentido de negar o registro de sua admissão, por infringência do
princípio constitucional da impessoalidade. Luiz propõe ação de reintegração e indenização por danos morais em face do Município. Pondere se esta seria a hipótese
de incidência da súmula vinculante nº03.
Súmula vinculante nº 3:
“Nos processos perante o tribunal de contas da união asseguram-se o contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revogação de ato
administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da legalidade do
ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão”.
NOTA AO ALUNO
INTRODUÇÃO
A Emenda Constitucional nº. 45/2004, também chamada de “Reforma do Poder Judiciário”, visa conferir à sociedade uma prestação jurisdicional rápida e eficiente, condizente com os tempos atuais.
A partir da década de 1980, principalmente em razão do aumento populacional, acrescido da migração em massa do campo para a cidade, em decorrência da
industrialização do país, foi uma das generosas contribuições para o aumento das
demandas que chegam hoje ao Poder Judiciário, aumentando dessa forma a morosidade da Justiça.
O aumento do volume de demandas, a legislação processual que permitia a interposição de inúmeros recursos, mecanismos que facilitavam a protelação dos feitos,
FGV DIREITO RIO 217
ação: teoria e procedimentos
enfim, de fato, havia a necessidade de empenho em prol de uma reconstrução da
prestação jurisdicional, para que se facilitasse a efetividade da justiça e a satisfação
social.
Uma das grandes críticas ao Poder Judiciário decorre do imenso desagrado demonstrado pela sociedade em decorrência da demora na prestação jurisdicional, o
que acabava por alimentar o descrédito na justiça. Daí a importância no empenho
em se buscar uma fórmula que consagrasse o que seria razoável à tramitação processual em termos de tempo de duração, sem comprometer as garantias individuais.
A Convenção Americana dos Direitos Humanos disciplinou sobre o tema, assegurando que (artigo 8º, item 1):
“(...) toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um
prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra
ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista,
fiscal ou de qualquer outra natureza”.
Lembremos que o Brasil é signatário dessa Convenção, e, em decorrência disso,
o juiz está obrigado a prestar a tutela jurisdicional dentro de um prazo razoável. Somado a isto, a Emenda Constitucional nº 45/2004, a própria Constituição passou a
prever em seu artigo 5º, LXXVIII que “a todos, no âmbito judicial e administrativo,
são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. (grifos nossos).
Diante desses dois grandes obstáculos para a real efetividade do processo – a
morosidade e a divergência jurisprudencial incontrolada –, a súmula vinculante e
a súmula impeditiva de recursos, dois mecanismos de que trata este trabalho, são
propostas à contornar o problema, pois significam um filtro capaz de evitar que as
lides semelhantes, já anteriormente julgadas e sumuladas, possam se valer de todo o
demorado sistema recursal previsto na nossa legislação. Além disso, impedem também que demandas substancialmente iguais tenham decisões diferentes, gerando na
sociedade um grande sentimento de injustiça.
2. SISTEMAS CIVIL LAW E COMMON LAW
O exame da experiência jurídica de outros países viabiliza aos doutrinadores uma
enorme possibilidade de encontrar modelos que, uma vez adaptados, podem ser
bastante proveitosos ao nosso sistema. Não se deve esquecer que os ordenamentos
jurídicos dos diferentes países enfrentam, diversas vezes, problemas semelhantes e
se influenciam mutuamente.
Ocorre que, no Brasil, o que pode ser apontado como uma recente tendência, a
utilização de instrumentos inspirados em institutos existentes em países que integram o denominado sistema do common law, quando se vê a necessidade de redesenhar sistemas processuais.
FGV DIREITO RIO 218
ação: teoria e procedimentos
Vários exemplos podem ser facilmente encontrados, como, no plano dos princípios, a previsão em nosso texto constitucional do devido processo legal, tradução
quase literal da expressão due process of law. O mesmo pode se dizer das nossas
técnicas de proteção coletiva aos direitos e interesses supra-individuais, que foram
fortemente influenciadas pelo modelo norte-americano das class actions.
Sobre os juizados especiais cíveis, hoje consagrados constitucionalmente, também derivam do modelo norte-americano, denominados small claims courts. Esse
recente interesse pelos ordenamentos anglo-saxônicos se tem observado não só no
Brasil, mas genericamente em relação à maioria dos países componentes do sistema
de civil law.
Obviamente que, hoje, encontramos diferenças fundamentais entre os próprios
ordenamentos que compõem cada família jurídica, sendo até possível encontrar, em
certos casos, maior semelhança entre países de grupos distintos do que no mesmo
grupo.
Existem ainda diferenças entre os sistemas processuais de common law e os de civil law, podendo-se ainda estabelecer características gerais dentro dessas duas grandes famílias.
O common law encontra seus primórdios na Inglaterra, no século XI, época da
conquista de povos e expansão de territórios dominados pelo Império Britânico,
como, por exemplo, Estados Unidos, Austrália, Índia e parte do Canadá.
O direito inglês sempre foi baseado nos costumes e, principalmente, nos precedentes judiciais, apesar de considerarem a lei escrita como fonte de direito, mas
visto sob um enfoque secundário.
No common law, há o case method, quer dizer, são discutidos precedentes da Suprema Corte, assim como das cortes superiores dos estados americanos, dos quais
serão extraídos regras e princípios gerais necessários para o julgamento.
De modo inverso, ocorre no sistema romano-germânico, onde, primeiro, são
apresentados as leis, conceitos e princípios jurídicos para que, apenas depois, possam ser aplicados em situações concretas. Assim, o juiz tem geralmente um papel
bastante ativo na condução do processo. De forma diversa, os países da família
anglo-saxônica costumam apresentar juízes com uma atitude mais passiva, que se
limitam a fiscalizar as “regras do jogo” por parte dos advogados, aos quais se confia
a tarefa de conduzir a tomada das provas.
Quanto à inclinação em incentivar a conciliação, o sistema anglo-saxônico se
mostra mais expressivo. Exemplificamos com a denominada alternative dispute
resolution dos Estados Unidos. Com isto, se verifica com mais intensidade as vias
da negociação, da mediação, da arbitragem e também por diversas formas de
combinação entre tais figuras, desonerando de maneira significativa o seu Poder
Judiciário.
Destacamos na família de civil law, também denominada romano-germânica e
que encontra sua origem na Europa continental no século XII, com o renascimento
do interesse pelo estudo do direito romano nas universidades européias, a partir da
redescoberta do Corpus Iuris Civilis, tendo se expandido em razão do processo de
colonialismo imposto pelas nações daquele continente.
FGV DIREITO RIO 219
ação: teoria e procedimentos
Esse sistema tem como característica principal a prevalência da lei escrita, que
foi gradativamente estabelecida, por total influência do direito romano, até que
atingisse seu posto atual de principal fonte de direito.
Nesse sistema, predomina a figura de um juiz mais ativo, que tem mais poderes
de direção em relação ao processo. Muitos autores chamam tal modelo de “inquisitorial process”, em oposição ao denominado “adversarial process”, que seria típico do
common law.
Apontamos como um distanciamento desse sistema pelo nosso sistema, já que a
nossa processualística contemporânea não comporta a inércia do órgão judicial, o
que constitui contrariedade plena às disposições expressas do Código de Processo
Civil.
Exemplo disto é a questão da instrução probatória, já que cabe ao juiz, de ofício,
ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, bem como o julgador poderá ex officio determinar o comparecimento pessoal das
partes, a fim de interrogá-las sobre os fatos da causa entre outras hipóteses.
Quanto à questão que engloba interesses de grupos, o sistema common law, como
dito, privilegia as denominadas class actions. Ao contrário, o sistema civil law, que
sempre prezou pela perspectiva individualista, somente no fim do século XX houve
preocupação em abarcar também questões derivadas de direitos coletivos.
3. A LEI Nº. 11.417/06 E A SÚMULA VINCULANTE
A Lei 11.417/06 é fruto do PLS nº 13/06, posteriormente convertido no PL
6.636/06. Tem por objetivo regulamentar o art. 103-A da Constituição Federal,
inserido pela Emenda Constitucional nº 45/04.
Inaugura-se no direito brasileiro o sistema do precedente judicial por meio da
edição de uma súmula que, mediante aprovação de 2/3 (dois terços) dos membros
do STF, adquire efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário
e ao Poder Executivo em todos os seus níveis.
A decisão judicial sob a forma de uma súmula vinculante passa a se tornar, ao
lado da lei, fonte formal do direito. A palavra súmula, criada no direito brasileiro
no ano de 1963, pelo então Ministro Victor Nunes Leal, passa a ganhar agora um
duplo sentido.
Podemos falar em súmula persuasiva, ou seja, aquela que tem por objetivo influenciar outras decisões, e em súmula vinculante, entendida como aquela dotada de força
obrigatória para os demais órgãos do Poder Judiciário e para o Poder Executivo.
Em regra, as súmulas não são vinculantes. Vale lembrar, inclusive, que nenhuma
das súmulas editadas pelo STF até o advento da presente Lei tem efeito vinculante. Para que sejam vinculantes, as súmulas terão que seguir todo o procedimento
adiante descrito.
A base teórica da súmula vinculante repousa na doutrina americana conhecida
como stare decisis, que se fundamenta nos princípios da isonomia, respeito à coisa
julgada, economicidade e previsibilidade das decisões judiciais.
FGV DIREITO RIO 220
ação: teoria e procedimentos
Ainda segundo a doutrina norte-americana, mais importante do que criar o precedente é disciplinar a sua utilização. Nesse sentido, ao se invocar um precedente
é necessário demonstrar que a ratio decidendi, ou seja, o argumento jurídico que
embasa o precedente, pode ser adotado no caso que se diz análogo.
Importante ressaltar que somente o núcleo do precedente pode ser invocado em
outros casos e terá, portanto, efeito vinculante. Não raras vezes, os juízes tecem considerações de caráter secundário, incidental, e que, portanto, ficam restritas àquele
caso. É o que se chama de obter dicta. Tais comentários não têm nenhum caráter
vinculante.
Ainda quanto à aplicação dos precedentes, a doutrina americana identifica três
possíveis figuras: a primeira é chamada de distinguishing, que é a atividade de diferenciar o caso concreto que está sob julgamento do precedente que se pretende
invocar. A segunda figura é denominada overruling e ocorre na hipótese em que o
precedente existe e seu fundamento é, em tese, aplicável ao caso concreto, mas o
juiz o rejeita por ser obsoleto, absolutamente injusto, ou ainda inexeqüível do ponto
de vista prático. A terceira figura é o overstatement, segundo a qual o precedente é
aplicado, porém numa nova perspectiva, com o objetivo de se tornar mais efetivo.
Vistas estas considerações introdutórias, podemos, agora, examinar as questões
procedimentais trazidas pela nova lei.
A súmula vinculante, tal como prevista no artigo 2º da Lei, tem características
bem peculiares em relação ao sistema americano do precedente e pode ser editada
de ofício ou por provocação de qualquer dos legitimados previstos no art. 3º, mas
somente o STF poderá aprová-los. O dispositivo fala ainda em reiteradas decisões,
não precisando o número, mas deixando claro que não deve ser uma situação casuística, mas, sim, uma hipótese que tenha despertado entendimentos diversos nos
órgãos do Poder Judiciário.
Interessante observar que não houve referência expressa no caput deste dispositivo à administração pública distrital. Entretanto, deve ser aplicada a interpretação
extensiva e sistemática deste artigo 2º, com os demais dispositivos da lei.
Dessa forma, uma vez que o art. 3º dessa lei, em seus incisos IX e X, conferiu
legitimação ativa à Câmara Legislativa do Distrito Federal, bem como ao Governador do Distrito Federal, para a propositura de súmula vinculante, entendemos que
a administração pública distrital, direta ou indireta se encontra sob o amparo da
observância imperiosa das súmulas vinculantes a serem editadas pelo STF.
A súmula necessariamente versará sobre matéria constitucional, embora seja
complicado delimitar o âmbito dessa expressão na medida em que a Carta de 1988
avança sobre os diversos ramos do direito e regula questões que não precisariam
estar previstas na Lei Maior.
A súmula será expressa por meio de um enunciado, devidamente publicado na
imprensa oficial, e terá por objeto a validade, a interpretação e a eficácia de normas
jurídicas que gerem controvérsia entre órgãos do Poder Judiciário e da administração pública. São previstos ainda dois requisitos para a edição da súmula, a saber: (i)
a controvérsia deve acarretar grave insegurança jurídica e (ii) relevante multiplicação
de processos sobre uma mesma questão.
FGV DIREITO RIO 221
ação: teoria e procedimentos
A súmula vinculará os órgãos do Poder Judiciário (juízes, tribunais e até mesmo
as turmas do próprio STF), bem como a administração pública direta ou indireta,
nas esferas federal, estadual e municipal.
Entretanto, a súmula não vinculará o Pleno do STF e nem o Poder Legislativo. O Pleno do STF pode revisar ou mesmo cancelar uma súmula vinculante
por ele editada. O Poder Legislativo tem a outorga constitucional para a edição das leis, base do nosso sistema romano-germânico e que não estão sujeitas
aos posicionamentos e entendimentos manifestados pelo STF, salvo quando as
súmulas editadas se referirem ao Legislativo em sua atividade atípica (de administração).
Vinculante não é somente o teor interpretativo-descritivo e imperativo da súmula, mas também os fundamentos invocados na sua edição, com relação ao núcleo
do procedente.
A edição, revisão ou o cancelamento de enunciado de súmula vinculante depende sempre de decisão tomada por 2/3 (dois terços) dos membros da Corte em sessão
plenária, o que equivale, em regra, a 8 (oito) ministros.
O art. 3º apresenta o rol de legitimados para a edição, revisão ou cancelamento
de enunciado de súmula vinculante. De se observar que na redação final da lei foram excluídos os Procuradores-Gerais de Justiça dos estados e o Advogado-Geral da
União, que figuravam na redação original.
Interessante o papel reservado aos municípios no § 1º, já que não têm legitimidade para provocar o STF pela via principal, mas podem propor incidentalmente,
no curso de processo em que sejam partes, tais providências.
Importante ressaltar que a manifestação de terceiros de que trata este dispositivo
não se confunde com a figura processual da intervenção de terceiros do Código de
Processo Civil.
Portanto, em que pese a existência da possibilidade de haver manifestação de terceiros, não há que se falar em discussão sobre interesses pessoais. Assim, tal manifestação deve se limitar à exposição de tese de direito sobre a validade, a interpretação
e a eficácia das normas jurídicas confrontadas com o texto constitucional, cujo juízo
de admissibilidade dependerá da prudência do ministro relator.
O art. 4º permite o controle dos efeitos vinculantes no tempo, permitindo que
o STF profira a decisão em caráter ex nunc, utilizando-se do mecanismo já previsto
no art. 27 da Lei 9.868/99.
Permite, ainda, a restrição material da eficácia vinculante da súmula, com o objetivo de delimitar o alcance subjetivo do enunciado à observância obrigatória de
determinados órgãos ou entes da administração pública federal, estadual, distrital
ou municipal.
O art. 5º trata da revisão ou cancelamento da súmula vinculante, o que poderá trazer uma série de problemas com relação à coisa julgada nos processos em
que os juízes simplesmente resolveram a controvérsia aplicando entendimento do
STF, então sumulado e dotado de efeito vinculante, é automática a indagação:
nesses casos, haverá relativização da coisa julgada? Será possível a utilização da
ação rescisória?
FGV DIREITO RIO 222
ação: teoria e procedimentos
Cremos que sim, na medida em que, com a revisão ou o cancelamento, desaparece a fonte formal que embasou a decisão, razão pela qual a matéria de fato deve ser
reapreciada em consonância com as fontes do direito remanescentes.
Reconhecemos que tal posicionamento trará certa dose de insegurança jurídica,
porém, parece ser o mais acertado tendo em vista o princípio da isonomia, que norteia a própria existência da súmula vinculante. Por outro lado, é necessário que o
STF tenha extrema cautela ao editar as súmulas vinculantes, a fim de que se reduza
ao máximo a possibilidade de revisão ou cancelamento, tendo em vista a extensão
das conseqüências para os jurisdicionados.
O art. 6º deixa claro que não há que se falar em tutela antecipada no procedimento de edição de enunciado de súmula vinculante.
Apesar de plausível tal entendimento, a exemplo do que ocorreu recentemente
com a alteração do art. 489 do CPC em matéria de ação rescisória, com as alterações introduzidas pela Lei 11.280/06, preferiu o legislador prestigiar o princípio da
segurança das relações jurídicas.
Andou bem o legislador, na medida em que, se fosse permitido provimento de
urgência em uma ação desta natureza e, posteriormente, a tese não fosse acolhida
pelo quorum mínimo, as conseqüências para a coletividade seriam desastrosas.
Com o art. 7º, cria-se a figura da reclamação específica para impugnar decisão
judicial ou ato administrativo que contrarie enunciado de súmula vinculante. Na
hipótese de ato administrativo, o § 1º é claro ao instituir o requisito do esgotamento
das vias administrativas.
Quanto às decisões judiciais, o dispositivo estabelece a utilização concomitante
da reclamação e de outros recursos ou meios de impugnação, previstos na legislação
processual.
Com isso, cria-se uma certa confusão e a possibilidade de incidentes desnecessários no processo, na medida em que se rompe o tradicional princípio da unicidade recursal, ou seja, um recurso cabível para cada decisão judicial. Ainda que se
utilizem outros meios de impugnação, somente quando houver o julgamento da
reclamação pelo STF é que se poderá ter uma decisão fina sobre a questão.
Os artigos 8º e 9º trazem alterações em leis específicas de modo a adequar a
legislação vigente ao novo mecanismo, que, por sua vez, depende ainda de regulamentação específica pelo Regimento Interno do STF, na forma do art. 10.
Finalmente, o art. 11 determina que a Lei entrou em vigor no dia 20 de março
de 2007.
4. A LEI Nº. 11.276/06 E A SÚMULA IMPEDITIVA DE RECURSO
Passa-se, agora, à análise das alterações mais relevantes trazidas pela Lei
11.276/06.
No art. 504, o legislador suprime a expressão “de mero expediente”. Agora, passa a
ser chamada apenas de despacho, que, de acordo com o § 3º do art. 162, é o ato do
juiz que não configura nem sentença nem decisão interlocutória, e, sim, ato de imFGV DIREITO RIO 223
ação: teoria e procedimentos
pulso processual. É uma correção formal que sofre adequação à nova sistemática do
art. 162, §4º.
Não cabe ao juiz proferir despacho de mero expediente. O juiz profere despachos, assim identificados os provimentos que não têm conteúdo decisório. O que
antes se chamava de despacho de mero expediente, hoje é chamado de ato meramente ordinatório e desse o juiz não se ocupa. Ele delega para o seu escrivão através
de portaria ou qualquer outro ato administrativo de caráter interno do juízo.
Outra correção formal foi a esculpida no art. 506, inciso III. Antes referia: “da
publicação da súmula do acórdão no órgão oficial”. Agora, consta: “da publicação do
dispositivo do acórdão no órgão oficial”.
A adoção da palavra “dispositivo” se motivou diante da moderna conotação atribuída à súmula dos julgados que representam a jurisprudência dos tribunais.
Vulgarmente, súmula é sinônimo de suma ou resumo, mas juridicamente significa um enunciado sobre a jurisprudência dominante no tribunal. O que se publica
do acórdão é, verdadeiramente, o seu dispositivo, e não a sua súmula. O dispositivo
do acórdão nada mais é do que o fechamento do silogismo iniciado com o relatório
e desenvolvido na motivação, ou seja, é a resposta com que se nega ou dá provimento ao recurso. É essa a conclusão que deverá ser divulgada na imprensa oficial, para
que a parte compreenda desde logo se venceu ou foi vencida na demanda.
O parágrafo único do art. 506 faz referência às alterações passadas. Agora, o parágrafo único remete ao art. 525, §2º.
O que se pretendia dizer é que, no prazo para interposição do recurso, a petição
seria protocolada em cartório ou, segundo a norma de organização judiciária, ressalvada a hipótese em que se admitia a interposição mediante postagem, sob registro
ou com aviso de recebimento.
Só que essa previsão estava no §2º do art. 525, relativamente ao agravo, e não no
art. 524, que trata da interposição desse recurso diretamente no tribunal. Aliás, essa
referência seria até desnecessária, por se tratar de uma previsão normativa genérica
(refere-se aos recursos em geral), enquanto o preceito referido contém previsão específica, pertinente apenas ao recurso de agravo.
No art. 515, § 4º, surge um ponto mais complexo. Diz o legislador:
Art. 515. § 4º - “Constatando a ocorrência de nulidade sanável, o Tribunal poderá determinar a realização ou renovação do ato processual, intimadas as partes;
cumprida a diligência, sempre que possível prosseguirá o julgamento da apelação”.
A primeira questão a se enfocar é a utilização de um conceito jurídico indeterminado – nulidade sanável. Diante da falta de elementos mais concretos, caberá um
amplo juízo discricionário do órgão julgador, até mesmo porque, em atenção aos
princípios da instrumentalidade e utilidade, a tendência é a de aproveitar ao máximo os atos processuais já praticados.
Como se daria essa intimação? Pensamos que deve ser utilizada a regra mais
simples, ou seja, intima-se o advogado por meio da Imprensa Oficial, na forma do
artigo 236 do C.P.C.
FGV DIREITO RIO 224
ação: teoria e procedimentos
Continuando, a parte final desse dispositivo dispõe que, cumprida a diligência,
sempre que possível prosseguirá o julgamento da apelação. E se não for possível?
Obviamente, restitui-se a matéria à primeira instância para a efetivação das diligências faltantes e que não puderam ser realizadas no âmbito da segunda instância.
Quer nos parecer que existem nesse dispositivo duas decisões; a primeira seria
avaliar se a nulidade é sanável ou não e determinar a realização da diligência; a segunda, prosseguir o julgamento ou restituir os autos à instância inferior.
Tais providências ficam a cargo do relator e parecem ser irrecorríveis, eis que
decorrentes de seu poder de impulsionar o processo e dirigir a relação processual.
Em casos de atos teratológicos, seria, por certo, cabível o mandado de segurança
contra essas decisões. Contudo, diante da subjetividade conferida pelo legislador, é
improvável a possibilidade de caracterização de tais atos.
O art. 518, com as alterações sofridas, passou a ter a seguinte redação:
“Art. 518 - Interposta a apelação, o juiz, declarando os efeitos em que a recebe,
mandará dar vista ao apelado para responder.
§ 1º O juiz não receberá o recurso de apelação quando a sentença estiver em
conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal
Federal.
§ 2º Apresentada a resposta, é facultado ao juiz, em cinco dias, o reexame dos
pressupostos de admissibilidade do recurso”.
O parágrafo primeiro insere em nosso ordenamento jurídico a denominada súmula impeditiva de recurso.
Destarte, podemos afirmar existirem hoje duas espécies de súmula: a persuasiva,
que já vinha sendo largamente utilizada pelos Tribunais Superiores; e a vinculante,
introduzida no art. 103-A da Carta de 1988 pela Emenda Constitucional 45/04.
A primeira pode ser utilizada agora como instrumento impeditivo de recurso.
De se ressaltar que a chamada “Segunda Etapa da Reforma do Judiciário”, composta por dispositivos que constavam originalmente da Proposta de Emenda de
2004 e que tiveram que passar por novo procedimento legislativo, contemplará a
figura dessa nova súmula no art. 105-A a ser inserido no Texto Constitucional.
Não obstante as boas intenções do legislador-reformador, é de se indagar, nesse
momento, se não houve um certo exagero. Será que o sistema brasileiro poderá
gerenciar com tranqüilidade tantas súmulas sem que isso importe no engessamento
da função jurisdicional?
A súmula vinculante, por sua vez, obriga o juiz a decidir de acordo com a súmula do STF, pois, caso decida de forma diversa, o Supremo, mediante reclamação,
poderá cassar a decisão judicial e determinar, assim, que outra seja proferida, com
ou sem a aplicação da súmula (art. 103-A, § 3º, CF).
A doutrina se divide entre afirmar que a inovação trazida ao art. 518 é manifestamente inconstitucional por afrontar o inciso LV do art. 5º da Constituição da
República, que garante às partes litigantes o contraditório e a ampla defesa, na medida em que impede o controle das decisões judiciais pelas partes quando estas lhes
FGV DIREITO RIO 225
ação: teoria e procedimentos
são desfavoráveis e causam prejuízos; e, por outro lado, há quem afirme que se trata
de uma adequação salutar e que em muito contribuirá para a redução do número
excessivo de impugnações sem possibilidade de êxito.
Entretanto, faz questão de ressaltar que, para que a decisão seja irrecorrível, deve
estar totalmente assentada em súmula, e não apenas em parte. Assim, caso restem
questões passíveis de discussão recursal que não contrariem a matéria sumulada, a
sentença não poderá ser considerada irrecorrível.
Não seria um poder normativo excessivo conferido ao Judiciário? O Órgão Máximo edita súmulas vinculantes, que obrigam todos os demais órgãos, e os Tribunais
impedem o prosseguimento dos recursos invocando súmulas persuasivas, que acabam, ainda que de forma indireta, tendo força vinculante!
Observe-se que o dispositivo utiliza o verbo na forma imperativa – o juiz não
receberá o recurso. Todavia, apenas por amor ao debate, o que fazer se o juiz recebe
o recurso nessas circunstâncias?
Sempre se entendeu que o despacho do juiz que recebe o recurso de apelação é
irrecorrível, uma vez que é apenas a primeira fase do juízo de admissibilidade, que se
completará apenas no Tribunal. Contudo, neste caso, a hipótese parece ser diversa,
diante dos expressos termos utilizados pelo legislador.
Ao que parece, o recurso aqui seria mesmo o agravo de instrumento, como já
referido acima, invocando-se a parte final do art. 522 do Código e inaugurando
em nosso ordenamento a possibilidade de recurso contra decisão que recebe o
apelo.
Dependendo da hipótese concreta e de quão clara se mostre a incompatibilidade
da decisão de recebimento de apelação com os exatos termos deste artigo 518, também nos parece razoável a hipótese de impetração de mandado de segurança, pois
haveria um direito líquido e certo da parte contrária em ver o recurso inadmitido
por conta da prévia existência de súmula em sentido diametralmente oposto à tese
sustentada no recurso.
Necessária, nesse momento, uma pausa para reflexão sobre os mecanismos introduzidos no Código e que podem ser combinados, de diversas formas, pelos órgãos
do Poder Judiciário com a finalidade de exterminar procedimentos “indesejáveis”.
Do que se viu até agora, foram implantados no Código “obstáculos” ao prosseguimento de algumas demandas.
Interessante observar que, em nenhum momento, o legislador cria qualquer restrição ao poder de ação. Acessar o Judiciário é cada vez mais fácil. O problema passa
a ser conseguir manter a demanda em curso.
O primeiro “filtro” está no artigo 285-A. O juiz de primeiro grau cria um precedente e, com base nele, bloqueia a petição inicial.
Em seguida, esse mesmo juiz, após proferir sentença, pode inadmitir o apelo
com base no § 1º do artigo 518, antecipando a tarefa do relator, pois, se esse instrumento “falhar”, há ainda o poder do relator, oriundo do artigo 557.
Em seguida, os requisitos, cada vez mais restritos para o cabimento dos recursos
excepcionais, se somam ao poder da Suprema Instância de proferir súmulas vinculantes.
FGV DIREITO RIO 226
ação: teoria e procedimentos
Por fim, temos as súmulas do Superior Tribunal de Justiça, que hoje têm especial
poder de convencimento, sobretudo quando se percebe que não há matéria constitucional nos autos que possa viabilizar o recurso extremo, além de serem hábeis
também para a invocação na forma do novel § 1º do artigo 518.
Finalmente, o art. 518, §2º nada mais faz do que fixar um prazo ao juiz para o
reexame dos pressupostos de admissibilidade do recurso; modificação que, segundo
Luiz Fux, é totalmente inútil, visto que – entre a admissão do recurso e o termo de
5 dias – os autos já se encontrarão em 2ª instância.
MATERIAL DE APOIO
SÚMULA
VINCULANTE
DA
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
JURISPRUDÊNCIA
PREDOMINANTE
DO
SÚMULA VINCULANTE Nº 1:
OFENDE A GARANTIA CONSTITUCIONAL DO ATO JURÍDICO
PERFEITO A DECISÃO QUE, SEM PONDERAR AS CIRCUNSTÂNCIAS
DO CASO CONCRETO, DESCONSIDERA A VALIDEZ E A EFICÁCIA DE
ACORDO CONSTANTE DE TERMO DE ADESÃO INSTITUÍDO PELA LEI
COMPLEMENTAR 110/2001.
SÚMULA VINCULANTE Nº 2:
É INCONSTITUCIONAL A LEI OU ATO NORMATIVO ESTADUAL
OU DISTRITAL QUE DISPONHA SOBRE SISTEMAS DE CONSÓRCIOS E
SORTEIOS, INCLUSIVE BINGOS E LOTERIAS.
SÚMULA VINCULANTE Nº 3:
NOS PROCESSOS PERANTE O TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
ASSEGURAM-SE O CONTRADITÓRIO E A AMPLA DEFESA QUANDO
DA DECISÃO PUDER RESULTAR ANULAÇÃO OU REVOGAÇÃO DE ATO
ADMINISTRATIVO QUE BENEFICIE O INTERESSADO, EXCETUADA A
APRECIAÇÃO DA LEGALIDADE DO ATO DE CONCESSÃO INICIAL DE
APOSENTADORIA, REFORMA E PENSÃO.
Súmula Vinculante 4:
SALVO NOS CASOS PREVISTOS NA CONSTITUIÇÃO, O SALÁRIO MÍNIMO NÃO PODE SER USADO COMO INDEXADOR DE BASE DE CÁLCULO DE VANTAGEM DE SERVIDOR PÚBLICO OU DE EMPREGADO,
NEM SER SUBSTITUÍDO POR DECISÃO JUDICIAL.
Súmula Vinculante 5:
A FALTA DE DEFESA TÉCNICA POR ADVOGADO NO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR NÃO OFENDE A CONSTITUIÇÃO.
FGV DIREITO RIO 227
ação: teoria e procedimentos
Súmula Vinculante 6:
NÃO VIOLA A CONSTITUIÇÃO O ESTABELECIMENTO DE REMUNERAÇÃO INFERIOR AO SALÁRIO MÍNIMO PARA AS PRAÇAS PRESTADORAS DE SERVIÇO MILITAR INICIAL.
Jurisprudência
TJRS
EMENTA: CONSTITUCIONAL. INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE. EXPLORAÇÃO DE JOGOS ELETRÔNICOS. COMPETÊNCIA
LEGISLATIVA. 1. Consoante a Súmula Vinculante nº 2, a competência legislativa
para dispor acerca de sistemas de consórcios, sorteios e sorteios, inclusive bingos
e loterias é da União, nos termos do art. 22, XX, da CF/88. Inconstitucionalidade da Lei Complementar 018/05, do Município de Farroupilha, que dispõe sobre
a exploração de jogos eletrônicos. 2. INCIDENTE JULGADO PROCEDENTE.
(Incidente de Inconstitucionalidade Nº. 70019125509, Tribunal Pleno, Tribunal de
Justiça do RS, Relator: Araken de Assis, Julgado em 25/06/2007).
Leitura obrigatória
DIDIER JR., Fredie, BRAGA, Paula Sarno, OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito
Processual Civil, vol. 2, 2ª edição, Salvador, Podium, 2008, p. 347-360.
FGV DIREITO RIO 228
ação: teoria e procedimentos
José Augusto Garcia de Sousa
É Defensor Público junto ao Segundo Grau de jurisdição, Mestre em
Direito pela UERJ, Professor Assistente da UERJ, Professor licenciado da
Universidade Cândido Mendes (Centro), ex-Vice-Presidente da Associação
Nacional dos Defensores Públicos.
FGV DIREITO RIO 229
ação: teoria e procedimentos
FICHA TÉCNICA
Fundação Getulio Vargas
Carlos Ivan Simonsen Leal
PRESIDENTE
FGV DIREITO RIO
Joaquim Falcão
DIRETOR
Fernando Penteado
VICE-DIRETOR ADMINISTRATIVO
Luís Fernando Schuartz
VICE-DIRETOR ACADÊMICO
Sérgio Guerra
VICE-DIRETOR DE PÓS-GRADUAÇÃO
Luiz Roberto Ayoub
PROFESSOR COORDENADOR DO PROGRAMA DE CAPACITAÇÃO EM PODER JUDICIÁRIO
Ronaldo Lemos
Coordenador do Centro de Tecnologia e Sociedade
Evandro Menezes de Carvalho
COORDENADOR ACADÊMICO DA GRADUAÇÃO
Rogério Barcelos
COORDENADOR DE ENSINO DA GRADUAÇÃO
Tânia Rangel
COORDENADORA DE MATERIAL DIDÁTICO
Ana Maria Barros
COORDENADORA DE ATIVIDADES COMPLEMENTARES
Vivian Barros Martins
COORDENADORA DE TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO
Lígia Fabris e Thiago Bottino do Amaral
COORDENADORes DO NÚCLEO DE PRÁTICAS JURÍDICAS
Wania Torres
COORDENADORA DE SECRETARIA DE GRADUAÇÃO
Diogo Pinheiro
COORDENADOR DE FINANÇAS
Milena Brant
COORDENADORA DE MARKETING ESTRATÉGICO E PLANEJAMENTO
FGV DIREITO RIO 230
Download

AÇÃO: TEORIA E PROCEDIMENTOS - Acadêmico de Direito da FGV