UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ INSTITUTO DE CIÊNCIA DA EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO EM EDUCAÇÃO CHARLES ALBERTO DE SOUZA ALVES A POLÍTICA DE MUNICIPALIZAÇÃO DO ENSINO FUNDAMENTAL NO ESTADO DO PARÁ A PARTIR DA ÓTICA DOS GESTORES ESTADUAIS DA EDUCAÇÃO Belém-Pará 2011 CHARLES ALBERTO DE SOUZA ALVES A POLÍTICA DE MUNICIPALIZAÇÃO DO ENSINO FUNDAMENTAL NO ESTADO DO PARÁ A PARTIR DA ÓTICA DOS GESTORES ESTADUAIS DA EDUCAÇÃO Dissertação apresentada à banca examinadora do Programa de PósGraduação em Educação do Instituto de Ciências da Educação – ICED da Universidade Federal do Pará – UFPA, para ser submetida à avaliação para a obtenção do título de Mestre. Orientadora: Profª. Drª. Rosana Maria Oliveira Gemaque. Belém-Pará 2011 CHARLES ALBERTO DE SOUZA ALVES A POLÍTICA DE MUNICIPALIZAÇÃO DO ENSINO FUNDAMENTAL NO ESTADO DO PARÁ A PARTIR DA ÓTICA DOS GESTORES ESTADUAIS DA EDUCAÇÃO Banca Examinadora --------------------------------------------------------------------------------------------------------Profª. Drª. Rosana Maria Oliveira Gemaque (Orientadora – UFPA) ---------------------------------------------------------------------------------------------------------Profª Drª Ney Cristina Monteiro de Oliveira Universidade Federal do Pará - UFPA ---------------------------------------------------------------------------------------------------------Profª Drª Andréa Barbosa Gouveia Universidade Federal do Paraná - UFPR AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus por ter me concedido as forças necessárias para concluir este estudo; Agradeço a minha família, Celeste e Mateus, meus bens mais preciosos, pela paciência ao me verem por tanto tempo trabalhando nesse estudo. Vocês são a alegria da minha vida; Agradeço a minha orientadora, Professora Rosana Gemaque, que tem acompanhado e ajudado na minha trajetória acadêmica e que contribuiu com suas orientações para a conclusão deste estudo; Agradeço ao Professor Orlando pelas contribuições por meio de livros, sugestões de leituras, conversas sobre a municipalização e por sua amizade; Agrade a Professora Ney Cristina por sua amizade e sugestões de correção e leitura que contribuíram significativamente para a conclusão deste trabalho; Agradeço a Professora Andrea Gouveia por suas contribuições para que este estudo se tornasse mais rico teoricamente; Agradeço a todos os professores do mestrado que contribuíram para a minha formação; Agradeço a todos os meus amigos da turma do mestrado de 2007 que direta ou indiretamente torceram por mim; Agradeço a Equipe de Municipalização da SEDUC por me receberem e contribuírem para esse trabalho. Agradeço em especialmente a Coordenadora da Equipe Rosana Martins e ao Adamor por compartilharem suas experiências sobre o tema desse estudo, a municipalização do ensino. Agradeço a minha amiga Ana Paula e a Professora Laura por me ajudarem a compreender as teorias de Bakhtin; Agradeço a SEDUC por me conceder a licença aprimoramento; Agradeço aos meus pais por me educarem a viver uma vida correta e digna; Agradeço a todos os amigos e amigas que durante esse percurso me animaram e me ajudaram de algum modo e que infelizmente devido ao cansaço que sinto após concluir esse estudo posso ter esquecido. RESUMO Este estudo apresenta a partir do ponto de vista dos gestores da educação estadual, como a política de municipalização do ensino fundamental se (re) configurou no Pará no período de 1996 a 2010. Tem como objetivos analisar como ocorreu ao longo dos Governos estaduais, o processo de (re) formulação; identificar quais foram os discursos orientadores utilizados na tomada de decisão dessa política e apresenta as repercussões mais significativas da política de municipalização para a melhoria da qualidade do ensino fundamental no Pará. O estudo utilizou a análise de documentos e entrevistas semi-estruturadas com os gestores dos Governos estaduais que trabalharam na Secretaria de Estado de Educação do Pará. O estudo concluiu que a política de municipalização se configurou de diversas formas ao longo dos Governos do PSDB e do PT. No Governo do PSDB essa política se configura como condição imprescindível para que a gestão da educação pública alcance a qualidade desejada. No Governo do PT houve diversos tentativas de se reformular essa política, por meio de seminários e fóruns, porém a falta de clareza do Governo estadual sobre o que se desejava com essa política e a mudança de cinco Secretários de Educação acarretou o surgimento de vários discursos diferentes sobre essa política bem como a descontinuidade dos encaminhamentos que foram apresentados pelos respectivos Secretários. PALAVRAS-CHAVE: Municipalização do ensino fundamental. Políticas públicas. Governos estaduais. ABSTRACT This study presents from the point of view of managers of state education, as the policy of decentralization of primary education (re) configured in Para during the period 1996 to 2010. Aims to analyze how governments occurred throughout the state, the process of (re) formulation, identifying the speeches which were used in guiding decision making of this policy and presents the most significant impact of the policy of decentralization to improve the quality of education The key in Pará study used document analysis and semi-structured interviews with managers of state governments who worked at the State Secretariat of Education of Para The study concluded that the policy of decentralization is configured in various ways over the Governments the PSDB and the PT. In this policy the Government of the PSDB is configured as an indispensable condition for the management of public education to reach the desired quality. In the PT government there have been several attempts to reformulate the policy, through seminars and forums, but the lack of clarity about the state government that wanted to change this policy and the five Secretaries of Education led to the emergence of several different discourses about this policy and the discontinuity of referrals that were presented by their respective Secretaries. KEY-WORDS: Municipalization of school. Public policies. State governments. LISTA DE SIGLAS ASPOL – Assessoria Política BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento BIRD – Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento BM – Banco Mundial CAQ – custo – aluno – qualidade CE – Constituição Estadual de 1989 CEPAL – Comissão Econômica para América Latina e Caribe CF – Constituição Federal de 1988 CNE – Conselho Nacional de Educação CODES – Coordenação de Descentralização CONAE – Conferência Nacional de Educação CODOE – Coordenação de Documentação Escolar CRF – Coordenação de Recursos Financeiros CRH – Coordenação de Recursos Humanos DAM – Diretoria da Área Metropolitana DIN – Diretoria de Interior DIRF – Declaração do Imposto de Renda Retido na Fonte FHC – Fernando Henrique Cardoso FMI – Fundo Monetário Internacional FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação FUNDEB – Fundo de Manutenção de Valorização dos Profissionais da Educação Básica FUNDEF – Fundo de Manutenção de Valorização do Magistério GAPI - Grupo de Análise de Políticas de Inovação GAS – Gerência de Assistência ao Servidor GEFIN – Grupo de Pesquisa em Gestão e Financiamento da Educação GCFOP – Gerência de Controle de Folha de Pagamento GPAM – Gerência de Patrimônio Mobiliário IASEP – Instituto de Assistência à Saúde dos Servidores do Estado do Pará IBGE – Instituto de Geografia e Estatística IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica IGEPREV – Instituto de Gestão Previdenciária do Estado do Pará INEP – Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais IPASEP – Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores dos Servidores do Estado do Pará LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação MARE – Ministério da Administração e Reforma do Estado MEC – Ministério da Educação NCC – Núcleo de Convênios e Contratos OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico PDRAE – Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado PT – Partido dos Trabalhadores PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento PSDB – Partido da Social Democracia Brasileiro RAIS – Relação Anual de Informações Sociais SAEN – Secretaria Adjunto de Ensino SEAD – Secretaria de Administração SEDUC – Secretaria de Estado de Educação SINTEPP – Sindicato dos Trabalhadores da Educação Pública do Pará TCC – Trabalho de Conclusão de Curso UFPA – Universidade Federal do Pará UNESCO – Programa das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura UNDIME – União Nacional de Dirigentes Municipais de Educação UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância LISTA DE QUADROS E TABELAS Quadro Nº 1- Etapas para a Municipalização do Ensino Fundamental; Quadro nº 02 - Metas Físicas do Plano Plurianual 2004-2007; Quadro nº 03-Municipalização do ensino fundamental por ano de 1996 a 2006; Quadro nº 04-Situação dos Municípios não-municipalizados-2009; Tabela 1: PARÁ -Matrículas no Ensino Fundamental Regular por Dependência Administrativa-1996-2009. SUMÁRIO RESUMO ABSTRAT LISTA DE SIGLAS LISTA DE QUADROS E TABELAS INTRODUÇÃO.............................................................................................................11 CAPÍTULO I: POLÍTICAS PÚBLICAS E A MUNICIPALIZAÇÃO DO ENSINO FUNDAMENTAL..........................................................................................................24 1.1 – Compreendendo o conceito de políticas públicas...................................................24 1.2.– Desenvolvimento histórico das políticas públicas como campo de estudo............29 1.3. – O desenvolvimento de políticas públicas .............................................................31 1.4. – A avaliação de políticas públicas...........................................................................36 CAPITULO II: A MUNICIPALIZAÇÃO DO ENSINO FUNDAMENTAL: SUA TRAJETÓRIA HISTÓRICA E CONFIGURAÇÃO ENQUANTO POLÍTICA PÚBLICA.......................................................................................................................41 2.1. – Trajetórias da política de Municipalização do ensino...........................................41 2.2. – Municipalização do ensino e Reforma do Estado.................................................46 2.3 – As características da política educacional de descentralização do ensino por meio da municipalização do ensino..........................................................................................53 CAPITULO III: A POLÍTICA DE MUNICIPALIZAÇÃO DO ENSINO FUNDAMENTAL NO ESTADO DO PARÁ: DIFERENTES CONFIGURAÇÕES......................................................................................................67 3.1 – A municipalização no governo de Almir Gabriel de 1995 a 1998: o surgimento da idéia de municipalizar......................................................................................................69 3.1.1 – O Termo de convênio..........................................................................................82 3.2 – A municipalização do ensino na segunda gestão do Governo Almir Gabriel (1999 a 2002) – tentativa de consolidação do projeto...............................................................92 3.2.1 – A municipalização do ensino fundamental como alternativa para melhorar a gestão da educação..........................................................................................................94 3.3 - A Municipalização do Ensino no governo de Simão Jatene (2003 a 2006): Manutenção de um Projeto............................................................................................108 3.4 – A municipalização do ensino no Governo Ana Julia (2007 a 2010): da falta de prioridade a tentativas de aprimoramento.....................................................................115 3.4.1 – A municipalização do ensino fundamental não é prioridade.............................124 3.4.2 – Tentativas de discussão da política de municipalização do ensino...................130 3.4.3 – Do discurso da continuidade da municipalização do ensino à busca de uma nova forma de municipalizar..................................................................................................137 3.4.4 – Das dificuldades de encaminhamento das ações a assinatura do termo de convênio com três municípios: uma visão geral da gestão nos 4 anos..........................148 CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................171 REFERÊNCIAS...........................................................................................................180 11 INTRODUÇÃO O interesse pelo estudo da política de municipalização do ensino fundamental no Estado do Pará surgiu a partir de minhas leituras sobre a política educacional, na ocasião de escolha do tema a ser pesquisado em meu Trabalho de Conclusão de Curso-TCC, em 2003, e no desenvolvimento da monografia de conclusão de especialização, ambos defendidos na UFPA. Inicialmente, no TCC com o título: “O Processo de municipalização do Ensino Fundamental no Estado do Pará e sua relação com o FUNDEF1”, defendido em 2003, estudamos a importância do FUNDEF para viabilizar a política de municipalização no Pará. No referido trabalho analisamos a opinião dos gestores da Secretaria de Estado de EducaçãoSEDUC sobre qual era a relação existente entre o FUNDEF e a municipalização do ensino. O que se percebeu, pelos depoimentos dos gestores, (Secretário estadual de educação e membros da equipe da coordenação de municipalização) foi que a implantação do FUNDEF no Pará teve como principal objetivo viabilizar o projeto de municipalização que o Governo Estadual visava colocar em prática. Ainda de acordo com os depoimentos desses gestores, o FUNDEF foi o fator principal e o grande responsável pela dimensão que a municipalização tomou naquele momento em que realizamos a pesquisa estabelecendo, assim, uma relação vital ou “visceral“ como afirmou um dos entrevistados, entre a municipalização e o FUNDEF. Chegamos a registrar falas que afirmaram que sem este Fundo a municipalização não tomaria, em hipótese alguma, o impulso que tomou no Estado. Impulso esse que se deve à lógica do FUNDEF de distribuição dos recursos, ou seja, quanto mais alunos matriculados no ensino fundamental maior a quantidade de recursos. Posteriormente, em 2006, no curso de Especialização em “Gestão e Financiamento da Educação em Políticas Públicas Educacionais” apresentamos o trabalho intitulado “O Processo de Municipalização do Ensino Fundamental no Município de Marabá e suas implicações para a Categoria Docente”. Pesquisa que procurou fazer uma análise sobre a situação funcional dos professores municipalizados no Município de Marabá com base no termo de Convênio de 1 O FUNDEF foi um Fundo composto basicamente por recursos dos próprios Estados e Municípios, de fontes já existentes e, em alguns casos, é acrescido de recursos da União. As receitas advêm de 15% dos seguintes impostos e transferências: Fundo de Participação dos Estados – FPE; Fundo de Participação dos Municípios – FPM; Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS; Imposto sobre Produtos Industrializados, proporcional às exportações – IPIexp e ainda sobre aqueles decorrentes da desoneração de exportações previstos pela Lei Complementar nº. 87/96, a Lei Kandir. 12 Municipalização firmado entre o Governo do Estado e a Prefeitura daquele Município. Concluímos por meio dos dados obtidos, que os professores municipalizados permanecem com o vínculo funcional com o governo do Estado. Os docentes cedidos não deixam de ser considerados como pertencentes ao quadro de funcionários do Estado, todavia, grande parte das responsabilidades com esses profissionais foram repassadas à Prefeitura de Marabá, uma vez que a política implementada pelo Estado previa que não haveria ônus para o governo estadual. Com a municipalização, os salários, férias, abonos e formação continuada seriam custeados pela Prefeitura de Marabá. O único compromisso assumido no termo de convênio pelo Governo estadual com os servidores cedidos se refere à aposentadoria e nada mais. Em relação à Prefeitura de Marabá, por meio de sua Secretaria Executiva de Educação, os servidores municipalizados ficam sujeitos aos seguintes atos administrativos: lotação, remuneração, fiscalização, sindicâncias, formação continuada. O termo de convênio na sua cláusula nona responsabiliza a prefeitura por zelar pelo fiel cumprimento de todos os direitos e deveres dos servidores cedidos, não permitindo a mesma que faça qualquer tipo de punição aos professores, pois isso é atribuição apenas do governo estadual. A situação dos professores cedidos em Marabá em comparação com a dos professores municipais revelou o descaso do governo estadual para com os seus professores. Em relação aos professores vinculados ao município, os professores cedidos têm que conviver com salários menores e com direitos profissionais diferentes, pois não podem usufruir dos mesmos benefícios do plano de carreira dos professores de Marabá. E também os professores municipalizados até aquele momento não tinham sequer, um plano de carreira que garantisse perspectiva sobre sua progressão funcional. Essa realidade sinalizou que a política de municipalização não beneficiou profissionalmente os professores municipalizados em Marabá, servindo para dar margem a um clima de descontentamento e desvalorização profissional. Pesquisar sobre o processo de municipalização do ensino fundamental, iniciado em 1997, no Estado do Pará, continua sendo de relevante importância uma vez que em sua proposta inicial constava a municipalização do ensino em todos os municípios do Estado, fato este que ainda não aconteceu. A importância dos estudos sobre os rebatimentos da implementação dessa política se tornaram ainda mais evidentes para nós quando, na condição de técnico em educação da Secretaria de Estado de Educação- SEDUC/PA, juntamente com outros técnicos em educação da referida Secretaria, fomos enviados para uma audiência pública em Fevereiro de 2009, 13 promovida pela Prefeitura de São Sebastião da Boa Vista, para discutir a possibilidade de municipalizar o ensino fundamental naquele Município. Nessa ocasião, ouvimos as desconfianças e as inquietações por parte de representantes dos professores caso isso viesse a acontecer. Este fato nos revelou que esse processo ainda suscita resistências e críticas que somente estudos específicos podem indicar as dimensões reais de seus efeitos nas realidades locais, principalmente porque a SEDUC não apresentou, até o presente momento, uma avaliação sistematizada dessa política. O interesse do Governo estadual em municipalizar 100% do ensino fundamental no Pará ao que tudo indica, não veio seguido do planejamento de instrumentos de avaliação dos resultados advindos desse processo indispensáveis ao seu bom acompanhamento. Nesse sentido, este estudo volta-se para analisar como essa política tem se configurado nos governos estaduais, a partir da ótica dos seus gestores no período de 1996 a 2010, pois nesse recorte de tempo estiveram a frente do Governo estadual governadores de dois partidos com concepções políticas divergentes, ou seja, o Partido da Social Democracia Brasileiro – PSDB e o Partido dos Trabalhadores – PT. Devido a concepções político-partidárias diferentes as políticas estaduais, quando permanecem de um governo estadual para outro, recebem novos contornos e, nesse caso, a municipalização do ensino pode assumir diferentes configurações ao longo de sua implementação durante o período em questão. Considerando que, desde seu início, a política de municipalização do ensino fundamental tem sido contestada pelos representantes dos professores, por concebê-la como uma política que vem apenas para desobrigar o Governo estadual de suas responsabilidades para com a educação ao repassá-la elementos de sua rede ensino (prédios, servidores, alunos, encargos, etc) para a administração dos municípios, trazendo perdas profissionais aos servidores municipalizados; e que o discurso oficial do Governo do Estado em 1996 foi de que a política de municipalização do ensino traria mais qualidade na gestão da educação pública, se faz necessário conhecermos como a mesma foi encaminhada pelos governos desses dois partidos (PSDB e PT) e que decisões e rumos essa política recebeu ao longo desses governos, para compreendermos essa política de forma objetiva e fundamentada. Em se tratando de concepções diferentes ou divergentes sobre a municipalização do ensino, Both (1997) entende que elas podem ser reunidas em dois grupos: o primeiro, dos que defendem as vantagens de se ter o ensino municipalizado e o segundo, dos que entendem os perigos de se municipalizar indiscriminadamente como se a municipalização fosse a solução imprescindível, para os problemas da gestão na educação pública serem dirimidos e, assim, se chegar ao patamar de qualidade desejado. 14 Both (idem) declara que o próprio Ministério da Educação – MEC em 1998 teria destacado algumas vantagens advindas do ensino municipalizado, como apresentado na citação abaixo: (...) o Ministério da Educação brasileira, por meio de sua Secretaria de Ensino Básico (SEB, 1988, p. 59), vê com simpatia a municipalização, prevendo-lhe um expressivo número de vantagens, quando ela garante a maior racionalidade de recursos; permite mecanismos de ação e solução mais rápidos; possibilita a desburocratização do sistema; assegura maior conhecimento por parte da administração municipal da realidade física, social, econômica e cultural em que o município se situa; e facilita o acompanhamento e a avaliação de todas as atividades, permitindo assim ao município assumir, gradual e progressivamente, a responsabilidade com o ensino (BOTH, 1997, p.140). O autor destaca que tanto a bibliografia quanto os testemunhos indicam que, ao longo do tempo, os defensores de uma municipalização do ensino se constituem em maior número do que as declarações discordantes. Contudo, entende que os eventuais posicionamentos contrários se constituem em elementos indispensáveis para que se realize a constante retroalimentação sobre essa temática. Assim sendo, Both (idem) apresenta uma amostra das posições a favor e contra a municipalização do ensino que podem ser encontradas no país, sem desejar esgotar todas as argumentações, destacando aquelas que compreende serem as mais relevantes. Entre as argumentações favoráveis, o autor enfatiza primeiramente a possibilidade de melhoria administrativa e qualidade dos ensinos pré-escolar e fundamental sob a responsabilidade dos municípios, desde que não se descuide da valorização e do bem-estar dos recursos humanos responsáveis pelo seu desenvolvimento. Outra concepção apresentada pelo autor defende a municipalização do ensino como realização da democracia. Por esse prisma, seria possível democratizar a gestão devido à proximidade da administração municipal das escolas e a comunidade como sendo um aspecto relevante. Pela proximidade da administração, poder-se-ia detectar melhor aos problemas e os anseios e, por isso, dar respostas mais rápidas às questões pertinentes. 15 Entretanto, o autor não deixa de levar em consideração a possibilidade de ingerências nos municípios por parte de gestores que desenvolvem práticas clientelistas em detrimento da educação pública. Para coibir esse tipo de conduta, a política de municipalização do ensino, segundo o autor, deve ter como um de seus pressupostos a participação de uma sociedade civil forte e organizada que saiba cobrar e fiscalizar as administrações municipalizadas. Both (idem) defende, ainda, uma concepção de municipalização que não se confunda com uma prefeiturização. Pretende uma divisão de responsabilidades que não sobrecarregue demais as administrações municipais e também não promova a continuidade do poder decisório, excessivamente, nas mãos dos governos federal e estadual. Sobre tais aspectos o autor declara que, (...) almeja-se, isto sim, o estabelecimento de uma distribuição de poder, de responsabilidades e de competências entre a União, o estado federado e o município, tendo em vista o acesso justo e equilibrado aos benefícios sociais por parte das populações tanto da zona urbana como da rural (p.95). As argumentações da defesa da municipalização do ensino fundamental têm como principal alvo, desde sua concepção, há crítica ao excessivo centralismo administrativo exercido pelos governos estadual e federal, ao longo da História do Brasil. Both (idem) comenta que o governo federal não tem demonstrado a intenção de assumir a responsabilidade pelo ensino fundamental e educação infantil e também os governos estaduais tem apresentado a tendência em passá-los aos municípios. Em países como a França e a Itália sua administração encontra-se centralizada em nível nacional. Na Alemanha, na Inglaterra e nos Estados Unidos cabe a administração do ensino fundamental ao poder local ou municipal, por isso, não se pretende afirmar categoricamente que, passando a administração do ensino fundamental para o nível municipal, ele necessariamente conquista melhor qualidade. Entretanto, o autor argumenta que, levando-se em conta a ineficácia em sua administração e sua duvidosa qualidade, sabendo-se que por muito tempo o maior volume de competências em relação a ele está em mãos dos governos central e estaduais, o município deveria ter uma chance para autogerí-lo. Contudo, o autor complementa que nessa gestão assumida pelo município devem ser passadas as devidas competências e também as condições de toda ordem. 16 Apesar de todas as possíveis vantagens do ensino sob a responsabilidade dos municípios há objeções à municipalização do ensino fundamental. Entre essas contradições, Both (idem) destaca o risco do clientelismo e mandonismo na administração local, pois ao longo da história se percebe a ocorrência de gestores municipais, principalmente em municípios carentes que usam o cargo público em proveito de seus interesses e isso poderia oferecer prejuízos caso o ensino fosse municipalizado. Contudo, o autor observa que mesmo com a possibilidade de eventualmente advir, o controle da população sobre as ações dos gestores locais poderia ocorrer mais facilmente do que se o mandonismo acontecesse na esfera estadual, pois estariam mais longe da visão do povo. Um argumento importante levantado é o de que a descentralização/municipalização não garante por si mesma, a democratização da gestão na escola. Isso é evidente, pois tanto um governo estadual como um municipal podem ser autoritários ou não. Outra situação que poderia comprometer o processo de municipalização seria em relação aos recursos humanos necessários, uma vez que o atendimento ao ensino fundamental de nove anos exige pessoal qualificado, inclusive com ensino superior e, nesse caso, muitos dos municípios brasileiros não contam com profissionais que tenham sequer ensino médio, para assumir tarefas de coordenação ou orientação técnica que cabem às redes de ensino desempenhar. Outro argumento desfavorável à municipalização do ensino passa pela incapacidade da máquina administrativa municipal e isso envolve as dificuldades de gestão do pessoal do Estado que é repassado para os municípios. Em geral os vencimentos oferecidos pelos governos estaduais são superiores aos dos municípios que podem comprometer a capacidade da política de remuneração dos municípios. E, ainda, poderiam ocorrer dificuldades de entrosamento do pessoal do Estado, talvez pela sensação de perda de status funcional e de sentimento de perda de espaço conquistado na esfera estadual. Por fim, Both (idem) destaca a questão tributária que traz à tona a equidade na distribuição de recursos por parte dos governos federal e estaduais. A ausência de uma reforma na distribuição tributária poderia ser um risco para as administrações locais em face da transferência de responsabilidades e encargos por parte dos Estados sem a necessária proporcionalidade de recursos para os municípios. A concepção adotada pelos gestores da educação dos governos estaduais que se sucederam ao longo desse processo da política de municipalização do ensino implica no modo 17 de encaminhá-la, na escolha das estratégias de ação, nas suas prioridades, sua importância e nas possíveis mudanças para que seus objetivos sejam alcançados. Diante disso levantamos os seguintes questionamentos: Questões Norteadoras: -Como a política de municipalização do ensino fundamental foi (re) configurada ao longo dos governos estaduais de 1996 a 2010? -De que modo foram tomadas as decisões acerca da formulação, implantação e formatação da política de municipalização do ensino fundamental no Estado do Pará? -Quais os discursos teóricos que foram utilizados na (re) configuração das políticas de municipalização? Objetivo Geral: Compreender, a partir do ponto de vista dos gestores da educação estadual, como a política de municipalização do ensino fundamental se (re) configurou no Pará. Objetivos Específicos: Analisar como foi o processo de (re) formulação, nos governos estaduais, acerca da (re) configuração da política de municipalização do ensino fundamental; Identificar os discursos orientadores utilizados na tomada de decisão sobre a formulação da política de municipalização; Descrever as repercussões mais significativas da política de municipalização para a melhoria da qualidade do ensino fundamental no Estado do Pará. 18 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS Neste estudo compreendemos a municipalização do ensino fundamental como uma política pública educacional, situada no âmbito das políticas públicas de caráter social e, como tal, não é estática, estando sujeita a constante mudança. Para que possamos compreendê-la, se faz necessário levar em consideração o projeto político do Estado em seu conjunto e as contradições do momento histórico em questão. Esta necessidade deve-se ao fato de que, em geral, as políticas educacionais são emanadas do Estado. Castro (1989) entende que as políticas sociais podem ser formuladas com o propósito de conservar ou de mudar determinada situação, sendo essas escolhas diretamente envolvidas com os interesses do Estado. A autora entende que: O conteúdo das ações políticas sociais-como fator de mudança ou de conservação da ordem social - depende principalmente da natureza do Estado, ou seja, dos arranjos políticos que lhe dão sustentação e que definem as prioridades na alocação dos recursos públicos extraídos da população (p.8). As políticas públicas não se originam em um plano abstrato, mas constroem-se na correlação entre as forças sociais, que se articulam para defender seus interesses, ou seja, a construção de uma determinada política implica em escolhas e decisões, que envolvem indivíduos, grupos e instituições inseridos em um momento histórico. A partir dessa compreensão, a municipalização do ensino fundamental enquanto política inserida dentro de um contexto histórico e político está perpassada pelas influências do projeto dominante de sociedade em vigor. Assim sendo, devemos resgatar a sua trajetória histórica para compreendermos sua situação atual. O período de análise deste estudo vai de 1996 a 2010, ou seja, desde o início da municipalização do ensino no Governo de Almir Gabriel indo até o Governo Ana Júlia. A abordagem desta pesquisa é a qualitativa que, segundo Bogdan e Biklen (1984) se desenvolve em uma situação natural, possuindo riqueza de dados descritivos, com plano de pesquisa flexível que focaliza a realidade de maneira complexa e contextualizada. Na busca pela compreensão do nosso objeto de pesquisa realizamos um levantamento documental que, de acordo com Lüdke e André (1986), apresenta uma série de vantagens, tendo 19 em vista que os documentos constituem uma fonte estável e rica de informações e que por persistirem ao longo do tempo, podem ser consultados várias vezes oferecendo mais estabilidade aos resultados obtidos. Neste sentido, realizamos um levantamento documental onde buscamos todos os dados que estivessem disponíveis à consulta pública e que possibilitaram obtermos informações sobre como se processou municipalização no Estado do Pará, tais como: Cartilha de municipalização da SEDUC, que apresenta a proposta desta política pelos seus formuladores; Minuta do Termo de Convênio celebrado entre o Governo estadual e os Municípios paraenses, onde estão as cláusulas que definem o acordo celebrado entre as partes envolvidas; Relatórios com as ações desenvolvidas pelos Secretários de Estado de Educação e Relatórios das ações desenvolvidas pela Coordenação de Descentralização da SEDUC por meio de sua equipe de municipalização. Para alcançar o objetivo de compreender as configurações da política de municipalização do ensino fundamental, a partir da visão dos gestores da educação, realizamos entrevistas com gestores de cada governo que se sucederam ao longo dos 12 anos do processo de municipalização do ensino no Pará. Infelizmente, algumas pessoas não foram encontradas, outras não residem mais no Estado e outras que em tese teriam como colaborar para enriquecer a coleta de informações deste estudo, nos declararam que não teriam muito a contribuir e que deveríamos procurar outras pessoas. Com o intuito de resgatar o período inicial da municipalização do ensino no Estado entrevistamos algumas pessoas que trabalharam no início do primeiro mandato de Almir Gabriel, são eles: o Secretário de educação, a Diretora de ensino e dois Coordenadores do Departamento de municipalização. Para compreendermos como essa política se configurou na gestão do Governador Simão Jatene, entramos em contato com a Coordenadora do Departamento de municipalização daquele período, mas por diversas razões que envolveram distância, trabalho, agenda e outras situações adversas, não foi possível realizarmos a entrevista com a ex-coordenadora dentro do prazo estipulado para a realização desse trabalho de pesquisa. Apesar da ausência das informações que poderiam ser obtidas com esta entrevista, entendemos que nossa coleta de informações não foi substancialmente prejudicada, pois nos contatos telefônicos que conseguimos realizar a mesma nos adiantou que nada de significativo havia sido alterado na condução da implementação da política de municipalização do ensino. Também poderemos compreender esse período a partir das entrevistas realizadas com os 20 gestores que trabalharam no Governo que sucedeu o de Simão Jatene e que nos esclareceram como foi encontrada a situação da política de municipalização na referida gestão. No Governo Ana Julia a SEDUC foi administrada por cinco secretários estaduais de educação que foram: Mário Cardoso, Iracy Gallo, Maria do Socorro Costa Coelho, Luis Cavalcante e Ana Lúcia Lima. Entre esses Secretários entrevistamos três, ou seja, o primeiro secretário quando do início do Governo do PT Mário Cardoso, a terceira pessoa a assumir a direção da Secretaria de ensino a professora Maria do Socorro Costa Coelho e temos o relatório das atividades desenvolvidas na gestão da então Secretária de educação Iracy Gallo. Entrevistamos também a coordenadora da Gerência de municipalização que pôde contribuir com um olhar mais abrangente do período do Governo estadual petista, pois trabalhou na equipe de municipalização por praticamente todo esse período. Procederemos a análise das falas dos gestores em ordem cronológica de gestão na SEDUC para compreender como foi que se deu o tratamento dos gestores em relação à temática da municipalização do ensino fundamental e que configurações essa política assumiu. Estas falas devem ser compreendidas dentro dos limites do tempo de atuação que essas pessoas exerceram suas atividades na Secretaria de ensino, sem perder de vista que se reportam algumas vezes a momentos esporádicos dentro de um período de tempo que vai de 1996 a 2010. Ressaltamos também que, embora houvesse várias perguntas em nosso roteiro de entrevista nem todas puderam ser respondidas por todos os entrevistados em virtude de que essas pessoas não permaneceram por muitos anos na SEDUC-PA. A análise das entrevistas realizadas com diversos gestores que atuaram na SEDUC nos possibilitou perceber as diferenças nos discursos sobre a política de municipalização do ensino fundamental no período em que houve o Governo do PSDB e o período de Governo do PT. As entrevistas com os gestores foram semi-estruturadas, por propiciar maior flexibilidade na coleta de informações e permitir que os entrevistados se sentissem a vontade para exporem seus pontos de vista sobre os assuntos apresentados pelo entrevistador. Neste estudo utilizamos na análise dos dados coletados nas entrevistas e documentos alguns elementos da análise de discurso bakhtiniana, pois essa abordagem considera que todo 21 discurso é uma construção social, ou seja, não é construída individualmente e que pode ser analisado se for levado em consideração o contexto-histórico-social e suas condições de produção. Destarte, nas análises partiremos do entendimento de que "todo discurso está atravessado por outros discursos que partem de um enunciado vivo, significativamente surgido em um momento histórico e em um meio social determinado, pois o discurso se tece polifonicamente num jogo de várias vozes cruzadas" (BAKHTIN, 2004, p.123). Nessa perspectiva, o autor compreende que o sujeito que discursa está permeado pelo seu meio social e pelos discursos que o cercam, fazendo que no seu discurso se encontrem outros discursos. Assim, o autor compreende o sujeito como sendo constituído e imbricado no meio social em que vive, sendo, desse modo, influenciado pelos discursos que o circundam (BAKHTIN, 2004). A análise das falas dos entrevistados deve considerar que o discurso está permeado pelas influências de um meio social, cultural e político que por sua vez reflete uma determinada visão de mundo, necessariamente, vinculada a do seu autor e a sociedade em que vivem. Deste modo, o discurso não pode ser compreendido isoladamente, mas a análise precisa incluir fatores extra-linguísticos como o contexto da fala, a relação do falante com o ouvinte, momento histórico, etc. A abordagem da análise de discurso bakhtiniana também nos ajuda a compreender que em nossas entrevistas com os gestores o objeto que foi tratado, ou seja, a municipalização do ensino, não foi objeto de discurso pela primeira vez, pois em relação ao discurso dos sujeitos Bakhtin (1988 apud CUNHA, 1997, p. 304) afirma que: [...] O objeto do discurso de um locutor, qualquer que seja, não é objeto de discurso pela primeira vez em um determinado enunciado, e o locutor não é o primeiro a falar deste objeto. O objeto já foi, por assim dizer, falado, objeto de controvérsia, explicado e julgado de diversas formas, ele é o lugar onde se cruzam, se encontram e se separam dos pontos de vista diferentes, das visões de mundo, das tendências. Outra contribuição da análise de discurso é a percepção do caráter ideológico que o discurso apresenta e que estão materializadas nas falas dos sujeitos. Sobre isso Bakhtin (1988, p. 132,) acentua que "[...] a palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido ideológico ou vivência". 22 Fernandes (2007) comenta que no discurso ideológico, os sujeitos que discursam em oposição acerca de um mesmo tema, indicam posições sócio-ideológicas assumidas pelos sujeitos envolvidos e a linguagem é a forma material de expressão desses lugares. Segundo esse entendimento as palavras apresentam-se impregnadas de aspectos sociais e ideológicos quando elas são pronunciadas. O autor declara que "o elemento ideológico presente nos discursos se manifesta quando os sujeitos do discurso apresentam e defendem uma concepção de mundo de determinado grupo social em um dado momento histórico" (p.20). Para ele os sentidos e não apenas o significado da palavra, "são produzidos em decorrência das ideologias dos sujeitos em questão, da forma como compreendem a realidade política e social na qual estão inseridos" (p.20). Ao se referir ao discurso escrito Bakhtin (2004) declara que: Assim, o discurso escrito é de certa maneira parte integrante de uma discussão ideológica em grande escala: ele responde a alguma coisa, refuta, confirma, antecipa as respostas e objeções potenciais, procura apoio, etc (p.126). Assim sendo, ao longo da leitura das declarações procuramos perceber as posições assumidas pelos entrevistados em relação à política de municipalização para analisar os pontos de confluência e divergência assumidos pelos gestores. Este trabalho está organizado em três capítulos. No primeiro capítulo realizamos uma discussão teórica sobre políticas públicas, por entendermos que a municipalização do ensino fundamental é uma ação que ocorre nas relações entre os Governos estaduais e municipais e que, independentemente de ser definida como política de Estado ou de Governo se apresenta como uma política pública. Assim, como nos propusemos a analisar uma política pública específica, discutimos sobre alguns aspectos básicos a respeito da compreensão do que vem a se constituir uma política pública, suas características, seu desenvolvimento englobando suas fases principais, ou seja, a elaboração que decorre de uma agenda contendo as principais demandas, sua implementação e sua avaliação. No segundo capítulo apresentamos a trajetória histórica da municipalização do ensino no cenário nacional e sua configuração como política pública. Também, nesse capítulo, discutimos a influência dos organismos internacionais, no contexto do processo de Reforma do 23 Estado e seus efeitos na formulação das políticas públicas com destaque para a política de municipalização do ensino. No terceiro capítulo realizamos a análise da trajetória histórica desta política desde a sua implementação no Pará em 1996, até o término do Governo petista no final de 2010. Analisamos como os governos estaduais conceberam a política de municipalização do ensino fundamental e de que forma essa política foi trabalhada. Nesse capítulo, ainda, apresentamos as análises das entrevistas e declarações presentes em documentos com diversos gestores (Secretários estaduais de educação, coordenadores e técnicos em educação do departamento de municipalização) que estiveram envolvidas nos trabalhos na Secretaria Estadual de Educação relacionados à implementação da política de municipalização do ensino fundamental no Estado do Pará nos diversos governos estaduais, com o objetivo de compreendermos, a partir do ponto de vista dos mesmos, como se configurou a política de municipalização do ensino. 24 CAPÍTULO I POLÍTICAS PÚBLICAS E A MUNICIPALIZAÇÃO DO ENSINO FUNDAMENTAL Entendemos que a municipalização do ensino fundamental, tanto em âmbito nacional quanto no Estado do Pará, apresenta características de uma política pública, por isso precisa ser compreendida a partir de elementos que constituem uma política pública. Desse modo, faremos uma discussão sobre o conceito de políticas públicas e o processo de sua elaboração, implementação e avaliação relacionando essa discussão com a municipalização do ensino fundamental. 1.1 – Compreendendo o conceito de políticas públicas Ao discutirmos políticas públicas percebemos que é preciso compreender o que se entende por “política”, bem como o termo “público”. Em sua definição clássica, o termo política emana do adjetivo politikós, originado de polis, que se refere a tudo que se relaciona com a cidade, portanto ao urbano, civil, público e até mesmo sociável e social. O termo grego Polis se refere à cidade, compreendida como a comunidade autônoma e soberana, formada pelos cidadãos, isto é, pelos homens nascidos no solo da Cidade, considerados livres e iguais. Com o decorrer do tempo, a palavra política passou a designar um campo dedicado ao estudo da esfera de atividades humanas articulada às coisas do Estado. O conceito de política refere-se, hoje, principalmente ao conjunto de atividades, que, de alguma maneira são atribuídas ao Estado moderno, ou que dele emanam (BOBBIO, 2007). Frey (2000) afirma que a atual literatura de ciência política distingue três dimensões para o termo “política,” dependendo do foco da análise que se pretende fazer, ou seja: (1) para denominar as instituições políticas; (2) para se referir a dimensão processual e (3) para indicar o conteúdo material da política. A dimensão institucional engloba a ordem do sistema político e a estrutura institucional do sistema político-administrativo. A dimensão processual se refere ao processo político, muitas vezes conflituoso, que defini os objetivos, conteúdos e as decisões de distribuição na política. 25 Quanto à dimensão material da política o foco está em se analisar o conteúdo concreto dos programas de política, englobando os problemas técnicos e o conteúdo material das decisões políticas. Este estudo se insere na análise da dimensão material da política de municipalização, pois nos detivemos a compreender no decorrer dos governos estaduais quais foram as decisões políticas e as definições concretas que configuraram essa política ao longo de sua implementação. O Grupo de Análise de Políticas de Inovação-GAPI/UNICAMP (2002) compreende que para entender o conceito de política é necessário levar em conta os seguintes pontos: (...) a distinção entre política e decisão: a política é gerada por uma série de interações entre decisões mais ou menos conscientes de diversos atores sociais (e não somente dos tomadores de decisão); a distinção entre política e administração; que política envolve tanto intenções quanto comportamentos; tanto ação como não-ação; que pode determinar impactos não esperados; que os propósitos podem ser definidos ex post: racionalização; que ela é um processo que se estabelece ao longo do tempo; que envolve relações intra e inter organizações; que é estabelecida no âmbito governamental, mas envolve múltiplos atores; que é definida subjetivamente segundo as visões conceituais adotadas (p.3). Por este ponto de vista, o delineamento dos contornos do conceito de “política” possui diversos elementos que envolvem decisões, intenções, interações, subjetividades, relações sociais que nos fazem perceber que a política abarca diversas dimensões. Ao se referir ao termo “público” e sua dimensão Pereira (1994 apud CUNHA e CUNHA, 2002), destaca que: 26 O termo público associado à política, não é uma referencia exclusiva ao Estado, como muitos pensam, mas sim a coisa pública, ou seja, de todos, sob a égide de uma mesma lei e o apoio de uma comunidade de interesses. Portanto, embora as políticas públicas sejam reguladas e freqüentemente providas pelo Estado, elas também englobam preferências, escolhas e decisões privadas podendo (e devendo) ser controladas pelos cidadãos. A política pública expressa, assim, a conversão de decisões privadas em decisões e ações públicas, que afetam a todos (p.21). O termo políticas públicas, desse modo, refere-se ao relacionamento da ação do Estado com interesses, anseios e influências de representações sociais, o que indica a não neutralidade do Estado nas suas decisões e opções no momento de implementar as políticas que deverão atender às demandas sociais. Ao observar o caráter polissêmico da expressão “políticas públicas”, Souza (2007), com o objetivo de fazer o estado da arte sobre políticas públicas, apresenta os principais conceitos e modelos de análise sobre o tema e explica que não existe uma única, ou melhor, definição sobre o que são políticas públicas. Desse modo, apresenta várias definições de diversos autores, tais como: Mead (1995) a defini como um campo dentro do estudo da política que analisa o governo à luz de grandes questões públicas e Lynn (1980) como um conjunto de ações do governo que irão produzir efeitos específicos. Peters (1986) segue o mesmo veio: política pública é a soma das atividades dos governos, que agem diretamente ou por delegação, e que influenciam a vida dos cidadãos. Dye (1984) sintetiza a definição de políticas públicas como “o que o governo escolhe fazer ou não fazer”. A definição mais conhecida continua sendo a de Laswell, ou seja, decisões e analises sobre política pública implicam responder às seguintes questões: quem ganha o quê, por quê e que diferença faz. Já a definição mais clássica é atribuída a Lowi apud Rezende (2004: 13) política pública é “uma regra formulada por alguma autoridade governamental que expressa uma intenção de influenciar, alterar, regular, o comportamento individual ou coletivo através do uso de sanções positivas ou negativas” (p.68). 27 A autora também comenta que essas definições têm recebido críticas por superestimarem os aspectos racionais e procedimentais das políticas públicas, ou seja, segundo esses críticos, essas definições ignoram o embate entorno de ideias e conceitos que indicam o aspecto conflituoso presente nas decisões dos governos. Também, segundo a autora, criticam-se essas definições por concentrarem o foco exclusivamente no papel do governo deixando de lado a possibilidade de poder haver a cooperação entre os governos e outras instituições e grupos sociais. Essas críticas indicam que a concepção de uma política pública não surge exclusivamente no âmbito restrito do poder do Estado, mas que representações de grupos ou classes sociais podem influenciar a direção que tomam as políticas sociais. Souza (2006) compreende que com base nas diversas definições e modelos sobre políticas públicas, podemos sintetizar os principais elementos que a constituem do seguinte modo: A política pública permite distinguir entre o que o governo pretende fazer e o que de fato faz. A política pública envolve vários atores e níveis de decisão, embora seja materializada através dos governos, e não necessariamente se restringe a participantes formais, já que os informais também são importantes. A política pública é abrangente e não se limita a leis e regras. A política pública é uma ação intencional, com objetivos a serem alcançados. A política pública, embora tenha impactos no curto prazo, é uma política de longo prazo. A política pública envolve processos subseqüentes após sua decisão e proposição, ou seja, implica também implementação, execução e avaliação (p.36). Esses elementos constituintes das políticas públicas estão presentes na implementação da municipalização do ensino fundamental no Brasil e no Pará, pois ela tem se apresentado com intenções e objetivos claros, por parte do Governo estadual, a serem alcançados referentes à qualidade do ensino e a melhoria da gestão dos recursos financeiros e humanos a nível local. Também, podemos observar que a municipalização do ensino fundamental tem sido uma política abrangente e tem envolvido vários níveis de decisão que tem obtido resultados em curto e longo prazo que demandam processos subseqüentes de execução e avaliação. Souza (2006) faz uma distinção entre políticas públicas e planos ou programas ao afirmar que as políticas públicas se desdobram em planos, programas, projetos, bases de dados 28 ou sistemas de informação ou pesquisa. Desse modo, a política de municipalização do ensino também se desdobra em diversas ações, não se restringindo a um único projeto ou plano. Como podemos perceber, a expressão “políticas públicas” apresenta vários conceitos e acepções. Por isso, Souza (2006) diz que podemos resumir políticas públicas como “o campo do conhecimento que busca ao mesmo tempo, „colocar o governo em ação‟ e/ou analisar essa ação (variável independente) e, quando necessário, propor mudanças no rumo dessas ações (variável dependente)” (p.26). A respeito da política pública como ação do Estado, no sentido de intervenção do Estado nos assuntos cruciais que dizem respeito aos interesses dos diversos grupos sociais, comentam Muller e Surel (2002): [...] a ação do Estado pode ser considerada como o lugar privilegiado em que as sociedades modernas, enquanto sociedades complexas, vão colocar o problema crucial de sua relação com o mundo através de construção de paradigmas ou de referenciais, sendo que este conjunto de matrizes cognitivas e normativas intelectuais determina, ao mesmo tempo, os instrumentos graças aos quais as sociedades agem sobre elas mesmas e os espaços de sentido no interior dos quais os grupos sociais vão interagir (p. 11). Ainda segundo Souza (idem) embora as definições de políticas públicas apresentem diferentes possibilidades de abordagem, em geral, a autora percebe uma visão holística do tema, ou seja, “uma perspectiva de que o todo é mais importante do que a soma das partes e que indivíduos, instituições, interações, ideologias e interesses contam mesmo que existam diferenças sobre a importância destes fatores” (p.25). A política pública, além de apresentar vários sentidos e conceitos, também pode se apresentar de várias formas. Para Souza (2006) a política pública pode assumir quatro formatos. O primeiro é o das políticas distributivas que se caracterizam nas decisões dos governos por desconsiderar a questão dos recursos limitados, o que acaba gerando impactos mais individuais do que universais. O segundo formato é o das políticas regulatórias que segundo o autor são mais visíveis ao público e envolve burocracia, políticos e grupos de interesse. O terceiro formato se refere as políticas redistributivas que pode atingir maior número de pessoas e impõe perdas para alguns grupos sociais e ganhos incertos e futuros para outros, são manifestadas de modo geral por meio de 29 políticas sociais universais, o sistema tributário, o sistema previdenciário e para o autor estas são as de mais difícil encaminhamento. E o quarto é o das políticas constitutivas que de modo simplificado são as que lidam com procedimentos. No caso específico da política de municipalização entendemos que ela se enquadra nas políticas de redistribuição por modificar a configuração da distribuição de matrículas existente nas redes de ensino pela transferência das matrículas no ensino fundamental sob a responsabilidade do governo estadual para as redes municipais de ensino. 1.2 – Desenvolvimento histórico das políticas públicas como campo de estudo Souza (2007) comenta que o ressurgimento da importância do campo de conhecimento chamado políticas públicas e da ampliação de sua visibilidade em países como o Brasil deve-se, pelo menos, a três fatores. O primeiro é a opção por políticas restritivas de gasto, que tem estado presente na agenda da maioria dos países, principalmente os em desenvolvimento. O segundo fator é a substituição do papel dos Estados nacionais que adotaram as políticas Keynesianas por políticas de contensão de gastos, ou seja, implementaram políticas visando o ajuste fiscal na busca do equilíbrio do orçamento entre receita e despesa. O terceiro fator, mais presente em países em desenvolvimento e com democracia recente, em especial na América Latina, é que esses países ainda não conseguiram desenhar políticas capazes de impulsionar o desenvolvimento econômico e de promover a inclusão social da maior parte de sua população. A área de políticas públicas como área de conhecimento nasceu nos Estados Unidos, rompendo com a tradição européia de estudos nesta área, que davam mais ênfase a análise sobre o Estado e suas instituições, do nas ações produzidas pelos governos, sendo que, o principal pressuposto que dominou os estudos sobre políticas públicas é de que “em democracias estáveis, aquilo que o governo faz ou deixa de fazer é passível de ser formulado cientificamente e analisado por pesquisadores independentes” (SOUZA, 2007, p.67). No que diz respeito à análise da atuação dos governos e seus efeitos sobre a sociedade Verza (2000 apud CRUZ, 2009) acredita que mesmo dentro de um sistema capitalista é possível haver transformação social. Essa transformação dependeria de uma mobilização dos cidadãos na participação da tomada de decisões, de forma a intervir nas políticas em curso, o que modificaria a realidade social. Esses cidadãos deveriam ser preparados desde a infância para participarem nas instituições de ensino, numa perspectiva emancipadora. Desse modo, independentemente das deliberações do Estado por meio de leis e outros instrumentos legais, a sociedade pode redirecionar a definição das políticas públicas para atender às suas demandas. 30 Entretanto, discordando do ponto de vista de Verza e da possibilidade de transformação dentro de um sistema capitalista, Meksenas (2002 apud CRUZ, 2009) não concebe a possibilidade de mudança dentro do sistema capitalista. O autor entende que as políticas públicas estão voltadas para aos interesses do Estado capitalista de formação de mão de obra para sustentação do capitalismo e em contrapartida não é interessante para este sistema que os trabalhadores que têm sua mão de obra exploração recebam uma formação que lhes possibilite a atuação crítica na participação política. Por esse ponto de vista, as políticas públicas vinculadas ao Estado capitalista constituem-se num instrumento de conservação do status quo e visam apenas o arrefecimento das disparidades entre as relações de classes e entre o capital e o trabalho. O conceito de políticas públicas aparece vinculado ao desenvolvimento do Estado capitalista e esse as relações de classe. No século XX, as políticas públicas são definidas como um mecanismo contraditório que visa à garantia da reprodução da força de trabalho. Tal aspecto da organização do Estado nas sociedades industriais, não traduz um equilíbrio nas relações entre o capital e o trabalho. (MEKSENAS, 2002, p.77). O autor pretende demonstrar que as políticas públicas apresentam em primeira mão uma aparência de possibilidade de mudanças qualitativas para a maioria da população, contudo, em sua essência, traduz um instrumento de reprodução do sistema capitalista, que não visa às demandas da classe explorada, mas as mantém sob controle por meio das políticas públicas. Assim, não pode haver transformação social, pois as suas estruturas continuam as mesmas. Souza (2006), por sua vez, analisando a questão sobre o espaço de atuação dos governos na definição e implementação de políticas públicas rejeita os três posicionamentos. Primeiramente rejeita a idéia de que as decisões e implementações refletem tão somente as pressões dos grupos de interesse, como entende a versão mais simplificada do pluralismo. Também rejeita a concepção elitista que compreende que a ação do Estado por definição de políticas é feita exclusivamente por aqueles que estão no poder. E por fim não concorda com a visão de que as definições de políticas implementadas pelos governos servem apenas aos interesses de determinadas classes sociais, que é uma perspectiva compartilhada nas concepções estruturalistas e funcionalistas do Estado. A autora defende a posição de que: 31 No processo de definição de políticas públicas, sociedades e Estados complexos como os constituídos no mundo moderno estão mais próximos da perspectiva teórica daqueles que defendem que existe uma „autonomia relativa do Estado‟, o que faz com que o mesmo tenha um espaço próprio de atuação, embora permeável a influências externas e internas (...). Essa autonomia relativa gera determinadas capacidades, as quais, por sua vez, criam as condições para a implementação de políticas públicas. A margem dessa „autonomia‟ e o desenvolvimento dessas „capacidades‟ dependem, obviamente, de muitos fatores e dos diferentes momentos históricos de cada país (p.27). Entendemos que essa questão entre a relação da autonomia do Estado em definir e implementar suas políticas de modo geral e as influências e pressões de representações de classes e de movimentos organizados da sociedade civil, não pode ser respondida por uma visão extremista ou simplificadora de um processo decisório, pois o contexto atual apresenta múltiplas determinações (interesses gerais, interesses particulares, questões econômicas, demandas sociais, lutas partidárias e ideológicas, enfim). Então há uma relação de embate entre as instancias do Estado e das representações da sociedade civil que não garantem a plena efetivação dos interesses dessa ou daquela representação seja do Estado ou da Sociedade. 1.3 – O desenvolvimento de políticas públicas O surgimento de uma política pública obedece ao desenvolvimento de algumas etapas tais como: sua elaboração, implementação e a verificação de seus efeitos e resultados. Viana (1988), estudando sobre as fases que constituem o processo de elaboração das políticas públicas, usou como base o trabalho de J. Kingdon que as divide em: agenda, alternativas, escolhas e a implementação. A formulação de uma política envolve: primeiramente a agenda que é constituída por uma lista de problemas ou assuntos que chamam a atenção do governo e dos cidadãos que devem atuar junto com o governo. A agenda está sujeita a constantes modificações em virtude da lista de assuntos que merecem atenção. Em seguida vêm as alternativas que são todas as propostas e políticas viabilizadas para a solução dos problemas elencados na agenda e 32 por fim vem às escolhas que indicam as opções aceitas como consenso em uma arena política, a escolha assim é o momento final do processo de formulação. Tratar da questão da formulação de uma política pública envolve o embate das diferentes visões de projeto de sociedade concebidas por diferentes atores (discursos ideológicos de conservadores, liberais e as esquerdas) em um cenário político resultando na decisão de uma dessas visões. A formulação é o momento do processo decisório (decidindo como decidir). A mesma ocorre em um espaço político de trocas e indeterminações, conflitos e poder. Segundo Hoppe, Van der Graaf e Van Dijk apud Viana (1996), a fase de formulação de políticas, elaboração de alternativas e escolha de uma delas, pode ser desmembrada em três fases: a) a massa de dados transforma-se em informações importantes; b) os valores, ideais, princípios e ideologias combinam-se com informações fáticas produzindo conhecimento sobre ação; c)e por último o conhecimento empírico e normativo se transforma em ações públicas para serem desenvolvidas em um determinado espaço de tempo. A Formulação das políticas públicas se desenvolve resumidamente por meio de dois modelos: o Modelo Racional e o Modelo Incremental. O modelo Racional busca clarificar objetivos, alinhar alternativas e escolher a alternativa mais adequada para alcançar o objetivo. O modelo Incremental, por sua vez utiliza as informações encontradas para enfrentar a situação, mas se reduz a uma situação de melhorar um pouco o que já existe. Desse modo, a formulação de políticas públicas envolve o reconhecimento de problemas e a decisão sobre o que fazer a respeito desses problemas. Gelinski e Seibel (2008) destacam alguns aspectos relevantes na formulação de políticas públicas. Em primeiro lugar os autores destacam a concepção do Estado que perpassa a elaboração de políticas públicas, pois o conteúdo ou a agenda das políticas públicas dependerá em primeira instância da concepção de Estado por parte daqueles que elaboram as políticas públicas, pois segundo os autores está em jogo o público alvo a ser beneficiado pelas políticas públicas. Desse modo, comenta que Santos e colaboradores (2007, p.83) advertem “elaborar uma política pública significa definir quem decide o quê, quando, com que conseqüências e para quem”. Interessa inicialmente elucidar o que quer dizer esse caráter de “público”? Elas devem apenas promover equidade, saúde ou educação ou também deveriam estar destinadas a promover e aperfeiçoar o funcionamento do mercado? No que se refere à formulação de políticas sociais a concepção do Estado que tiverem os policy makers (formuladores de políticas públicas) determinará se as políticas propostas terão 33 que obedecer a limitações orçamentárias coerentes com a existência de um Estado mínimo ou se, ao contrário, as questões sociais serão peças fundamentais para conduzir a estados de bemestar social. Em segundo lugar, Gelinski e Seibel (idem) destacam a questão referente a quem elabora as políticas públicas. Essa questão é importante, pois, a partir das concepções dos formuladores de políticas se definirá a importância das redes e das arenas, e se saberá como é definida a agenda e que assuntos ou questões passam a fazer parte dela. A respeito das alternativas mencionadas pela autora, estas são todas as propostas de programas ou políticas que se apresentam como opções possíveis de serem viabilizadas na solução dos problemas que foram elencados na agenda. A fase da escolha denota o momento de reconhecimento de problemas e a de redefinição de políticas, chegando assim na escolha de uma política, que constituiria uma espécie de consenso na arena política. A escolha a ser implementada seria assim o momento final do processo que após as discussões e barganhas, dos formuladores se evidenciaria na ação concreta das políticas públicas. Sobre o processo de efetivação das políticas públicas no Brasil Silva e Melo (2000) comentam que a problemática da implantação de programas governamentais “tem sido uma questão crucial para a explicação do insucesso dos governos em atingir os objetivos estabelecidos no desenho das políticas públicas” (p.3). Afirmam que essa problemática se tornou o elo perdido na discussão sobre eficiência e eficácia da ação governamental, sendo assim, enfatizam que a implementação nas visões tradicionais das fases do ciclo político corresponde à execução de atividades que permitem que as ações sejam efetivadas para a obtenção dos objetivos definidos no processo de formulação de políticas. Para os autores o problema com esta visão clássica do ciclo político consiste em que ela não leva em consideração os aspectos relativos à execução da política e seus efeitos “retroalimentadores” sobre a construção de políticas públicas, em outras palavras não considera o ciclo político como um processo, mas cada fase como elemento independente e realizado de uma só vez. Entendemos que as autoras ressaltam que tal entendimento no processo de definição, construção e efetivação das políticas públicas sociais acaba perdendo a visão do todo das necessidades da sociedade, ou seja, as políticas são implantadas por partes, não considerando o objetivo final qual seja o de modificar para melhor uma dada realidade social. 34 Em outra perspectiva que considera a formulação e a implementação como elementos de um mesmo processo, temos a “visão do ciclo político linear”, onde a efetivação recebe relevante importância. Entretanto, as autoras destacam que embora haja avanço significativo, na perspectiva de análise do ciclo político como processo, tal perspectiva ainda está assentada em premissas equivocadas. A critica consiste em que mesmo dando relevância para a implementação e para o monitoramento, essa forma de conceber as políticas públicas, concede excessiva primazia para a formulação, onde esta é considerada como uma etapa relativamente sem problemática. A perspectiva do ciclo político como processo linear parte do pressuposto de que: [...] o diagnostico que informa a formulação de políticas está essencialmente correto; o formulador dispõe de todas as informações necessárias ao desenho das propostas programáticas; o formulador dispõe de um modelo causal válido (SILVA e MELO, 2000, p.6). Observamos que o erro deste procedimento está em não levar em consideração a possibilidade de os dados do diagnóstico estarem equivocados ou de não serem suficientes para propiciar um planejamento adequado. Silva e Melo (idem) analisam também “o modelo causal” e chamam a atenção para o fato de que toda a política pública está assentada em causas, que muitas vezes não estão claras. Esse modelo consiste de hipóteses e pressupostos sobre determinados fenômenos sociais. Como exemplo de modelo causal os autores citam “as políticas ativas de mercado de trabalho que estão baseados em um modelo causal a respeito do desemprego e suas manifestações específicas para classes de trabalhadores, segundo ocupação, gênero ou idade” (2000, p.7). As autoras entendem, em síntese, a respeito das considerações sobre o modelo clássico e o de processo linear, que ambos apresentam problemas por estarem assentados em pressupostos equivocados. A visão clássica por estar desprovida do entendimento de conjunto que deve ser propiciada pela concepção de processo relacionando a formulação e a implementação. Por sua vez, a visão de processo linear por ter uma concepção hierarquizada da burocracia pública que corresponde ao pensamento weberiano de administração. Ela pressupõe condições ideais de administração caracterizada por informação perfeita, recursos ilimitados, coordenação perfeita, controle, hierarquia, clareza de objetivos com regras perfeitas e uniformes, com 35 consenso quanto ao programa e a política. Essas condições idealizadas raramente correspondem às condições da realidade concreta. Silva e Melo (2000) comentam ainda que os estudos empíricos de políticas públicas têm revelado que as situações reais e concretas de formulação e implementação são marcadas por uma espécie de jogo político configurado por barganhas e negociações, trocas, dissenso e a contradição entre os objetivos. Desse modo, o ambiente onde atuam os formuladores de políticas sociais pode ser descrito como de incertezas, como fica explicitado pelos autores nos seguintes pontos: Em primeiro lugar, os formuladores de política – mas também os próprios especialistas e estudiosos – enfrentam grandes limitações cognitivas sobre os fenômenos sobre os quais se intervém. Tais limitações derivam, em última instância, da complexidade dos fenômenos sociais sobre os quais lidam e das próprias limitações dos conhecimentos das disciplinas sociais sobre a sociedade. Em nível mais operacional tais limitações, são produtos dos constrangimentos de tempo e recursos com que operam os formuladores. Em segundo lugar, os formuladores de políticas não controlam nem muito menos tem prever as contingências que podem afetar o “policy environment” no futuro; Em terceiro lugar, planos ou programas são documentos que delimitam apenas um conjunto limitado de cursos de ações de decisões que os agentes devem seguir ou tomar. Um amplo espaço para o comportamento discricionário dos agentes implementadores está aberto. Freqüentemente avaliado de forma negativa pela cultura burocrática dominante, esse lugar é o espaço de práticas inovadoras e criativas; Em quarto lugar, os formuladores expressam suas preferências individuais ou coletivas através de programas e políticas, cujo conteúdo substantivo pode ser divergente daquele da coletividade. Projetos e programas não podem ser vistos como projeto ideal e coletivo, mas como experimentação social (p.10). Esses comentários revelam que a arena política onde os atores políticos desenvolvem as políticas públicas sociais, tendo em vista sua implementação, está bem distante dos modelos clássicos e de processo linear, onde percebemos que as condições de trabalho concreto fogem a uma lógica idealizada de ações marcadamente determinada pelas relações de interesse envolvidas no momento de definição e construção. Para os autores a implementação tem o poder de criar políticas e não apenas de executá-las, uma vez que orienta novas políticas. Desse modo, por ter a propriedade 36 de “retroalimentação” das formulações constitui uma importante fonte de informações para a formulação das políticas públicas. 1.4 – A avaliação de Políticas Públicas Cavalcanti (2006) destaca a importância da avaliação como instrumento imprescindível que possibilita conhecer o que está acontecendo no âmbito das políticas públicas e programas governamentais, permite compreender que decisões devem ser tomadas, aperfeiçoar e orientar as ações dos formuladores de políticas, com vistas ao aperfeiçoamento e realinhamento dos programas de governos, nos quais as políticas públicas são materializadas. Entretanto, o autor salienta que no âmbito do setor público brasileiro essa prática ainda é muito incipiente, principalmente a avaliação de desempenho e de resultados de uma instituição pública ou de um programa governamental, no qual a política pública se materializa. Desse modo, a avaliação de políticas públicas além de ser um instrumento de aperfeiçoamento ou de redirecionamento dos programas empreendidos pelo governo, possibilita ao mesmo a prestação de contas à sociedade das ações implementadas. Para Cavalcanti (2006), as necessidades de avaliação em políticas públicas, em geral, estão relacionadas aos problemas que são percebidos ao longo do processo de implementação dos programas governamentais, pois para o autor os objetivos e metas propostos dificilmente são atingidos e mais raramente ainda são implementados de acordo com o desenho original dos formuladores. Isso indica que uma das principais dificuldades para o sucesso de uma determinada política pública é a distância entre os formuladores e os executores das ações planejadas. Nessa perspectiva, o autor, indica como algumas razões que explicam o porquê da distância entre os formuladores e os executores: a) falta de informações quanto aos objetivos do programa o que leva os executores a eleger outra referência, como os seus próprios objetivos na hora de implementar as ações; b) discordância das prioridades estabelecidas nos objetivos do programa – o que leva os implementadores a estabelecer suas próprias prioridades (burocráticas, de sua clientela, ou ainda de grupos de interesses) como sua referência de atuação; 37 c) razões adversas - os implementadores conhecem e concordam com os objetivos do programa, mas devido às dificuldades de capacidade fiscal e administrativa das agências implementadoras se deparam com a impossibilidade de realizar os objetivos traçados pelos formuladores; d) imprevisibilidade - problemas que não foram previstos no momento da formulação podem levar os implementadores a adaptar objetivos de um dado programa. No momento da efetivação das ações o planejado nem sempre corresponde ao realizado, devido ao caráter dinâmico da realidade social e política de nossa sociedade, torna-se imprescindível a avaliação do que foi implementado para se conhecer seus efeitos ou resultados. Para Cavalcanti (idem) a abordagem avaliativa engloba a variável do tempo, o momento em que se realiza a avaliação, como também, o funcionamento e o resultado do programa. Desse modo, a autora distingue quatro tipos de avaliação, ou seja: a avaliação exante, avaliação ex-post ou somativa, avaliação formativa ou de processo e monitoramento. Avaliação ex-ante - é aquela que se realiza antes do início do projeto com o objetivo de verificar a viabilidade do programa ou política a ser implementada, dando mais segurança para escolher as estratégias que deverão ser utilizados. Essa avaliação identifica quais devem ser as prioridades e metas, bem como observa a viabilidade econômico-financeira, política e institucional e as expectativas dos beneficiários da ação. Avaliação ex-post ou somativa – Esta modalidade de avaliação é realizada após a implementação da política ou programa para verificar em que medida o programa atingiu os resultados esperados pelos formuladores. Em se tratando dos resultados essa forma de análise pode ser agrupada em resultados esperados e não esperados e se referem aos efeitos gerados e aos efeitos que não foram antecipados pelo programa. Avaliação formativa ou de processo – Nesta avaliação se verifica como a política ou programa está funcionando e se procura fazer a articulação entre os meios (estratégias, procedimentos, instrumentos) e os fins (as estratégias para o alcance dos resultados) observando a sua consonância ou incompatibilidade. Por focar a análise no funcionamento e na gestão do programa, ou seja, do processo, assume um caráter formativo. 38 Entre suas principais preocupações estão as seguintes indagações: a) A população-alvo está sendo atendida, conforme as metas?; b) O cronograma está sendo cumprido?; c) Os recursos estão sendo alocados com eficiência? Monitoramento – Por monitoramento se entende um processo sistemático e periódico de análise de gestão, funcionamento e desempenho de ações que se desenvolvem durante a execução do programa. Tem como intenção perceber quais são as alterações no desenvolvimento das ações localizando as possíveis causas, com vistas à adequar o planejamento concebido com a implementação. O monitoramento desse modo permite que se produzam informações importantes em tempo hábil para a contínua correção do processo em todas as suas fases. Castro (1989) discutindo a avaliação de políticas e programas sociais entende que a avaliação é o instrumento de análise mais apropriado para podermos verificar a distância existente entre os objetivos e/ou metas e os resultados e disparidades obtidos. Pela avaliação podemos perceber o progresso de um programa, em face de sua implementação e examinar as mudanças de curso em virtude da identificação de efeitos não previstos nos desenhos das ações previstas. Castro (idem) compreende que a pesquisa de avaliação de políticas sociais “é uma área de atividades dedicada a coletar, a analisar e interpretar informações sobre a formação, a implementação e o impacto das ações governamentais que visam alterar as condições de vida da população” (p.9). Por isso, afirma que para termos uma avaliação efetiva é imprescindível que os dados gerados pelos órgãos ou agencias responsáveis pela execução da ação sejam confiáveis. Desse modo, a avaliação pode trazer os benefícios oriundos da análise dos problemas detectados para que uma determinada política receba os refinamentos necessários para a compreensão quanto à causa do seu sucesso ou fracasso. Segundo a autora, do ponto de vista da escolha da abordagem metodológico, a avaliação de políticas e de programas sociais deve optar por aquela que melhor estabeleça os critérios e os modelos analíticos que possam indicar se uma política ou programa observado obteve sucesso ou fracasso. Neste sentido, Castro (1989) destaca três modelos avaliativos, ou seja: O primeiro é a “avaliação de processos” esse enfoque de análise geralmente examina as políticas e programas determinando como critério a sua eficácia, verificando em que medida as metas atingidas e metas propostas e o grau de adequação entre os meios utilizados na 39 implementação e os objetivos concebidos originalmente no momento de formulação da política foram satisfatórios. O segundo modelo é a “avaliação de impactos”. Essa abordagem analisa quais foram as mudanças provocadas por determinadas ações governamentais sobre as condições de vida da população, tomando como base o critério da efetividade. Pretende buscar na avaliação as mudanças quantitativas e qualitativas ocorridas com a implementação de uma dada política. Para a autora, há limites para esse tipo de avaliação, pois “referem-se ao fato de tomar como objeto políticas ou programas que causam um efeito esperado, provocado pela implementação de ações que visam alterar o futuro previsível” (p.10). O terceiro modelo é a “avaliação compreensiva”. Esse procedimento de avaliação pretende combinar a análise de processos e dos impactos das políticas e/ou programas, relacionando-os aos objetivos previamente definidos e à compreensão das causas que interferiram na sua implantação, buscando entender a conexão entre os inputs e os outcomes observados, no sentido de tentar responder à seguinte indagação: o que está acontecendo e por quê (p.10). Nesta abordagem, a preocupação principal não é verificar as disparidades entre o que foi proposto e o executado, mas em entender os efeitos efetivamente provocados por uma determinada política em face do complexo processo de implementação, “o qual supõe múltiplas interações entre diferentes atores e constrangimentos de várias ordens, que alteram muitas vezes as regras do jogo e os interesses afetados” (p.10). Percebe-se claramente que a opção pelo modelo de avaliação compreensiva pressupõe que a análise seja feita sobre as ações governamentais que já foram implementadas e que tiveram algum impacto, pois as ações ainda, em fase de implantação, limitam as possibilidades de análise e o escopo do estudo. Após observarmos todos esses elementos constituidores de uma política pública podemos compreender a municipalização do ensino fundamental como uma política pública uma vez que se enquadra nas características descritas referentes às fases ou processos básicos, ou seja: agenda, formulação, a tomada de decisão, implementação ou execução e avaliação. Nessa perspectiva, podemos entender que: 40 A municipalização do ensino está contemplada na agenda internacional traçada pelos organismos internacionais para a América Latina, com vistas a alcançar a descentralização administrativa e financeira da área educacional, implementada por meio do plano de reforma do Estado. Faz parte da formulação da política educacional, em âmbito nacional e federal, não mais como mera intenção, mas como fato concreto; Apresenta-se na forma de política de distribuição de responsabilidades e de regulação da administração pública; O processo de municipalização está amparado em um conjunto de leis elaboradas no âmbito da esfera federal e estadual, o que comprova que esse movimento faz parte das diretrizes da política nacional; 41 CAPÍTULO II A MUNICIPALIZAÇÃO DO ENSINO FUNDAMENTAL: SUA TRAJETÓRIA HISTÓRICA E CONFIGURAÇÃO COMO POLÍTICA PÚBLICA 2.1 – Trajetórias da Política de Municipalização do Ensino Quando falamos de municipalização do ensino, podemos tomar como um dos principais marcos históricos a defesa realizada por Anísio Teixeira de que o Município reuniria condições apropriadas para assumir a gestão e a responsabilidade pelo ensino primário. Anísio Teixeira foi um dos primeiros a elaborar uma proposta concreta de política pública de municipalização do ensino, à época o ensino primário. Guimarães (1995) entende que Anísio Teixeira foi um dos que mais se destacou na defesa do município como instância legítima para assumir a educação, se posicionando de modo contrário à centralização do poder educativo nas mãos da União, pois Teixeira entendia que: A centralização, num país como o nosso, é uma congestão cerebral. Por isso somos uma federação. Por isto, temos os municípios autônomos. Ora, não é possível a federação política dos municípios, sem equivalentes autonomias dos seus serviços de educação. (...) E muito do sentimento de impotência que vai pelo país, em relação à possibilidade de resolver os seus problemas educativos, provém, a meu ver, desse estrangulamento causado pela centralização federal (1976, p.184-185). Em 1957, Anísio Teixeira apresentou suas ideias no IV Congresso Nacional dos Municípios e sua proposta tinha como objetivo a melhoria do ensino primário e consistia num reordenamento das responsabilidades municipal, estadual e federal para que o ensino primário se fortalecesse. Para tal, ele propôs a criação de uma Lei federal que fixasse a aplicação de recursos permanentes para o ensino primário (naquele momento o ensino pré-primário era uma realidade muito incipiente), por parte dos governos federal, estadual e municipal. A União deveria reservar 10% e os Estados, o Distrito Federal e os municípios 20% da renda obtida dos impostos para a manutenção e desenvolvimento dos serviços públicos de educação e cultura. Propôs também a criação de fundos federal, estadual e municipal que seriam administrados por Conselhos 42 organizados pelos respectivos governos, sendo que esses Conselhos ficariam incumbidos de elaborar o orçamento da educação e um custo-aluno a ser mantido pelo município incluindo nele as despesas com a manutenção e o desenvolvimento do ensino (TEIXEIRA, 1996). Azanha (1991) discorre que nesse reordenamento o município assumiria a responsabilidade pelo ensino primário concentrando as atribuições de organização, administração e execução, ficando a supervisão a cargo do Estado. A complementação dos recursos utilizados na educação municipal seria feita pelo governo estadual e, no caso de ainda não ser atingido, haveria a complementação do governo federal, sendo que para a administração desses recursos haveria em cada esfera administrativa, os respectivos fundos de educação. Entretanto, após Anísio Teixeira o tema da municipalização saiu por vários anos de moda e retornou com mais força nos anos de 1970 por meio da Lei n°. 5.692/71 onde pela primeira vez, de forma explícita, se propõe que os municípios assumam a responsabilidade pelo ensino de primeiro grau. Em seu artigo 58 propõe a municipalização do ensino com a “progressiva passagem para a responsabilidade municipal de encargos e serviços de educação, especialmente de 1° grau, que pela sua natureza possam ser realizados mais satisfatoriamente pelas administrações locais”. A Lei n°. 5.692/71 avançou no que concerne à descentralização também ao estabelecer atribuições ao Conselho Federal de Educação, aos Conselhos Estaduais de Educação e aos estabelecimentos de ensino e no artigo 71 prevê a existência de Conselhos Municipais de Educação “nos municípios onde haja condições para tanto”. Embora pareça contraditório que em pleno período de ditadura militar tenha sido criada uma legislação com tendência para o processo de municipalização do ensino, na verdade não foi bem assim, pois a União não abriu mão de seus controles sobre a elaboração dos conteúdos curriculares e a forma de financiamento, ou seja, trata-se de uma desconcentração2de responsabilidades. Nas mãos dos Estados estava a maior parte das matrículas e para os municípios a liberdade de atuação era mais uma concessão dos Conselhos Estaduais de Educação e dos órgãos das Secretarias Estaduais de Educação. 2 Oliveira (1999) entende desconcentração como, “a delegação de determinadas funções a entidades regionais ou locais que dependem diretamente do outorgante”. Mesmo que a administração se dê em âmbito local deve primeiramente ser avaliada e aquiescida pelo poder central, caracterizando uma verdadeira ausência de autonomia. 43 Guimarães (idem) esclarece que essa política de municipalização do ensino de 1° grau foi estimulada pelo governo federal, pois “para incrementar e dar conseqüência ao disposto na Lei da Reforma da Educação, o Ministério da Educação criou, em 1977, um programa de apoio às administrações municipais, que ficou conhecido como Prómunicípio” (p. 29). O autor compreende que o Pró-município foi uma forma do Governo Federal, por meio do MEC, estabelecer uma ponte de ligação direta com os municípios à revelia dos governos estaduais, sendo que a maior parte dos recursos deste Programa foi investida nos estados da região nordeste, que naquele momento apresentava as condições educacionais, mais degradadas do país. Para o autor essa situação confirma as suspeitas de que o Pró-município, na prática se configurou em mero instrumento repassador de recursos aos municípios e que esse repasse obedeceu a critérios eminentemente políticos em detrimento dos critérios técnicos. Guimarães (idem) entende a diferença entre critérios políticos e técnicos do seguinte modo: Por critérios técnicos (...), entendemos aqueles baseados em estudos sistemáticos e que, considerando as necessidades e a capacidade técnico-financeira das diferentes instâncias envolvidas na transferência de encargos, de uma para outra parte, ainda que considerada a mediação política, não fossem sobrepostos por esta última. Já os critérios políticos, em oposição aos critérios técnicos conforme definidos acima, seriam aqueles que expressam uma longa tradição na vida política brasileira, qual seja, a da mediação políticopartidária, da cooptação e do fisiologismo nas relações entre as diferentes esferas de governo (p.29). Com o aumento das manifestações contrárias ao modelo de governo autoritário, deu-se de forma gradual em nosso país o processo de construção do Estado de direito e democrático na primeira metade dos anos de 1980, sendo que, em 1986, em meio a este contexto, temos como um marco importante na luta da autonomia educacional dos municípios a criação da UNDIME- União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação, que levantando a bandeira da descentralização do processo educacional no Brasil, passou a reinvidicar maior participação dos municípios nas questões referentes à educação. 44 A descentralização da gestão e oferta na área educacional foi contemplada no texto da Constituição Federal de 1988, que entre outras coisas amplia a autonomia de Estados e Municípios e promove os municípios a condição de entes federados. A atual Constituição instituiu os princípios da descentralização na gestão pública e a municipalização na execução das políticas educacionais, pois o artigo 211 assegura aos municípios a liberdade de organização de sistemas próprios de ensino em colaboração com a União e os Estados. A partir da Constituição de 1988 percebe-se um intenso processo de municipalização das políticas públicas, como a da saúde, saneamento básico, habitação, meio ambiente e a educação com destaque para a educação infantil e o ensino fundamental (DRAIBE, 1998). A autora avalia que em certa medida o movimento de descentralização iniciado nos anos de 1980 foi bem sucedido, pelo menos do ponto de vista do federalismo fiscal e que, ao comparar os anos 80 com o início dos anos 90, observa que há “um significativo reforço na posição fiscal dos estados e principalmente dos municípios, revelado pelo crescimento mais que proporcional da participação desses entes infranacionais na receita disponível total” (p.6). Draibe (idem) comenta que esse fortalecimento financeiro decorre do aumento da competência tributária dos governos subnacionais e do aumento da participação das esferas de governos inferiores na arrecadação de seus governos superiores, que pode ser verificado pelo aumento das transferências intergovernamentais, principalmente entre os estados e municípios das regiões menos desenvolvidas. Por essas razões a autora entende que os governos subnacionais foram progressivamente absorvendo a responsabilidade no financiamento dos programas sociais, ao passo que há uma diminuição no volume de recursos empenhados pelo governo federal com os mesmos. Entretanto, para ela, esse contexto apresenta efeitos contraditórios com a criação de municípios absolutamente desprovidos de recursos financeiros e humanos, que incide na capacidade de gestão, o que os torna frágeis no exercício de sua autonomia e na execução eficiente das políticas descentralizadas. Após a promulgação da Constituição Federal de 1988, os municípios brasileiros cresceram em importância, pois seu papel passou a ser valorizado frente às demais esferas de poder, no que diz respeito à prerrogativa de definir políticas públicas próprias. Costa (1996) analisa que, paulatinamente a partir da Constituição de 1988, e particularmente, em meados dos anos 90, a descrença na capacidade do Estado de dar conta de 45 responder aos desafios da inclusão social, fez com que grandes atores e macroestruturas entrassem em descrédito. A partir da promulgação da carta magna percebe-se uma nova ótica sobre o âmbito do poder local, como espaço de possibilidades de projetos democráticos, de participação e desenvolvimento, ou seja, houve progressiva re-significação do poder local. O que antes apresentava uma imagem negativa, agora passa a ter uma imagem representativa de positividade. Sobre isso o autor comenta que: Nas últimas duas décadas, operou-se no imaginário político brasileiro uma re-significação do estatuto das estruturas de poder local. De espaço por excelência das relações coronelísticas de poder no âmbito dos pequenos e médios municípios, de relações clientelísticas e populistas nas médias e grandes cidades, as estruturas de poder local passaram a espaços de possibilidades de experimentos democráticos inovadores e do exercício da cidadania ativa. Da condição de importância diante do crescente desafio de oferecer bens e serviços públicos eficientes e de qualidade e da incapacidade de formular saídas econômicas, o poder local passou a ser portador de possibilidades de gerenciamento eficiente dos recursos públicos e protagonistas de iniciativas de desenvolvimento da vida econômica e social (Costa, p.113). Segundo Souza e Faria (2004) nos anos de 1990 se consolida como hegemônico o pensamento constituído a partir do Consenso de Washington3 de que o papel do Estado, em especial nos países periféricos, deveria priorizar a atuação nas relações exteriores e na regulação financeira. Desse modo, o Estado brasileiro caminhou na busca da desregulamentação na economia, da privatização de várias empresas públicas estatais, na abertura de mercados e implementou a reforma dos sistemas de previdência social, saúde, e educação tendo como eixo a descentralização de seus serviços. 3 A expressão Consenso de Washington surgiu em 1989, criada pelo economista inglês John Williamson, ex-funcionário do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI). Esse economista numa conferencia do Institute for Intemational Economics (IIE), em Washington, apresentou uma lista de políticas que o governo dos Estados Unidos preconizava para a crise econômica dos países da América Latina. Por decisão do Congresso norte-americano, as medidas do Consenso de Washington foram adotadas como imposições na negociação das dívidas externas dos países latino-americanos. Acabou se tornando o modelo do FMI e do Banco Mundial para todo o planeta. De outro lado, movimentos nacionalistas e de esquerda criticam essa política e protestam contra sua aplicação (disponível em: http://cefetsp.br/edu/eso/globalizacao.html). 46 No cenário desenhado pela reforma do Estado está presente a forte interferência de diversos organismos internacionais na política educacional adotada pelos países latinos americanos. Esses organismos influenciam por meio de relatórios, diagnósticos e verdadeiros receituários que foram adotados para nortear as reformas educacionais desses países. Essas produções são elaboradas no âmbito de agências do Banco Mundial (BM) como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento (BIRD), e de instituições que trabalham com a cooperação técnica, como o Programa das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), entre outros. (SOUZA e FARIA, 2004) Souza e Faria (idem) entendem que embora essas instituições tenham atuações distintas em termos de suas prioridades, elas têm em comum: (1) a defesa da descentralização como estratégia de desburocratização da ação do Estado; (2) a autonomia gerencial das unidades escolares e a busca de formas de aumentar a produtividade dos sistemas públicos de ensino, “marcadamente sob inspiração economicista e neoliberal, em que pese, também, as diferentes formas que a descentralização da educação veio a assumir na América Latina (por exemplo, em termos de municipalização e regionalização)” (p. 928). 2.2 – Municipalização do ensino e reforma do Estado Ao analisar a crise dos Estados capitalistas, Chaves (2006) entende que a necessidade do ajuste fiscal está ligada a crise do capital iniciada nos anos de 1970. Neste período, a classe capitalista burguesa começa a questionar o papel do Estado capitalista enquanto provedor de políticas de bem estar social para a população. Nesse contexto, a burguesia passa a exigir a redefinição do papel do Estado na base de sustentação do welfare state. A justificativa para a retirada do Estado em setores estratégicos como saúde e educação tem como base o entendimento de que a crise decorre do esgotamento do modelo keynesiano-fordista que não consegue dar respostas ao novo modelo de acumulação capitalista. 47 Para a autora, os países capitalistas passam a década de 1970 e 1980 por um processo de reestruturação econômica e política e de reajustamento social. Passando a empregar o modelo de acumulação flexível no processo de produção e que se opõem radicalmente ao fordismo. Tal modelo se caracteriza pela retirada do Estado de Bem Estar Social no atendimento aos benefícios dos salários indiretos como saúde e educação. Essas áreas passam a ser atendidas pelo setor privado, pois é importante para que o capital encontre novas áreas que garantam sua expansão. No modelo de acumulação do capital, há um ataque ao pleno emprego, ao salário real, e um processo de enfraquecimento do poder dos sindicatos. Também temos, acompanhando essa conjuntura um avanço de novas tecnologias que ocasionam a desvalorização da força de trabalho por meio da substituição da mão de obra assalariada por máquinas e equipamentos de última geração causando o chamado desemprego estrutural. Para Chaves (idem), os idealizadores da concepção neoliberal defendem que o mercado deve ser livre, ou seja, o Estado não deve intervir e, principalmente, deve deixar de investir no social por meio de políticas públicas. A mudança do papel do Estado inclui também a diminuição de suas funções em virtude de sua ineficiência e falta de qualidade nos serviços que oferece em comparação com o setor privado. No caso brasileiro, em que não podemos afirmar se houve um verdadeiro Estado de Bem Estar Social4, nos anos de 1990 com o governo de Fernando Collor dá-se início ao processo de reforma das áreas em que o Estado oferecia atendimento à população. Essa reforma se materializa por meio de privatizações de estatais a partir de orientações de organizações internacionais. Essas privatizações têm continuidade nos governos que se sucedem no poder. O Plano de Reforma do Estado foi apresentado no início da década de 1990 em resposta para a crise do modelo de intervenção estatal que atingiu os Estados nacionais capitalistas. 4 Autores como Chesnais (1998) e Behring (2003) expõem que no Brasil não houve de fato um Estado de Bem Estar Social. Draibe (1998) entende que houve apenas reflexos do Welfare State entre os anos de 1970 e 1980 para atender algumas demandas sociais, como foi o caso da criação do Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição (INAN), das Ações Integradas de Saúde (AIS) e mecanismos de seguro desemprego, ou seja, houve apenas alguns elementos do Estado de Bem Estar. 48 Para dar os encaminhamentos para a solução dessa crise, foi criado um órgão específico, o Ministério da Administração e Reforma do Estado (MARE) 5que foi responsável pela elaboração do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do EstadoPDRAE, tendo como principal expoente Bresser Pereira. Para esse teórico, a causa básica que provocou a grande crise do capitalismo foi o Estado por meio de sua crise fiscal, sua forma de intervenção em setores que se tornaram estratégicos para a expansão do capital, bem como a crise na estrutura de administração burocrática. Desse modo, o autor entende que a crise está no Estado e não no mercado, pois o problema consiste em uma crise fiscal, no tipo de intervenção estatal e na crise da forma burocrática de administração do Estado, por isso defende a tese de que o Estado precisa ser reconstruído ou reformado. Nesse sentido, Bresser Pereira (1998) defende a mudança no modelo de administração pública, uma vez que entende haver um esgotamento do modelo burocrático. Propõe uma forma de administração nos moldes das empresas capitalistas por serem mais eficientes, ou seja, a administração gerencial. Segundo ele, a nova administração pública gerencial tomada de empréstimo do setor das empresas, no contexto do capitalismo contemporâneo, precisa evitar o nepotismo e a corrupção, deve ser eficiente ao promover os bens públicos e semi-públicos que podem ser direta ou indiretamente financiados pelo Estado. Bresser Pereira (1998) considera ainda que o Estado com a sua estrutura de administração burocrática não têm satisfeito as exigências que lhe são feitas, pois o mesmo considera essa administração lenta, cara e ineficiente. Entende que esse modelo de administração foi importante no tempo do Estado Liberal do século XVIII, uma vez que nesse momento o Estado era dedicado à proteção dos direitos da propriedade, com o 5 No primeiro Governo de Fernando Henrique Cardoso houve a transformação da Secretaria de Administração Federal no Ministério da Administração e Reforma do Estado (MARE). Este órgão foi criado por força da medida provisória nº 813/1995, reeditada várias vezes, que apenas em 1998 foi convertida na lei nº 9.649/1998. Deu-se início ao que ficou conhecido como Reforma Gerencial do Estado Brasileiro. A este novo órgão caberia cuidar das políticas e diretrizes para a reforma do Estado. O MARE foi extinto em 1999, pela medida provisória nº 1.795/99. O decreto presidencial nº 2.923/99 transfere para o então Ministério do Orçamento e Gestão, atual Ministério do Planejamento, as atribuições que pertenciam ao MARE. 49 atendimento de outras funções pelo Estado (saúde pública, educação pública, cultura pública, seguridade social, incentivo a ciência e tecnologia, investimento em infraestrutura, proteção ao meio ambiente) tornou sua estrutura mais complexa. Para o autor, a reforma do Estado implica na mudança não apenas de concepção da administração, mas também da mudança de seu papel de interventor, em gestor. Essa mudança de papel é acompanhada de ajuste fiscal, privatizações e desregulamentação, com o objetivo de efetivar a diminuição do Estado. O texto do Plano de Reforma do Estado brasileiro faz referência ao caráter descentralizador da Constituição Federal de 1988 e defende que os municípios assumam a execução das políticas sociais, com vistas à racionalização dos recursos públicos e que se busque a mudança de cultura política brasileira que geralmente tem colocado na União a responsabilidade pelo desenvolvimento do país. Como expressa o PDRAE (1995). Visando maior racionalização no uso de recursos, a Constituição de 1988 assegurou como princípio administrativo a descentralização da execução dos serviços sociais e de infra-estrutura, bem como dos recursos orçamentários para os estados e municípios. Conseqüentemente, estes últimos aumentaram sua participação na repartição da carga tributária. Entretanto, os avanços no sentido de conceder maior autonomia na execução de serviços e de favorecer as unidades subnacionais caminham lentamente, menos por falta de definição legal do problema, e mais pela crença arraigada na cultura política brasileira de que cabe à União promover diretamente o desenvolvimento social do país. Esta crença está em contradição com a profunda tradição municipalista brasileira, que vem do período colonial, e aos poucos vai sendo abandonada, a medida em que os municípios, melhor dotados de recursos financeiros, vêm assumindo crescentes responsabilidades na área social (p.26). Embora o PDRAE apresente os princípios que valorizam a importância dos municípios, o texto elaborado pelo MARE traz uma concepção de descentralização, no âmbito da reforma do Estado, diferente daquela almejada pela sociedade civil quando das lutas pela redemocratização do país nos anos de 1980. A idéia de democratização de decisões foi substituída pela relação entre a qualidade e seus custos, ou seja, na década de 1990, a municipalização como estratégia de descentralização aparece no bojo 50 da reforma do Estado voltada mais para uma estratégia de descentralização que visa a relação custo beneficio. O eixo da descentralização que o documento destaca é a flexibilização e desregulamentação da gestão pública, para se atender melhor o cidadão-contribuiente, reduzindo mediações. O MARE teve como intenção a descentralização da estrutura organizacional, reduzindo-se os níveis hierárquicos. Essa escolha de concepção de descentralização faz parte da nova estratégia de gestão da coisa pública, ou seja, a gestão gerencial em substituição ao modelo burocrática de gestão. O modelo gerencial tornou-se realidade no mundo desenvolvido quando, através da definição clara de objetivos para cada unidade da administração, da descentralização, da mudança de estruturas organizacionais e da adoção de valores e de comportamentos modernos no interior do Estado, se revelou mais capaz de promover o aumento da qualidade e da eficiência dos serviços sociais oferecidos pelo setor público (1995, p.18). É explícita a intenção de descentralizar as funções de execução no que se refere à prestação de serviços sociais e de infra-estrutura repassando a responsabilidade para as esferas estadual e municipal e, assim sendo, a municipalização do ensino fundamental se enquadra nas políticas de descentralização da educação, como parte da tendência descentralizadora vertical proposta pelo PRDAE. A municipalização como estratégia de descentralização da administração pública está contemplada como parte da política macro de reforma do Estado pretendida na década de 1990. Podemos inferir dessa maneira, que a municipalização das políticas públicas e entre elas a municipalização do ensino, faz parte de uma das estratégias de descentralização administrativa dos serviços que devem constitucionalmente ser assegurados pelo poder público, previsto pelo plano de reforma do Estado brasileiro, como está expresso no documento do MARE (1995): Nesta nova perspectiva, busca-se o fortalecimento das funções de regulação e de coordenação do Estado, particularmente no nível federal, e a progressiva descentralização vertical, para os níveis estadual e municipal, das funções executivas no campo da prestação de serviços sociais e de infra-estrutura (p.13). 51 A redefinição do papel do governo federal passa a ser principalmente de coordenador das políticas públicas, ao passo que os municípios assumem maiores responsabilidades na execução dessas políticas. Essas mudanças na configuração do cenário político nacional desencadeiam uma descentralização administrativa e financeira para os municípios, como fruto de uma das bandeiras do movimento de redemocratização ocorrido nos anos de 1980, mas também como estratégia de diminuição do aparato administrativo do Estado. Behring (2003) faz uma análise sobre os argumentos apresentados pelos formuladores e gestores da Reforma do Estado que estão no Plano Diretor da Reforma do Estado. A autora apresenta em linhas gerais as estratégias da reforma realizando um contraponto crítico com o objetivo de demonstrar que a reforma na verdade se constituiu em uma contra-reforma no sentido de que ela destruiu uma série de conquistas sociais que foram adquiridas ao longo de décadas de luta e não mudou a qualidade de vida da população. Para Behring (idem) o discurso dos intelectuais da reforma, citando como exemplo Bresser Pereira, é contraditório no sentido de que argumentam que as reformas têm em vista melhorar a administração pública para o benefício dos aspectos sociais e econômicos, mas que na prática, são ações antidemocráticas com uma natureza destruidora e regressiva. Nesse sentido, a autora mostra que os defensores da reforma criticam Keynesianos, neoliberais e a esquerda tradicional afirmando que todas essas correntes não tem condições de responder satisfatoriamente às exigências colocadas pela crise de endividamento dos Estados capitalistas e que os defensores da reforma se identificam como sendo o centro social-liberal unido à direita pragmática na reconstrução do Estado. Desse modo, os reformistas afirmam que, tanto a transição democrática como o teor da Constituição de 1988 são um retrocesso para o desenvolvimento do país pelo fato da mesma privilegiar o modelo burocrático tradicional formalista e rígido com ênfase em normas e isso prejudicaria a obtenção dos resultados. Assim, Behring (idem) mostra que em nome da reforma foi implementado um ajuste fiscal com sérias implicações para o social, desmonte do patrimônio estatal por meio de privatizações, estratégias de descentralização e de desresponsabilização como a publicização, ataques contra a estabilidade dos funcionários públicos. Ações estas que foram colocadas em prática, sobretudo, por meio de medidas provisórias fazendo com que a democracia se tornasse apenas uma retórica. A autora destaca como perigo para a área social os riscos provocados pela reforma do Estado, pois na nova configuração do Estado em setores estratégicos, atividades exclusivas e não exclusivas são implementados mecanismos que desresponsabilizam o Estado em garantir e 52 financiar as políticas públicas, uma vez que podem ser oferecidos pelo setor privado e pelo setor público não estatal e compreende os serviços sociais como saúde, educação entre outros, introduzindo o conceito de publicização, ou público não gratuito, em que o público entendido como gratuito e garantido pelo Estado a partir dos impostos que arrecada da população, passa a ter um novo significado, ou seja, o público é todo aquele que está atendendo a sociedade, e que não necessariamente é gratuito. Devemos ter a compreensão de que a reforma administrativa do Estado brasileiro está permeada pela influência dos organismos internacionais. As diretrizes que a nortearam na América Latina indicam o grau de dominação dos países capitalistas mais ricos sobre os países capitalistas de economia mais frágeis, ou seja, em grande medida as relações de dependência econômica entre os países centrais do capitalismo e os periféricos determinou os contornos da reforma do Estado. Nesse âmbito, Azzi e Bock (2008) falando sobre a atuação do Banco Mundial na educação básica do Brasil comentam que o governo brasileiro se alinhou à concepção educacional defendida por este Banco. Isso pode ser percebido no plano de governo de Fernando Henrique Cardoso- FHC, em 1994, que apresentava propostas de reformas educacionais alinhadas com as diretrizes do referido Banco, como: (...) a redução das taxas de responsabilidade do Ministério da Educação como instância executora; o estabelecimento de conteúdos curriculares básicos e padrões de aprendizagem; a implementação de um sistema nacional de avaliação do desempenho das escolas e dos sistemas educacionais para acompanhar a consecução das metas de melhoria da qualidade do ensino (p.32). Segundo os autores, outro importante item das recomendações do Banco Mundial que foi acatado pelo governo de FHC é a focalização no ensino fundamental que se evidência na criação do FUNDEF. Ainda ressaltam que a focalização no ensino fundamental veio acompanhada de incentivo à municipalização desta etapa de ensino da educação básica que foi outra recomendação do Banco Mundial. O Banco Mundial em relatório elaborado em consulta com o MEC, em 2003, aponta para os benefícios advindos da municipalização do ensino em relação ao gerenciamento dos recursos. De acordo com essa Instituição os municípios gastam menos e melhor em comparação com os estados, sendo que “as vantagens da municipalização estariam nos baixos salários dos professores municipais e no reduzido 53 número de pessoal administrativo, que pela proximidade, tem mais contato com as escolas” (NETO e OLIVEIRA, 2006, P.19). Assim, a municipalização do ensino fundamental é uma política pública educacional pensada e incentivada por organismos internacionais e não uma iniciativa que surgiu por acaso no cenário nacional. A municipalização proposta por esses organismos apresenta intenções diferentes da municipalização proposta por Anízio Teixeira que visava, prioritariamente, a melhoria da educação pública e não a contenção de gastos com a educação. 2.3 – As características da política educacional de descentralização do ensino por meio da municipalização do ensino fundamental É importante, inicialmente, tecermos algumas considerações acerca da descentralização administrativa na área educacional. Para Abreu (2002) o termo descentralização do ponto de vista conceitual tem sido utilizado com vários significados. Por isso, a autora entende que é preciso diferenciá-lo de desconcentração, uma vez que descentralização implica em redistribuição de poder e, conseqüentemente, a mudança no lócus de tomada de decisão. Com sentido bem diferente, a desconcentração envolve a delegação de competências sem deslocamento da sede do poder decisório. Desse modo, a descentralização pode promover alteração na estrutura de poder em uma Sociedade ao passo que a desconcentração constitui-se em um procedimento administrativo. Casassus (1990) afirma que em um espaço de tempo não superior a duas décadas, a descentralização se tornou um tema altamente consensual nos países da América Latina, como se o conjunto dos diversos atores sociais tivessem adquirido a mesma racionalidade instrumental. Nesse sentido, a descentralização se tornou uma bandeira universal a serviço de diversos atores sociais para se obter os mais variados fins, por isso, Tobar (1991) a qualifica como sendo um verdadeiro “camaleão político”. Lobo (1990) destaca que a descentralização, ao se constituir um consenso como instrumento para a superação de dificuldades administrativas enfrentadas pelos Estados nacionais, adquiriu a capacidade de ser “a solução mágica que resolverá todos os problemas” (p. 6). Diante disso, a autora destaca a necessidade de se compreender os limites da descentralização, pois ela se constitui em mais um instrumento a serviço da ação governamental, dentre outros, e afirma ainda que, “por si só, utilizada de forma isolada, sem 54 alterar outros aspectos do Aparelho do Estado - por exemplo, reformas de cunho fiscal, administrativo, econômico, financeiro - pouco se pode esperar da descentralização” (p.7). Tanto a descentralização, como a centralização devem ser compreendidos como instrumentos possíveis de serem usados na administração pública e de forma alguma estigmatizados como a forma correta ou a errada de se trabalhar na implementação de políticas públicas educacionais. A escolha desses instrumentos vai depender dos objetivos e condições em que a política será implementada. Abreu (idem) também entende que a descentralização não propicia, necessariamente, a democratização do poder em uma Sociedade, pois não há uma relação direta entre esses dois processos. A descentralização pode servir inclusive para reforçar o aparelho de dominação e isso acontece porque a descentralização é um instrumento e meio para se alcançar determinados objetivos, sejam eles democráticos ou não. Peixoto (1999) destaca várias experiências internacionais com formas de gestão educacionais centralizadas como, por exemplo, a organização da educação na França e também formas de gestão descentralizadas como em Quebec, no Canadá, que mantém o sistema de ensino autônomo de excelente qualidade. A autora esclarece que, o que há de comum nos casos apresentados é o forte processo de participação da sociedade civil no exercício do controle social sobre os serviços ofertados e isso serve como elemento determinante na questão da qualidade. Contudo, Peixoto (idem) entende que o contexto brasileiro possui particularidades diferentes, uma vez que ao se tentar fazer uma relação entre descentralização e democratização é necessário levar em consideração as influências clientelísticas que podem ocorrer no interior das instituições nas diversas esferas de poder. Para Arretche (1997) o consenso criado sobre as virtudes da descentralização esteve relacionado diretamente com a democratização e que a prestação de serviços descentralizados seria mais eficiente produzindo aumento no bem estar da população. Simultaneamente se chegou ao consenso na relação entre formas centralizadas de poder e práticas não democráticas, e ausência de transparência das políticas públicas e a falta de controle sobre as ações do governo. Diante disso, ocorreu a redução de atuação das instâncias centrais de governo (Federal e Estadual), com a transferência de responsabilidades no que tange à execução das ações para a esfera municipal. Para Draibe (1998), a descentralização administrativa desencadeada a partir dos anos 1980 está assentada em bases socioeconômicas heterogêneas e desiguais que afetam sistemas 55 organizacionais de dimensões e qualidade bastante diferenciadas e que apresentam características regionais e locais específicas. A autora destaca a conhecida desigualdade de renda e de desenvolvimento social entre as unidades da federação, bem como as diferenças intra-regionais que tem se apresentado de forma acentuada e crescente. Sobre esse aspecto a autora comenta que: A forte heterogeneidade socioeconômica concorre sem dúvida para que a descentralização das políticas cumpra com dificuldades o objetivo de melhora da equidade e da estrutura de oportunidades, mesmo quando certos mecanismos compensatórios tenham sido deliberadamente introduzidos nos critérios de partilha fiscal e no desenho dos novos programas sociais descentralizados (p.9). A heterogeneidade socioeconômica combinada com a descentralização da execução de políticas públicas evidencia a dificuldade de se pensar em nível central políticas que sejam diferenciadas e não padronizadas. Acerca desta questão, Cunha e Cunha (2003) destacam que: Esse formato federativo previu a transferência de diversas atribuições, responsabilidades e recursos da instância federal para os níveis estaduais e municipais de governo, bem como a autonomia de estados e municípios para definirem a organização e a gestão de suas políticas. Tais definições, ainda que importantes e de grande relevância para operar avanços significativos na área da administração pública, como a descentralização e a democratização da implementação das políticas sociais, têm levado, em alguns casos, ao puro formalismo, devido a forte tradição centralizadora do governo federal, à tendência a padronização, que não considera as diferentes realidades apresentadas pelos estados e municípios, ou seja, tratam os desiguais como iguais, e a não efetivação de transferência de recursos da União e dos estados pelos municípios, compatíveis com as demandas apresentadas pelo nível local (p.16). (grifo nosso) As autoras chamam a atenção para a centralização das decisões no âmbito do governo federal e da descentralização da execução nas esferas estaduais e municipais fato este que separa os formuladores e os executores de políticas públicas sociais. Esta forma de conceber as 56 políticas tende à padronização no tratamento de municípios e Estados de diferentes realidades sociais e econômicas, uma vez que se torna difícil pensar em políticas que estejam adequadas às condições particulares de cada ente federado. Souza e Faria (2004) também destacam que a implantação do processo de descentralização na área de educação nem sempre tem tido o cuidado de considerar os limites e possibilidades dos Estados e Municípios. Por isto, a questão que envolve a estadualização ou a municipalização passa pela análise de diferentes variáveis (administrativas, culturais, demográficas, entre outras) que possam ajudar a definir quem está mais habilitado a assumir determinados serviços públicos. Destarte, os autores consideram que acerca das relações intergovernamentais, destaca-se [...] a distância entre as políticas executadas pelos governos federal e estaduais em relação aos Municípios que, muitas vezes, desconsideram as suas prioridades e especificidades locais, acabando também por se limitarem às ações de cunho administrativo e políticoinstitucional (p. 931). O contexto mais amplo da reforma do Estado nos permite compreender que essa forma de pensar políticas padronizadas decorre em grande medida da unificação de agenda política assumida pelos países da América Latina para a superação de dificuldades comuns entre eles. Garcia (2002) comenta que apesar do federalismo e da gestão educativa no Brasil, o mesmo adotou a unificação de agendas governamentais dos países da América Latina no que diz respeito às prioridades para a construção das políticas públicas educacionais no contexto econômico, política e social dos anos de 1990. Essa unificação de agenda, historicamente, começa a se realizar a partir da Conferência de Jomtien na Tailândia em 1990 e da reunião de cúpula de presidentes pela criança (New York, 1990). O Brasil adota também a internacionalização da agenda dando a entender a consciência de um consenso internacional sobre os desafios dos novos tempos em âmbito educacional, qual seja, elegeu-se como prioridade o atendimento da educação básica- no caso brasileiro se restringiu mais especificamente a oferta e ampliação do atendimento ao ensino fundamental, visando a sua universalização (GARCIA, idem). A unificação da agenda governamental decorreu de várias reuniões e encontros internacionais que provocaram reformas e mudanças na legislação educacional com certa homogeneidade nas ações governamentais na América Latina. A influência das organizações internacionais como o FMI, a UNESCO, a CEPAL, entre outras, para a formulação das políticas 57 educacionais brasileiras suscitou a cooperação desses organismos não se tratava na verdade de intervenção velada na definição das políticas. A esse respeito, Vieira (2001) comentando sobre a influência dos organismos internacionais, nos informa que a definição de uma agenda internacional promovida por eventos como: a Conferência Mundial de Educação para Todos (1990); a Conferência de Nova Delhi (1993); e as reuniões que definiram as prioridades de atendimento na educação em países da América Latina e do Caribe foi assumida pelo Brasil, pois foi um dos países signatários deste evento. Compartilhando do mesmo pensamento, Vieira (idem), entende que a elaboração das políticas públicas educacionais resulta do entrecruzamento de três grandes variáveis. A primeira é justamente a constituição de acordos internacionais para a definição de uma agenda de compromissos a serem colocados em prática pelos países participantes dos diversos eventos já mencionados. O Brasil, por sua vez esteve representado em todos estes encontros, desse modo, compartilhando das decisões acordadas para a educação. A segunda variável consiste nas propostas de políticas internacionais para a educação que a concebem como fator determinante para o desenvolvimento social e econômico. Na América Latina esse pensamento foi difundido pela Comissão Econômica para América Latina e Caribe-CEPAL6, por meio do documento intitulado: “Educação: eixo da transformação produtiva com eqüidade”, publicado em espanhol em 1992. Essa Comissão surge num momento que a América Latina passa por um processo de forte desenvolvimento da industrialização com o apoio do Estado. O papel da CEPAL era fazer estudos que levantassem os principais problemas regionais e apontasse, dentro da ideologia da teoria do desenvolvimento, soluções que fossem colocadas em prática de acordo com as especificidades de cada país. Nas décadas de 1950 e 1960, o modelo de desenvolvimento adotado pela CEPAL foi construído de acordo com a concepção do Keynesianismo, ou seja, voltada para o estabelecimento de um Estado de bem estar social. Nesse sentido, as orientações da CEPAL levaram a um maior intervencionismo no continente. 6 A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) é uma agência de difusão da teoria do desenvolvimento, criada em 1948 pelo Conselho Social e Econômico das Nações Unidas. Esta teoria tinha como propósito dar uma resposta às inquietações das novas nações que se tornavam independentes no período pós-segunda guerra, que foram incorporadas ao mercado capitalista mundial (OLIVEIRA, 1997). 58 Depois de um período de crescimento na década de 1950, a década seguinte passa por uma crise sócio-política caracterizada pela estagnação econômica. Essa crise econômica é decorrente do próprio modelo de desenvolvimento que atribui à industrialização a capacidade de superar todas as dificuldades sociais. Compreende-se que não poderia haver desenvolvimento sem que primeiro se procedesse as reformas estruturais indispensáveis à criação de um espaço econômico para o desenvolvimento industrial. Nesse sentido, a CEPAL passa a modificar sua posição em relação ao enfoque desenvolvimentista, tendo em vista a situação problemática que ocorria na América Latina que consistia de extrema desigualdade na distribuição de renda, atraso na economia rural, tecnologia ultrapassada, ou seja, condições bem desfavoráveis e inadequadas à efetivação do modelo desenvolvimentista pensado pela CEPAL. As mudanças no discurso da CEPAL em relação ao modo de implementar o desenvolvimento na América Latina foram acompanhadas pela crise de gestão estatal em âmbito mundial, devido à crise do capital a partir da década de 1970. Assim, a Instituição procurou se adequar à nova realidade mundial. Dessa maneira, será ressaltada a necessidade de cada vez mais aliar planejamento e educação para se ter uma gestão com mais eficiência. Essas orientações irão fazer com que haja mudanças nos sistemas de educação nacionais para que os mesmos possam se adequar às novas condições de desenvolvimento. A terceira variável trata da presença de organismos internacionais, no País, que têm como objetivo o desenvolvimento de projetos na área da educação, como o UNICEF e o Banco Mundial. Desse modo, para Vieira (idem) a conjugação dessas três variáveis, combinadas com ideias que circulam internamente têm determinado as tendências que configuram a elaboração de políticas educacionais no Brasil. Essa terceira variável é também ratificada por Dourado (2007) ao salientar que “no campo educacional, há que se destacar, ainda, o importante papel desempenhado pelos organismos multilaterais na formulação de políticas educacionais no período.” (p. 926). A influência dos organismos internacionais na definição da agenda internacional adotada pelo governo brasileiro ressalta a relação de poder envolvida nos interesses dos países capitalistas para adequar a educação aos interesses de mercado. Sobre essa relação entre a definição de uma agenda política e os interesses envolvidos, Cunha e Cunha (2003) realçam que 59 O processo de formulação de uma política envolve a identificação dos diversos atores e dos diferentes interesses que permeiam a luta por inclusão de determinada questão na agenda pública e, posteriormente, a sua regulamentação como política pública (p.15). Entre essas disputas de interesses certamente os aspectos econômicas e de contenção de gastos se sobressaíram, em detrimento dos interesses de melhoria de qualidade nos serviços públicos ofertados por Estados e Municípios. É nesse cenário que Azevedo (2002), analisando os processos de descentralização nas políticas efetivadas na educação pelo poder central, entende que essas políticas “aparentam desconhecer as diversidades que caracterizam a sociedade brasileira” (p. 66). A autora critica o processo de municipalização como estratégia de descentralização por entender que este se baseia numa lógica economicista-instrumental que, por sua vez, se articula com um movimento mais amplo de reordenamento do Estado brasileiro. Declara ainda, que Guiados pela lógica economicista-instrumental, as medidas de política deixam de considerar os graus de desarticulação social existentes nos espaços locais e o arcaísmo remanescentes em muitas de suas estruturas de poder, em face mesmo da situação de pobreza que caracteriza a maior parte de nossa malha municipal (p.66). Azevedo (2002) está destacando os aspectos negativos que podem ocorrer com a descentralização do ensino por meio da política de municipalização, justamente por considerar que a diversidade de graus de articulação social e de situação econômica dos municípios brasileiros são ignoradas pelos formuladores de políticas educacionais. Ao comentar a respeito das relações de poder envolvidas na adoção de uma agenda única, Garcia (2002) considera que: A unificação das propostas para o ensino básico (fundamental e médio), com as condicionalidades estabelecidas pelos fornecedores de empréstimos (BIRD e BID), cria situações novas ante a desigualdade estrutural dos sistemas de ensino estaduais e 60 municipais. Propostas como as dos parâmetros curriculares, avaliação de estudantes, repasse de recursos diretamente às escolas, entre outras, quando feitas de maneira isonômica, sem respeitar as peculiaridades e características de desenvolvimento de cada sistema, provocam efeitos desiguais, que não estão ainda suficientemente avaliados e provavelmente seguirão punindo os sistemas de ensino mais pobres e as escolas menos preparadas para inovações que exigem um mínimo de condições de funcionamento (p.71) (grifo nosso). A respeito da evolução histórica de desigualdades dos sistemas de ensino, no Brasil, o autor destaca que deveria ser realizado um esforço constante do governo federal para uma efetiva articulação política que possibilitasse um regime de colaboração eficiente dentro dos princípios constitucionais. A distância entre as formulações de políticas educacionais e as reais necessidades e particularidades dos sistemas de ensino, é analisada por Dourado (2007) que entende haver dificuldade de se efetivar políticas, em âmbito nacional, sem uma garantia clara de relação com os sistemas de ensino. Essa dificuldade seria resultante da adoção de políticas preconizadas por organismos internacionais sem que haja primeiramente uma mediação com o cenário nacional, o que tem resultado em descompasso entre as proposições e a materialidade das políticas. Assim, destaca como uma das características da formulação e implementação de políticas para a educação básica “a sua centralização no âmbito federal” (p.927). Além de centralizadas fica explícito o seu caráter autoritário por meio de medidas provisórias e a apresentação de planos que dizem visar o desenvolvimento da educação que quase sempre não contam na sua elaboração, com a participação efetiva de setores organizados da sociedade brasileira, de representantes dos sistemas de ensino e de setores do próprio ministério. Dourado (2007) também enfatiza a característica focal na elaboração de políticas, pois elas prescindem da visão de conjunto da educação básica. Trata-se de políticas educacionais consideradas focalizadas por pretenderem dar atenção especial a aspectos considerados de maior urgência estratégica, como o ensino fundamental. Essa abordagem focalizada dos problemas educacionais deixa de promover políticas que atendam ao conjunto do sistema educacional. Outra característica apontada por Dourado (idem) é falta de organicidade e a descontinuidade entre as políticas elaboradas e sua implementação dada à distância de sua concepção e de sua aplicação pelos diversos sistemas de ensino, em especial os pobres. 61 Silva e Ramalho (2005) verificando o impacto de projetos de desenvolvimento em nível local e regional e sua articulação e coordenação de iniciativas governamentais, explicam que tradicionalmente a implementação de políticas públicas esbarra em uma dificuldade, ou seja, a perspectiva territorial determinada pela divisão constitucional das instâncias governamentais e entes federados autônomos. A questão da territorialidade consiste na problemática da dimensão continental do país, onde se encontram, desde mega-municípios, até pequenas cidades sem expressão nacional. Tal diversidade, segundo os autores, leva à necessidade de uma ação cooperativa e articulada entre os municípios e as demais instâncias de poder. Todavia, eles entendem que “a realidade administrativa brasileira aponta para uma situação onde a competição e a ausência de cooperação entre municípios é mais a regra do que exceção” (p.5). A descentralização de execução de políticas educacionais para o âmbito da esfera municipal tem certamente um lado positivo presente na possibilidade de uma administração mais ágil em Estados com grandes dimensões territoriais, entretanto, é preciso compreender que a viabilidade de uma gestão local bem sucedida deve levar em consideração as diferentes capacidades administrativas desses municípios. Ao analisarem a descentralização da gestão do ensino fundamental por meio da municipalização, em especial o caso específico do processo de municipalização no Estado de São Paulo, Russo e Pereira (2005), entendem que há pontos positivos na sua implantação justamente porque a realidade social e econômica dos municípios é diversificada: A municipalização tem, assim, um impacto significativo no Estado de São Paulo face à concentração de alunos na rede pública estadual. Essa concentração do poder sobre a educação fundamental pode sugerir uma explicação para os pífios resultados educacionais na rede pública estadual face ao gigantismo que a torna inadministrável, sobretudo se mantida sua estrutura burocrática numa realidade que mostra diversidade de contextos sócio-culturais e econômicos que produzem diferentes culturas escolares (p.168). Entretanto, os autores entendem que há condições consideradas indispensáveis para a implantação da municipalização do ensino, tais como: reforma tributária, melhoria dos quadros técnico-administrativos e docentes municipais, respeito às diferenças e especificidades municipais, implantação plena dos instrumentos de participação da sociedade (conselho ou comissões municipais de educação) e valorização do magistério. 62 Destacamos as diferenças e especificidades municipais, pois os autores já haviam ressaltado a importância de se considerar os diversos contextos na administração da educação. Souza e Tavares (2007) lembram que os municípios brasileiros não apresentam somente diferenças, ou seja, apresentam também desigualdades que impedem a garantia de participação econômica, social e política para todos. Para a autora a descentralização do atendimento educacional para municípios com condições econômicas de desigualdade “tem levado ao risco do localismo, ou seja, ao fechamento das proposições e das possibilidades às condições singulares de cada município” (p.42). Para Tavares (idem) a forma como a descentralização tem se processado no Brasil reforça cada vez mais as desigualdades locais, pois, os municípios ficam entregues “às próprias condições de pobreza e/ou riqueza, distanciando-se o horizonte da igualdade e, afirmando-se insistentemente a desigualdade como principio” (p.244). Em relação às condições financeiras para se ofertar um bom atendimento às demandas sociais, Costa (2003) mesmo entendendo que a baixa condição financeira dos municípios é um fator que dificulta a gestão das políticas públicas percebe um lado positivo nesta situação de adversidade: Mesmo a municipalização dos recursos nem sempre tenha sido proporcional à municipalização das responsabilidades, essa inflexão trouxe mudanças importantes no poder local, possibilitando, no âmbito da gestão subnacional, principalmente municipal, o surgimento de algumas das iniciativas mais inovadoras de administração pública da História recente do País (p.40). Referindo-se às condições adequadas para que a municipalização de políticas seja desenvolvida a contento, segundo o autor, levanta-se uma série de questões referentes a sua operacionalização. A primeira questão diz respeito à relação que se faz entre a descentralização e, de um lado, democratização da gestão, ampliação da participação e maior controle social sobre as políticas; e de outro lado, aumento da eficiência na alocação de recursos e na execução de políticas. Para Costa (idem) essa associação é frágil, pois: Em primeiro lugar, a concretização e aprofundamento democrático dependem menos da escala ou nível de governo em que se processam as decisões e mais a natureza das instituições delas encarregadas em cada esfera de governo (p. 41). 63 A segunda questão refere-se ao entendimento sobre descentralização que tem deixado os municípios entregues a própria sorte. A descentralização não significa o esvaziamento de funções nos níveis mais centrais de governo. Ao contrário, sabendo-se das heterogeneidades dos governos locais quanto à capacidade de mobilização de recursos próprios e a dimensão de seu campo de atuação, o nível central de governo (estadual ou federal) passa a ter uma importância crucial na direção e coordenação da formulação e implementação de políticas de descentralização. Para Costa (2003) em se tratando de transferência de funções de uma instância administrativa para outra é imprescindível o fortalecimento da capacidade de assessoramento dos níveis centrais para se obter os benefícios esperados pela descentralização, tal como expressa na citação abaixo: Trata-se, portanto, de definir que funções, capacidades e unidades devem ser “desmontadas” e transferidas aos estados e municípios e aquelas que, ao contrário, devem ser construídas ou fortalecidas no nível central para que se viabilize a transferência das primeiras. Sem o fortalecimento da capacidade de coordenação, supervisão e assessoria técnica e financeira dos níveis centrais, a descentralização pode significar o contrário de seus objetivos: fragmentação de políticas e programas e aprofundamento das desigualdades no acesso, qualidade e prestação de serviços (p. 41). (grifo nosso) O autor chama a atenção principalmente nos processos de municipalização para a questão dos mecanismos de transição, pelos seguintes motivos: a) se durante o processo de transição não forem previstos critérios que incorporem as diferentes capacidades técnica, institucional e financeira dos municípios; b) caso não sejam estabelecidas metas, ritmos e prazos diferenciados; c) se não forem viabilizados instrumentos de assessoria técnica e financeira e de capacidade institucional dos municípios; d) e, no caso de em face das dificuldades fiscais que enfrentam os Estados buscarem a municipalização “na marra”, as conseqüências podem ser muito ruins. Para que os entes federados possam trabalhar de forma articulada na implementação das políticas públicas a Constituição Federal de 1988 prevê o regime de colaboração entre os entes federados que no Art.22 define no seu parágrafo único: Parágrafo único. Leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e o bem- 64 estar em âmbito nacional. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006). Essas leis complementares que deveriam ser fixadas para assegurar o regime de colaboração ainda não foram regulamentadas. Essa regulamentação é fundamental para as políticas públicas e em particular àquelas que podem garantir a oferta de educação pública com qualidade. Na perspectiva de se fomentar discussões em nível nacional o texto que foi usado como documento de referência nas discussões da CONAE – Conferência Nacional de Educação 2010 que teve como tema central a "Construindo o Sistema Nacional Articulado de Educação" apresenta o desafio da construção de leis que estabeleçam o regime de colaboração. Por um lado o documento da CONAE reconhece os avanços obtidos para a área educacional, pois o país tem uma Lei Nacional de Ensino (LDB/1996), um órgão legislativo (Congresso Nacional), um órgão que normatiza todos os sistemas (Conselho Nacional de Educação – CNE) e um órgão que estabelece e executa as políticas de governo (Ministério da Educação – MEC), mas por outro lado, ainda não avançou na construção de uma forma de organização que possibilite o regime de colaboração entre os sistemas de ensino (federal, estadual/distrital e municipal) que poderia viabilizar o alcance dos objetivos comuns para a educação previstos na Constituição federal, ou seja, a garantia de acesso à cultura, à educação e a ciência (art. 23, inciso V). Para a regulamentação do regime de colaboração, o Documento da referida Conferência parte do entendimento de que o papel da União deve ficar mais claro quanto a sua participação na cooperação técnica e, principalmente, nas transferências regulares e contínuas de recursos financeiros às instituições públicas dos Estados, DF e municípios, de um modo em que os entes federados com baixos índices de desenvolvimento socioeconômicos possam ter a prioridade. Outra diretriz apontada pelo Documento da CONAE para a regulamentação de um regime de colaboração entre os entes federados deve prever a superação das desigualdades regionais, em especial, por meio de uma política de financiamento ancorada na perspectiva do custo – aluno – qualidade- CAQ. Para isso, deve-se ter um aprofundamento no debate sobre qual é o padrão de qualidade apropriado para a educação pública e os recursos necessários para sua viabilidade. Em primeiro lugar, Costa (2003) destaca que “dadas às diferentes capacidades dos municípios, pode haver no processo soluções de continuidade ou perda da qualidade dos 65 programas” (p.42). Isso significa que se um dado atendimento era feito de forma não satisfatório ou até precária este quadro pode ficar ainda mais agravado. Em segundo lugar, o autor destaca o caráter eminentemente político das relações intergovernamentais, o que pode fazer uma municipalização forçada, em vez de promover avanços apresentar efeitos regressivos. Para Costa (idem) nas relações intergovernamentais a força política, as condições financeiras e técnicas dos municípios devem ser consideradas na transferência de responsabilidades na prestação de serviços. O autor comenta que podem ocorrer diferenças no processo de municipalização entre municípios politicamente fortes e fracos nos seguintes termos: (...) os municípios mais fortes politicamente - geralmente os que têm melhores condições financeiras e técnicas – tendem a ter recursos para resistir ou impor melhores condições ou prazos de municipalização. Os municípios mais fracos politicamente – geralmente menores e mais frágeis também do ponto de vista financeiro – não têm meios para resistir ou adequar o processo as suas condições e interesses, acabando por assumir mais abruptamente parcelas proporcionalmente maiores dos encargos de prestação de serviços sociais, o que pode aprofundar as já significativas desigualdades de acesso e qualidade de serviços (p.42). Esses cuidados na transição da descentralização da gestão de políticas públicas certamente não são regras seguidas em todos os Estados, o que pode indicar a origem de dificuldades de muitos municípios em receber parte da rede estadual para ser administrada provocando um esforço não compatível com as condições dos governos municipais. Both (1997) compreende que as dificuldades de planejamento em nível nacional, como a política de municipalização do ensino, constituem-se em um grande desafio para os Estados e Municípios, tendo em vista às dimensões de cada território estadual e das próprias diferenças existentes entre esses e seus municípios, declarando o autor que: É notória a dificuldade administrativa em um país de tamanho gigantesco como o Brasil, o que cria entraves de toda ordem para os governos central e estaduais: Há estados da federação cujo tamanho supera em superfície até mesmo o de alguns países. Por isso, uma municipalização da educação-gradual, progressiva e diferenciada-com o devido respaldo da União e dos estados, impõe-se, certamente, como agente eficaz e eficiente para a oferta de uma educação cujo resultado possa efetivamente levar a uma 66 mudança comportamental e propiciar bem-estar social aos educandos de forma direta [...] (p.14) (grifo nosso). É com o reconhecimento de que existem diferenças e desigualdades de recursos financeiros, capacidade administrativa, técnica e operacional que a implementação de políticas públicas deve ser acompanhada por uma fase de desenvolvimento e fortalecimento da capacidade de gestão de políticas públicas dos entes federados. “Deve-se, portanto, considerar o quanto é importante que o processo de implementação dessas políticas seja acompanhado do desenvolvimento da capacidade técnica, administrativa e política dos gestores e dos diversos agentes que integram os sistemas”. (Cunha e Cunha, 2003, p.19). Apesar da descentralização no contexto da reforma do Estado estar perpassada pela racionalidade econômico-financeira excludente e de que ela, necessariamente, não é nenhuma garantia no alcance de uma administração mais democrática, não podemos simplesmente negar a possibilidade de serem construídas formas de gestão mais democráticas e adequadas às particularidades das realidades locais por meio da descentralização. Como vimos até agora, a municipalização do ensino fundamental desde a década de 70 tem sido incentivada pelo governo federal por meio de estratégias de descentralização financeira como o Pró-município e mais recentemente o FUNDEF. Se com a Constituição de 1988 fica explicita a municipalização de políticas públicas, também podemos compreender que a própria municipalização do ensino passou a ser uma política pública. Este capítulo nos permite uma visão da municipalização do ensino fundamental e da possibilidade de compreendê-la como política pública educacional cuja concepção e objetivos partem de instituições externas na intenção de incentivar a gestão do setor educacional com vistas à racionalização de recursos. Como parte do projeto de descentralização administrativa e financeira desencadeado pela Reforma do Estado brasileiro, a municipalização do ensino também chega ao Estado do Pará, trazendo argumentações do Governo estadual que prometiam uma verdadeira revolução na gestão da educação pública do Estado. 67 CAPÍTULO III A POLÍTICA DE MUNICIPALIZAÇÃO DO ENSINO FUNDAMENTAL NO ESTADO DO PARÁ: DIFERENTES CONFIGURAÇÕES A municipalização do ensino induzida pelo governo federal por meio do FUNDEF ocorreu em praticamente todos os Estados da Federação. Todavia, isso não significa que o processo de implementação dessa política tenha sido homogêneo, pois cada Estado e seus municípios possuem características sociais, educacionais e políticas diferentes. Desse modo, o Estado do Pará também tem suas particularidades que fazem a municipalização do ensino ter uma história própria e sempre em construção nos diversos governos que vem se sucedendo no nosso Estado. O processo de municipalização do ensino fundamental no Estado do Pará abrange de 1996 a 2010 três Governos estaduais. Esse processo iniciou em 1996 no primeiro governo de Almir Gabriel7, sendo vinculado ao Partido da Social Democracia Brasileiro – PSDB, que vai de 1995 a 1998, e foi reeleito para governar no período de 1999 a 2002. O segundo governo foi o de Simão Jatene, de 2003 a 2006, também do PSDB e que chegou ao governo estadual com o apoio de Almir Gabriel. O terceiro governo estadual quebra doze anos de hegemonia do PSDB, pois de 2007 a 2010 esteve em vigor o mandato de Ana Julia Carepa do Partido dos Trabalhadores- PT. Inicialmente para compreendermos a gênese do processo de municipalização do ensino fundamental se faz necessário resgatar, mesmo de modo sucinto, o contexto histórico e político em que se inserem as decisões dos gestores dos governos estaduais e as declarações dos 7 Almir José de Oliveira Gabriel é um médico e político, membro fundador do PSDB no Estado do Pará. Tem uma extensa experiência política, tendo sido Secretário de saúde do Pará, prefeito de Belém de 1983 a 1986, senador, foi candidato a vice-presidente na chapa de Mario Covas nas eleições de 1989 e governador do Pará por dois mandatos. Durante seus governos investiu em infra-estrutura como o Tramoeste, o novo estádio olímpico, a macro drenagem, a alça viária e outros. Em seu governo ocorreu o famoso massacre de Eldorado dos Carajás onde 19 trabalhadores rurais ligados ao MST - Movimento dos Sem Terra foram mortos em um confronto com a polícia militar do Estado (disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Almir_Gabriel ). 68 entrevistados a respeito da política de municipalização do ensino fundamental em seu período inicial. O então Governador do Estado do Pará, Almir Gabriel (1995-1998 e 1999-2002), e o seu partido, PSDB, estão em estreita relação com a defesa de políticas descentralizadoras nas áreas sociais em conformidade com o plano nacional de reforma do aparelho do Estado desencadeado no Governo de FHC. Almir Gabriel é um dos fundadores do PSDB em 19888, o que faz com que o governo estadual e federal compartilhe da defesa do mesmo projeto de sociedade, tendo em vista a afinidade ideológico-partidária em questão. Ao receber o Governo do Estado de seu antecessor9, Almir Gabriel herdou uma dívida financeira que girava em torno de R$ 2 bilhões e 360 milhões. Essas dívidas eram com bancos, empreiteiras, fornecedores e prestadores de serviços, com os servidores públicos e com despesas emergenciais. No intuito de superar essa crise financeira o governo estadual desencadeou uma série de medidas de contenção rígida de gastos, bem como de aumento da receita que foram marcados pelo enxugamento da máquina estatal (ALMEIDA, 2000). Entre suas medidas mais polêmicas de contenção de gastos está a demissão de servidores públicos estaduais temporários, que de acordo com o entendimento do governo, deixava a máquina estatal "inchada" e com dificuldades de racionalizar seus recursos. Na área da educação, estimava-se que, só na SEDUC, havia mais de 26 mil temporários, considerada junto com a SESMA, uma das duas secretarias mais inchadas. O Governador defendeu "a reforma e a modernização do Estado, com o objetivo de aumentar sua eficiência, fortalecer os instrumentos de gestão e consolidar as bases de cidadania, determinaram a redefinição das esferas de governo" (ALMEIDA, idem). Desse modo, uma das bases da nova gestão proposta pelo governo estadual na construção do que se chamou "Novo Estado do Pará" passava por uma nova forma de gestão com os municípios do Estado. É nesse contexto que a área da educação passa por um acelerado processo de descentralização administrativa na gestão da rede estadual, bem como um acelerado processo de municipalização do ensino fundamental que foi defendido como a condição principal para se ter uma gestão, em tese, mais democrática e eficiente. 8 Em 25 de Junho de 1988 o PSDB formulou um manifesto endereçado ao povo brasileiro onde anunciou a fundação do partido e apresenta entre os seus objetivos e princípios o desejo de "redefinir o país como República Federativa, objetivando a desconcentração dos poderes, descentralização administrativa e do orçamento até o nível de municipalização das ações do Governo". 9 Almir Gabriel foi antecedido no governo pela administração de Jader Barbalho e Carlos Santos (1991-1994). 69 Nos Governos que se sucedem do PSDB a política de municipalização torna-se parte das bandeiras defendidas pelo partido para se conseguir a mudança da realidade educacional do Estado. 3.1 – A Municipalização no Governo Almir Gabriel de 1995 a 1998: O Surgimento da idéia de Municipalizar Devemos entender que a política de municipalização do ensino fundamental no Estado do Pará deve ser analisada levando-se em consideração o contexto nacional de política educacional e a sua Legislação, as quais apresentam forte tendência para descentralização de vertente municipalizadora, o que também foi observado no contexto político e na legislação do Estado do Pará. Essas ideias de descentralização e autonomia dos municípios se fizeram presentes nas disputas entre os setores organizados com os seus representantes na Constituinte Federal. Conseqüentemente, isso se refletiu posteriormente, na elaboração das constituições estaduais e entre elas a do Pará. Desse modo, a Constituição Federal de 1988, a Constituição do Estado do Pará de 1989 e outras Leis e documentos elaborados posteriormente, foram utilizados pelo governo de Almir Gabriel para dar sustentação legal a sua proposta de municipalização do ensino fundamental. A Constituição do Estado do Pará de 1989, em seu artigo 274, que trata do direito à educação, estabelece a base legal de obrigatoriedade e gratuidade no ensino fundamental, o qual será oferecido pelo Estado e Municípios concorrentemente, até a universalização do atendimento, como pode ser observado no texto a seguir: §1º O ensino fundamental será oferecido concorrentemente, pelo Estado e Municípios e pelos estabelecimentos particulares de ensino, até a universalização do atendimento, sendo obrigatória a prioridade municipal na organização de novas escolas. Esse parágrafo do artigo 27410 define a questão do direito e acesso à educação, especificando quem a oferece e em que condições, deixando claro as respectivas responsabilidades. Ressalta-se que, no parágrafo primeiro, o Estado e Municípios são 10 Redação alterada pela Emenda Constitucional nº 15/99, de 03 de agosto de 1999, publicada no DOE de 10.08.1999 que alterou a redação do parágrafo 1° do Art. 274. O novo texto diz: § 1° Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil e o Estado atuará prioritariamente no ensino fundamental e médio. 70 responsabilizados no que concerne ao atendimento do ensino fundamental, entretanto é “obrigatória à prioridade municipal na organização de novas escolas”. Por sua vez o artigo 280 e Incisos I e II tratam da organização das redes estadual e municipal e estabelece os seus objetivos: O ensino público será organizado em redes estadual e municipais, em regime de colaboração, obedecendo aos princípios desta Constituição e visando: ao atendimento prioritário à escolaridade obrigatória; a responsabilização progressiva do município no atendimento em creches, pré- escola e ensino fundamental. Assim, o inciso II define a responsabilização dos municípios ao atendimento à educação infantil e ao ensino fundamental, estabelecendo como objetivo a progressiva expansão no atendimento educacional pelos municípios. A Constituição Estadual de 1989 no Art., 208 e §1º definiu como será feita essa progressiva responsabilidade: A responsabilidade progressiva referida no inciso II, far-se- á a partir das primeiras séries do ensino fundamental e, na medida em que os municípios assumam as escolas fundamentais, o Estado será obrigado a, concomitantemente, expandir o ensino médio através da criação de escolas técnicas, agrícolas ou industriais e de escolas de formação de professores para o primeiro grau, priorizando, em qualquer caso, o interior do Estado. Com base no exposto pelo art. 274; §1º; no artigo 280; II e §1º, representantes da Secretaria de Educação do Estado do Pará (SEDUC), no primeiro Governo de Almir Gabriel, entenderam que a municipalização do ensino fundamental não é uma opção política para o governo estadual, mas, algo que a Lei, por meio da Constituição Estadual, afirma ser categoricamente obrigatório. Isso está expresso na cartilha produzida pela SEDUC sobre a municipalização do ensino fundamental, em 1996, que explicita: Em termos práticos, significa esta medida constitucional, a obrigatoriedade da implantação do processo de municipalização do ensino fundamental, como forma de organização, gerenciamento e desenvolvimento dessa faixa de ensino. Isto se reforça ainda mais quando a própria constituição estadual define também como obrigação do município a prioridade na organização de novas escolas (PARÁ, 1996, p.10,11). 71 No entanto, entendemos que o conteúdo do texto legal em momento algum ratifica a interpretação de que há a obrigatoriedade na implantação da política de municipalização do ensino fundamental. Compreendemos, ainda, que a obrigação dos municípios em terem que priorizar a organização de novas escolas e conseqüentemente de novas vagas, não elimina a responsabilidade do Governo estadual na oferta do ensino obrigatório. A Constituição Federal de 1988 e a Constituição Estadual do Pará de 1989, em momento algum utilizam o termo “exclusivamente” ao se referir ao atendimento do ensino fundamental por parte dos municípios, o que é admitido pelo próprio Governo do Estado naquele momento. Isso está evidenciado no Plano Estadual de Educação para o período de 1995 a 1999. (...) de acordo com a Constituição Federal todas as esferas devem atuar em regime de colaboração nos sistemas de ensino, sendo prioritária a atuação dos municípios no ensino fundamental e préescolar, mas não de forma exclusiva. Por causa disso vê-se o governo estadual obrigado a investir também nestas faixas de ensino, até mesmo por que continuam as administrações municipais transferindo para o Estado, despesas que deveriam ser de suas responsabilidades, deixando o Estado por isso de investir mais expressivamente na expansão do ensino de 2º grau, que é a sua maior responsabilidade. Esta situação não se modifica enquanto não se intensificar a municipalização do ensino (PARÁ, 1995, p. 32). Na citação acima temos o reconhecimento de que não há base legal para se propor uma municipalização que torna os municípios os únicos responsáveis pelo atendimento ao ensino obrigatório, pois tanto a Constituição Federal quanto a Estadual deixam clara a coresponsabilidade de Estados e Municípios neste atendimento e por isso devem definir formas de colaboração. A legislação declara a prioridade dos municípios ao atendimento, mas não cita exclusividade na oferta de vagas. Neste sentido, a interpretação referente à Constituição Estadual está equivocada. A lei não determina a obrigatoriedade da implantação da municipalização, uma vez que tanto a EC N° 14, lei que instituiu o FUNDEF, não obriga, mas autoriza a celebração de convênios entre o Estado e os Municípios, para a transferência de alunos, recursos materiais e encargos financeiros, podendo ser essa transferência para o Estado ou para o Município. Essa redação autoriza tanto a possibilidade de estadualização, quanto a de municipalização, como pode ser 72 observado no texto da Lei 6.044 de abril de 1997 que instituiu o FUNDEF no Estado do Pará ao definir que: É autorizada, nos termos do art.112, § 4º da Constituição Federal, a celebração de convênios entre o Estado e os Municípios, para transferência de alunos, recursos materiais e encargos financeiros, nos quais estará prevista a transferência imediata de recursos do Fundo correspondente ao número de matrículas que o Estado ou o Município assumir (Lei 6.044/97, Art.5º). O texto da Lei não especifica que o movimento de transferência de alunos, recursos materiais e encargos financeiros dar-se-á do Estado para o Município ou vice-versa e não descarta a possibilidade, inclusive, de se propor a estadualização do ensino fundamental. Desse modo, essa interpretação de obrigatoriedade veiculada no início do processo de municipalização é equivocada, pois seja a municipalização ou a estadualização do ensino fundamental é uma opção política possível de acontecer. Verificou-se, assim, a ênfase apenas na possibilidade de se municipalizar enquanto a estadualização não foi nem cogitada tanto em nível estadual, quanto nacional. Sobre essa tendência da municipalização, Monlevade (1999) entende que: Embora se preveja movimento de transferência nos dois sentidos da estadualização e da municipalização, só temos conhecimento de convênios de municipalização, inclusive na linha histórica de os estados “se livrarem” da sobrecarga. O município que propusesse a estadualizar seus alunos de ensino fundamental não teria força política e argumento financeiro para convencer o seu Estado (p. 50). É importante também esclarecer que municipalizar o ensino fundamental nem sempre significa que o atendimento ao ensino obrigatório esteja, exclusivamente, sob a responsabilidade dos municípios. O conceito de municipalização comporta mais de uma possibilidade como comenta Oliveira (1997), ao dizer que a expressão “municipalização do ensino” pode ser entendida: Como a iniciativa, no âmbito do poder municipal, de expandir suas redes de ensino, ampliando o nível de atendimento por parte desta esfera da administração pública; como o processo de transferência de 73 rede de ensino de um nível da administração pública para outro, geralmente do estadual para o municipal (p.174). No primeiro sentido, constata-se um proporcional crescimento da responsabilidade do governo municipal no atendimento ao ensino público infantil e fundamental em relação às demais redes de ensino público, ou seja, a estadual e federal, também co-responsáveis pela oferta de vagas no ensino fundamental. Obviamente essa expansão da rede municipal está relacionada às condições financeiras e à vontade política de se priorizar o ensino fundamental. No segundo sentido, o crescimento da rede municipal pode expandir a partir não de sua capacidade financeira ou vontade política própria, mas pelo repasse para a sua gestão de um conjunto de componentes (prédios, professores, matrículas) da rede de ensino de outro nível da administração pública no caso, a Estadual. Para Cleiton de Oliveira (1999), no Brasil, a municipalização compreende três possibilidades, ou seja: O município se encarrega de todo o ensino, em um ou mais níveis, no âmbito da jurisdição; o município se encarrega de parte das matrículas, convivendo no mesmo território com a rede estadual; o município se encarrega de determinados programas (merenda escolar, transporte de alunos, construções escolares, funcionários postos à disposição das escolas estaduais, por exemplo) os quais são desenvolvidos junto à rede estadual (p.17). As possibilidades apresentadas pelo autor ampliam ainda mais o conceito de municipalização e demonstram que ao se falar em municipalização, nem sempre significa atendimento exclusivo pelo município. Outro documento utilizado para dar sustentação legal à implantação da municipalização é o Plano Decenal de Educação para Todos do Estado do Pará, elaborado em 1994 e que se constitui no fruto do esforço conjunto de várias entidades, contando com os representantes: das secretarias municipais e estadual de educação; das universidades; as federações nacionais e de trabalhadores; associações de pais; da Delegacia do MEC; da UNDIME; dos estudantes; das igrejas, entre outros. Motivo pelo qual, a sua elaboração contou com a participação de órgãos governamentais e não governamentais. 74 O Plano apresentou um diagnóstico caótico da educação, sobretudo na zona rural. No diagnóstico do Plano Decenal de Educação para Todos foi ressaltado que havia desafios e obstáculos a enfrentar na Educação fundamental e, embora reconhecendo que o número de vagas no atendimento escolar tenha alcançado uma notável expansão, o aspecto qualitativo deixava muito a desejar. O Estado do Pará, de acordo com o diagnóstico do Plano Decenal de Educação para Todos, dispunha de cerca de 11.200 prédios escolares, sendo que aproximadamente 85% estavam localizados na zona rural, apresentando os números aproximados de 50% com uma só sala de aula e 25% com 2 a 6 salas de aula, sendo que as de uma sala predominavam na zona rural. A situação era mais grave na zona rural, pois somente 2% ofereciam ensino fundamental, enquanto que nas urbanas 43% (PARÁ, 1994). Constatou-se, assim, que grande parte dessas escolas, algo entre 40% e 50%, se apresentavam inadequadas para oferecer uma aprendizagem de qualidade, levando-se em consideração suas instalações, equipamentos, infra-estrutura e instalações sanitárias. E que na zona rural havia um número considerável de escolas que não dispunham de água encanada e nem eletricidade, como ainda há. Os indicadores de produtividade revelaram elevada taxa de repetência e evasão no ensino fundamental, por exemplos, em 1989, do total de 386.333 matrículas, somente 33, 2% dos alunos chegaram à 4ª série (PARÁ, IDEM). De acordo com o Plano Decenal (1993-2003), os seguintes fatores foram os responsáveis por este estado problemático na área educacional: Desigualdade e heterogeneidade da oferta de ensino entre redes, regiões, localidades e escolas e a total desarticulação visando um trabalho de parceria, configurando um quadro de iniqüidade nas oportunidades de aprendizagem; Desarticulação entre níveis de governo, particularmente Estado/Municípios; Dispersão e ineficiência na alocação e na gestão de recursos destinados a investimentos para desenvolver o sistema e para operar e manter as unidades escolares (p.27). 75 No Plano Decenal foram apresentadas algumas diretrizes básicas para a melhoria do ensino no Pará entre elas está presente o desenvolvimento de uma política de integração na busca da unificação dos Sistemas educacionais. Essa diretriz, assim como outras visavam atingir a meta prioritária, “oferecer às crianças, aos jovens e adultos oportunidades educacionais com qualidade que lhes permitissem obter um nível satisfatório de aprendizagem” (P. E. E, 1994, p.1). Na apresentação de estratégias propostas no Plano Decenal para alcançar os objetivos destacamos a que fala em: Desenvolver uma política de integração na busca da unificação dos sistemas educacionais; expandir, equipar e manter a rede física escolar de acordo com os objetivos definidos neste plano; assegurar relativa autonomia financeira e gerencial, possibilitando, assim, a qualidade dos serviços (p.31). Essa integração na busca da unificação dos sistemas educacionais era vista pela SEDUC, como sendo a melhor definição do que é municipalização do Ensino Fundamental. Tal como está expresso na cartilha de municipalização da SEDUC: Muito mais do que uma determinação constitucional, a municipalização do ensino fundamental, ou mais precisamente, a integração das redes escolares pertinente à essa faixa de ensino, se impõe como uma necessidade á melhoria da qualidade da educação no Estado (PARÁ, 1996, p.15). No sentido de alcançar a meta precípua do Plano Decenal de Educação, o governo Estadual por meio da SEDUC- Pará, coordenou a elaboração do Plano Estadual de Educação (1995-1999). Este plano apresenta sete condições básicas sem as quais não seria possível alcançar a meta desejada. Entre elas destacamos as seguintes: Descentralização das ações em nível de municípios e de sub-regiões, mas e uma eficiência maior no acompanhamento e no controle das ações desenvolvidas pelo Estado; continuidade e mesmo intensificação do processo de municipalização do ensino, nos moldes definidos pela Constituição Estadual (p.2,3). 76 Dessa forma, a diretriz de municipalizar o ensino pré-escolar e o ensino fundamental, definida pela SEDUC no Plano Decenal de Educação, apresentava como intenção favorecer aos municípios que estes priorizassem o atendimento ao ensino fundamental para que o Estado pudesse dinamizar sua responsabilidade pela oferta do ensino médio. Diante disso, a partir do final de 1995, uma equipe de técnicos da SEDUC procurou conhecer as experiências com municipalização que vinham sendo implementadas por outros Estados. Para isso, percorreram o Rio de Janeiro, Minas Gerais e Paraná, onde conheceram a forma como ocorria o processo e suas principais implicações (PARÁ, 1999). Depois dessa sondagem, elaboraram em 1996, uma proposta intitulada, “municipalização do ensino Fundamenta no Estado do Pará”, que foi apresentada em Agosto do mesmo ano, num encontro estadual, estando presentes o governador do Estado, representantes do poder legislativo estadual, UFPA, UEPA, UNAMA, prefeitos, vereadores, Conselho Estadual de Educação, diretores de escolas, professores e diversos funcionários da SEDUC. Posteriormente, foram realizados fóruns, encontros e seminários com o objetivo de discutir essa proposta com as representações municipais (PARA, IDEM). A proposta de municipalização do ensino fundamental apresentou como principais justificativas, a determinação da C.E de 1989 que definia aos municípios assumirem a responsabilidade pelo ensino fundamental, como condição para que o Estado possa desenvolver o atendimento no ensino médio. Além disso, em virtude da maior parte das escolas do Estado está localizada em área rural dos municípios, a SEDUC entende que a instância mais apropriada para gerenciá-las seja o município. A argumentação da SEDUC é de que a municipalização colocaria a gestão das escolas nas mãos das prefeituras e que, assim, haveria uma gestão mais ágil e eficiente no sentido de atender às necessidades da educação local. Como conseqüência dessa gestão, se obteria a melhoria na qualidade da educação municipal, justamente por ela estar mais próxima do gestor local e dos profissionais da educação facilitando a agilização das decisões. Entretanto, essa argumentação pode ser questionada, pois não é por estar a administração da educação mais próxima da clientela a ser atendida, que signifique que as decisões do poder executivo atenderão as expectativas de um ensino de melhor qualidade ou de 77 que essa tomada de decisões será mais democrática, pois isso depende das condições políticas dos envolvidos na gestão local e da abertura de participação dos profissionais da educação, para que haja realmente a democratização na tomada de decisões, como já mencionado por vários autores apresentados no capítulo I. Outra razão diz respeito à metodologia de ensino unificado que não considerava as diferenças do contexto cultural e regional. Também foi mencionada a grande diferença de recursos destinados para as duas redes de ensino, a estadual e a municipal. A elaboração da política de municipalização, no Pará, foi realizada em 1996, no mesmo ano em que foi aprovada pelo Congresso Nacional, a Emenda Constitucional de nº 14, e regulamentada pela Lei nº 9. 424/ 1996 de 24/12/96 que criou o FUNDEF. O governo do Estado apresentou um Projeto de Lei à Assembleia Legislativa pretendendo a aprovação imediata deste Fundo no Estado, o que realmente aconteceu com a aprovação da Lei estadual de nº 6.044, em 01/ 04/ 1997. Gemaque (2004) explica que, mesmo com a resistência da Bancada petista e os protestos de manifestantes, o Projeto de Lei foi aprovado tendo como principal argumento o investimento de 120 milhões de reais no Ensino Fundamental do Pará, bem como o aumento dos salários dos docentes. Embora a argumentação principal tenha sido essa, a autora entende que a maior preocupação do Governo estadual naquele momento era garantir a viabilização da municipalização do ensino fundamental. Segundo Gemaque (idem): Atrativo maior não poderia haver, diante da situação de precariedade financeira dos municípios paraenses. Em verdade, naquele momento, a preocupação central do governo estadual era garantir a municipalização do Ensino Fundamental, não discutindo as conseqüências dessa reforma para a educação estadual (p. 124). Com a aprovação dessa Lei, o Estado do Pará se tornou o pioneiro na implantação do FUNDEF em Julho de 1997 e, assim, iniciou o seu processo de municipalização em 10/ 09/ 97, com a assinatura do convênio com quatro municípios11. 11 Os primeiros municípios que aderiram à municipalização foram: Tucuruí, Breu Branco, Goianésia do Pará e Novo Repartimento. Esses quatro municípios assinaram o convênio de cooperação técnica em 01/09/1997e municipalizaram o ensino fundamental de 1ª a 8ª série. 78 Todavia, desde a promulgação da Constituição do Estado do Pará de 1989 não havia ocorrido solicitação de municipalização, tendo em vista as dificuldades financeiras que os municípios enfrentam o que não permitia aos mesmos, expandirem suas redes de ensino com recursos próprios. Diante disso, percebe-se que os argumentos em defesa da municipalização só se tornaram convincentes devido à possibilidade de se aumentar os recursos por meio do FUNDEF para serem investidos em nível local. O FUNFEF foi o grande indutor do processo de municipalização do ensino fundamental seja em nível nacional ou estadual. Este Fundo, quando da sua criação trouxe várias expectativas tais como: a universalização do ensino fundamental, a equidade na distribuição de recursos entre os entes federados, redução das desigualdades regionais, melhoria da qualidade da educação, valorização do magistério e maior controle social dos recursos aplicados na educação. Entretanto, Arelaro (2007) ao fazer uma avaliação preliminar dos dez anos de implantação do FUNDEF afirma que vários dos pressupostos que serviram de base para a criação do Fundo não se sustentaram. O primeiro pressuposto do FUNDEF era de que os recursos utilizados na educação eram suficientes e a solução era resolver a sua má gestão, bem como a falta de controle social para que se evitassem os desvios de recursos. Esse pressuposto ajudou a União a diminuir seus investimentos na área da educação, pois os investimentos da União caíram de 16,7 bilhões em 1995 para 13 bilhões em 2002, ou seja, o gasto foi reduzido em 3,7 bilhões. O segundo pressuposto analisado é de que pela motivação de novos recursos financeiros proporcional ao número de alunos matriculados se obteria em um prazo curto a universalização do ensino fundamental. No entanto Arelaro (idem) argumenta que não se conseguiu uma expansão muito grande na oferta do ensino fundamental, mas sim a sua municipalização, pois em 1996, os municípios atendiam, contando apenas a rede pública, 37,1% e em 2005 eles passaram a ser responsáveis por 59,6% das matrículas. Essa argumentação de que o ensino fundamental foi priorizado, para Monlevade (2003), chegou atrasada, pois em 1998 mais de 90% dos alunos em idade escolar estavam matriculados no ensino obrigatório. O terceiro pressuposto era que a qualidade do ensino seria muito melhor e sem a necessidade de maiores recursos, pois o que se gastava na ótica do governo FHC era suficiente. Essa argumentação foi rejeitada pelo grupo de trabalho instituído pelo MEC e coordenado pelo ministro Cristovam Buarque para analisar o financiamento da educação que estimou um gasto hipotético de custeio para o funcionamento de uma escola de ensino fundamental com o mínimo 79 de qualidade, calculando um custo-aluno por ano de, no mínimo, R$ 1.799,86. Contudo, o maior valor do custo-aluno decretado para o FUNDEF foi de R$ 730,38, em 2006, para os alunos das séries finais do ensino fundamental da zona rural e educação especial, o que é praticamente a metade do valor estimado pelo grupo de trabalho (INEP, 2001). Um quarto pressuposto analisado pela autora é o que diz que o valor per capita por aluno atendido corresponderia ao máximo que o Brasil poderia gastar em cada ano fiscal, onde seriam somados todos os recursos disponíveis nas três esferas de governo. Declara, ainda, que esse pressuposto foi descumprido, pois “desde o primeiro ano da implantação do FUNDEF, até hoje, houve uma subvalorização do valor per capita aluno - ou gasto aluno (2007, p.10). Esse valor subvalorizado foi estratégico para que o governo federal realizasse o mínimo possível de complementação para os fundos estaduais. Desse modo, fica evidente que a lógica do FUNDEF não era priorizar o aumento de alunos atendidos e sim a redução e racionalização de gastos. Para impedir o aumento de gastos e limitar o crescimento de matrículas foi vetada, de forma inconstitucional, a inclusão de jovens e adultos12 analfabetos no cômputo total de alunos. Além disso, estabeleceu que o repasse de recursos dar-se-ia com base no atendimento do ano anterior13 de acordo com os dados do Censo Escolar14, o que na prática faz com que, caso o município deseje ampliar suas matrículas, ele arcará com o ônus desta expansão por pelo menos um ano. Outra questão fundamental sobre o FUNDEF é o descumprimento do governo federal no cálculo estabelecido pela Lei nº 9.424/1996 para a fixação do valor custo-aluno anual do FUNDEF. O Ministro Paulo Renato Souza argumentou que o custo-aluno definido segundo a Lei, representaria uma complementação de recursos por 12 A Lei 9.394/1996 no artigo 37 garante a educação de jovens e adultos àqueles que não tiveram acesso ao ensino fundamental na idade própria e no Inciso II, Art. 2º da Lei 9.424/1996, assim ficou definido que as matrículas no ensino fundamental de jovens e adultos, na função supletiva seriam utilizadas para efeito de distribuição de recursos do FUNDEF. 13 Esta forma de proceder foi regulamentada no Decreto Federal nº 2.264/1997, fazendo o rateio com base no censo escolar do ano anterior. Entretanto, esse procedimento não encontra base na Lei 9.424/1996, pois no § 1º do Artigo 2º declara que “a distribuição dos recursos, no âmbito de cada Estado e do Distrito Federal e os Governos Municipais, na proporção de alunos matriculados anualmente nas escolas cadastradas nas respectivas redes de ensino (...), ou seja, a Lei não faz referencia aos alunos matriculados no ano anterior e sim anualmente. 14 O Censo Escolar é um levantamento de dados estatísticos e educacionais realizado em todo o país anualmente sob a coordenação do INEP/MEC em parceria com os governos estaduais e prefeituras municipais. Tem sido o principal instrumento de coleta de informações da educação básica, abrangendo as suas diferentes etapas e modalidades: ensino regular (educação Infantil e ensinos fundamental e médio), educação especial e educação de jovens e adultos (EJA). O Censo Escolar coleta dados sobre estabelecimentos, matrículas, funções docentes, movimento e rendimento escolar. 80 parte da União que superaria a capacidade orçamentária e financeira considerando-se aquele momento de comprometimento dos recursos federais disponíveis para a educação. Nesse sentido, o governo federal, sistematicamente, descumpriu a própria Lei que havia criado estabelecendo o valor do custo-aluno anual bem abaixo do valor exigido pela Lei nº 9.424/1996. De acordo com levantamento realizado por Davies (2006 apud OLIVEIRA, 2008) o período que vai do início de vigência do FUNDEF em 1997, no governo Fernando Henrique Cardoso, indo até o final do primeiro mandato do governo Lula, em 2006, conclui-se que o governo federal ao não repassar os recursos devidos e também por não calcular o valor por aluno da forma prevista na legislação, deixou de repassar aos recursos do FUNDEF cerca de 30 bilhões de reais. Independentemente das críticas feitas ao funcionamento do FUNDEF ele foi fundamental para viabilizar a política de municipalização no Estado do Pará. No Estado houve uma verdadeira corrida à municipalização quando do seu início, em 1997, pois no primeiro semestre de 1998 o ensino fundamental estava municipalizado em 61 municípios. Gutierres (2005) entende que “essa corrida dos prefeitos em direção à municipalização, certamente se deve à perspectiva de aumento de recursos nos municípios” (p. 215). Para a autora é possível, ainda, que alguns prefeitos tenham tido dificuldades para entender que o repasse de recursos do FUNDEF não era condicionado à assinatura do termo de convênio, não compreendendo que, independentemente de ter municipalizado ou não, receberiam a complementação de recursos da União. Gemaque (2004) lembra que “(...) pouco se ouvia falar em FUNDEF, antes da sua aprovação, de modo a mobilizar os segmentos organizados da sociedade para a discussão da questão” (p. 121). Além disso, alguns deputados demonstravam em seus depoimentos na Assembleia Legislativa, desconhecer os efeitos da municipalização do ensino em outros Estados e, até mesmo, como funcionaria o FUNDEF. Essa dificuldade de entendimento pode ser exemplificada pelo equivoco cometido pelo Deputado Martinho Carmona, tal como vemos abaixo. O (...) depoimento revela o total desconhecimento do Deputado Martinho Carmona sobre a situação dos outros Estados em relação à municipalização do Ensino Fundamental e também sobre os mecanismos de funcionamento do FUNDEF, ao comentar que 81 recursos do Sul e do Sudeste seriam canalizados ao Pará. Se entre os deputados, que o acesso às informações é mais fácil, havia equívocos em relação a esse Fundo, imagina-se que entre os prefeitos e a população, a situação era bem mais problemática (p.121). Para a SEDUC, o repasse dos recursos financeiros para os municípios, no valor correspondente ao custo-aluno garantiria a concretização da meta de municipalizar o ensino, pois os municípios teriam agora condições de custear a manutenção das escolas transferidas pelo Estado e oferecer um ensino de qualidade. Assim expressou-se o então Secretário de Educação do Estado, quando da implantação do FUNDEF: O que garantiu coragem ao conjunto de órgãos responsável pela implantação do Fundo no Pará – SEDUC, SEPLAN, SEFA, SEAD foi a certeza de que esse fundo propiciava as condições adequadas para que se oferecesse efetivamente um ensino de boa qualidade à população paraense, de modo permanente, pois não só permitia um adicional da recursos financeiros que o Estado não tinha condições para oferecer, como também garantia que se reduzissem as desigualdades regionais e sociais existentes no interior do Estado (LOUREIRO, 1999, p.122). Esse adicional de recursos que muitos municípios obtiveram certamente foi fundamental para se pensar em uma mudança na qualidade da educação, contudo o raciocínio de que quanto mais alunos matriculados se obteriam mais recursos e, com isso, mais qualidade na educação não pode ser encarado com tanta simplicidade. O crescimento de qualquer rede de ensino vem acompanhado de maiores responsabilidades e de encargos financeiros para a sua manutenção, sendo que se a rede não estiver com condições administrativas, técnicas, estruturais e institucionais as condições objetivas apontam para problemas na obtenção da qualidade do ensino. De acordo com Loureiro (1999), a proposta de municipalização da SEDUC foi efetivada nos municípios que declaravam interesse, mediante negociações para a transferência das escolas estaduais para a rede municipal, primeiramente a responsabilidade pela administração do ensino de 1º à 4ª série, e nos municípios que 82 tinham condições mais adequadas também foi municipalizado o ensino de 5ª à 8ª série, sendo que essa transferência, não se realizava abruptamente, mas de forma gradativa, de acordo com o ritmo de cada município, obedecendo às seguintes etapas: Quadro Nº 1- Etapas para a Municipalização do Ensino Fundamental 1ª Etapa Apresentação do projeto Discussão Realização do fórum sobre a municipalização Trabalho de campo que antecede a municipalização (após a adesão da prefeitura). Regionalização Interna de todas as escolas Estaduais da cidade, vilas e zona rural. Análise da Documentação Escolar. 2ª Etapa Preparação do processo de regularização da escola (autorização etc.). Conferência do número de alunos (censo) e reajuste de turmas. Levantamento da situação patrimonial (física e dos equipamentos e mobiliários da escola). Diagnósticos da situação pedagógica da escola. Assessoramento técnico-pedagógico para equipes da escola. Levantamento da situação dos servidores: Servidores ocupantes de cargos efetivos e com funções permanentes, por escola; Servidores efetivos licenciados e à disposição (conferencia dos atos legais) e Servidores temporários 3ª Etapa Análise dos Instrumentos legais pelas Prefeituras e SEMECs Assinatura do convênio de Municipalização, Cessão em comodato de imóveis e Equipamentos. 4ª Etapa Transferência de recursos do FUNDEF de acordo com o número de alunos transferidos. Fonte: SEDUC/ ASPLAN, 1996 3.1.1 – O Termo de Convênio A análise do termo de convênio é importante para se compreender em que condições vêm se realizando a transferência dos elementos que compõem a rede estadual para a rede 83 municipal. Este documento é o instrumento legal e jurídico utilizado na celebração do chamado acordo de cooperação técnica realizado entre o governo do Estado e os municípios interessados em municipalizar o ensino fundamental. Desse modo, a municipalização do ensino se realiza dentro dos limites estabelecidos nas cláusulas deste termo, como diz a cláusula primeira e parágrafo único do referido documento, ao declarar que “A municipalização do ensino fundamental de que trata este Convênio, ocorrerá nas condições relacionadas nas cláusulas”. O documento originalmente, no Governo Almir Gabriel, era constituído de 16 cláusulas e no Governo de Ana Julia passou a ter 17 cláusulas, pois foi incluída uma específica para tratar das penalidades no caso de haver descumprimento por parte da Prefeitura no que rege as cláusulas do convênio. As cláusulas são as mesmas para todos os municípios, mas podem ter alguns itens acrescidos por meio de emendas negociadas com as prefeituras. Isso está previsto na cláusula décima quarta que trata do aditamento, nos seguintes termos, “os partícipes, de comum acordo, e mediante termo aditivo, poderão alterar o presente instrumento, desde que antes do término de sua vigência”. O formato do termo de convênio segue as exigências mínimas que constam na Lei de Licitações que em seu Art. 116 expõe: § 1o A celebração de convênio, acordo ou ajuste pelos órgãos ou entidades da Administração Pública depende de prévia aprovação de competente plano de trabalho proposto pela organização interessada, o qual deverá conter, no mínimo, as seguintes informações: I - identificação do objeto a ser executado; II - metas a serem atingidas; III - etapas ou fases de execução; IV - plano de aplicação dos recursos financeiros; V - cronograma de desembolso; VI - previsão de início e fim da execução do objeto, bem assim da conclusão das etapas ou fases programadas; 84 O Termo de convênio celebrado entre Estado e Município expressa na cláusula décima terceira, que a duração do acordo firmado entre as partes envolvidas será de 5 anos, devendo ser renovado por sucessivos períodos. Esse limite se refere à celebração de contratos com a administração pública regida pelo artigo 57 e parágrafo segundo da Lei de Licitações que veda a celebração de contratos administrativos por prazo indeterminado, o que se aplica aos convênios também. Portanto, fica impossibilitada a realização de convênios que tenham por finalidade a municipalização do ensino, onde o prazo de duração não esteja expressamente determinado no limite previsto na Lei de licitações que estabelece o máximo de sessenta meses. O texto do próprio termo de convênio justifica as necessidades que levam as partes envolvidas a assinarem este documento. Necessidades essas que são: - a urgente necessidade de melhoria da qualidade da educação no Estado; - a cooperação e o planejamento mútuo do sistema educacional, integrando Estado e Município; - cooperação que exige a implantação de uma estrutura adequada e o envolvimento da sociedade em geral; - as diretrizes definidas pelas Constituições Federal e Estadual em vigor, que obriga os Estados e os Municípios a organizarem, em regime de colaboração mútua, seus sistemas de ensino; - a criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos profissionais da Educação (FUNDEB), através da lei nº 11.494/2007 de 20 de Junho de 2007 e lei estadual nº 6.044 de 16/04/97, que disciplinam o estabelecimento de convênios para transferência de alunos, recursos humanos, materiais e encargos financeiros entre Estados e Municípios, com vista à melhoria da qualidade da educação; - a necessidade de municipalização do ensino fundamental no Estado do Pará, para propiciar ao município a gestão gradativa do ensino nas faixas da Educação Infantil e do ensino fundamental e ao Estado, a priorização do desenvolvimento do ensino médio. 85 Entre essas necessidades apresentadas destacamos que o texto deste documento cita a urgência de cooperação entre os entes federados e o estabelecimento de um regime de colaboração. A busca pela definição de um regime de colaboração entre os entes federados tem sua base na Lei de Diretrizes e Bases da Educação que apresenta um conceito de Sistema Único de Educação Básica no art.21. Por ser um sistema único todos os entes federados são coresponsáveis em sua oferta, porém a LDB faz uma distribuição de atribuições, entre a União, Estados e Municípios. Dentro dessa concepção de que os Estados e os Municípios devem trabalhar em colaboração a LDB respeitar a autonomia desses entes e não definiu como será essa colaboração, mas deixa a cargo dos Estados, em conjunto com os Municípios, a definição “das formas de colaboração, as quais devem assegurar a distribuição proporcional das responsabilidades, (...) e os recursos financeiros disponíveis em cada uma dessas esferas do Poder público” (art.10; II). O Termo de Convênio envolvia, na celebração de Cooperação Técnica, nos Governos de Almir Gabriel e Simão Jatene, as seguintes secretarias do Estado: Secretaria de Estado de Educação – SEDUC, Secretaria Estado de Administração - SEAD, Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores dos Servidores do Estado do Pará – IPASEP. A partir de 2008 o IPASEP foi dividido em duas instituições que também passaram a ter participação na celebração dos convênios, são elas: o Instituto de Assistência à Saúde dos Servidores do Estado do Pará – IASEP e o Instituto de Gestão Previdenciária do Estado do Pará – IGEPREV. A outra parte envolvida é a Prefeitura Municipal que deseja aceitar o convênio. O termo especifica o que cabe a cada um dos envolvidos nesta celebração, as responsabilidades gerais atribuídas a cada parte convenente e o prazo de vigência do convênio. As primeiras 8 (oito) cláusulas apresentam o objeto do termo a ser assinado especificando as séries e modalidades do ensino fundamental a serem municipalizadas: define que a responsabilidade da gestão do sistema educacional será da prefeitura municipal; informa o valor do custo-aluno e suas diferenças de valores entre as etapas, e as modalidades; apresenta a forma de repasse e o período de execução desse repasse; também esclarece sobre o uso e a prestação de contas dos recursos previstos a serem transferidos como também a dotação orçamentária. 86 É interessante observarmos o que cabe a cada uma das partes na cláusula nona que descreve as responsabilidades gerais. Descreveremos aqui, sucintamente, as obrigações mais importantes: A SEDUC disponibiliza à Prefeitura Municipal, os servidores efetivos lotados nas Escolas a serem municipalizadas, a fim de garantir a continuidade do processo ensino/aprendizagem, obedecendo a três fases e em cada uma delas as suas condições. A primeira fase é a de Transição e nela a SEDUC continuará efetuando o pagamento dos servidores efetivos, permanentes e temporários. Esse pagamento dos professores que atuam no ensino fundamental será deduzido do montante dos recursos do FUNDEB a ser transferido ao município. No caso dos professores que atuam na Educação Infantil como o extinto FUNDEF não destinava recursos para essa etapa de ensino o pagamento dos professores era realizado com recursos da SEDUC, com ônus para o Estado. Posteriormente com a criação do FUNDEB alocam-se recursos para esta etapa de ensino o que faz o Estado deixar também de ter ônus com a educação infantil. Ao final desta fase a SEDUC rescindirá o contrato dos servidores temporários, com exceção dos servidores afastados por licença, deixando ao município a opção de realizar concurso público. Na segunda fase denominada de pós-transição (até os alunos serem computados na rede municipal/Censo Educacional), a SEDUC continuará pagando os servidores de cargos efetivos e funções permanentes. Na terceira fase nomeada de finalização (alunos computados na rede municipal pelo Censo Educacional) a SEDUC encaminhará à Prefeitura a folha de pagamento dos servidores estaduais até que a mesma se estruture para processá-la no próprio município. Também encaminhará, por meio de ofício, a relação dos servidores que ficarão sob a gerência da administração municipal (Cláusula nona -1). A SEAD deve elaborar a folha de pagamento dos servidores integrantes deste convênio, discriminando as parcelas remuneratórias e os descontos previdenciários e assistências, relativos à pensão, pecúlio, assistência médica, empréstimos, com base na manutenção efetivada pela SEDUC, até que a Prefeitura se estruture para processar a folha e emitir os contracheques no próprio município (Cláusula nona – 1.1.3.1). Devendo também efetivar o pagamento da remuneração dos servidores ocupantes dos cargos efetivos e funções permanentes integrantes deste Convênio, quando de sua aposentadoria para inatividade (Cláusula nona – 2.3). É de responsabilidade do IASEP, assegurar aos servidores estaduais que serão cedidos ao município, a adesão facultativa ao Plano de Assistência à Saúde-PAS (Cláusula nona – 3.1). 87 O IGEPREV deve assegurar os benefícios previdenciários dos servidores estaduais que serão disponibilizados para a gestão municipal; comunicar à SEDUC quando houver indeferimento nos pedidos de aposentadoria; comunicar à prefeitura sobre a alíquota previdenciária em vigor no sistema de previdência do Estado e as possíveis alterações relativas à previdência social desses servidores. Nos Governos de Almir Gabriel e Simão Jatene, a Prefeitura assumia as seguintes responsabilidades: A responsabilidade em garantir a continuidade do Ensino Fundamental, Educação Especial e Educação Infantil das escolas municipalizadas, sem prejuízo do período letivo (Cláusula nona -5.1); Assegurar aos servidores efetivos e permanentes os direitos e deveres previstos nos termos da Legislação Estadual em vigor (Cláusula nona -5.2). Lotar prioritariamente os professores estaduais efetivos e permanentes, com carga horária máxima disponível na grade curricular, permanecendo nessa condição enquanto perdurar o processo de municipalização (Cláusula nona - 5.3.1); Garantir a lotação dos servidores que ocupavam função gratificada de Diretor, ViceDiretor e Secretário, de acordo com sua habilitação (Cláusula nona - 5.7); Garantir o fiel cumprimento dos valores salariais e percentuais de vantagens praticados no Estado, quando da efetivação do pagamento da remuneração (Cláusula nona - 5.10.1); Responsabilizar-se pelo ônus decorrente de afastamentos do servidor estadual a serviço do município, bem como pagamento de serviços extraordinários (Cláusula nona 5.10.3); Efetuar todos os descontos previdenciários e assistenciais relativos à pensão, pecúlio, assistência médica extra, empréstimos financeiros e imobiliários (Cláusula nona 5.10.5); Garantir a inclusão dos professores estaduais nos programas de habilitação e capacitação de recursos humanos promovidos pela Prefeitura (Cláusula nona - 5.24); Garantir a matrícula na rede municipal de alunos oriundos das escolas conveniadas com o Estado (Cláusula nona - 5.25); Realizar concurso público, para suprimento das vagas ocupadas pelos servidores temporários (Cláusula nona - 5.26). A cláusula não obriga o município a realizar concurso apenas acena para a possibilidade. 88 Além dessas responsabilidades foram acrescentadas em 2008, no Governo de Ana Julia, outras para as prefeituras, com vistas à garantia dos direitos dos servidores municipalizados que não estariam sendo contempladas e que apresentamos abaixo: Prestar as informações referentes a Relação Anual de Informações Sociais-RAIS e a Declaração do Imposto de Renda Retido na Fonte-DIRF, aos órgãos competentes; Fornecer aos funcionários cedidos a cédula C no final do exercício para fins de declaração do imposto de renda; Efetuar o pagamento de direitos e vantagens retroativos para os servidores municipalizados; Efetuar o pagamento ao cônjuge, companheiro ou dependente do servidor municipalizado falecido relativo ao auxilio funeral, 13° salário e vantagens pecuniárias que o servidor deixar de receber por motivo de seu falecimento; Processar, analisar e decidir sobre o, pagamento de verbas relativas ao item anterior; Garantir a manutenção e o desenvolvimento do ensino fundamental e a valorização do magistério, tais como: remuneração dos profissionais do magistério em efetivo exercício; remuneração e aperfeiçoamento dos demais profissionais da educação; aquisição, manutenção, construção e conservação de instalações e equipamentos necessários ao ensino; uso e manutenção de bens vinculados ao ensino; levantamento estatístico, estudos e pesquisas visando principalmente ao aprimoramento da qualidade e a expansão do ensino; realização de atividades-meio, necessárias ao funcionamento do ensino; concessão de bolsas de estudo a alunos de escolas públicas e privadas; amortização e custeio de operações de crédito destinadas à aquisição de material didático-escolar e manutenção de transporte escolar. Assegurar a elaboração do Plano de Carreira do Magistério e do Estatuto Público Municipal; Promover a criação do Conselho Municipal de Educação. Essas cláusulas definem os termos da municipalização e com base nelas podemos fazer algumas inferências. Primeiramente desejamos fazer uma consideração sobre a natureza desse termo de convênio que é definido como sendo de cooperação técnica. Podemos dizer que a colaboração da SEDUC para a prefeitura está na cedência dos servidores estaduais que serão municipalizados, 89 na transferência dos recursos do FUNDEB, na transferência dos prédios escolares que pertencem ao governo estadual. Entretanto a médio e longo prazo essa cooperação será retirada, pois, à medida que os servidores estaduais se aposentarem, o termo de convênio não prevê reposição por parte do governo estadual, sendo assim, a prefeitura vai a cada aposentadoria, tendo servidores exclusivamente municipais. Os prédios escolares podem ser retomados para a administração estadual a fim de serem usados no atendimento do ensino médio o que levará as prefeituras, a terem que construir ou alugar outros prédios à medida que aumente a demanda pelo ensino fundamental. Essa situação nos remete à necessidade da ampliação do quadro de pessoal para o atendimento em decorrência do aumento da demanda no ensino local. Outra questão importante a respeito do termo de convênio é que, embora tenha vigência de 5 (cinco) anos, o mesmo tem como objetivo a municipalização permanente e isso levanta algumas questões, tais como: Uma vez que a legislação maior da educação (LDB 9.394/96 e a CF de 1988) determina que tanto os Estados e os Municípios devem atender a demanda do ensino fundamental e que devem trabalhar em regime de colaboração, como fica a responsabilidade do Estado quando deixar o Município atender a essa demanda sozinho e sem nenhuma cooperação técnica determinada pelo termo de convênio no futuro, uma vez que, oficialmente, a cooperação da SEDUC termina quando não houver mais nenhum servidor estadual municipalizado?; Juridicamente, o Estado por não estar mais ofertando vagas e/ou não ajudando mais o Município a conseguir atender a demanda pelo ensino obrigatório, pode ser acusado de negligência em suas obrigações constitucionais? Isso não pode ser considerado desrespeito a distribuição de competências indicada pela Lei Maior? Ao analisarmos pelo aspecto da legislação e da determinação de co-responsabilidade no atendimento ao ensino fundamental, entendemos que o Estado não pode usar a municipalização como argumento de que está livre dessas possíveis acusações porque instituiu um regime de colaboração com os seus municípios e a culpa pela falta de atendimento seria, exclusivamente, deles por não atenderem a essa demanda. Principalmente porque essa suposta colaboração pode ser questionada uma vez que esse modelo de municipalização nem sempre garante a atuação do Governo estadual no Município. 90 Nesse sentido, ao se falar em regime de colaboração por meio desse modelo de municipalização fica subentendido uma questão na relação entre os entes federados, ou seja, essa colaboração é temporária, pois não havendo mais nenhum servidor estadual no município o Estado não tem mais participação no atendimento do ensino fundamental. Com esse cenário que se projeta no futuro próximo, o que acontece com o regime de colaboração e a coresponsabilidade do Estado? De qualquer forma a municipalização não retira a responsabilidade do Estado, caso contrário, ela deixará de ser um instrumento de cooperação entre entes federados para ser simplesmente uma forma de desincumbência de responsabilidades. No caso de manter a municipalização de forma definitiva, tal como o governo estadual tem feito, deve-se garantir no termo de convênio que tipo de colaboração o governo estadual oferecerá aos municípios para que esses continuem tendo condições de atender a demanda pelo ensino fundamental, mesmo não tendo nenhum servidor estadual em pleno exercício. A municipalização sem colaboração entre Estado e municípios pode se tornar um processo gradativo de desresponsabilização e enxugamento da folha do Estado com servidores ou custos com o ensino fundamental. A prioridade na oferta de novas vagas é de responsabilidade do poder municipal, contudo a legislação em hipótese alguma respalda o Estado de isenção de responsabilidade mesmo com a municipalização que é amparada também em lei. Mesmo não ofertando vagas no ensino obrigatório em um município municipalizado, o Estado deve “assegurar o ensino fundamental” (LDB, Art.10,VI). É interessante também observar que nas alterações do termo de convênio houve acréscimos apenas nas responsabilidades dos municípios, principalmente envolvendo a garantia de direitos dos servidores municipalizados, como pagamento de direitos e vantagens retroativos e outros relativos à busca de uma gestão mais democrática da educação local, como a criação do Conselho Municipal de Educação. Ressalta-se que, em nenhum momento, fala-se em oferecer ajuda formal do Governo estadual, com vistas à construção desses sistemas de ensino nos municípios com maiores dificuldades financeiras. Entretanto, essa ajuda faz parte das obrigações constitucionais do governo estadual, uma vez que no artigo 279 e parágrafo único da Constituição Estadual ficou estabelecido que “o Estado prestará assistência técnica e financeira aos municípios na organização dos seus respectivos sistemas de ensino”. 91 Os dez anos de vigência do FUNDEF no Pará não estimularam a criação de Conselhos Municipais de Educação, pois do total de 143 municípios apenas 20% deles declararam ter criado seu próprio conselho de educação15. Essa realidade de ausência de Conselhos Municipais de Educação na maioria dos municípios paraenses demonstra a necessidade de apoio do governo estadual para o fomento da criação desses conselhos. Outra dificuldade provocada pelo FUNDEF foi sua focalização no ensino fundamental que levou várias prefeituras a praticamente abandonarem a educação infantil. Essa realidade está visível nos dados educacionais do Censo Escolar de 2008 que revela que 46 municípios16 não ofertaram matrícula em creche em 2008, ou seja, 32,16% dos municípios paraenses. Tomando como base a estimativa populacional de crianças de 0-3 anos, em 2008, que é de 747.324 (PARÁ, 2009) crianças precisando de creche e observando o quantitativo de crianças atendidas matriculadas em creches, somando todas as esferas administrativas que é de 33.041 em 2008, temos um déficit de matrícula de 95,58%. Quanto à pré-escola a população estimada de 4-6 anos em 2008 é de 580.890 crianças e o atendimento somando todas as esferas administrativas é de 251.883 matrículas, sendo, portanto o déficit de 56,6% no Estado do Pará (PARÁ, IDEM). No que se refere às penalidades para quaisquer das partes que não cumpram as determinações do termo de convênio, estas se revelaram pouco eficientes, uma vez que muitas garantias e deveres dos servidores estaduais municipalizados não foram respeitados. E é exatamente neste ponto que a municipalização tem sofrido as maiores criticas por parte do 15 Os municípios que declararam ter conselho municipal de educação em 2008. De acordo com o censo escolar de 2008, são apenas 29 os municípios em que existem: Belterra, Óbidos, Oriximiná, Santarém, Gurupá, Ananindeua, Belém, Bujaru, Castanhal, Inhangapi, Santa Izabel do Pará, Abaetetuba, Capitão Poço, Ipixuna do Pará, Mocajuba, Oeiras do Pará, Salinópolis, Viseu, Altamira, Itaituba, Canaã dos Carajás, Dom Eliseu, Goianésia do Pará, Marabá, Nova Ipixuna, Parauapebas, Rio Maria, Rondon do Pará, Santana do Araguaia. 16 Municípios que não oferecem matrículas em creche: Juruti, Terra Santa, Bagre, Chaves, Muaná, Ponta de Pedras, Salvaterra, Castanhal, Inhangapi, Santa Barbara do Pará, Abaetetuba, Aurora do Pará, Baião, Bragança, Curuça, Ipixuna do Pará, Marapanim, Mocajuba, Moju, Nova Timboteua, Primavera, Salinópolis, Santa Luzia do Pará, Santarém Novo, São Domingos do Capim, São Francisco do Pará, São João de Pirabas, Terra Alta, Tracuateua, Anapu, Aveiro, Pacajá, Trairão, Vitória do Xingu, Bannach, Bom Jesus do Tocantins, Breu Branco, Canaã dos Carajás, Conceição do Araguaia, Curionópolis, Itupiranga, Parauapebas, São Geraldo do Araguaia, Rio Maria, Tucuruí, Ulianópolis. 92 Sindicato dos trabalhadores. Entre essas perdas podemos citar: a carga horária do professor municipalizado que é transferida para um professor do município; a remoção indesejada do servidor; atraso no pagamento; a retirada de direitos do servidor no tange ao direito ao cheque moradia, empréstimos, computador do professor e credlivros, ainda podemos mencionar a dificuldade no pagamento de retroativos para o servidor; a diminuição do salário do servidor em discordância do apresentado na folha mecanizada (espelho) que é enviada ao município mensalmente pela a SEDUC; dificuldade no gozo de licença especial. 3.2 – A Municipalização do Ensino na Segunda Gestão do Governo Almir Gabriel (1999 a 2002) – Tentativa de Consolidação do Projeto O segundo governo de Almir Gabriel teve como objetivo dar prosseguimento ao processo de municipalização e, nesse período, a proposta de trabalho da SEDUC para a educação no Pará está presente no Plano Estadual de Educação para o período de 1999 – 2003. Na apresentação inicial do referido plano, se afirma que o seu objetivo principal é simplesmente “dar continuidade às ações desenvolvidas pela SEDUC na primeira gestão do governo Almir Gabriel (p.5). Além disso, foi feita referência aos trabalhos realizados na gestão anterior, no sentido de que se conseguiu resgatar a credibilidade da população em relação ao gerenciamento do setor educacional pelo Estado, e que os indicadores evidenciaram o alcance de melhorias significativas na educação. A SEDUC assumiu então, o compromisso de consolidar os processos iniciados na gestão anterior e que ainda não haviam sido concluídos, entre eles a municipalização do ensino fundamental. No referido Plano é também reafirmada a concepção de que a municipalização da educação infantil e do ensino fundamental é o estabelecimento de um regime de colaboração entre o Estado e seus respectivos municípios. De acordo com a Secretaria de educação só pode haver um regime de colaboração se houver primeiro uma definição do papel a ser desempenhado pelo Estado e municípios. Assim, para que haja um regime de colaboração, a definição da área de atuação implicaria em municipalizar as atividades no setor educacional, descrito da seguinte forma: No âmbito local, até então nunca houve uma parceria estabelecida entre Estado e os municípios, sucedendo-se o planejamento 93 educacional de forma individual por redes de ensino, mesmo considerando que a clientela atendida localizava-se no mesmo território (...) a partir de 1995, a SEDUC procurou estabelecer programas de cooperação com os municípios, mas centrando esse esforço em ações de municipalização do processo educacional. Inicialmente, transferindo para os municípios o gerenciamento da aquisição e distribuição dos gêneros alimentícios (...), posteriormente, com a municipalização do pré- escolar e do ensino fundamental (Plano Estadual de Educação 1999-2003, p.15). Novamente em um tópico exclusivo para comentar sobre a municipalização do ensino fundamental, a SEDUC volta a reforçar que o regime de colaboração entre o Estado e seus municípios com base na Constituição Federal de 1988, é feito com a definição de área de atuação. Nessa divisão de área de atuação é ratificado o argumento que segundo a Constituição Estadual os municípios devam atuar exclusivamente no ensino fundamental e o Estado no ensino médio. Entre as conhecidas alegações constitucionais para fundamentar a municipalização do ensino fundamental, ressaltamos informações relevantes que revelam o crescimento progressivo da responsabilidade das redes municipais em decorrência da transferência de matrículas da rede estadual para os municípios. A SEDUC apresentou o número de matrículas entre as redes estadual e municipal em 1994 comparando-as com as do ano de 1998. De acordo com os dados apresentados pela Secretaria em 1994 o Estado era responsável por 60% do total de alunos matriculados na rede pública do ensino fundamental, enquanto que os municípios por 39% e o Governo Federal participava apenas com 1%. Esse quadro é revertido em 1998, pois neste ano os municípios passaram a ser responsáveis por 60% do total das matrículas, enquanto que o Estado por 39%, sendo que o percentual do governo federal não sofreu alteração. A Secretaria de Estado de Educação ressaltou que o mais importante com a efetivação desse processo foi que o mesmo propiciou à Instituição priorizar o planejamento da política educacional no Pará. No que diz respeito às diretrizes básicas para a melhoria da educação no Pará, não há alteração em relação às existentes nos planos da gestão anterior. São continuações das propostas anteriores, visando apenas a ampliação, intensificação e conclusão dessas propostas apresentadas. 94 Da mesma forma, o programa específico que trata da descentralização e municipalização das atividades educacionais constantes no Plano Estadual de Educação, fica com sua essência inalterada sofrendo apenas poucas mudanças em sua redação. As metas apresentadas no referido programa permaneceram as mesmas, sendo atualizados os valores percentuais que se desejam alcançar. Nesse sentido, ficou estipulado para a municipalização a ampliação do processo pré- escolar e do ensino fundamental para 95% dos municípios. Observa-se, deste modo, que foram poucas as alterações significativas no Plano Estadual de Educação se comparado ao plano de 1995 a 1999 anteriormente. O que aparece de novidade são a inserção de dados mais atualizados e algumas modificações no sentido de dar continuidade ao processo de municipalização, visando atingir os 144 municípios que compõem o Estado do Pará. Em síntese, os planos propostos nos dois mandatos do Governo Almir Gabriel na sua essência são os mesmos. Para compreendermos, a partir do ponto de vista dos gestores da educação estadual, como a política de municipalização do ensino fundamental se configurou no Governo Almir, passaremos a analisar as entrevistas realizadas com os gestores que inicialmente implementaram a política de municipalização no Estado do Pará. 3.2.1 – A Municipalização do Ensino Fundamental como Alternativa para Melhorar a Gestão da Educação Decisão e Elaboração da Política de Municipalização do Ensino Para a Diretora de ensino da SEDUC, a intenção de municipalizar o ensino fundamental não pode ser considerada apenas um projeto do Governo do PSDB, pois essa idéia tem sua origem vinculada à Lei de Diretrizes e Bases da Educação-LDB nº 9.394/1996, não sendo, portanto uma idéia particular da SEDUC, como está expressa em trechos do seu depoimento. Veja bem: a idéia de municipalizar não é uma idéia da SEDUC, é um projeto muito antigo e ele está colocado na Lei de Diretrizes e Bases da educação- LDB, Lei nº 9.394/ 96, (...) é a LDB que estabelece que os municípios têm a competência de tratar do ensino fundamental e 95 da educação infantil. O Estado tem que cuidar do ensino médio e apoiar as prefeituras no ensino fundamental e nas outras esferas de ensino, mas é atribuição dos municípios o ensino fundamental e a educação infantil (Diretora de Ensino da SEDUC de 1996 a 2000). A referida representante utiliza a LDB como base legal para apoiar a municipalização, contudo nesta Lei, não existe conceito explícito ou que dê margem para a interpretação do que a SEDUC pretendia que era passar as matrículas do ensino fundamental para a competência exclusiva dos municípios. Está correta ao afirmar que a LDB estabelece que os municípios têm a responsabilidade pelo educação infantil e ensino fundamental, no entanto, não é dito que apenas os municípios possuem a responsabilidade com este nível de ensino e por isto os estados devem cuidar do ensino médio. A LDB, em verdade, atribui a responsabilidade pelo ensino fundamental a todas as esferas administrativas, ou seja, à União, os Estado e municípios, como está expresso no artigo 5º, §2º: Em todas as esferas administrativas, o poder público assegurará em primeiro lugar o acesso ao ensino obrigatório nos termos deste artigo, contemplando em seguida os demais níveis e modalidades de ensino, conforme as prioridades constitucionais legais. Como o ensino obrigatório, por Lei, é o Fundamental, percebe-se que há um equívoco da parte da Diretora de ensino, na interpretação daquilo que a LDB expõe como sendo atribuições dos Estados e Municípios, no que se refere às suas atuações prioritárias, como fica claro na citação que segue: Veja bem: a Constituição é de 88, a LDB ela é de 96, ela já dispõe de forma diferente, ela dispõe que a atribuição dos municípios é com educação infantil e com ensino fundamental e o Estado com o ensino médio, sendo que Estados e Municípios podem estabelecer convênios para o Estado ajudar o município e trabalharem em conjunto. Então, não verdade, a LDB é uma Lei posterior e ela modifica alguns artigos, (...) da Constituição (Diretora de Ensino da SEDUC de 1996 a 2000). Não é por ser posterior à Constituição Federal que a LDB estabeleceu que o Estado se responsabilizasse apenas com o ensino médio, na verdade como vimos nos textos da LDB no artigo 5º, §2º e Emenda 14, art. 211, §2º e §3º, a co-responsabilidade permanece a Estados e Municípios no atendimento do ensino fundamental. O primeiro Coordenador da municipalização que trabalhou no início da 96 implementação do processo de municipalização lembra que, antes mesmo do FUNDEF ser criado, o Município de Brasil Novo pretendia municipalizar o ensino: (...) começamos a discutir municipalização (...) antes do advento do FUNDEF (...) então já havia discussões sobre isso inclusive no Município de Brasil Novo, o núcleo já estava disposto naquele momento a municipalizar, mesmo sabendo que não iria gerar recursos do FUNDEF. Ninguém sabia o que era quando o FUNDEF surgiu naturalmente e que isso significa o estabelecimento de um grau de relevância para que acontecesse mais rapidamente (1º Coordenador de Municipalização). Desse modo, as condições para que se realizasse a municipalização foram favoráveis nesse período inicial, pois além de ser uma das metas prioritárias do Governo naquele momento, também havia a intenção e pré-disposição de alguns municípios em assumirem a gestão do ensino fundamental. A respeito desse momento inicial de elaboração da política de municipalização, o ex-secretário de educação que esteve a frente da SEDUC no período inicial de implantação da municipalização, informou que a partir de 1995 procurou-se conhecer as experiências desenvolvidas por outros Estados, sobre como estes trabalhavam com a municipalização do ensino e buscou-se apreender as particularidades e implicações desse processo. Foram essas experiências que subsidiaram a elaboração no primeiro semestre de 1996 da proposta de municipalização do ensino concebida na SEDUC. Essa forma de se trabalhar pretendeu levar em consideração as especificidades apresentadas pela rede de ensino estadual e com base nas diretrizes nacionais para a implantação do FUNDEF (LOUREIRO, 1999). Ainda de acordo com o ex-secretário, se entendeu que implementar essa política traria uma série de vantagens para os municípios. Para ele a municipalização é uma maneira de oportunizar a garantia e a dinamização do ensino fundamental nos municípios, não apenas pela proximidade e integração da gestão local com essa etapa de ensino, mas também pela agilidade do seu funcionamento em âmbito local. (...) nós entendemos a municipalização como uma forma de garantir a gestão do ensino fundamental com dinamismo maior, com uma integração maior com a comunidade do município onde ele está integrado, uma flexibilização maior no seu funcionamento de acordo com a vida no município. Enfim, uma relação mais próxima entre o processo educacional e a vida municipal (Secretario de Educação 19951998). 97 O discurso que defende a municipalização do ensino como uma resposta aos questionamentos de muitos gestores municipais, sobre como melhorar a qualidade do ensino, está estritamente relacionado ao imaginário político que vê a administração local como a mais apta a resolver os problemas locais. Assim comentou o ex-secretário de ensino sobre as vantagens da gestão do ensino pelas prefeituras. (...) não era apenas o cumprimento de uma determinação legal, era também a concordância com esta visão que entende que a administração local, municipal estando mais próxima (...) com integração até afetiva e de identificação maior com a sua população, ela tem melhor chance de proceder a uma educação fundamental apropriada, mais rica para as crianças do seu município (Secretário de Educação 1995-1998). Convém frisar que não há nenhuma determinação legal para se realizar a municipalização do ensino fundamental e que todas as vantagens mencionadas também podem ser diluídas nas dificuldades oriundas da proximidade do poder como, por exemplo, o clientelismo que é de longa data na história dos municípios brasileiros e das gestões de prefeitos que transformam as prefeituras em uma extensão de seus negócios particulares. Além da defesa de que os municípios poderiam desenvolver uma gestão mais eficiente e adequada para a população local em virtude da aproximação desta, temos outro argumento para o Governo estadual ter se empenhado em municipalizar o ensino fundamental, que é a possibilidade de transferência de autonomia, como exposto abaixo pelo primeiro Coordenador do setor de municipalização. (...) nós entendemos que a municipalização do ensino fundamental é a transferência, não só do ensino no meio da escola, mas é transferência de recursos, é transferência de alunos, é a transferência de prédios, é transferir toda a autonomia da educação naquele município que era do Estado e passa a ser totalmente, plenamente do município (1º Coordenador de Municipalização). Por esse entendimento é a municipalização do ensino que oferece as condições para o gestor realizar as mudanças na realidade educacional do seu município. O processo de 98 transferência de matrículas, prédios e recursos é entendido como uma transferência de “toda” a “autonomia” da educação no município. As transferências de recursos e condições necessárias para a gestão dos serviços educacionais possibilitariam que o gestor local tivesse mais autonomia administrativa. Entretanto, o conceito de autonomia não se limita ou depende apenas do repasse dos recursos financeiros. De acordo com Sousa (2002), a autonomia transcende ao aspecto financeiro: Todavia a autonomia não é sinônima de financiamento local, exclusivamente, nem de descentralização administrativa; ela deve ser fomentada por meios administrativos e financeiros e deve estar atrelada a uma política mais geral de melhoria educacional (p. 92). Outra Coordenadora que trabalhou no Departamento de Municipalização foi bastante objetiva, quando apresentou o seu entendimento acerca de municipalização do ensino, ao dizer que se trata de um "Processo de transferência de responsabilidade e recursos para as municipalidades, acreditando no gestor local". É possível observamos no conceito apresentado a importância do trabalho desempenhado pelo gestor local, pois quando é colocada a expressão “acreditando no poder local”, podemos perceber que o administrador municipal é um elemento fundamental para que a municipalização do ensino alcance os resultados positivos que são esperados pelos representantes da SEDUC. A segunda coordenadora do Departamento de municipalização destacou cinco principais razões que levaram os municípios a se decidirem por municipalizar o ensino: (...) possibilidade de gerência integrada passando a administração a determinar a política educacional para o ensino; realizar ajuste e eliminar as distorções presentes nas redes de ensino; otimização dos recursos da educação melhorando o controle do processo educacional; estabelecimento de melhores parcerias estaduais e federais; o estabelecimento de um convênio de cooperação técnica entre Estado e município (2ª Coordenadora de Municipalização). Em síntese, a municipalização seria a opção para o município alcançar melhor qualidade na administração e no ensino oferecido público. A ex-diretora de ensino da SEDUC pensa que são duas as grandes razões que convencem o município a se decidir pela municipalização do ensino, conforme o 99 seguinte depoimento: (...) primeiro, é o fato de que a educação no Estado do Pará pela dimensão continental que o Estado tem, ela não pode de forma nenhuma ser a nível de gabinete, quando se refere , por exemplo, aos conteúdos programáticos, projetos, etc., até porque, por conta dessa neutralidade de não atender as especificidades e as particularidades de cada um dos municípios. É natural, então, que desperte o interesse de todos os municípios a fazer essa municipalização para poder gerar a sua própria autonomia e adequar esta educação a sua própria realidade, esse é o primeiro ponto. O segundo, porque está aliada a questão da municipalização com uma canalização significativa de recursos para que ele possa então proceder ou estabelecer (...) a melhoria da educação (Diretora de Ensino da SEDUC de 1996 a 2000). De fato as dimensões geográficas do Pará contribuem para a descentralização das ações na área da educação, porém esse não teria sido o fator determinante para os prefeitos desejarem a municipalização do ensino em seus municípios, pois somente com a possibilidade de transferência de recursos para os municípios houve a adesão desses prefeitos. Como podemos perceber a argumentação das vantagens na gestão e as melhorias na educação local apresentadas sempre estão relacionadas à administração feita pelo município e o repasse de recursos do FUNDEF como expõe o ex-secretário de educação: (...) o prefeito queria ter maior gestão sobre o seu município, maior decisão, maior capacidade de agir sobre o seu município, então ele passava a ter de repente uma rede de 1º grau organizada, acresecentando-se a sua, com repasse de recursos para a administração. É claro que isso significava uma vantagem, inclusive política, para o prefeito e aqueles que entenderam isso, claro, não tiveram nenhuma oposição ao processo de municipalização (Secretario de Educação 1995-1998). O discurso que envolve a municipalização no seu período inicial apresenta várias vantagens para os municípios que abarcam a melhoria do ensino, a gestão mais próxima e autônoma da prefeitura, o aumento de recursos financeiros, mais visibilidade política do governante local e melhores condições de organização da rede de ensino. A decisão de municipalizar o ensino fundamental, mesmo se tratando de uma meta prioritária do Governo estadual naquele momento, não teria sido realizada sem alguns cuidados para que o processo fosse bem sucedido. 100 No processo de municipalização do ensino, de acordo com a Cartilha da SEDUC, procurou-se respeitar o tempo de cada município no período de transição, onde são feitos todos os preparativos, para a transferência de responsabilidade de recursos do Estado para os municípios. O ex-secretário de Educação, do período inicial da municipalização, comenta que o processo de municipalização era encarado pela equipe da SEDUC, sobretudo como um processo humano e social que visava à melhoria da educação como pode ser observado no depoimento a seguir: (...) Nós achávamos que a municipalização (...) ela tinha que ser um processo social, um processo de humanismo educacional, mas com base social (...) não era simplesmente passar para os municípios a responsabilidade pelas escolas do ensino fundamental. Nosso pensamento não era esse, não era lavar as mãos diante das escolas do ensino fundamental, era ao contrário, garantir condições para que elas pudessem funcionar melhor, pela proximidade de uma administração representada pelo município, num Estado tão disperso e tão grande como o nosso, de uma geografia tão bonita, mas ao mesmo tempo de tão difícil acesso em várias regiões. Então é sobre essa ótica que a municipalização é um processo de melhoria da qualidade do ensino (Secretario de Educação 1995-1998). A afirmação do ex-secretário de educação de que a municipalização em sua gestão não visava apenas a transferência de responsabilidades para os municípios é ratificada no documento produzido pela Secretaria de ensino, "Municipalização do ensino fundamental no Pará", que apresenta a concepção de que não se deveria entender essa política como "mera transferência de responsabilidade do Estado para os municípios. Ela é, antes de tudo, uma clara definição de áreas de atuação e competência na área da educação, na busca de soluções para problemas comuns e locais" (SEDUC, 1996, p.21). A defesa do ex-secretário sobre a política de municipalização do ensino no Estado toma como base o argumento de que o Governo não tinha a intenção de simplesmente transferir sua rede de ensino para as prefeituras sem tomar o cuidado de que se estava fazendo um processo para melhorar a educação. Para ele, a municipalização não significaria o repasse da responsabilidade do Estado pelo ensino fundamental, mas seria uma forma de garantir a melhoria de sua gestão que se justificaria, pela proximidade das gestões das prefeituras com as escolas transferidas, em virtude das dificuldades geográficas de nossa região. 101 Reportando-se ao início do período da implantação do processo de municipalização, a ex-diretora de ensino da SEDUC explicou que a SEDUC seguia alguns princípios básicos: (...) nós jamais forçamos os municípios a municipalizar todo o fundamental, nós primeiro víamos os municípios que tinham condições de assumir 1ª e 4ª série e os municípios que não tinham condições de assumir de 5ª à 8º, nós não municipalizávamos. Então, a municipalização para nós, respeitou, naquele momento, o seguinte: os municípios que não tinham estrutura na Secretaria de Educação para administrar o ensino de 5ª à 8ª, que aí já exige professores de nível superior, esses municípios só foram municipalizados de 1ª à 4ª série. Outro princípio que nós tomamos foi o seguinte: a educação indígena na época em que começou não foi municipalizada, continuava na atribuição do Estado porque é assim que a Constituição estabelece, portanto, na gestão do professor Paes Loureiro nós não municipalizamos a educação escolar indígena, ficou tal como dispõe a Constituição (Diretora de Ensino da SEDUC de 1996 a 2000). Como podemos perceber pelo depoimento, a municipalização em seu período inicial não teria ocorrido sem nenhum critério técnico. Na proposta de municipalização divulgada para esclarecer os passos a serem seguidos pela SEDUC nesse processo, estava previsto que a Secretaria de Ensino atenderia com prioridade, os pedidos de adesão para os municípios que manifestassem "interesse imediato, aqueles que no contexto regional se constituem em modelos de referência sócio-econômica para os demais municípios, e aqueles cujo total de escolas a serem municipalizadas não exceda o máximo de 10" (SEDUC, 1996, p.38). Além da argumentação de que a implementação da municipalização se desenvolveu dentro do princípio de que se estaria realizando um processo de humanismo educacional, também se argumenta que se atendeu ao princípio de não repassar a rede de ensino estadual para as prefeituras que, na visão da SEDUC, não tivessem condições de administrar em virtude de falta de estrutura para assumir essa responsabilidade. Nessa mesma perspectiva, o ex-secretário de Educação esclarece que em hipótese alguma, um gestor municipal foi obrigado a assinar o convênio de municipalização. A decisão de municipalizar deve partir do município. O Governo estadual apresenta a proposta e o município, na pessoa do prefeito, decide. Eis o depoimento que descreve, resumidamente, os procedimentos adotados pela 102 SEDUC até a assinatura do termo de convênio. Primeiro nós tínhamos uma equipe que precursoramente ia para o município juntamente com o Secretário e fazíamos uma visita ao prefeito, discutíamos com o prefeito se ele concordava que fosse iniciado o processo de estudo para a municipalização no seu município. Com concordância do prefeito, a equipe ficava no município e reorganizava todas as escolas que seriam objeto da municipalização e a relação delas com as escolas do Estado, fossem os papéis dos alunos, as pendências, o problemas dos professores e dos funcionários, as questões de aposentadorias para que ninguém ficasse prejudicado. Nesse processo houve a reordenação administrativa, o problema de regularização das escolas e, ao mesmo tempo, a recuperação dos prédios que seriam repassados para os municípios. Terminada essa etapa de reorganização do ensino municipal é que, ia se discutindo paralelamente com a comunidade da escola o processo de municipalização para receber a adesão da comunidade da escola também para aquele processo, porque muita gente pensava que ia deixar de ser do Estado, da SEDUC e passar a ser da Secretaria Municipal, podia ser uma diminuição de valor para escola e qualidade do ensino. Então tudo isso nós esclarecíamos, até por que, os professores continuariam praticamente a ser os mesmos, porque nós lutamos para que não houvesse demissões para os que já estavam atuando na escola. Então, é tendo a concordância da comunidade também, que se programava a data para assinatura do convênio de municipalização (Secretario de Educação 1995-1998). No início desta declaração temos um elemento muito interessante. Não eram os representantes municipais que iam à SEDUC, querendo municipalizar o ensino, mas eram os técnicos17 da SEDUC que tomavam a iniciativa de ir até os municípios apresentando a proposta de municipalização que, em tese, traria a solução para os problemas educacionais do município. É importante ressaltar também que a elaboração dessa proposta não contou com a participação dos gestores municipais, seus maiores interessados, ela chegou aos municípios já definida bastando apenas ser acatada ou não a partir de sua apresentação pela equipe da SEDUC. A respeito dos esclarecimentos sobre a política de municipalização para a 17 A SEDUC no primeiro ano do processo de municipalização teria utilizado os serviços de pelo menos 50 técnicos com o objetivo de proporcionar treinamento, acompanhamento e campanhas de esclarecimento a professores, alunos e à comunidade dos municípios. De acordo com informações da TV Liberal coletadas na SEDUC o processo teria sido cuidadoso, pois através de palestras a política de municipalização era apresentada a comunidade e após o esclarecimento de todas as dúvidas, vinha a etapa de operacionalização, que começava com a elaboração de um relatório da situação encontrada e a preparação do termo de convênio para que a prefeitura iniciasse a gerência da rede estadual no município. Com esses procedimentos a SEDUC pretendia municipalizar o ensino fundamental em 100% dos municípios até o ano 2000. Informações disponíveis em: http://www.tvliberal.com.br/revistas/verpara/edicao1/educa.htm 103 comunidade escolar para se obter a adesão dos mesmos, aparentemente não se constituiu durante esse processo, em fator decisivo para se assinar o termo de convênio, pois durante todo os anos em que essa política tem sido implementada o SINTEPP tem se posicionado contrário a qualquer tipo de municipalização e muitos professores insatisfeitos decidiram solicitar sua desmunicipalização. Na prática a decisão das prefeituras tem sido fundamental para a continuidade das adesões a essa política independente da insatisfação da comunidade escolar. Entretanto, não podemos afirmar, categoricamente, que os prefeitos foram induzidos a municipalizar encantados apenas com as vantagens que eram apresentadas pela equipe da SEDUC, principalmente pelo período de apresentação e debates que, como foi mencionado no depoimento, eram realizados com os representantes municipais com o objetivo de esclarecer os pontos positivos da municipalização para o ensino fundamental e para o município que aderisse a mesma. É importante ressaltar, que no esclarecimento sobre esses procedimentos da equipe da SEDUC, os responsáveis se reportaram, exclusivamente, ao início do processo de municipalização, por isso não podemos afirmar que esses procedimentos teriam permanecido do mesmo modo como foi descrito pelo ex-secretário. A ex-diretora de ensino da SEDUC comentou que, após a concretização de todos os procedimentos que culminavam com a assinatura do convênio a Secretaria continuava trabalhando no município, prestando serviços de assessoria com o objetivo de facilitar o gerenciamento das escolas transferidas para a responsabilidade do município: (...) finalmente todos os municipalizados nessa primeira fase da municipalização na gestão do professor Paes Loureiro, receberam assistência permanente da Secretaria de Educação para gerenciarem as novas escolas que tinham recebido. Então elas foram assessoradas de perto, equipes se mobilizavam, iam para os municípios e permaneciam às vezes, por meses, apoiando, treinando, assessorando a secretaria municipal de educação (Diretora de Ensino da SEDUC de 1996 a 2000). Observamos que a declaração de que a Secretaria de ensino mobilizava equipes para realizar o assessoramento das prefeituras no sentido de ajudá-las na gestão das redes integradas se reporta a gestão do Secretário Paes Loureiro, por isso não podemos 104 generalizá-la para todas as gestões posteriores. Entendemos que cada gestor conduz determinado processo de acordo com seus princípios e, no caso do Secretário citado, a sua forma de conceber a política de municipalização influenciou para que a forma de se municipalizar tivesse essa preocupação por característica. Apesar dos cuidados apresentados sobre a forma de se implementar a municipalização do ensino, o ex-secretário reconheceu que alguns municípios tentaram recuar da municipalização por várias razões, sobretudo políticas, entretanto como a municipalização foi uma opção dos municípios e não uma ação autoritária do Governo ela deve continuar. Sobre este aspecto, o ex-secretário declarou que: (...) alguns municípios tentaram às vezes recuar da municipalização, mas, tanto é muito em função de dificuldades, políticas mesmo e de dificuldades de quadros para o gerenciamento dessas escolas, etc., (...) se nós tivéssemos optado por uma municipalização por decreto mundial se faria isso, mas ela nunca teria acontecido e poderia até estadualizar de novo, mas não foi assim, nós organizamos o ensino municipal, nós tivemos a opção da prefeitura e da comunidade da escola e só depois é que nós fizemos o processo de municipalização (Secretário de Educação 1995-1998). Entre as razões apresentadas pelo ex-secretário de educação, é importante atentar para as “dificuldades de quadros para o gerenciamento” das escolas transferidas para os municípios. Os representantes da SEDUC advogam que o município é a instância de poder mais apta para atender e solucionar os problemas da educação local e que em virtude disso haveria mais qualidade no ensino fundamental oferecido pelo município. No entanto, fica claro no depoimento acima que as dificuldades para os governos municipais em ter pessoas com qualificação técnica suficiente para se fazer uma boa administração, é uma das razões que levam alguns municípios a não aceitarem a municipalização. Ao observarmos a declaração do ex-secretário reconhecendo que existiram municípios que pensaram que seria melhor não municipalizar em razão de não terem um quadro técnico bem qualificado. Podemos deduzir que uma celebração de convênio de municipalização com municípios nessa situação é uma contradição com o discurso que enfatiza a qualidade do ensino como uma meta principal do Governo Estadual. Ao questionarmos a Coordenadora do departamento de municipalização sobre uma avaliação dos efeitos da municipalização na educação, a resposta foi de que os indicadores foram positivos. Infelizmente, por alguma razão, esses dados sobre essa avaliação jamais foram disponibilizados ao público, mas a coordenadora apresentou os 105 resultados nos seguintes termos: (...) os resultados são positivos. Dados referentes ao acesso, à universalização e aprovação ocorridos nos 31 (trinta e um) primeiros municípios, demonstram que a gestão municipal tem sido responsável pela expansão de matrículas e com qualidade (2ª Coordenadora de Municipalização). O ex-secretário nos informou que à época, em sua gestão, havia uma avaliação dos trabalhos realizados nos municípios, bem como, uma avaliação do trabalho da SEDUC realizada pelo MEC, que teria revelado a competência técnica da Secretaria de ensino nesse processo, conforme relatado no depoimento a seguir: Tivemos, na época, tivemos do MEC também, o Pará (...) teve digamos um credenciamento do MEC excepcional nisso, tanto que foi a equipe que estudou e implantou a municipalização no Pará que se tornou uma espécie de equipe alternativa do MEC para viajar pelo Brasil, instruindo sobre a municipalização nos outros Estados, os nossos técnicos eram chamados pelo MEC, eles iam para os congressos, para as reuniões técnicas promovidas pelo MEC, seja em Brasília, seja em Pernambuco, Rio de Janeiro, seja no Amazonas, em São Luis do Maranhão, enfim, nos Estados onde havia esse processo de municipalização vinculado com o FUNDEF, de modo que a cotação, digamos assim, do Pará, da Secretaria de Estado de Educação, nesse processo, nesse período em que eu pude testemunhar, ficou muita alta e também nos municípios. Quer dizer os municípios tinham um apreço, um respeito muito grande por esse projeto e se manifestavam toda vez que eram chamados a isso (Secretario de Educação 1995-1998). Essas avaliações mencionadas pelo ex-secretário, dizem respeito ao modo de se aliar a política de municipalização do ensino com os mecanismos de redistribuição do FUNDEF, mas essas avaliações não observaram os efeitos desta na realidade educacional. Os efeitos dessa política, de acordo com o ex-titular da Secretaria de ensino, naquele momento, ainda não poderiam ser percebidos, pois ainda era cedo para encontrar em uma avaliação do processo de municipalização, o salto qualitativo tão desejado. O gestor acreditava que no decorrer do processo, isso poderia ser alcançado, mas pensava em longo prazo. Eis o comentário que justifica sua assertiva: Como você sabe, o processo tem resultados parciais, um processo (...) é algo que não acaba, e nós estruturamos esse processo para que ele fosse permanentemente aperfeiçoado. Primeiro nós tínhamos essas avaliações 106 nos municípios e tínhamos em Belém também. Ao lado disso, nós tínhamos um programa de assessorias aos municípios, assessorando pedagógica, técnica, financeiramente e de merenda escolar para que o município pudesse se qualificar para aquela nova tarefa, pelo menos para o acúmulo de tarefas que ele passava a ter dentro do nível do ensino fundamental (...) uma assessoria permanente a fim de que garantisse a continuidade ascendente desse processo. É assim que é na história da educação de qualquer país: você tem a mudança de qualidade da educação, é quando um processo como esse vai de 8 anos, 10 anos, continuando 15 anos, aí você tem a mudança do processo na história da educação em qualquer país, pois você tem sempre este quadro. O que nós fizemos foi estruturar um processo que tendo continuidade depois de 8, 10 anos, ele daria o salto qualitativo que todos nós esperamos (Secretario de Educação 1995-1998). Para esse gestor, a implementação dessa política do modo como foi realizada, estava sujeito a aperfeiçoamentos, porém esses ajustes não foram percebidos ao longo dos governos do PSDB. A ex-diretora de ensino da SEDUC também destaca que houve tanto aspectos positivos, como negativos nesse período inicial do processo de municipalização. Entre os aspectos negativos ela menciona: (...) há resultados muitos positivos e muitos negativos. É evidente que houve muitos desvios de recursos do FUNDEF em muitos municípios, mas isso não é razão para se sustar a municipalização (...) agora, a municipalização não pode ser vista separadamente do FUNDEF e o FUNDEF tem ângulos positivos e ângulos negativos. Um ângulo negativo do FUNDEF é que o valor do custo aluno embora já tenha subido agora no ano de 2003, ainda assim é um valor baixo (...) outro problema sério é que o FUNDEF não atinge a educação infantil, ele não atingindo a educação infantil, o prefeito só se interessa a colocar as crianças na escola a partir dos setes anos e no fundamental, abaixo disso que é a educação pré- escolar (...) ele não faz questão de matricular os alunos por que não tem recursos do FUNDEF (Diretora de Ensino da SEDUC de 1996 a 2000). Observamos que a gestora tem um posicionamento crítico em relação ao atrelamento da política de municipalização do ensino ao FUNDEF, mas a mesma também argumenta que os problemas que surgiram, principalmente, os de desvios de recursos, não justificam a idéia de deter todo o processo. Tal como o ex-secretário, a gestora entende que é possível fazer correções para que os problemas sejam superados. O ponto de vista do primeiro coordenador do Departamento de municipalização do ensino apresenta uma divergência com o pensamento da ex-diretora de ensino, uma 107 vez que ele não percebe nada de errado com o processo de municipalização vinculado ao FUNDEF, acreditando que os problemas que surgem no município partem de má administração, como fica explícito no comentário que tece: (...) a única coisa que eu acho particularmente negativa, são os maus gestores, quando tratam ou quando trabalham a questão educacional dos seus municípios. Se o gestor tiver compromisso com a educação, a municipalização do ensino tem absolutamente nada de negativo, toda ela é positiva. O que é negativa nessa questão são os gestores, os maus gestores, por que com os bons gestores os resultados serão excelentes (1º Coordenador de Municipalização). Não podemos afirmar, categoricamente, que a municipalização implementada pelo Governo estadual apresenta somente pontos positivos, como se na mesma não houvesse aspectos negativos, pois é verdade que houve gestores municipais que usaram o cargo público em beneficio próprio, como ficou evidenciado, por meio da CPI do FUNDEF, instalada no Pará no dia 25 de Fevereiro/2000, após denúncias recebidas de 64 municípios, pelo Deputado Mário Cardoso (2002), mas também a SEDUC é responsável pelas conseqüências que advém desse processo, pois tem o papel de assessorar os gestores na condução da administração da rede ensino. Entretanto, com vários problemas e deficiências na cobertura do FUNDEF, o primeiro coordenador do Departamento de municipalização que sua viabilização no Pará, se constitui em motivo de orgulho para a SEDUC, nos seguintes termos: (...) nós temos assim, muito orgulho disso porque foi o Pará que viabilizou o FUNDEF. O FUNDEF que era uma proposta do Ministério da Educação não ia ser implantado porque ninguém havia criado um mecanismo de implantação. O primeiro Estado que criou esse mecanismo foi o Pará, tanto que o Pará saiu quase um ano na frente dos outros Estados e significa um aporte a mais de recursos para o Estado, só no primeiro ano de 160 milhões de reais e, naquele tempo, o Real equivalia ao Dólar. Depois foram para R$ 200,00 e 240,00 milhões, enfim (Secretario de Educação 1995-1998). A ex-diretora de ensino também ressaltou a importância da municipalização do ensino ter sido atrelada ao FUNDEF, pois segundo sua declaração possibilitou um aumento substancial nos recursos a serem aplicados na educação por parte dos municípios paraenses, como podemos ver abaixo: 108 (...) porque para você ter idéia, no primeiro ano da municipalização havia municípios no Estado, como por exemplo, o município de Abaetetuba que tinha apenas R$ 33,00 para gastar por aluno-ano, então [...], a prefeitura não tinha a mais remota condição de arcar com a rede municipal. O município não tinha condição de assumir o ensino fundamental porque não tinha recursos, simplesmente não tinha recursos. Só os recursos do FUNDEF é que permitiu de repente que municípios como Abaetetuba que gastava R$ 33,00 por aluno de repente passou a receber R$ 300, 14 por ano, ainda é pouco, mas é dez vezes mais do que o município tinha para gastar anteriormente, então o FUNDEF permitiu fazer isso (Diretora de Ensino da SEDUC de 1996 a 2000). Como podemos perceber, para os gestores que implementaram a política de municipalização em seu período inicial a mesma se constituiu em uma bandeira em defesa da eficiência na gestão da educação pública e como forma de se obter a qualidade do ensino. Sua decisão não contou com a discussão com as prefeituras e nem foi realizada alguma proposta de aperfeiçoamento ao longo desse período. Todos os gestores destacaram suas virtudes e não se detiveram em possíveis falhas em sua implementação, pois isso somente poderia ser observado em longo prazo. As entrevistas realizadas com membros da equipe que iniciou o processo de municipalização demonstram a defesa de um único discurso, ou seja, a municipalização do ensino oferece todas as condições necessárias para que os gestores municipais desenvolvam com qualidade a educação em nível local. 3.3 – A Municipalização do Ensino no governo de Simão Jatene (2003 a 2006): Manutenção de um Projeto. O governo de Simão Jatene18 pode ser caracterizado como sendo de continuidade da política desenvolvida nos governos anteriores de Almir Gabriel, quando observamos o texto do Plano Plurianual (2004-2007), que descreve: As diretrizes de governo e que serviram de base estratégica para o PPA 2004 a 2007, foram estabelecidas no sentido de dar continuidade às grandes transformações iniciadas no governo anterior, incorporando 18 Simão Robson Oliveira Jatene é economista, professor universitário e filiado ao PSDB. Trabalhou como Secretário de planejamento de 1982 a 1985 e de 1995 a 1998. Em 2002 concorreu e venceu a eleição para governador com o apoio de Almir Gabriel (disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Sim%C3%A3o_Jatene ). 109 novas demandas sociais e fortalecendo o pacto firmado nos últimos oito anos, em que o Estado e a iniciativa privada procuram articular suas ações em prol do interesse público. Nesse sentido, a estratégia central do governo é a de dar continuidade à construção do Novo Pará, a partir do seu interior, onde cada região, cada município, constitui uma realidade peculiar. Essa modelagem requer a estruturação de um processo de desenvolvimento cuja unidade se construirá a partir das diversidades das partes, requerendo ações diferenciadas em cada espaço considerado. Portanto, as políticas públicas devem estar cada vez mais voltadas para o fortalecimento dos espaços sub-regionais, ou seja, das municipalidades e dos consórcios municipais (PPA 2004 a 2007, p.1). O Plano Plurianual (2004-2007) apresenta no programa “Universalização da educação básica com qualidade” a ação municipalização do ensino fundamental e trás em seu planejamento, por mesorregião, a meta do número de municípios que deveriam ter o ensino fundamental municipalizado. No Quadro nº 02 abaixo, podemos observar essa meta de municípios em cada mesorregião e por ano que deveria ser atingida. Quadro nº 02 - Metas Físicas do Plano Plurianual 2004-2007 MESORREGIÕES 2004 2005 2006 - - - BAIXO AMAZONAS 2007 1 município MARAJÓ 2 municípios 2 municípios 1 município 1 município METROPOLITANA 1 município 1 município 2 municípios 1 município NORDESTE DO PA 2 municípios 2 municípios 3 municípios 2 municípios SUDESTE DO PA 1 município 1 município 1 município Fonte: Plano Plurianual 2004-2007 O governo de Simão Jatene desejava atingir a meta de 24 municípios municipalizados até o término de seu governo em 2007, entretanto, o interesse dos municípios para aderir a essa política, não apresentou o mesmo entusiasmo dos anos iniciais, pois apenas 10 110 municípios assinaram o termo de convênio em seu governo. As últimas adesões dos municípios foram no governo Jatene e até o presente momento este quadro permanece o mesmo. O quadro abaixo apresenta que apenas nos primeiros anos da municipalização essa política foi bem aceita. Quadro nº 03-Municipalização do ensino fundamental por ano de 1996 a 2006 Etapas de Ensino ANOS 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 1º a 4º série 04 01 - - - - - - 02 01 5º a 8º série - 02 - - - - - - - - 1º a 8º série 27 27 06 17 05 01 04 01 02 - 31 30 06 17 05 01 04 01 04 01 TOTAL 1996 01* TOTAL GERAL 101 Fonte: Coordenação de Descentralização/ SEDUC – (*) Em 1996 o Município de Cumarú do Norte foi criado com o ensino fundamental municipalizado. Como pode ser observado no quadro nº 03, apenas três anos se destacam, ou seja, 1997, 1998 e 2000 que são anos do governo de Almir Gabriel. Por sua vez o quadro revela que no governo de Jatene, houve um "esfriamento" no número de adesões dos municípios. A política de municipalização nesse governo ganhou o nome de “Programa progressivo de municipalização do ensino fundamental do Estado do Pará (2003-2006)” e, assim como ocorreu nos anos anteriores, a adesão dos municípios não foi de forma alguma imposta ou obrigatória, pois a adesão parte da opção da gestão municipal, como comenta a coordenadora da equipe de municipalização da SEDUC, em 2005, na época do governo de Simão Jatene: 111 Ocorre através de um convênio que oficializa o regime de cooperação técnica entre, governo do Estado do Pará, através da Secretaria Executiva de Educação, Secretaria Executiva de Administração, Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores do Estado e as Prefeituras municipais no intuito de operacionalizar a municipalização da educação infantil e do ensino fundamental (p.2). No texto intitulado, “Programa estadual de municipalização do ensino fundamental”, a Coordenação de Descentralização- CODES da Secretaria de Educação apresentou alguns avanços e dificuldades percebidas desde o início do processo até o ano de 2005. Salientamos que este texto não apresenta os municípios onde foram percebidos estes resultados e nem a metodologia utilizada para se chegar a essas conclusões. Entre os avanços foram pontuados destacam-se: Melhoria do fluxo escolar e aumento da demanda do ensino médio; Mais escolas construídas, reformadas, ampliadas e equipadas; A maioria dos municípios realizou cursos para educação continuada dos professores, e a capacitação de professores leigos; Em alguns municípios os conselhos caminham para uma consolidação de gestão democrática participativa, principalmente o Conselho da Merenda escolar que é o mais antigo e, pelo que se tem observado, possui um melhor amadurecimento nas tomadas de decisões exigindo transparência nos mesmos; Desburocratização do sistema educacional com mecanismos de ação e solução mais rápidas pela proximidade entre a administração municipal e a clientela; Melhor racionalização dos recursos humanos e financeiros; Melhor estruturação organizacional das secretarias municipais de educação; Na maioria dos municípios existe uma definição clara da área de atuação entre Estado e município e suas respectivas responsabilidades; Entre as dificuldades, foram consideradas: c) A desconfiança e a resistência manifestadas pela quase totalidade dos docentes, diretores e secretários das escolas; d) A comprovação de que algumas prefeituras municipalizam tendo por motivo somente a expectativa de conseguir mais verba, sem a preocupação de zelar 112 pela qualidade do ensino, tanto que ainda hoje existem problemas financeiros pendentes como o não pagamento dos últimos meses e do décimo terceiro salário dos servidores, do ano em que os prefeitos deixaram os cargos. É a prefeiturização do ensino; e) A resistência por parte dos servidores estaduais em aceitar a administração municipal como principal gestora administrativa da política educacional dentro do município; f) A falta de preparo de alguns secretários municipais de educação, e o distanciamento do cidadão (professores, diretores e comunidade escolar), como autoridades do executivo (secretario e prefeito), que continuam tão distantes quanto foi no período anterior à municipalização; g) Ausência de conselhos municipais de educação e a falta da participação dos outros conselhos nas políticas do ensino local, prestando-se quase exclusivamente a referendar os atos financeiros do executivo municipal; h) O descumprimento de algumas cláusulas do convênio, tanto por parte de algumas prefeituras, quanto por parte do Estado. Embora se apresente a Melhoria do fluxo escolar e aumento da demanda do ensino médio, os resultados obtidos com a pesquisa do GEFIN19 intitulada “Financiamento da educação-atendimento às matrículas da educação básica e capacidade de financiamento de municípios do Estado do Pará” sob a coordenação de Gemaque (2007), revela que em todos os municípios da amostra analisada “o Estado não ampliou as matrículas para o ensino médio na mesma proporção do repasse do ensino fundamental aos municípios” (p.84). Mesmo os dados da pesquisa indicando crescimento no atendimento, o déficit, em 2004, foi bastante elevado em todos os municípios. A respeito das escolas construídas, reformadas, ampliadas e equipadas a pesquisa coordenada por Gemaque (idem), por meio de entrevistas com gestores municipais de educação 19 O grupo de pesquisa apresentou resultados preliminares da pesquisa no I Seminário de avaliação da municipalização do ensino fundamental no Pará nos dias 05 e 06 de Junho de 2006. O seminário contou com a participação de representantes de instituições como o Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Pará- SINTEPP, SEDUC e representantes da União dos Dirigentes em Educação do Pará. Os resultados da pesquisa podem ser consultas na integra em: http://www.redefinanciamento.ufpr.br/pesquisas/remuneracaodeprofessores/textos/producoes_ufpa/AMC F.pdf. 113 dos municípios revela que a recuperação da estrutura física das escolas faz parte da opinião dos gestores sobre os aspectos positivos da municipalização. Sobre tais aspectos “positivos” se destacaram: (...) elevação do nível de qualificação dos professores (83,3%); autonomia financeira no gerenciamento dos recursos da educação (66,6%); recuperação da estrutura física das escolas (58,3%); melhoria no gerenciamento dos recursos da educação (50,0%); facilidade para manutenção e funcionamento da rede (50,0%) (GEMAQUE, 2007, p.120). No que diz respeito à realização de cursos para educação continuada dos professores e a capacitação de professores leigos, a pesquisa revelou que em vários municípios a qualificação dos professores foi apresentada como uma das políticas educacionais, mas, sua efetivação foi limitada, em face das dificuldades financeiras. A pesquisa coordenada pela autora revelou, também, que a organização do sistema municipal de ensino no conjunto de municípios da pesquisa ainda é precária, pois apenas um município possuía o sistema municipal de educação instituído. Somente cinco constituíram o Conselho Municipal de Educação e apenas um elaborou o seu Plano Municipal de Educação. Entre as principais alegações para esse resultado na maioria dos municípios, está pontuada a falta de pessoal qualificado para exercer a função e de recursos financeiros para manutenção do mesmo. Na relação de dificuldades que foram apresentadas podemos perceber que nem sempre a adesão ao processo de municipalização tinha em vista a melhoria do ensino, mas a possibilidade de se conseguir mais recursos financeiros. Também fica evidente a dificuldade de algumas secretarias municipais em conseguir cumprir as cláusulas do termo de convênio, seja pela dificuldade de gestão da rede de ensino, seja pela falta de apoio do governo estadual para contornar as dificuldades encontradas. O governo de Simão por ser uma continuidade da política educacional do governo anterior teria tempo de fazer um levantamento da forma como o processo de municipalização impactou a educação nos municípios e que apresentaram situações de dificuldades em absorver a rede estadual (ensino fundamental). Entretanto, a meta de municipalizar o ensino em 100% dos municípios paraenses foi mantida, sem acenar, contudo, para alguma mudança no modo de 114 sua implementação. O que conseqüentemente tornou a meta proposta um fim em si mesma, sem se voltar para os objetivos do discurso inicial, que era melhorar a qualidade do ensino no Pará. O Governador Simão Jatene entende que o FUNDEF trouxe avanços importantes para a educação, entretanto, não deixa de reconhecer que há muitos problemas no financiamento da educação por parte dos estados e municípios como, por exemplo, a participação da União na composição dos recursos do FUNDEF, como pode se observar no seguinte relato: [...] não é possível desconsiderar que apesar dos avanços trazidos pelo FUNDEF, a questão dos gastos e seus respectivos financiamentos, padecem de problemas graves, dentre os quais cabe destacar, além do despropositado hiato entre os gastos por aluno na educação básica e no ensino superior, um completo desequilíbrio entre a destruição do bloco tributário pelos entes federativos e seus aportes para o financiamento da educação. Uns poucos exemplos são suficientes. Enquanto nos países da OCDC, os gastos por aluno alcançam mais de 5,2 mil dólares, paridade do poder de compra, e o aluno do ensino superior custa 10.315 dólares, no Brasil, esses números são de 10.306 dólares no ensino superior e menos de 1 mil dólares, na educação básica, o que é 30% inferior, inclusive ao gasto ao gasto médio do grupo de países formado por Argélia, Chile, Filipinas, Indonésia, Israel, Jamaica, Malásia, Paraguai, Peru, Tailândia, Tunísia, e Uruguai. Por outro lado, mas reforçando a necessidade de revisão na sistemática de financiamento desponta o fato de que, embora arrecadando aproximadamente 70% da carga tributária nacional, a União, que mesmo após as transferências mantém 60% do somatório de tributos arrecadados no país; aportou no FUNDEF, no período 2002 a 2004, apenas 2% do valor do fundo, deixando particularmente aos Estados, além da responsabilidade de garantir o ensino médio, que como reflexo das mudanças no ensino fundamental, se expande a taxas geométricas; apoiar os municípios no que lhe seria responsabilidade específica” (JATENE, 2004, p.01 apud BARROS, 2009). Apesar de todos os argumentos em favor da municipalização do ensino e de seus benefícios para a qualidade da educação o Jornal Diário do Pará frisou os efeitos da política de municipalização em reportagem de 16/07/2006 com o titulo, “Estado reduz vagas na educação”. A reportagem destacou duas coisas importantes para a educação paraense, ou seja, “além de abandonar o ensino fundamental” o governo estadual teria diminuído gastos no setor. Fazendo referência ao desempenho deficiente dos alunos de escolas públicas estaduais e municipais na “Prova Brasil”, a reportagem apresenta o balanço feito pelo SINTEPP em 115 parceria com o gabinete da deputada Araceli Lemos sobre as explicações para o desempenho dos estudantes de escolas públicas. Entre os principais problemas detectados estão: escolas sucateadas, professores com baixos salários e o processo de municipalização do ensino fundamental. De acordo com o levantamento, a criação do FUNDEF e a redução de investimentos pelo governo estadual são as principais responsáveis pela falta de qualidade no ensino fundamental nas escolas estaduais e municipais do Pará. Segundo o balanço feito pelo SINTEPP em parceria com o gabinete da deputada Araceli Lemos, o FUNDEF foi prejudicial por ser um modelo de financiamento que manteve as desigualdades regionais, acelerou o processo de municipalização onde foi repassado mais atribuições aos municípios do que recursos, além da pouca participação do governo federal, pois apenas contribuiu com 1% do montante do fundo estadual. A respeito da diminuição de recursos por parte do governo estadual, a conclusão foi feita com base na análise do orçamento estadual de 2001 a 2005, em que se verificou que a despesa do Estado com a função educação não acompanhou o crescimento da arrecadação do Pará, que teve elevação de 42% em termos econômicos nesse período. Segundo o estudo, os gastos com educação passaram de 18,9% em 2001, para 12,8% em 2005, ou seja, os investimentos do governo caíram 6,1% em 5 anos. Comentamos na introdução desse estudo que tentamos realizar entrevista com a Coordenadora de Municipalização no Governo Jatene, o que não foi possível pelas razões circunstanciais já especificadas. Tendo em vista a ausência de depoimentos dos gestores referentes a esse governo, passaremos a analisar a configuração da política de municipalização na gestão de Ana Júlia do PT. 3.4 – A Municipalização do Ensino no Governo Ana Júlia (2007 a 2010): Da falta de Prioridade às Tentativas de Aprimoramento. A municipalização do ensino fundamental no governo de Ana Júlia Carepa20 do Partido dos Trabalhadores – PT suscitou várias expectativas a respeito dos desdobramentos 20 Ana Júlia de Vasconcelos Carepa é filiada ao PT por onde foi eleita para diversos cargos políticos, tais como: vereadora de Belém em 1993 e 2000, Deputada Federal em 1994, Senadora em 2002 e em 1º de Janeiro de 2007 assumiu o governo do Estado. Ana Júlia apresenta dois fatos curiosos, ela é a primeira mulher a ser senadora e governadora eleita pelo Pará. Foi apoiada em sua 116 dessa política, uma vez que este partido quando estava na oposição foi um ferrenho crítico da mesma. No segundo ano de governo do PT foi realizada a 1° Conferência Estadual de Educação, no período de 20 a 22 de Janeiro de 2008. Esta Conferência foi a culminância das Conferências municipais e regionais promovidas no ano de 2007, sob a coordenação da SEDUC. Esta 1º Conferência Estadual contou com a mobilização da sociedade paraense, envolvendo parcerias com redes e sistemas de ensino, órgãos educacionais, parlamentares e sociedade civil organizada, para o estabelecimento de propostas que desencadeassem na elaboração de um novo Plano Estadual de Educação. Para esta Conferência os gestores da Secretaria Estadual de Ensino organizaram a elaboração de um texto-referência para debate, onde se apresentou os grandes desafios da educação paraense. Neste texto, o novo governo manifestou-se a respeito dos efeitos da política de municipalização no financiamento educacional do Pará. Assim, o texto revela os impactos da municipalização no reordenamento da oferta de matrículas onde, em 2006, os municípios estavam sendo responsáveis por 70,6% das matrículas no ensino fundamental, sendo que, em 1996, ano de início do processo de transferência de matrículas, as redes municipais juntas respondiam por 38,9%. A Tabela nº 1, sobre os dados de matrículas de 1996 a 2010 revela a dinâmica das matrículas nas redes de ensino e a nova configuração que foi se consolidando ao longo de 14 anos de municipalização. Apresenta também o crescimento contínuo das matrículas nas redes municipais, ao passo que a rede estadual mesmo sem ter municipalizado, em 2008 e 2009, apresentou diminuição das mesmas. campanha pela coligação formada por PCdoB, PTN, PSB e com PRB, cabendo a esse último remeter a vaga de vice, a qual ficou com Odair Corrêa, político da região de Santarém, no oeste do Pará. (Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ana_J%C3%BAlia_Carepa). 117 Tabela 1: PARÁ -Matrículas no Ensino Fundamental Regular por Dependência Administrativa-1996-2009 NºÍnd Anos Total 1996= NºÍnd Est. 100 NºÍnd i % s/ 1996= Mun. 100 Tot al 1996= 100 % s/ NºÍnd Fed Tot al % s/ 1996= NºÍnd Priv. 100 Tot al % s/ 1996= 100 Tot al 1996 1.369.430 100,0 788.288 100,0 57,6 505.127 100,0 36,9 4.534 100,0 0,3 71.481 100,0 5,2 1997 1.475,856 107,7 816.692 103,6 55,3 577.333 114,2 39,1 4.579 100,9 0,3 77.252 108.4 5,2 1998 1.585,259 115,7 601.452 76,2 37,9 916.713 181,4 57,8 4.072 89,8 0,3 63.002 88,1 4,0 1999 1.614,743 117,9 561.310 71,2 34,8 986.275 195,2 61,1 3 848 84,8 0,2 63.310 88,5 3,9 2000 1.606,537 117,3 451.382 57,2 28 1.089.490 215,6 67,8 3.825 84,3 0,2 61.840 86,5 3,8 2001 1.609,733 117,5 421.938 53,5 26,2 1.116.199 220,9 69,3 3.771 83,1 0,2 67.825 94,8 4,2 2002 1.623,105 118,5 409.710 51,9 25,2 1.144.917 226,6 70,5 3.426 75,5 0,2 65.052 91,0 4,0 2003 1.624,301 118,6 398.698 50,5 24,5 1.170.294 231,6 72,0 3.323 73,3 0,2 61.988 86,7 3,8 2004 1.614,942 117,9 365.884 46,4 22,7 1.184.001 234,4 73,3 1.907 42,0 0,1 63.150 88,3 3,9 2005 1.606,493 117,3 354.450 44,9 22,1 1.174.887 232,6 73,1 3.165 69,8 0,2 73.991 103,5 4,6 2006 1.589,453 116,0 337.530 42,8 21,2 1.170.052 231,6 73,6 2.651 58,4 0,2 79.220 110,8 5,0 2007 1.557.275 113,7 341.656 43,4 21,9 1.143.450 226,3 73,4 2.147 47,3 0,1 70.022 97,9 4,5 2008 1.529.285 111,6 302.983 38,4 19,8 1.140.507 225,7 74,6 2.117 46,7 0,1 83.678 117,0 5,5 2009 1.533.653 111,9 292.349 37,0 19,1 1.147.486 227,1 74,8 1.979 43,6 0,1 91.839 128,5 6 2010 1.537.955 112,3 274.420 34,8 17,8 1.160250 229,7 75,4 2.125 46,9 0,1 101.160 141,5 6,6 Fonte: SEDUC/ .INEP/MEC- Censo Escolar-1997/200179. (*) dados não informado A tabela revela que em 1996 o Governo estadual respondia por 57,6% do total de matrículas no ensino fundamental enquanto que os municípios atendiam a 36,9%. Todavia, em 1998 esse cenário praticamente se inverteu, pois, nesse ano, o Governo estadual passou a atender 37,9% das matrículas do ensino fundamental e os municípios alcançaram o percentual de 57,8%. A tabela também revela que a cada ano o Governo estadual vem diminuindo o seu percentual de atendimento no total de matrículas e, simultaneamente, os municípios vêm aumentando o seu percentual de atendimento. Em 2009 a rede estadual antecipou o atendimento de um ano a mais no ensino fundamental em atendimento à Lei nº 11.274/2006 que ampliou o tempo de atendimento no 118 ensino fundamental para nove anos. Contudo, mesmo com essa antecipação, o atendimento das matrículas do ensino fundamental por parte da rede estadual diminuiu de 37,0% em 2009 para 34,8% em 2010. Vale destacar que a rede estadual em 2010 atendeu a 274.420 matrículas no ensino fundamental e 324.903 matrículas no ensino médio que é sua área de atendimento prioritário. Isso significa que, respectivamente, a rede estadual no total de suas matrículas, apresentou percentual de atendimento de 45,8% no ensino fundamental e de 54,2% no ensino médio, ou seja, quase a metade das matrículas atendidas pela SEDUC foi com o ensino fundamental em 2010. O texto – referência usado na 1º Conferência Estadual informa que, em relação à pretendida busca pela qualidade do ensino, constatou-se que não houve mudança significativa e em muitos locais, não foi possível cobrir os custos dos encargos assumidos e nem elevar o salário dos professores. Esse quadro teria se agravado pelo fato de: [...] a maioria dos municípios que assumiu as matriculas no ensino fundamental tê-lo feito em sua totalidade (1ª a 8ª), pois além da escassez financeira, não existe estruturas administrativa e pedagógica instalada e, menos ainda, plano de educação. Não restam dúvidas que a política de indução de municipalização - de grande sucesso no Pará - sinaliza para o comprometimento maior da qualidade do ensino (PARÁ, 2008, p.38). Além disso, se criticou os procedimentos homogeneizantes na implementação da municipalização do ensino e a desconsideração de aspectos importantes da realidade dos municípios: Diante de um cenário de acentuadas desigualdades regionais e sociais, inter/intraestadual e intermunicipal qualquer política que vise à descentralização da educação, na perspectiva de ampliar o atendimento com qualidade e responsabilidade, não poderá ter caráter homogeneizante, tão pouco se pautar em mecanismos rígidos que desconsiderem os aspectos econômicos, sociais, políticos e culturais dos municípios, e menos ainda, o diálogo com setores organizados da sociedade (p.39). 119 O texto – referência da 1ª Conferencia Estadual de Educação (2008) também reconhece que foram obtidos resultados positivos, como no caso da ampliação de matrículas no ensino médio e também desvantagens, como a sobrecarga financeira que os municípios sofreram. Sabendo-se que há dificuldades administrativas e financeiras nos municípios em relação à municipalização, foi decidido entre as propostas da Conferência e posteriormente divulgado em um novo texto com os objetivos e metas aprovadas, o consenso em “avaliar o processo de municipalização, com a possibilidade de desmunicipalização” (SEDUC, 2008, p.71). Em Junho de 2008 foi realizado o I Seminário Estadual do Ensino Fundamental sendo que na ocasião foi elaborado um caderno de discussão para o evento intitulado “Concepções, políticas e práticas para um ensino fundamental democrático e popular no Estado do Pará”, que ao se referir ao processo de municipalização explicita que “temos no presente, o desafio de ressignificar o caminhar desse processo” (p.11). A Secretaria de Estado de Educação após esses dois encontros reconheceu que a temática da municipalização tem sido polêmica e que, por ausência de discussões, suscitou inúmeras incompreensões e distorções enfrentadas na própria efetivação desse processo. Diante disso, afirma-se no referido caderno de discussão do I Seminário Estadual do Ensino Fundamental que: [...] não há possibilidade de garantir um efetivo processo de mudança no âmbito estadual, quando não se é considerado que a municipalização é um processo gradativo que exige reestruturações que vão desde a regulamentação dos Conselhos Municipais de Educação, da locação de recursos físicos (instalações, equipamentos, materiais), da questão financeira, à articulação com as Secretarias Municipais de Educação (p.11). Após debates internos na SEDUC o governo estadual decidiu em dar continuidade ao processo de municipalização incorporando as críticas e reformulando a forma de implementar o processo. Esses debates consistiram na criação de um fórum interno sobre a municipalização, para se decidir o que fazer com essa política efetivada nos governos anteriores. Participam deste fórum os técnicos dos seguintes setores da SEDUC: Coordenação de Descentralização – CODES, Gerência de Controle de Folha de Pagamento – GCFOP, Gerência de Assistência ao Servidor – GAS, Coordenação de Documentação Escolar – CODOE, Coordenação de Recursos Humanos – CRH/GRH, Núcleo de Convênios e Contratos – NCC, Coordenação de Recursos Financeiros – CRF, NASP, Assessoria Política – ASPOL, Secretaria Adjunto de Ensino – 120 SAEN, Gerência de Patrimônio Mobiliário – GPAM, CRI, Diretoria de Interior – DIN, Diretoria da Área Metropolitana – DAM e outros órgãos: Instituto de Assistência à Saúde dos Servidores do Estado do Pará – IASEP, e o Instituto de Gestão Previdenciária do Estado do Pará – IGEPREV. O Fórum interno de municipalização da SEDUC teve início em 2008 para avaliar como estava o andamento dessa política até aquele momento e que rumos a Secretaria iria tomar a partir dali. Nesse Fórum se definiu o entendimento do atual governo sobre a municipalização do ensino nos seguintes termos: Entendemos por municipalização do ensino, o Convênio de Cooperação Técnica firmado entre o Estado e o Município onde o Governo estadual transfere ao governo municipal a responsabilidade pelo gerenciamento das atividades educacionais de sua competência, originalmente desenvolvidas pelo Estado (SEDUC, 2008, P.1). No texto para discussão do referido Fórum interno se afirma que com a municipalização observa-se um avanço em relação: ao número de escolas construídas, reformadas, ampliadas e equipadas; oferta de cursos de aperfeiçoamento e capacitação oferecidos pela maioria dos municípios; desburocratização do sistema com mecanismo de ação e solução mais rápido pela proximidade entre a administração local e a clientela beneficiada; a maior racionalização dos recursos humanos e financeiros. Apresenta, também, exemplos de alguns municípios onde a municipalização estaria ocorrendo de maneira positiva, entre eles: São Francisco do Pará, Bujaru, Vigia, São João de Pirabas e Santa Izabel do Pará. Ainda no texto para discussão do referido Fórum, mesmo havendo o reconhecimento de que a municipalização tenha muitas críticas, reconheceu que ela pode trazer vantagens para os municípios e o governo estadual. Deste modo, a Secretaria entende que a unificação das redes estadual e municipal possibilita ao Município: priorizar o ensino fundamental; garantir a universalização do ensino obrigatório; aumentar os recursos repassados pelo FUNDEB, visto que esses repasses estão diretamente associados ao número de alunos matriculados; planejar e implementar, de forma unificada, ações ligadas diretamente a melhoria da qualidade do ensino como: matrícula, lotação, programa de alimentação escolar, programa de livro didático regionalizado e um planejamento escolar que contemple as especificidades do município; um 121 melhor acompanhamento de todos os programas desenvolvidos pelas escolas; garantir a gestão democrática das escolas; melhorar o IDEB do município. Ao Estado, a municipalização possibilitaria: a melhoria da organização e da qualidade do atendimento do ensino médio em todo o Estado; a garantia do ensino obrigatório no Estado; a concentração dos esforços da Secretaria Estadual de Educação prioritariamente no ensino médio; a melhoria da qualidade do ensino em todas as etapas da educação básica e a conseqüente elevação do IDEB do Estado. Essa relação de pontos positivos elencadas pela SEDUC contrasta com as críticas apresentadas nos textos mencionados anteriormente e não apresenta uma fundamentação que justifique dizer como a municipalização pode melhorar o IDEB dos municípios ou garantir a gestão democrática das escolas, ou muito menos possibilitar o aumento da qualidade do ensino fundamental e de todas as etapas da Educação Básica. Tal mudança no tratamento dado às questões que justificam a validade da política de municipalização assinala a opção do governo Ana Júlia em dar continuidade a essa política e deixar de lado a possibilidade de desmunicipalizar. Continuidade essa que indica que o processo iniciado, em 1997, agora caminha para a sua plena consolidação no Pará. É importante destacar também como o discurso da Secretaria Estadual de Educação no Governo do PT se aproximou do teor do discurso em defesa da municipalização nos Governos de Almir Gabriel e de Simão Jatene. Em um texto intitulado “Refletindo sobre a municipalização no Estado do Pará” elaborado pela CODES- Coordenação de Descentralização da SEDUC percebe-se claramente a mudança de concepção sobre as possibilidades da municipalização. Eis os trechos do referido documento que ressaltam essa concepção: O Governo do Estado do Pará, através da Secretaria de Estado de Educação, acredita que a Municipalização do Ensino é uma estratégia para a melhoria da qualidade do Ensino Público, precisando de mudanças qualitativas urgentes. A gestão da educação descentralizada permite a agilidade na solução dos problemas administrativos internos e externos das escolas, evitando o agravamento dos mesmos e, aumentando a eficiência do Estado e o crédito da população no poder público (2009, p. 2). 122 Essas mudanças qualitativas no processo da municipalização consistiriam no diálogo com os servidores estaduais municipalizados na tentativa de superar ou amenizar as perdas sofridas nesse processo. Outro ponto seria a construção de instrumentos legais que garantissem seguridade aos servidores municipalizados, com o objetivo de assegurar vantagens e gratificações desses servidores. O texto faz referência ao capítulo I do Regime Jurídico Único no título IV- da seguridade social, que no Art. 166 expõe que: A seguridade social compreende um conjunto de ações do Estado destinadas a assegurar os direitos à saúde, à previdência e à assistência social do servidor e de seus dependentes. Parágrafo Único – Na seguridade social prevalecem os seguintes objetivos: I – universalidade da cobertura do atendimento; II – uniformidade dos benefícios; III – irredutibilidade do valor dos benefícios; IV – caráter democrático da gestão administrativa, com participação paritária do servidor estável e do aposentado eleitos para o colegiado do órgão previdenciário do Estado do Pará. De acordo com a CODES o governo do Estado realizará esforços no sentido de fazer cumprir as determinações de seguridade social previstas no Artigo 166 por meio do diálogo com os servidores estaduais nos Fóruns de Municipalização. Nessa direção, diante das dificuldades enfrentadas pelos municípios que celebraram convênios e dos entraves para a celebração de outros, a SEDUC realizou um Fórum mais amplo para a discussão das problemáticas apresentadas a fim de que sejam criadas alternativas para a superação e a retomada do “Programa de Municipalização do Ensino Fundamental do Estado”. O primeiro Fórum foi realizado no Marajó, onde foram convidados servidores, professores, secretários municipais de educação e sociedade civil organizada para discutir a política de municipalização do ensino no Pará. O debate contou com a presença de representantes dos governos estadual e municipal. De acordo com informações obtidas no site da SEDUC, o Fórum de Municipalização do ensino é o resultado de acordo assumido pelo governo estadual, em março de 2008, que estabeleceu a mesa permanente de negociações entre a SEDUC e o SINTEPP. O objetivo deste acordo é ouvir as partes envolvidas, com vistas a avaliar o processo de municipalização, para propor ações coletivas e fortalecer a construção da política de educação para o Estado. 123 No Fórum realizado no Município de Breves, o coordenador do Departamento de descentralização declarou que “A educação é uma luta. E a municipalização é um dos caminhos que podem levar a uma realidade diferenciada”. Seguem algumas das propostas suscitadas neste Fórum: 1 – Promover uma educação pública escolar fundamentada nos princípios da justiça, da liberdade, da democracia, que perpasse por uma concepção crítica de homem e de sociedade, construída no projeto pessoal e social coletivo, autônomo e autor-reflexivo; 2 – Criar mecanismos de avaliação institucional dos processos de gestão democrática; 3 – Fortalecer os instrumentos de gestão colegiada e conselhos escolares com vistas à promoção de gestão democrática e participativa; 4 – Fortalecer os instrumentos de acompanhamento e controle social dos processos educacionais; 5 – Promover a eleição direta para os diretores de escolas nos termos de legislação criada para esse fim e na prática cotidiana da comunidade escolar; 6- Garantir no convênio as licenças de forma nominal: especial, saúde, maternidade, acompanhante, mestrado e doutorado; 7- Garantir pelo Estado, o ônus do professor licenciado para não faltar à docência; 8- Estabelecer no convênio, a criação dos sistemas educacionais e conselhos municipais de educação; 9- Estabelecer uma política permanente para formação dos trabalhadores em educação de forma integrada pelas redes estadual e municipal; 10- Promover a revisão do convênio para fins de alteração e garantia de direitos. Estes Fóruns de debates convidaram para as discussões várias entidades afetadas pelo processo, as mesmas que não participaram da formulação inicial. Essa foi uma possibilidade concreta de reverter a centralização da formulação desta política, efetivada na descentralização de sua implementação, apresentando possibilidade dessa política ser revista de acordo com as experiências vivenciadas nos municípios. É interessante observarmos, que entre as propostas de reformulação estão a possibilidade de alterações no termo de convênio para a garantia de direitos perdidos por docentes da rede estadual cedidos para a redes municipais, tais como: 124 remoção indesejada; atraso no pagamento; dificuldade de pagamento retroativo; diminuição do salário do servidor em discordância do apresentado na folha mecanizada (espelho) que é encaminhada mensalmente pela SEDUC, entre outros. A situação atual dos municípios paraenses em relação a municipalização do ensino fundamental até o final do mandato de Ana Júlia, destaca que ocorreu a assinatura de convênios de municipalização do ensino fundamental com três municípios: Curionópolis, São Sebastião e Bom Jesus. O governo petista recebeu convites de algumas prefeituras para maiores esclarecimentos a respeito das condições da municipalização e alguns levantamentos preparatórios que antecedem a assinatura do termo de adesão foram realizados. Até o final do primeiro trimestre de 2009, 101 municípios estavam com o ensino fundamental municipalizado. A municipalização somente não havia sido efetivada, em 42 municípios, ou seja, faltam apenas 29,37% dos municípios paraenses e entre eles alguns estão com processos em andamento para a verificação das condições locais para assinarem o termo de convênio. Outros apenas solicitaram informações para avaliar a possibilidade futura de municipalizar e alguns ainda não manifestaram nenhum interesse junto à SEDUC em fazer algum levantamento sobre a possibilidade de municipalizar. A situação dos 4221 municípios e seus nomes podem ser visualizados na tabela a seguir: Quadro nº 05- Situação dos Municípios não-municipalizados-2009 Processos em andamento Alenquer Aurora do Pará Bonito Inhangapi Juruti Ourém Primavera 21 Recentemente foi criado o Município de Mojuí dos Campos que teve a sua criação aprovada pela lei estadual n° 6.268/1999 esse fato eleva o número de municípios paraenses para 144. 125 Santa Maria do Pará Solicitaram informações Benevides Faro Quatipuru Rio Maria São Caetano de Odivelas São Domingos do Capim Terra Alta Processos não iniciados Anajás Ananindeua Barcarena Belém Bragança Cachoeira do Arari Cachoeira do Piriá Capanema Capitão Poço Castanhal Colares Conceição do Araguaia Concórdia do Pará Curralinho Curionópolis Igarapé Açú Itupiranga Magalhães Barata Melgaço Ponta de Pedras Salinópolis 126 Santa Bárbara do Pará Santa Cruz do Arari Santarém Fonte: Secretaria de Logística/SEDUC 3.4.1 – A Municipalização do Ensino Fundamental não é Prioridade O Governo de Ana Júlia interrompeu doze anos de governo ininterruptos do PSDB no Estado. Pode ser compreendido com um Governo que defendeu uma nova forma de conduzir a gestão pública, uma vez que não fez parte dos partidos aliados ao PSDB em nenhum de seus governos e na campanha para o governo estadual criticou e culpou os governos anteriores pelos diversos problemas sociais no Estado. Desse modo, somos levados a pensar, que o governo petista não daria continuidade às ações desenvolvidas e proporia novos encaminhamentos para a área educacional. Enquanto no Governo do PSDB houve relativa estabilidade na permanência dos Secretários de educação, no Governo petista, de 2007 a 2010, a gestão da SEDUC é marcada pela exoneração de vários secretários e pela descontinuidade das ações em virtude do desmonte das equipes que acompanhavam os respectivos secretários. Pela primeira vez na História da SEDUC/ PA, em um único mandato, a Secretaria teve cinco secretários de educação. Em virtude desta situação e da ausência de textos disponibilizados ao público com as ações desenvolvidas na SEDUC durante esse período de forma sistematizada, foi necessário falarmos com gestores que estiveram em cada um desses períodos, por motivo da descontinuidade das ações no mesmo Governo. No Governo Ana Júlia, a SEDUC foi administrada por cinco secretários estaduais de educação que foram: Mário Cardoso, Iracy Gallo, Maria do Socorro Costa Coelho, Luis Cavalcante e Ana Lúcia Lima. O primeiro Secretário de Educação no Governo petista assumiu a Secretaria tendo uma posição pessoal sobre a temática da municipalização do ensino fundamental. Essa posição 127 advém em grande parte de sua militância política na Assembleia Legislativa do Estado do Pará onde esteve à frente da Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI do FUNDEF22. Após perguntarmos como o ex-secretário encontrou a questão da municipalização do ensino e que deliberações sobre esse tema realizou, primeiramente o mesmo fez um retrospecto do processo de municipalização do ensino em anos anteriores na gestão dos Governos estaduais do PSDB e criticou a forma como foi realizado o processo, pois, a seu ver não garantia a qualidade da educação. (...) quando eu assumi a Secretaria eu tinha uma crítica muito grande, eu sabia exatamente o que era e para mim mesmo me prometi o seguinte: primeiro eu não forçaria e não continuaria com a política de municipalização; segundo, para tocar a municipalização era preciso que o município estivesse predisposto e que nós, tanto Estado, como município, fizéssemos um estudo pormenorizado de que maneira o município iria assumir a responsabilidade e de que maneira o Estado iria poder acompanhar o município e poder dar toda a retaguarda para que o município tocasse a sua responsabilidade sem grandes problemas. Então, quando eu fui à primeira audiência com o sindicato e que o sindicato veio me questionar a respeito da municipalização, a minha resposta foi mais ou menos bem lacônica, “eu não sou nem favorável, nem contra”, não vou querer municipalização porque eu tenho uma crítica, talvez não sejam as mesmas pelos mesmos ângulos que vocês têm (...) (Secretário de Estado de Educação em 2007). A fala do secretário sobre a municipalização do ensino revela um pensamento ainda conflitante e indefinido sobre a atitude a ser tomada pela Secretaria em relação a esse tema. Quando o gestor declara que "eu tinha uma critica muito grande, eu sabia exatamente o que era", e depois na fala para os representantes do SINTEPP declara, "não sou nem favorável, nem 22 A CPI do FUNDEF foi instalada em 25 de Fevereiro de 2000 e foi motivada pela publicação em 1999 no Jornal "O Liberal", de uma denúncia de irregularidade em 37 municípios do Estado que segundo o auditor do Tribunal de Contas dos Municípios teriam desviado ou usado indevidamente os recursos do FUNDEF. Os membros da CPI trabalharam por cerca de 4 meses e receberam denúncias contra 64 municípios. Após o término dos trabalhos a CPI concluiu que houve má aplicação dos recursos em 12 municípios: Bagre, Limoeiro do Ajuru, Irituia, Xinguara, Soure, Jacundá, Cachoeira do Arari, São João do Araguaia, São João de Pirabas, Ponta de Pedras, Rio Maria e São Sebastião da Boa Vista (CARDOSO, 2001, p. 16). 128 contra", temos a indicação de que a definição de novos horizontes para essa política, ainda não estavam claros. Conhecer a política de municipalização e saber seus problemas lhe possibilitou ter uma crítica muito grande sobre a forma como os governos estaduais, anteriores, haviam implementado a política de municipalização do ensino, mas, o que fazer a partir daí, ficou na dependência de que as prefeituras levassem a Secretaria a se mobilizar para proceder com os encaminhamentos devidos. No momento em que o governo petista assumiu a Secretaria de ensino, a única diretriz clara é a de que a municipalização é um problema que não deve ser mexido, a não ser que a SEDUC fosse provocada pelas prefeituras municipais a realizar estudos e definir um novo modelo de municipalização do ensino. De acordo com tais dados, observamos que inicialmente a Secretaria não assumiu posição nem pró, nem contra a municipalização e essa será a característica desse momento inicial de gestão na Secretaria de ensino. O ex-secretário não manifestou completa aversão à possibilidade da continuidade à política de municipalização, mas sua preocupação se concentrou na forma como esse processo se desenvolveu nos governos anteriores, o que expressa da seguinte forma: (...) então as minhas divergências com a municipalização da forma como foi municipalizado é muito mais profunda da que vocês divergem, como eu divergi também do SINTEPP e até certo ponto eles tinham razão que a causa da municipalização era o FUNDEF, então eles eram contra o FUNDEF e eu dizia pra eles que o FUNDEF era bom, mas tinha falhas e dizia para eles que o FUNDEF ia ajudar bastante porque o ensino fundamental iria se desenvolver muito mais rápido do que era antes (Secretário de Estado de Educação em 2007). O ex-secretário ficou a frente da SEDUC por quase um ano e nesse período ele informa que nenhum prefeito o procurou para solicitar a municipalização em seu município. E aí, durante um ano, eu nunca fui procurado por nenhum gestor público municipal, por nenhum prefeito atrás de municipalização e eu também, por convicção, não procurei investir em política de municipalização, (...) (Secretário de Estado de Educação em 2007). Observamos na entrevista com o primeiro secretário à frente da SEDUC no governo de Ana Júlia, que para a municipalização ter mais atenção ficou condicionada à procura dos gestores 129 municipais e possíveis alterações nas condições do termo de convênio para que o processo fosse efetivado. Entretanto, segundo o secretário não houve essa procura por adesão a municipalização do ensino e, devido a isso, essa política ficou sem ser apreciada. Então durante o período da nossa gestão de um ano, não houve a assinatura de nenhum convênio, primeiro porque eu estava com a concepção de que o que existia de municipalização não concordava (...). Mas nós não fizemos disso um „cavalo de batalha‟ e eu disse para o sindicato que eu não iria forçar implementar uma política de municipalização. Também não seria contra, desde que eu fosse procurado pelo prefeito e o prefeito topasse fazer a municipalização dentro de novos parâmetros, dentro de um diagnóstico, de um estudo, de um acompanhamento, eu toparia fazer (...) dentro de novos padrões, de novos elementos, mais segura, de garantias, etc.(...) então foi mais ou menos isso, porque foi que não ocorreu municipalização no primeiro ano de gestão nossa) (Secretário de Estado de Educação em 2007). Um ponto interessante a ser destacado é a diferença de compreensão da importância da política de municipalização entre o Governo do PSDB e o período inicial do governo petista. Enquanto que para os Governos do PSDB a municipalização foi a diretriz principal da SEDUC para a obtenção de mais qualidade no ensino público, para o PT ela não teria nem sido mencionada. Segundo o secretário, a municipalização no início de sua gestão na SEDUC não fez parte dos temas considerados importantes para a educação. Por isso, não havia uma direção política do Governo estadual em relação ao o que se deveria fazer com a política de municipalização do ensino. Não havia uma coisa definida, não havia uma ação definida, eu achava que a SEDUC tinha que se preocupar com outras coisas mais importantes. Então o que foi que eu fiz? aí eu sentei, e não sei se tu já tivesse a oportunidade de ler aquele livro que a própria Socorro coordenou (...) ali tem um artigo que eu escrevi como é que eu pensava a educação no Pará (...) (Secretário de Estado de Educação em 2007). Destarte se, inicialmente, em se tratando da Secretaria de Educação, não havia atenção para as questões envolvendo a municipalização do ensino, no âmbito de debate com os diversos atores e representações sociais da área da educação, esse tema estava em evidência. 130 A educação no Governo do PSDB priorizou a política de municipalização do ensino como o caminho para se obter a qualidade do ensino público, em contrapartida o Governo do PT não creditou à mesma, tanta importância. Embora, a posição do Secretário tenha sido de manter constante diálogo com as representações de categorias para não executar nenhuma política sem a participação das categorias envolvidas, conforme declara: (...) então eu pensava que a municipalização é uma política que vai acontecer, mas não a qualquer tranco; então o que foi que eu fiz? Eu chamei o sindicato e não foi só o SINTEPP, eu chamei vários sindicatos, centrais sindicais, Universidades e fomos construir aquilo que está posto naquele artigo (...) (Secretário de Estado de Educação em 2007). A construção do artigo referido pelo Secretário faz parte de um livro intitulado "Uma estrela de várias pontas23" onde o ex-secretário apresenta o seu entendimento sobre as prioridades que deveriam ser atendidas para a melhoria da qualidade da educação no Estado e, entre essas prioridades, a municipalização não foi mencionada. Tendo em vista que nesse momento inicial a municipalização não seria alvo de uma ação mais objetiva por parte da Secretaria, perguntamos se pelo menos uma avaliação preliminar foi realizada sobre esse assunto, uma vez que o SINTEPP pedia para o secretário pôr fim a esta política. Em resposta o mesmo declarou o seguinte: Não, não porque de modo geral os debates que nós travamos dentro da SEDUC a respeito das grandes ações da SEDUC a municipalização em nenhum momento veio à tona. (...) apenas o SINTEPP falava sobre isso e eu dizia a eles que eu não iria implementar uma política contra o município, então sobre isso aí eu fui muito claro com eles na primeira audiência que eu tive com eles, tanto que eu resumi para você logo no início: para eu municipalizar, eu nem ia fazer cavalo de batalha porque tinha uma concepção diferente da política que tinha sido implantada, municipal, e também eu não ia ser contra por ser contra. Se eu fosse procurado iria dizer de que forma gostaria que fosse feito, mas não fui procurado e eu também não procurei fazer a municipalização (...) esse tema não tinha sequer o mínimo de importância, ao contrário, as outras ações tinham, plano estadual de educação, plano de cargos e 23 Este livro apresenta uma abordagem inicial sobre políticas sociais no Pará levando em consideração o Partido dos Trabalhadores na liderança do Governo estadual. 131 salários, a recuperação do projeto alvorada que estava parado desde 2001 que era a recuperação das unidades, a questão da portaria nº 09 que prejudicava os professores, isso sim, as eleições (...), formação dos professores, a recuperação, isso sim era preocupação minha quando cheguei lá, (...). Então as outras prioridades eram mais importantes para nós, a gente tinha clareza que a municipalização não ia resolver o problema do Pará, então não teve a menor importância na nossa gestão a questão da municipalização, não que a gente não ache que não seja um processo importante (...) (grifo nosso) (Secretário de Estado de Educação em 2007). É interessante destacar que a política de municipalização foi colocada no rol dos temas menos importantes a serem tratados no início da gestão petista na SEDUC-PA. Em parte isso se deveu, ao Governo estadual chegar à Secretaria sem uma ação definida para a Educação. Na declaração abaixo fica explícito que o governo petista não tinha nenhum encaminhamento prévio sobre essa política: O governo não tinha posição pró ou contra a municipalização, não tinha posição. A Ana (Governadora do Estado) nunca chegou conosco e nem no debate do programa, para dizer que nós devemos implementar a municipalização, então o governo não tinha posição quanto a isso e nem ela pessoalmente tinha. Nós como gestores na área de educação, eu, por exemplo, tinha uma posição firmada, mas não era totalmente contrário, eu era contrário com a forma como os tucanos tinham implementado, que foi mais de forma ditatorial do que de uma forma de debate, de diagnóstico, de cooperação, entre os dois sistemas de ensino, sistema estadual e sistema municipal. Então essa era a minha divergência era de concepção (...) (Secretário de Estado de Educação em 2007). Embora internamente a Secretaria de Educação não estivesse considerando este um tema de importância no primeiro ano de Governo petista, estava ocorrendo no Centro de Convenções do Estado do Pará no referido período, a I Conferência Estadual de Educação, que culminou com a elaboração de um texto que foi usado como base, para a elaboração do Plano Estadual de Educação e nessa Conferência foram discutidos os efeitos da política de municipalização do ensino. 132 O texto final da I Conferência Estadual de Educação discorre em um tópico24 específico, sobre os efeitos da política de municipalização no financiamento da educação paraense e alerta para o comprometimento da qualidade da educação pública nos seguintes termos: Os artifícios de indução funcionaram como fetiches, pois foi criada a ilusão de que haveria dinheiro novo para a educação nos municípios. Em verdade, grande parte dos recursos recebidos pelos municípios já lhes pertencia por direito constitucional e por adicional (quando ocorre). Há fortes indícios (pelas denúncias e tentativas de cancelamento dos convênios de municipalização) de que não está dando para cobrir os custos dos encargos assumidos e menos ainda elevar o salário dos professores. Esse quadro se agravou pelo fato de a maioria dos municípios que assumiu as matrículas do ensino fundamental o fez na sua totalidade (1ª a 8ª), pois além da escassez financeira, não existe estrutura administrativa e pedagógica instalada e, menos ainda, plano de educação. Não restam dúvidas de que a política de indução da municipalização - de grande sucesso no Pará – sinaliza para o comprometimento maior da qualidade do ensino (DIÁRIO OFICIAL DO PARÁ, 2010, p.70). As discussões que deram origem a este texto alertavam para os problemas ocasionados pela municipalização acelerada de anos anteriores e que suas conseqüências se constituíam em entrave para a melhoria da qualidade do ensino. Nesse momento poderia ter havido uma convergência das discussões da I Conferência estadual de educação para a definição das ações da SEDUC e não discussões paralelas que não dialogam. No primeiro ano do Governo do PT na prática a política de municipalização ficou inalterada, sem atenção por parte do Governo estadual por não ter nenhuma posição clara sobre esse assunto e da Secretaria de educação que ficou condicionada ao interesse das prefeituras que ainda não haviam municipalizado, embora o tema tenha sido tratado pelo SINTEPP com o gestor da Secretaria. Desse modo, temos um primeiro discurso em relação à municipalização do ensino fundamental, ou seja, essa política tem a sua importância, mas ela não faz parte das ações mais importantes e, por isso não teve atenção da Secretaria de ensino que indica uma posição de indiferença em relação a essa política. 24 O tópico intitulado "Os efeitos da Política de Municipalização do ensino no financiamento educacional do Pará" foi extraído da tese da Professora Doutora Rosana Gemaque defendida em 2004 que estudou os efeitos/impactos do FUNDEF na educação do Estado do Pará, evidenciados no Sistema Estadual de Educação, no Sistema de Ensino do Município de Belém e na Rede de Ensino de Santarém. 133 A gestão do primeiro secretário termina quando de sua saída próximo do final de 2007 para que o mesmo pudesse concorrer às eleições para a prefeitura de Belém na qual ganhou o candidato à reeleição. 3.4.2 – Tentativas de Discussão da Política de Municipalização do Ensino A segunda pessoa a assumir a gestão na SEDUC foi, a também professora, Iracy Gallo que atualmente se encontra trabalhando e residindo fora do Estado, mais especificamente em Brasília-DF. Em sua gestão a temática da política de municipalização recebeu mais atenção do que na gestão anterior. A ex-secretária deixou à disposição no portal da SEDUC, um relatório contendo um balanço de sua gestão e nele pudemos encontrar uma referência ao tratamento dado a municipalização do ensino. No relatório de gestão, no período de 2008 – Agosto de 2009, foram pontualmente listadas as ações desenvolvidas nos 20 meses em que a ex-secretária trabalhou. Segundo consta no relatório, a política de municipalização do ensino foi debatida em pelo menos três espaços colegiados, ou seja, nos Fóruns de Secretários, no Grupo de trabalho interno para se debater a municipalização do ensino e nos Fóruns regionais específicos para se discutir os rumos da municipalização no Estado. O primeiro espaço de discussão foi o Fórum de Secretários Municipais de Educação do 25 Pará , criado por iniciativa da SEDUC com o objetivo de tentar promover a implementação de um regime de colaboração, preconizado na Constituição Federal e na Lei de Diretrizes e Bases vigentes. Para isso, o fórum foi instituído em Janeiro de 2008, em parceria com a União dos Dirigentes Municipais – UNDIME-PA. O referido fórum congrega os titulares da Secretaria de Estado de Educação e das secretarias municipais de educação. A SEDUC estabeleceu esse espaço colegiado na intenção de conseguir a pactuação de políticas educacionais que, de forma articulada, atendessem ao sistema estadual de ensino. O Fórum tentou estabelecer uma forma de articular as secretarias municipais de ensino em um novo paradigma de gestão no qual, por meio da conjugação de esforços entre Estado e municípios, em regime de cooperação, pretendia-se alcançar a melhoria da qualidade da 25 Este fórum foi criado durante a I Conferência Estadual de Educação com o objetivo de unificar as ações das políticas educacionais, mas também com a intenção de agregar ideias e apontar caminhos que promovam a educação de qualidade para o Estado do Pará. Esse fórum foi criado para ter caráter permanente e representa um passo do compromisso "Todos pela Educação". 134 educação básica e, por conseguinte, a superação dos críticos índices educacionais26 existentes no Pará. Na gestão de Iracy Gallo foram realizados sete fóruns27, sendo que no IV fórum, entre os temas que estavam em pauta, foi discutida a política de municipalização do ensino. Entretanto, não consta nenhum relatório posterior a essas discussões sobre alguma proposta concreta para a reformulação dessa política. O relatório informa que outro espaço de discussão foi estabelecido por meio de um acordo entre SEDUC e SINTEPP, assinado no dia 27 de Agosto de 2008. A coordenadoria de descentralização – CODES instituiu uma equipe de municipalização, pois não havia uma equipe propriamente dita, mas alguns servidores que realizavam alguns encaminhamentos administrativos. A partir disso, o coordenador dessa equipe passou a compor "a mesa permanente de negociação sobre municipalização do ensino SEDUC/SINTEPP". Nesse sentido, a SEDUC realizou o "I Fórum interno sobre municipalização do ensino" no dia 29 de Outubro de 2008. O evento teve como públicos-alvo representantes do SINTEPP, representantes de Instituições de ensino Superior – IES e dos seguintes setores da SEDUC: Gerência de Controle e Folha de Pagamento – GCFOP, Gerência de Patrimônio Mobiliário – GPAM, Assessoria Jurídica – ASJUR, Secretária Adjunta de Ensino – SAEN, e Coordenadoria de Descentralização – CODES. Esse Fórum se debruçou sobre a discussão dos problemas e das perspectivas da municipalização do ensino no Pará. Segundo informações obtidas do Site da SEDUC que fez a divulgação do fórum no dia 30 de Outubro de 2008, o objetivo dessas discussões teria sido o de, "por meio do convite ao diálogo, à participação e a contribuição de todos os sujeitos envolvidos para agregar ideias, mostrar a direção e apontar possíveis caminhos de novas políticas para a educação básica". O Fórum elegeu como objetivos específicos: verificar como foi realizado o processo de implementação da política de municipalização; fazer a análise dos termos de convênio celebrados entre Governo do Estado e as Prefeituras; analisar a situação da formação continuada dos docentes; discutir os mecanismos legalmente criados para garantir a gestão democrática, 26 Um exemplo das dificuldades educacionais que o Estado do Pará enfrenta pode ser visto no resultado do IDEB de 2010. Na avaliação das séries iniciais à 4ª série, o Pará, entre os 27 Estados da Federação, ficou em último. De 5ª à 8ª séries o Pará ficou em 22º e no ensino médio o Estado ficou em 25º. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff0507201005.htm. 27 Os fóruns realizados foram os seguintes: o I Fórum de secretários de educação foi realizado em 23/01/2008; o II Fórum ocorreu nos dias 11 e 12/03/2008; o terceiro nos dias 19 e 21/08/2008; o IV fórum aconteceu nos dias 18, 19 e 20/12/2008; o V fórum aconteceu nos dias 17, 18 e 19/02/2009; o VI fórum nos dias 20, 21 e 22/02/2009 e o VII fórum nos dias 13, 14 e 15/08/2009 na cidade de Santarém. Os demais ocorreram todos em Belém. 135 como por exemplo, o conselho municipal de educação, o conselho de acompanhamento pedagógico e controle social do Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (FUNDEB), as Associações de pais e mestres e o Conselho escolar; e discutir a valorização do magistério por meio do Plano de Carreira, pela comparação salarial entre os professores da rede estadual e municipal. A partir desse segundo espaço de debates, a CODES ampliou a discussão para um terceiro espaço, mais amplo, para oportunizar a participação dos representantes das secretarias de ensino dos municípios e os servidores estaduais interessados. No período de Novembro a Dezembro de 2008, a CODES encaminhou as discussões realizadas no I Fórum Interno à Secretária de ensino, além de definir a realização de outros sete fóruns regionais para aprofundar as discussões sobre a municipalização do ensino. O relatório também informa que, concomitantemente à realização dos fóruns, foi construído o projeto político-pedagógico da equipe de municipalização, que organiza as ações desenvolvidas pela equipe. Também foi elaborado um projeto de formação para técnicos de referência em municipalização do ensino nas USEs e UREs, porém, esse projeto não foi executado. O relatório informa ainda, que "a equipe de municipalização trabalha com prioridade na instrução de novos processos de celebração de convênios de cooperação técnica de municipalização do ensino de prefeituras que já municipalizaram o ensino". Motivo pelo qual se criou, também, a gerência de municipalização. Foram realizados os fóruns de Breves e de Marabá, respectivamente, nos dias 13 de Março e 17 de Abril de 2009. A participação nesses encontros esteve dividida em quatro eixos, os quais foram: acesso e permanência; gestão democrática; financiamento e programas e projetos. Esses dois encontros tiveram seus momentos mais significativos sistematizados em relatórios da Coordenação de municipalização. O relatório do fórum regional realizado em Breves com a participação de servidores estaduais de Afuá, Gurupá, Portel, Bagre e Chaves, apresenta as falas mais significativas dos participantes e revela o embate de posições travado entre o sindicato dos professores e os representantes da SEDUC. Na palestra intitulada "Municipalização do ensino rumo aos novos desafios" o SINTEPP ratificou sua posição contrária ao processo de municipalização, com base na transferência de responsabilidades. O relatório esclarece que o sindicato dos professores "não considera viável a continuidade do processo, tendo em vista a história da Municipalização do Ensino no Estado do Pará que penalizou os trabalhadores em educação". A posição do Sindicato 136 se sustentou na tese de que as prefeituras não possuem condições de ampliar suas redes e de que a forma como foi implantada essa política tem caráter neoliberal. À época, o representante da SEDUC e Coordenador da Gerência de municipalização contra-argumentou que a municipalização resultou apenas em problemas para a educação dos municípios ao citar como exemplo os Municípios de Altamira, São Francisco do Pará e Vigia de Nazaré que possuem os seus ensinos municipalizados e apresentaram resultados no IDEB de 2009 acima da média do Estado. Segundo consta no relatório, o Sindicato dos professores estava ponderando as dificuldades em se avaliar se uma nova proposta de municipalização do Ensino no Estado do Pará poderia dar certo, pois as mudanças propostas pelo governo na municipalização ainda não haviam sido observadas. Nesse primeiro fórum não há registros de propostas concretas para se reformular a política de municipalização, mas no segundo fórum regional, realizado na cidade de Marabá28, embora as posições opostas de SEDUC e SINTEPP estivessem firmadas, podemos observar algumas propostas que surgiram como fruto das discussões. O relatório com a síntese do que ocorreu no fórum de Marabá apresenta que no início do encontro, por ocasião da mesa de abertura, as posições se reafirmaram. Segundo consta no relatório, a presidente do SINTEPP, Profa. Conceição Holanda, explicou que o Sindicato mantém a sua posição de romper com os Termos de Convênio e esperava que a SEDUC assumisse essa mesma posição, pois, segundo a presidente, a municipalização do ensino não refletiu em melhoria da qualidade de Educação. O referido relatório informa que o Coordenador da Gerência de municipalização, na mesa de abertura, ao finalizar sua fala, enfatizou claramente, que a posição da SEDUC era a de municipalizar. Mas que essa municipalização resultasse de uma construção coletiva a partir dos olhares dos sujeitos envolvidos no processo, para que possam ser garantidos os direitos dos trabalhadores em Educação expressos no Regime Jurídico Único e no Estatuto do Magistério. Nos Grupos de Trabalho – GTs, foram discutidos os problemas relativos ao processo de Implantação da Municipalização, de acordo com o eixo temático de cada grupo de trabalho. Desse modo, segue abaixo, os resultados das discussões que foram socializados na plenária final, por GT: 28 O encontro ocorreu no Campus I da Universidade Federal do Pará em Marabá. O fórum contou com a participação de servidores, técnicos, secretários de educação e autoridades de vinte municípios do Sul e Sudeste do Pará (ASCOM/SEDUC, 2008). 137 - No GT-1 que discutiu o acesso e permanência se propôs valorizar o servidor municipalizado garantindo o respeito e o resgate de seus direitos e valores no meio sócioeducacional; - O GT-2 trabalhou a temática "gestão democrática" e propôs: Garantir a presença de um técnico nas UREs para tirar dúvidas sobre a municipalização; Emitir contra-cheques dos municipalizados com as mesmas discriminações dos contracheques dos servidores estaduais não-municipalizados; - O GT-3 trabalhou as questões referentes ao financiamento da educação e fez as seguintes proposições: Garantir a seguridade dos direitos dos servidores públicos estaduais municipalizados; Garantir todas as licenças; Assegurar a inscrição de municipalizados nos programas de bolsa mestrado e doutorado, além dos cursos de formação desenvolvidos pela SEDUC; - O GT-4 discutiu sobre os programas e projetos que resultou nas propostas de: Instituir uma rede de informações entre os servidores municipalizados e as Secretarias das esferas estaduais e municipais; Capacitar técnicos, preferencialmente municipalizados, para que sejam referências nas UREs e SEMEDs; Incluir os municipalizados no público-alvo dos programas e projetos financiados pela SAEN, garantido a eles todos os direitos dos demais; Formar nas UREs equipes de fiscalização, assessoramento e acompanhamento para efetivação das cláusulas dos Termos de Convênio da Municipalização; Voltar o pagamento dos servidores municipalizados para o Estado, mantendo a gerência administrativa do ensino sob a responsabilidade do município; Garantir a valorização dos servidores municipalizados com a participação em cursos e programas oferecidos tanto pela SEDUC quanto pelas SEMEDs; Criar uma cartilha de informações para os municipalizados com a celebração dos direitos dos mesmos dentro do processo; Conceder vales transportes e auxílio-alimentação para todos os municipalizados. No portal da SEDUC encontramos um informativo sobre o encontro realizado em Marabá e, de acordo com o seu conteúdo, o coordenador de descentralização da SEDUC, à época, o professor Teodomiro Sanches, afirmou que a proposta do governo estadual era de por 138 meio das discussões realizadas nos fóruns, "resolver não só a situação dos servidores que passaram pelo processo de municipalização, mas outros assuntos firmados no acordo com o SINTEPP". (ASCOM/SEDUC, 2008). O referido Coordenador também declarou que "na SEDUC há 17 solicitações para estudo, mas não vamos iniciar o processo de municipalização antes de terminarmos todos os encontros e ouvirmos os servidores" (ASCOM/SEDUC, idem). Essa promessa ou condição apresentada pelo representante da CODES não se cumpriu, pois a Secretaria de educação nos meses finais do Governo petista assinou o convênio de municipalização com três municípios sem antes concluir os fóruns regionais de municipalização e sem fazer as alterações que foram propostas durante os mesmos. O texto finaliza com uma afirmação a respeito do conceito de municipalização do ensino e de sua fundamentação legal, ao declarar que, A municipalização do ensino é um processo de descentralização das atividades administrativas e pedagógicas da educação infantil e ensino fundamental, estabelecida na Constituição de 1988 e reafirmada na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). De acordo com a proposta que está em vigor, União, Estados, Distrito Federal e Municípios, deveriam estabelecer regime de colaboração entre seus sistemas de ensino, ficando a responsabilidade do ensino fundamental e educação infantil para os municípios (grifo nosso). A Constituição Federal de 1988 e, mais especificamente a LDB nº9394/1996 no artigo 11 e inciso V, declaram que os municípios devem "oferecer a educação infantil em creches e pré-escolas, e, com prioridade o ensino fundamental". Em momento algum a municipalização do ensino fundamental nas leis mencionadas na declaração acima aparece com o sentido de uma determinação legal, mas como uma possibilidade. A referência à base legal para a realização da municipalização do ensino infantil e fundamental apresenta o mesmo equivoco de interpretação da lei vigente usado no início desse processo pelo Governo de Almir Gabriel, pois a lei não diz em nenhum momento que o ensino fundamental deve ficar apenas sob a responsabilidade dos municípios e sim que Estados e Municípios são co-responsáveis. Observamos que o discurso dos representantes da secretaria nesse momento se assemelha ao do apresentado nos governos anteriores e a defesa da municipalização veio acompanhada de argumentos de possíveis benefícios dessa política, mesmo nos anos anteriores, 139 durante os governos do PSDB, para a melhoria da qualidade da educação em alguns municípios como declarou o Coordenador da CODES, à época, Teodomiro Sanches: (...) o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) possui a média estadual inferior à nacional, no entanto, diversas localidades municipalizadas como Vigia, São Francisco do Pará e Altamira, apresentam um índice considerável. “A educação é uma luta. E a municipalização é um dos caminhos que podem levar a uma realidade diferenciada" (CODES/SEDUC, 2009). Após a realização de todos os Fóruns previstos, seria elaborado um documento com a sistematização e socialização de todas as propostas apresentadas nos encontros, documento final que não foi elaborado. Ao observarmos as ações desenvolvidas sobre a municipalização do ensino na gestão da ex-secretária Iracy Gallo podemos perceber que houve um amplo processo de debates e que resultaram em propostas concretas para se reformular essa política de modo participativo e democrático. Contudo, essas propostas nunca foram colocadas em prática em sua gestão, em certa medida por duas razões: a primeira foi por conta de sua saída da Secretaria de ensino e a outra tem a ver com a paralisação desses fóruns regionais por conta do Decreto nº 1618/2009 – do Gabinete da Governadora que determinou a redução dos gastos públicos. Os outros fóruns29 que estavam agendados foram cancelados e até o fim do Governo petista não se realizaram o que indica que essa era uma iniciativa da gestora em exercício e não uma política direcionada pelo Governo estadual. Todavia, podemos perceber que a gestão da segunda secretaria de ensino, bem diferente da primeira, deu destaque para a política de municipalização e a colocou em evidência nas mesas de negociação com o SINTEPP e na abertura para o debate com as instituições representativas da área educacional. Podemos perceber, inclusive, que a Secretaria de ensino assumiu uma nova postura discursiva em relação a essa política, uma vez que se pronunciou a favor de sua continuidade por meio de seus representantes nos locais de debate, ao argumentarem que a mesma se constituía em um caminho viável para a melhoria da qualidade da educação pública. 29 Os outros fóruns deveriam ter ocorrido até o final de 2008 em Santarém, Região Metropolitana, Altamira, Xinguara e Castanhal. A expectativa da SEDUC era atingir um público de mil pessoas nos 143 municípios (ASCOM/SEDUC, 2008). 140 3.4.3 – Do Discurso da Continuidade da Municipalização do Ensino à Busca de uma Nova Forma de Municipalizar A terceira Secretária a assumir a SEDUC ficou pouco mais de oito meses na função e nesse período não houve nenhuma assinatura de convênio de municipalização. Com a chegada dessa terceira gestão, houve uma nova compreensão sobre os trabalhos realizados na SEDUC-PA. A princípio a nova gestora trabalhou na Assessoria Política da Secretaria na Gestão da segunda Secretária e, em sua avaliação, o modo de governar que estava sendo seguido não correspondia ao que o seu partido defendia. Nesse sentido, a ex-gestora frisou que: Primeiro eu tenho a dizer que eu fui para a Secretaria de Educação dentro das concepções que o PT tem de educação. Eu fui para implantar o modo petista de governar, que eu achava que não era desenvolvido na Secretaria e eu tenho um livro que já publica isso. Então quando fui para a SEDUC, fui com alguns objetivos. Eu sabia que tinha pouco tempo de gestão, sabia que teria de tempo útil uns nove meses, porque logo em seguida seria a eleição e é um processo que você não pode fazer convênios, você não pode fazer uma série de coisas, contrato, (...). Observamos que há uma crítica ao modo de conduzir a gestão na Secretaria de Ensino, o que pode indicar que as ações desenvolvidas na gestão anterior não teriam sua continuidade caso não atendessem às expectativas da nova gestora segundo os projetos que defendia. A continuidade das ações nesse momento de mudança na gestão encontrou várias dificuldades. Entre essas dificuldades podemos destacar a interrupção de várias atividades elencadas na fala da gestora por conta da legislação eleitoral. Outra questão que dificultou a continuidade das discussões que foram realizadas nos fóruns sobre a municipalização, se refere à saída de praticamente toda a equipe que acompanhava a segunda secretária e que, em solidariedade à exoneração30 da mesma entregaram seus cargos. 30 A saída da segunda Secretária de educação do cargo tem relação com a pressão exercida pela oposição e até mesmo pelo PT sobre o Governo estadual para que a titular da SEDUC entregasse o cargo depois que seus bens foram bloqueados pela justiça devido à mesma responder a um processo por improbidade administrativa. Esse processo teve como motivo a distribuição de camisas, mochilas e agendas que compõem kits escolares para os alunos da rede estadual de ensino sem que houvesse sido feita licitação. 141 Também podemos destacar a situação financeira da Secretaria de Educação que nesse momento paralisam as ações que estavam sendo realizadas com os recursos do Tesouro do Estado, o que faz a Secretaria de Ensino priorizar as ações que contavam apenas com recursos federais. Devido a esta série de dificuldades, a gestora decidiu antes mesmo de chegar a assumir o cargo que daria prioridade a algumas ações, entre elas a municipalização, não conseguiu ser trabalhada com a mesma dedicação que foi dada para as outras. Essa priorização deveu-se, principalmente, pela questão do tempo para se trabalhar e de a gestora não ter o conhecimento atualizado do que estava sendo discutido naquele momento na SEDUC sobre a temática municipalização. (...) então eu tinha uns oito meses, eu não tinha claro que rolava a municipalização lá, não tinha isso. O que eu tinha na cabeça era o seguinte: eu vou fazer nesse período algumas medidas, medidas de Estado, Plano Estadual de Educação, Plano de Cargos e Salários que responde a muitos problemas que a municipalização deixou principalmente que afetou os servidores, vou fazer as eleições diretas para diretor, mandar projeto para a assembleia (porque eu entendo que uma portaria como a deixada pela professora que me antecedeu é um avanço, mas é algo fácil de ser desmontado, como deve ser agora) e quando eu cheguei vi que nem o PARFOR estava sendo implementado. Então eu criei uma comissão, arrumei um DAS para o professor Licurgo, ele montou a equipe, o espaço, então começamos o PARFOR logo no outro mês no Estado do Pará. Na verdade eu só não consegui fazer a lei das eleições diretas, eu já sabia que ela iria ser rejeitada dentro da assembleia. Uma vez que as ações e discussões sobre a municipalização do ensino acumuladas no período de gestão da segunda secretária foram praticamente perdidos com a sucessão de equipes, no mesmo governo, a terceira secretária de educação precisou realizar novas audiências com o SINTEPP para poder compreender em que nível estava a discussão sobre esse tema. E, com base em seu conhecimento acerca dos governos anteriores das reuniões com o sindicato dos trabalhadores, a secretária declarou: Na minha reunião com o Sindicato, que foram várias reuniões, a primeira queixa que eles faziam era da municipalização e isso era geral por onde eu passava: que a municipalização não era clara, que não sabiam no momento de algum beneficio de que lado eles estavam, uma hora eles eram do prefeito outra hora eles eram do Estado, então 142 o servidor não tem clareza e aquela municipalização que eu percebi que foi implementada nos 12 anos do governo anterior, que foi feita com vários municípios, ela serviu pra quê? Me parece que o servidor saiu perdendo, que o nosso professor saiu perdendo, então é (...) em vários direitos, direito a credlivro, direito a uma série de coisas. Então eu disse: não é essa municipalização aqui que foi implementada, que nós vemos que nós temos de dar continuidade e partir para o estudo disso, (...) Então eu percebi que não era a municipalização que viesse a qualificar a educação, que cada ente tivesse a responsabilidade pela sua parcela da gestão da educação no caso do município. (grifo nosso) A luta do SINTEPP para reverter a perda de alguns benefícios tem sido constante nos anos em que a política de municipalização tem sido implementada, contudo, as perdas que têm promovido esse receio dos servidores em serem municipalizados, não foi revertida. No período em que a terceira secretária de ensino esteve na função, a mesma fez algumas anotações as quais nos disponibilizou, sobre os itens em que os servidores se sentiam prejudicados com a política de municipalização. Essa reunião foi feita com os servidores municipalizados do Município de Monte Alegre e Santarém. Entre os prejuízos listados pelos servidores em questão e que, segundo a ex-secretária foram confirmados posteriormente pela mesma, estavam citados: 1- Convênios vencidos, prejudicando ainda mais o servidor; 2-Aposentadoria (Não há um procedimento estabelecido sobre isso) já tem municipalizado para o qual só faltam 05 anos para aposentar, o que significa mais problemas; 3- Eles não têm acesso ao Livro didático; 4- Eles não têm direito ao CRED LIVRO enquanto os outros servidores são agraciados com o benefício; 5- Programa computador para o professor- os municipalizados não puderam usufruir da compra com os devidos descontos; 6- Os municipalizados são excluídos do Vale alimentação introduzido no governo Ana Júlia; 7- Benefícios, tais como Empréstimos consignados e Cheque moradia, o municipalizado não tem acesso; 9- Nos Município onde existe Plano de Cargos Carreira e Salário – PCCR os municipalizados são excluídos. 143 Essa relação de itens em que os servidores se sentem prejudicados tem perdurado, com exceção da inclusão dos servidores municipalizados no PCCR. A Secretária de ensino ao saber que os municipalizados não estavam incluídos no PCCR decidiu, após a realização de um estudo do impacto financeiro, determinar a inclusão dos mesmos. As questões levantadas pelo SINTEPP e as solicitações dos prefeitos levaram à necessidade de se fazer estudos para se compreender os impactos de se implementar a municipalização do ensino, pois percebeu que os prefeitos, ao solicitarem a municipalização, demonstravam que não tinham entendimento sobre o que era isso. Rapidamente eu fiz uma leitura e disse: bem se nem os professores sabem disso, acordaram municipalizados, não tem os direitos devidos, uma série de direitos que o professor do Estado tem e eu disse não pode ser desse jeito. E os prefeitos não compreendem, (...) eles dizem olha se você me der dois milhões de reais, eu recupero essa escola e você me passa tudo. (...) Não é isso! A municipalização, não é uma venda de um espaço físico com os professores lá dentro, isso não é municipalização, como várias vezes fomos abordados pra discutir municipalização, (...). Quando a Secretária percebeu o destaque que as prefeituras davam para a municipalização, decidiu tomar algumas providências para assegurar qualquer decisão no sentido de aceitar as solicitações das prefeituras que manifestaram interesse em municipalizar o ensino em seus municípios. A retomada das discussões internamente na Secretaria deixa clara a ausência de uma linha de continuidade nas ações das gestões desde o início, ou seja, as discussões voltavam a um nível incipiente, caracterizando um circulo vicioso que não permitiu a concretização das várias propostas que foram surgindo ao longo das gestões, como por exemplo, as que surgiram nas discussões dos fóruns regionais já citados. Por essas razões a secretária em exercício determinou que se realizassem estudos com o objetivo de ter fundamentação para poder decidir que concepção e que propostas seriam as melhores para essa política, tal como vemos abaixo. (...) Então que medida eu tomei? Eu disse pára tudo! Se alguém estava fazendo alguma municipalização, comodato, seja lá que nome for, pára, vamos discutir a municipalização, vamos ver uma concepção, entender o que é isso, chamar a rede pra discutir, as prefeituras, as secretarias dentro dos fóruns de secretários de educação pra discutir isso. E, a partir daí, vamos proceder da melhor forma, 144 mais clara: chamando pessoas que discutem esse tema, como vários pesquisadores aqui (UFPA) nós temos, para ver essa situação. A minha sorte era que eu tinha uma adjunta de ensino que domina a situação, eu disse olha (para a adjunta), as questões que estavam sendo colocadas, um pavor (...). Se você for ao interior desse Estado, os servidores tem um pavor da municipalização,(...) a primeira coisa que eles dizem é "Secretária não queremos ser municipalizados, a gente não quer isso, venha discutir conosco", então é algo assim que ficou com uma imagem negativa, que ficou para os servidores, nossos, que estão aí pelos interiores do Estado. (...). Durante a administração da terceira secretária de ensino houve mais uma tentativa de se apresentar uma proposta de alteração nas condições estabelecidas no termo de convênio de municipalização do ensino e nesse momento alguns técnicos da Secretária Adjunta de Ensino – SAEN foram convidados para realizar estudos e apontar onde as cláusulas que regem esse acordo poderiam receber destaques para possíveis debates, com o objetivo de serem alterados. Entre esses técnicos31 foram convidados os que tinham estudos que se aproximavam das necessidades que o tema exigia, mas essa tentativa de apresentar uma proposta fundamentada em estudos e pesquisas não se concretizou em decorrência da saída da titular da SEDUC. Segundo a ex-titular da SEDUC a imagem da política de municipalização do ensino não era boa para os servidores, por medo de que a mesma pudesse trazer perdas e desvantagens profissionais. Entretanto, a ex–secretária percebia que o Sindicato dos professores rejeitava essa política, mais pelo medo de perda de garantias e carga horária do que por sua impossibilidade de trazer algum benefício para a administração da educação pelos gestores municipais, como pode ser observado na declaração abaixo: Não era boa para o servidor, não é boa. Se você for perguntar a posição do Sindicato não é boa, embora eu ache que a posição do Sindicato tem uma conotação de ordem política. Eles acham que municipalizando a SEDUC fica responsável pelo ensino médio e perdem- se carga horária. A leitura deles, (...) vocês são contra a municipalização porque vocês acham que a SEDUC vai ficar responsável só pelo ensino médio, que deve ser a cara dela, e não tem carga horária pra professor. Essa leitura de vocês é incorreta, a SEDUC tem que universalizar o ensino médio, tem que aumentar a sua oferta e num Estado como o Pará onde a juventude não está no ensino médio, está na cadeia, o que mais tem é carga horária de professores e cada prefeitura tem que assumir a sua responsabilidade, 31 técnicos. Vale destacar que o autor desta dissertação também foi um dos integrantes dessa equipe de 145 porque das 200, eu me lembro que nós ofertamos 280 mil novas vagas, quando eu fui Secretária, e dessas 280, 290 mil novas vagas (...), 75% era para o ensino fundamental. Então neste caso a SEDUC está trabalhando, está toda voltada para atender o ensino fundamental, até creche a SEDUC tem, é responsável por creche em Belém. A posição da ex-secretária em relação à municipalização do ensino coincide com a posição do primeiro secretário de educação, pois ambos não eram radicalmente contra a municipalização, mas ao modo como ela foi implementada nos governos anteriores e que perceberam haver a possibilidade de se rever alguns pontos que trouxeram prejuízos para os servidores municipalizados e para a administração das prefeituras. A esse respeito, a ex-gestora da SEDUC destaca na declaração abaixo que não aceitaria municipalizar o ensino apenas com a perspectiva do interesse financeiro demonstrado por alguns prefeitos que lhe fizeram a solicitação. Eu sou contra uma municipalização que você jogue: tá aqui o filho é teu e entregue prédios sem as mínimas condições, todo deteriorado, sem condições nenhuma, (...) eu quero discutir com os secretários, com os prefeitos, é uma municipalização decente, onde a gente entenda o que está fazendo, não na concepção de que os prefeitos entendem, não, (os prefeitos) eu quero tomar conta, alguém disse pra eles (os prefeitos) que é x% por cada aluno e quanto mais alunos mais dinheiro ele tem no caixa dele. Também esta visão é muito presente nos prefeitos, então vamos pegar, vamos municipalizar porque é mais aluno que eu vou ter, porque o custo aluno é tanto, e tanto de dinheiro, eu vou ter dentro da minha secretaria. Se a leitura for desse jeito, meu filho, a secretaria vai ficar sem receita, (...) Se eu for partir por aí, eu vou ser contra a municipalização. Podemos perceber que a segunda secretária de ensino tem uma posição firmada de não ceder à solicitação de um processo de municipalização sem as devidas garantias e cuidados para a mesma tomar a sua decisão. Com o passar do tempo e após algumas reuniões de debates sobre a municipalização do ensino, a vontade dos prefeitos em municipalizar teria ficado mais evidente. Desse modo, as declarações da ex-gestora indicam certa apreensão na sua decisão de não atender a essas solicitações, pois isso poderia pesar contra sua permanência a frente da Secretaria de ensino. 146 E foi criado um grupo para estudar a municipalização. Teve um GT, teve a portaria que estabeleceu um grupo de trabalho onde o Sindicato participava desse GT que no final nós iríamos fazer um fórum sobre a municipalização (...) e teve umas duas reuniões do GT da municipalização e aí eu passei a ter uma pressão muito grande de prefeitos, violenta, para querer a municipalização que é uma coisa que eu nem imaginava que esse tema fosse tão interessante para as prefeituras. E aí eu comecei a ver o que havia o que poderia haver por traz daquilo e eles começaram a perceber que comigo era difícil fazer a tão sonhada municipalização do jeito deles que talvez eu não soubesse, como era, (...) Eles não tem entendimento do que seria uma municipalização e na verdade eu acho que eu não atendi esses desejos, esse é mais um problema que pesa contra a minha permanência na Secretaria, porque eu nunca faria uma municipalização por questões meramente eleitoreiras, a municipalização não é isso (...) e eu não realizei nenhuma, porque não deu tempo e não faria desse jeito, (...). Uma vez que a ex-titular da SEDUC declarou que não faria uma municipalização do modo como os gestores municipais desejavam, ou seja, com vistas simplesmente nos recursos do FUNDEB e também não concordava com as condições estabelecidas no termo de convênio para firmar esse acordo de cooperação técnica entre os entes federados, questionamos a respeito da elaboração de uma proposta alternativa de municipalização que fosse fruto de todos os debates que já haviam sido realizados e se a mesma já havia sido elaborada e se encontrava na secretaria de ensino. Como resposta foi dada a seguinte declaração: Eu não encontrei nenhuma proposta de municipalização eu encontrei uma insatisfação grande, com a forma, o modelo de municipalização implementado pela minha antecessora (...). Essa declaração demonstra que todo o esforço realizado pelos fóruns regionais a respeito das possíveis alterações no modo de se implementar a municipalização do ensino não surtiram nenhuma ação prática por parte da SEDUC ou do Governo estadual. O que parece é que a cada mudança de gestão na SEDUC o resultado foi a perda de recursos e, principalmente, de se realizar as mudanças necessárias nas políticas públicas para a educação, como é o caso da política de municipalização do ensino. Entretanto o Governo do Estado, que a princípio não tinha posição firmada sobre a municipalização, acabou por dar continuidade a essa política independentemente de ter ocorrido 147 alguma alteração nas condições do termo de convênio ou não. É o que a declaração abaixo nos revela sobre as intenções do Governo petista acerca da continuidade da municipalização do ensino. Tinha, (...) mas não tinha ainda a cara do PT. Eu acho que o governo queria atender o que os prefeitos queriam, e as pessoas dentro do governo que achavam que devia municipalizar não entendiam de educação e eu não iria atender quem não entende de educação, tanto que quando eu saí foi feito (...), ou seja, atendeu-se o pedido de alguém que não entende de educação (...). Percebemos na fala da ex-secretária o embate dos interesses políticos e dos interesses educacionais. Todos os Secretários de educação na gestão do governo petista são oriundos da área da educação, mas parece que as decisões político – partidárias em um ano de eleições para o governo estadual, em que a governadora pretendia conseguir a reeleição, influenciaram nas decisões da Secretaria de ensino que, em tese, deveria visar os interesses da educação pública. Outra declaração que indica a primazia das questões políticas em detrimento dos interesses educacionais é a fala da ex-secretária admitindo que não conseguiu realizar a administração defendida pelo seu partido na secretaria de ensino. Segundo a mesma não foi possível realizar a proposta de educação do PT e durante o governo petista como um todo, não houve a concretização dessa proposta, com a exceção do primeiro secretário de ensino e critica a atuação do governo, pois os quadros do partido que eram da área educacional não ficaram na SEDUC-PA. (...) eu acho que quem dirigiu esse governo não teve sensibilidade nenhuma ou quase nenhuma, com a parte educacional. Eu acho que foi um erro, é impossível ter 5 secretários numa área tão sensível, é impossível, não estou dizendo que eu deveria ficar, eu deveria sair, porque nesse modelo de governo eu não me enquadro. Eu fui achando que eu ia desempenhar a proposta de educação do PT, aqui não existiu no Pará, infelizmente. Infelizmente eu tenho que admitir isso, no período que nós estivemos ali, nós tentamos, eu acho que o Mário (primeiro Secretario de Educação no governo Ana Júlia) seguiu uma linha parecida, pelo menos é o que as pessoas comentam. Eu cheguei a ler todo o trabalho dele, houve uma interrupção desse trabalho, na verdade os quadros do PT da educação não ficaram na educação, o máximo que ficaram foi um ano, isso vai ser uma critica minha ferrenha a Governadora Ana Julia, (...). 148 Outra crítica da ex-secretária é a respeito da possibilidade que o governo petista perdeu de deixar a sua marca na política de municipalização, pois, embora o tempo para realizar mudanças fosse relativamente curto (quatro anos), o governo perdeu a chance de promover mudanças que superassem os problemas encontrados nessa política. A municipalização era mais uma bandeira que não foi bem debatida. Quatro anos é pouco pra você desmontar o que em mais de uma década o PSDB firmou como uma dita municipalização é pouco, mas nós deveríamos ter deixado algo mais consolidado nesse sentido, ter percebido onde ficou problemas e ter focado ali, a questão da municipalização é uma delas, nós temos que resolver isso (...). Embora possa ser alegado que em um mandato não há como se resolver todos os problemas da área educacional, não se justifica que os recursos do Estado tenham sido canalizados para o fomento de debates em nível estadual e depois disso não se ter nenhuma mudança consolidada nessa política durante esses quatro anos. A ex-secretária de ensino por ser também professora universitária teve a oportunidade de fazer uma leitura do termo de convênio por um prisma educacional e o resultado de sua leitura não foi satisfatório. De acordo com o seu posicionamento, conforme descreve abaixo, o teor das condições expressas no termo de convênio não seriam os mais interessantes para a educação. Esse tipo de contrato que eu estou vendo aqui não é o mais interessante para a educação. Vamos discutir se realmente é isso, inclusive, quando chegaram a um determinado município, não lembro qual, eu recebi vários telefonemas, quando a equipe chegou ali naquele local foi um Deus nos acuda: os professores me ligando afinal de contas dei aula em todos esses interiores e as pessoas ficaram sabendo que eu era a Secretária e me ligavam. Eu disse, eu não vou municipalizar nada sem a devida clareza, sem o diálogo estabelecido com os nossos servidores que estão no interior do Estado, não vou fazer isso e não fiz, e cumpri até o final. Você não vai encontrar um convênio de municipalização assinado nesse modelo, porque o formato que eu gostaria de ver, de surgir do debate (...). 149 As mudanças nas condições estipuladas no termo de convênio continuam sem alterações e a idéia de construir um processo de municipalização que emergisse do debate amplo e com as representações da área não aconteceu. Todavia, a ex-secretária entende que faltou vontade política para se realizar as alterações necessárias nos termos de municipalização. Para exemplificar como isso era viável, cita como exemplo a quantidade de definições em algumas políticas que estavam em andamento quando de sua posse e que no período em que esteve à frente da SEDUC conseguiu encaminhar. (...) evidente que você poderia me dizer: mas quanto tempo isso ia levar, o plano de cargos e salários? Quando a gente quer priorizar alguma coisa ela acontece, ninguém faz um plano de cargos e salários da noite pro dia, todos os consultores me disseram isso, e não se faz, eu precisei perder quase 10 Kg pra isso. Eu sai de lá igual uma criança, agora, em oito meses era impossível pra eu priorizar plano de cargos e salários, plano estadual, PARFOR, a municipalização. Em alguma coisa eu deixei a desejar que, no caso em plenas eleições, foi a municipalização, eu deixei a desejar para alguns, mas não deixei a desejar para outros (...). Ainda de acordo com a ex-gestora da SEDUC outra coisa que lhe chamou a atenção foram os contratos expirados de municipalização, pois, por se tratarem de termos de cooperação técnica, a lei vigente prevê a duração de no máximo cinco anos para a sua duração. Alguns desses termos estavam sem renovação antes mesmo da gestão petista no governo estadual e que, por essa razão, indiretamente, prejudicavam os servidores municipalizados em seus processos de aposentadoria por tempo de serviço, tendo em vista a inadimplência das prefeituras com o repasse dos descontos dos servidores para a aposentadoria. Eles estavam expirados há muito tempo, e eu fiquei impressionada, quando eu cheguei na secretaria e tinha contratos vencidos há 5, 6 anos atrás, eu fiquei impressionada de ninguém ter observado isso, (...) estava sem controle (...) quando eu sentei para observar, tinha contratos expirados há anos. Eu pedi para se fazer um diagnóstico, não eram contratos expirados assim há 3 anos, ou seja, expirou na gestão do PT, não; tinham contratos expirados ainda na gestão tucana que nem a Bila (apelido muitas vezes utilizado por pessoas próximas da segunda secretária de ensino para se referir a mesma) que deu continuidade a essa municipalização com outro nome, tinha 150 regularizado (...) aí chamei o jurídico para fazer o estudo, para olhar, o que tem ali sem controle nenhum, principalmente a parte da aposentadoria deles. Ali você vai encontrar um monte de professores que já deveriam estar aposentados e que já estão fora do trabalho da folha da SEDUC, mas não estão quando deveriam estar, (...) Outra coisa interessante a ser destacada é que as reclamações acerca da política de municipalização que chegaram à ex-secretária de ensino, não vinham apenas dos servidores municipalizados. Segundo a mesma, as próprias representantes das secretarias municipais de ensino informavam nos encontros de discussão com a ex-gestora que haviam encontrado problemas decorrentes da adesão dos municípios a municipalização do ensino. Desse modo, durante o período de sua gestão não foi possível perceber nenhuma mudança qualitativa com a municipalização do ensino, como expõe a seguir: Não foi possível eu perceber que houve uma mudança qualitativa aonde é municipalizado, seria leviano eu dizer que tinha (...) eu tive uma duas reuniões nos fóruns dos secretários e eles mesmos se queixavam da municipalização igual os servidores (...) até as secretárias me diziam que havia problemas na municipalização implementada (...) nunca houve na verdade uma chamada com os prefeitos para discutir os problemas (...) esse convênio teve esses problemas, vamos modificar esse convênio para algo bem mais claro, porque eu acho que uma medida, um convênio, uma política ela está aí para ser também estruturada, reformulada, aperfeiçoada (...). Para a realização de mudanças na formulação da proposta de municipalização que se tornasse aceitável, em se tratando de uma administração petista, a ex-gestora apresentou três condições para a sua realização: 1. teria que ser observado as questões estruturais dos municípios que desejassem a municipalização se realmente haveria condições ou não; 2. se chamaria as prefeituras para discutir o tema e se chegar a uma concepção que fosse apropriada e construída no diálogo e 3. a SEDUC-PA não poderia aceitar que a municipalização do ensino fundamental fosse tratada como moeda de troca em ano eleitoral. 151 Essas ideias, defendidas pela gestora, não tiveram tempo de serem encaminhadas, pois após oito meses a frente da SEDUC esta foi exonerada32 pela governadora, causando a quebra, mais uma vez, dos trabalhos da Secretaria de ensino estadual. Durante esse período, o discurso em torno da política de municipalização foi diferente do apresentado na gestão anterior, pois a terceira secretária envidou esforços na busca de uma concepção de municipalização que deveria ser construída de forma dialogada com as prefeituras e os servidores e não se deteve na defesa das possibilidades que a mesma poderia trazer para a educação nos municípios. Nesse momento optou-se por parar tudo e se deter nos estudos de uma nova forma de se municipalizar. 3.4.4 – Das Dificuldades de Encaminhamento das Ações à Assinatura do termo de Convênio com três Municípios: uma visão geral da gestão nos quatro anos No período da gestão da secretária Yracy Gallo, a CODES estruturou a Gerência de Municipalização e nesta Coordenação trabalhou uma equipe que, com a exceção dos coordenadores, se manteve estável no que tange a permanência dos seus integrantes, durante o Governo petista. Nesta Gerência de municipalização, entrevistamos a coordenadora da equipe e um técnico em educação que atuaram juntos praticamente desde o início no departamento de municipalização do ensino e que puderam contribuir bastante como o olhar de quem está diretamente trabalhando com a temática. Em se tratando de uma servidora que esteve desempenhando suas funções na referida coordenação por quase todo o tempo em que o Governo petista esteve à frente do Estadotrabalhando no início como uma das técnicas que integraram a equipe e posteriormente assumindo a coordenação da equipe de municipalização, com a saída do professor Teodomiro Sanches- perguntamos à coordenadora "por que foi o Governo petista que decidiu dar 32 De acordo com o Jornal Diário do Pará a saída da Secretária de educação do Estado, Socorro Coelho, entre outras razões deveu-se a divergências com a Governadora sobre a aplicação de R$ 164,4 milhões que o Ministério da Educação destinou ao Pará para o fortalecimento do ensino médio. O problema é que teria havido também o interesse do secretário Marcílio Monteiro nos recursos para dinamizar o projeto Navega Pará. Como não cedeu em defesa da verba para a SEDUC, a ex-secretaria viu-se num embate direto com um dos homens fortes do governo. Outro ponto de discórdia foi a recusa da ex-secretária em pagar as obras de reforma às empreiteiras que construíram 88 escolas sem licitação. Disponível em: http://diariodopara.diarioonline.com.br/impressao.php?idnot=54945 152 continuidade à política de municipalização? E o que se desejou ou se deseja com essa continuidade?". Essas questões receberam em resposta as seguintes argüições: Essa é uma pergunta que nós aqui não temos essa resposta, o porquê da continuidade, porque nós não estivemos em nenhum momento na mesa de debate dos rumos da municipalização. Aqui, a gente ficou (muito) com a tarefa de ir in lócus e formalizar o que se havia colocado, mas nós não fomos chamados para discutir o processo da municipalização em nenhum momento com nenhum dos 5 (cinco) secretários do porquê da continuidade ou não. Então, nós não temos essa resposta para te dizer o porquê da continuidade ou não do processo de municipalização (Coordenadora da equipe de municipalização). A Coordenadora não está dizendo que nunca conversou sobre a municipalização do ensino com nenhum Secretário, mas que não ouviu deles as razões que levaram a cúpula do governo a se decidir por dar continuidade a essa política. Em se tratando de um governo estadual que de início, quando chegou ao poder, não tinha uma posição formada a respeito da política de municipalização- conforme entrevista realizada com o primeiro secretário de educação- para depois assumir ama posição favorável à continuidade da mesma, no mínimo deveria haver clareza das razões dessa continuidade. E essas razões, segundo as falas dos membros da equipe de municipalização, não chegaram ao conhecimento deles. Em nenhum texto oficial ou declaração de Secretários conseguimos perceber uma apresentação de motivos que fizeram a SEDUC tomar essa posição. Se de um lado promover um processo de desmunicipalização acarretaria uma série de dificuldades de ordem administrativa e financeira, de outro, simplesmente decidir em não dar continuidade a esse processo, não traria maiores problemas. Não obtivemos resposta dos motivos de sua continuidade o que indica dificuldades de condução desse processo por parte do Governo estadual. Ao iniciarmos a entrevista com a Coordenadora da equipe de municipalização e o técnico educacional que colaborou nas explicações sobre a dinâmica vivenciada pelos membros da equipe durante o governo petista, percebemos que os mesmos em suas falas se ressentiam do fato de não terem participado das discussões a respeito dos rumos que a política de municipalização deveria tomar, uma vez que nenhuma outra equipe na SEDUC poderia ter mais propriedade do que eles a esse respeito. 153 Essa equipe, em virtude de suas viagens para vários municípios que solicitavam visita técnica para viabilizar estudos com o objetivo de verificar a possibilidade de se realizar a municipalização do ensino, pode detectar as dificuldades oriundas desse processo e assim repassá-las aos gestores da SEDUC. No entanto, eles próprios informam que não participavam dessas discussões. (...) nós colocamos quais as dificuldades o que a gente achava que tinha que avançar, pra ter o nosso olhar, a nossa concepção do que é garantir a seguridade do servidor, mas não do porquê das coisas. A gente não teve esse espaço de debate, não fomos ouvidos; pra ti ter uma idéia, por exemplo, a gente nunca foi chamada para uma reunião com a Sandra Leite33, com a SEAD, pra que a gente tivesse (...) quer dizer, quem sempre teve assento pra discutir algumas questões que a gente levantava era o Everaldo do financeiro e a Ligia do GCFOP, eles tiveram essa participação com os outros entes federados e com as outras secretarias que fazem esse formato que, embora a gente tivesse tentado descobrir, como é que era (...) nós sabemos que existe um recurso destinado para a municipalização que até hoje terminou o governo e não sabemos qual é esse recurso, onde está esse recurso, qual é rubrica que ele está porque a gente não sabe dessa verba. É uma interrogação, embora a gente tivesse feito algumas perguntas a gente não sabe dizer onde, aqui, hoje, agora, onde está o dinheiro destinado à questão da municipalização, embora a gente saiba que existe, ainda está muito fechado o debate. Essas afirmações indicam que os integrantes da equipe de municipalização estavam mais envolvidos com a execução do que era discutido sobre a municipalização do ensino no interior da Secretaria de ensino do que no diálogo da SEDUC com as outras secretarias Governo. Isso indica a separação das dimensões do pensar e do fazer o que pode tornar a realização de determinada atividade uma coisa sem sentido, pois seus executores podem não se identificar com aquilo que fazem. A Coordenadora da equipe frisou que não foi oportunizada, em nenhum momento, a participar da discussão a respeito de vários problemas envolvendo a municipalização e que vinham de anos anteriores ao governo petista, o pode ser observado nas seguintes declarações: 33 Sandra Helena Morais Leite foi presidente do Instituto de Assistência à Saúde dos Servidores do Estado do Pará – IASEP no período do Governo de Ana Júlia. 154 Em nenhum momento, pra discutir essa questão não. Para você ter uma idéia em 2009 a gente não conseguiu nem fazer deslocamento porque o que é que o governo dizia para a gente: "não tem recurso". O assessoramento que a gente acha que é importante, não conseguimos fazer, regularização de convênio em 2009 foram poucos que a gente conseguiu fazer. A gente conseguiu fazer deslocamento só para apagar alguns fogos, mas em 2010, não, a gente conseguiu sair para regularizar convênio, de formação não porque tu não deixa de fazer; tu esclarece, tira algumas dúvidas, então isso não deixa de ser uma formação, que nós com a nossa concepção que deve ouvir esses pares é que a gente já fomentou esse debate, mas a gente não teve um recurso destinado para o assessoramento como a gente sempre pensou e formulou para isso. Para regularizar os convênios a gente acabou fazendo isso pelo nosso compromisso de chegar lá no município, de ouvir essas pessoas, de ver os encaminhamentos, de tentar trazer os processos das pessoas para ser resolvido. Para você ter uma idéia tem pessoas que estão numa fase de aposentadoria que tinham 200 horas na época da municipalização e que estavam se aposentando com 100 horas, pessoas com 25 anos de sala de aula ganhando um triênio de 10%. São perdas imensas de dinheiro desse povo, então um grande desafio; mas essa resposta do porque da continuidade nós não fizemos esse debate, esse debate foi muito por cima, (...). Observamos que essa relação de problemas decorrentes do processo de municipalização que enquanto política não foi revisto para possíveis correções ao longo de todos os governos do PSDB, não pode ser considerada como uma surpresa ou novidade por nenhum dos gestores da Secretaria de ensino, uma vez que tal temática veio sendo debatida desde o primeiro ano do governo do PT à frente do Estado e em vários momentos, tendo como exemplos a I Conferência Estadual de educação, as audiências com os representantes dos professores por meio do SINTEPP, as discussões no Fórum de Secretários de educação e os Fóruns regionais de municipalização. Essas situações-problemas, elencadas em vários momentos aos gestores da Secretaria de ensino, deveriam levar o governo a tomar medidas que encaminhassem para a sua superação, porém, não conseguimos em nossa entrevista com a Coordenadora da equipe de municipalização, entender as razões de se continuar municipalizando o ensino fundamental, pois segundo a mesma esse debate esteve restrito e não chegou a sua equipe. A respeito de uma avaliação do processo de municipalização pela SEDUC durante o período em que trabalharam na equipe, as declarações foram a seguinte: 155 Sim, por essa equipe aqui, a gente que fez as proposições. Por exemplo, o primeiro momento que a gente chegou a participar, eu não, mas eu acho que o Adamor sim, que foi no primeiro fórum interno, que foi chamado as IES (Adamor diz no primeiro não (...) então, assim, houve um momento aqui, dentro foi no auditório onde foi chamada a Universidade federal do Pará, foi chamado o SINTEPP na pessoa do Antonio Carlos, o governo chamou esse momento de debate e desse debate surgiu o GT da municipalização que apontou para os fóruns, fóruns regionais com o objetivo de discutir (...). Na participação da equipe nos fóruns regionais de discussão, algumas impressões do grupo acerca da municipalização, acabaram não se evidenciando durante a realização dos fóruns, como por exemplo, a atitude em relação a essa política por parte dos servidores municipalizados. Segundo a Coordenadora, durante a realização do Fórum de Marabá o SINTEPP questionou entre os presentes, quem se posicionava favorável à desmunicipalização, que é a posição defendida pelo Sindicato e de acordo com a mesma isso não se confirmou. Em Marabá o SINTEPP levantou um questionamento “quem era contra a municipalização?”. Nós achávamos que ia ser unânime, né, todo mundo levantando e, pra nossa surpresa, não houve esse momento dos servidores que ali estavam dizendo que queriam a desmunicipalização, (...) os servidores que foram cedidos que foram municipalizados e esse fórum era com esses pares, então ninguém ali se inscreveu dos servidores para dizer que queria a desmunicipalização. A atitude dos servidores causou surpresa à Coordenadora, pois esta foi uma oportunidade de demonstrar todo o descontentamento dos mesmos contra essa política. Entretanto, duas coisas estão implicadas nesse depoimento: a posição dos servidores estaduais que foram municipalizados, aparentemente, não é radicalmente contra a municipalização do ensino e a outra é o enfraquecimento da posição defendida pelo Sindicato dos professores, que deseja, de qualquer maneira, a desmunicipalização imediata do ensino fundamental, uma vez que nem mesmo os professores parecem defender essa idéia. Apesar de que, no debate realizado em Marabá, os servidores municipalizados não foram unânimes em defesa da desmunicipalização, ela tem sido solicitada por vários servidores, como nos explica a Coordenadora, uma vez que a CODES recebeu vários pedidos de 156 desmunicipalização e estas solicitações poderiam estar acarretando problemas financeiros para a SEDUC, como observamos nos esclarecimentos dados: Muitos (pedidos de desmunicipalização), hoje nós fizemos um levantamento de 2009 e 2010 que dá um total de 134 servidores que pediram a desmunicipalização, mas eu estou te dando o quadro de 2009 e 2010, ta? Não é dos 04 anos, porque é muito aberto para o servidor esse direito dele querer pedir a desmunicipalização. O professor de séries iniciais está muito preso, ele não pode nem pedir, porque se ele pedir, ele vai ficar em disfunção, porque vai ficar ainda pior a vida dele, então ele acaba ficando, mas o pessoal de apoio, o administrativo, ele pediu a todo momento. A gente está recebendo pedido de desmunicipalização (...) o que tem uma fala de que o que está hoje inviabilizando a questão financeira dessa casa passa pela municipalização, a gente discorda, mas tem hora que a gente também concorda que há, porque veja bem: o município municipalizou, foram todos os servidores, migraram os alunos, a verba passa, federal, FUNDEB, direto para eles, mas esse dinheiro fica lá e esse servidor começa a voltar pra cá e volta também na aposentaria que é automático, então ele retorna como aposentado e também a qualquer momento que ele queira que haja vaga em determinada escola ele volta também pra nós. Então há um pedido grande de desmunicipalização a maioria de servidores que estão na parte de apoio, professor mesmo poucos, porque ele vai ficar em disfunção? Como podemos observar, há uma diferença na motivação dos servidores no momento de decidirem solicitar a desmunicipalização ou não, pois os servidores de apoio, diferentemente dos docentes, não trabalham com base em hora-aula e nem recebem as vantagens de professores em efetiva regência de classe. Desse modo, mesmo que os professores não concordem com o fato de terem sido municipalizados acabam constrangidos a permanecerem nessa condição, por receio de terem perdas em seus contra-cheques, no caso de ficarem em disfunção de serviço, ou seja, terem que desempenhar uma atividade diferente da docência. Algumas prefeituras, também, tiveram a intenção de desmunicipalizar o ensino fundamental, segundo declaração da Coordenadora, mas teriam se convencido de que perderiam o repasse de recursos do FUNDEB correspondente às matrículas realizadas na rede estadual e, por isso, desistiram dessa intenção. 157 (...) os prefeitos acham que ele municipalizou, mas agora ele não quer, ele pensa que vai ficar com tudo e só vai mandar de volta o nosso servidor, mas o nosso servidor não pode voltar sozinho, né? Aí ele teria que devolver as escolas, deveríamos criar matrícula e aí, quando ele começa a entender isso, ah! O prefeito não quer mais o nosso servidor? Ah! então a gente vai abrir matrícula, "ah! mas é assim ,é?", então acaba; mas não há uma disposição dos prefeitos em dizer “ah, quero” (...) e dá atenção para os nossos servidores é todo o recurso que está lá, né? e que ele sabe que não tem mais retorno, né? O processo na nossa avaliação não tem mais retorno, é contínuo, (...) é um processo que vai avançar e que vai chegar a 100% e que o Estado vai ficar responsável pelo que a Lei coloca que é o ensino médio. Além da perda dos recursos do FUNDEB com a desmunicipalização do ensino fundamental, outras implicações poderiam decorrer dessa decisão, tanto para o governo estadual, como para o municipal. Ao longo do período em que a municipalização do ensino está ocorrendo, o Governo estadual não realizou concursos para a efetivação de novos servidores para substituir os que se aposentaram, nem os temporários que foram destratados e nesse período as prefeituras realizaram concursos para a efetivação de servidores que trabalhassem nas escolas transferidas para a sua administração. Assim sendo, um processo de desmunicipalização ocasionaria problemas de lotação nas prefeituras, pois não haveria onde lotar os servidores e enquanto isso o Governo estadual seria forçado a realizar novos concursos ou realizar contratações de servidores temporários, ou seja, ambos os entes teriam problemas. Esses fatores acabam sendo determinantes para a manutenção dos convênios de municipalização e, no entendimento da Coordenadora, caminhará para atingir 100% dos municípios paraenses. Essa perspectiva é corroborada com a procura de outras prefeituras que solicitam estudos de impacto para possivelmente municipalizar o ensino fundamental em seus municípios como vemos no comentário: "Nós estamos com mais uma relação de pedido de visita técnica que é Colares, Ponta de pedra, Bragança e São Caetano, quatro municípios que estão pedindo visita técnica que já é um passo do processo". Para a Coordenadora da equipe de municipalização o problema principal dessa política está na perda da seguridade dos servidores municipalizados, pois, segundo ela relata no momento das discussões realizadas nos fóruns regionais, a fala dos servidores indicava que eles percebiam avanços na área educacional, mas em contrapartida a seguridade deles foi afetada. 158 Qual é o grande problema da municipalização? A seguridade, as vantagens que esse povo perdeu ao longo da história, então a fala deles era que, em termos de ensino, houveram avanços dentro dos municípios, por ter a relação mais próxima com os prefeitos (...) houve avanço na área do ensino, mas na área da vantagem dessa seguridade foi um caos só. Então foram todos esses debates, discutimos nos GTs (...) e assim em termos de ganho político no debate, o SINTEPP foi muito armado (...) porque o objetivo do SINTEPP era desmunicipalizar, acabar com a municipalização (...) desde o princípio e aí eles não tiveram muito (...). Aqui podemos perceber a posição dos sujeitos em relação aos seus discursos ideológicos. As posições assumidas por SEDUC e SINTEPP são irreconciliáveis, ocasionando confrontos discursivos inevitáveis que a constituição da mesa permanente de negociação estabelecida na gestão da segunda secretária de educação não conseguiu dirimir. Conforme declarou a Coordenadora, as disputas ideológicas entre os representantes do SINTEPP e da SEDUC foram bastante acirradas, principalmente no GT de financiamento, onde os representantes do Sindicato envidaram esforços para defender suas ideias. Todavia, a Coordenadora avalia esses encontros como positivos pela possibilidade de dar voz aos mais interessados e afetados por esse processo, conforme declara nos seguintes termos: O GT que era mais acirrado era o de financiamento que era onde eles ficavam, que era onde o Antonio Carlos ficava, toda a cúpula do SINTEPP, (...) então esses fóruns se tivessem tido a continuidade teria sido muito bom, porque foi um momento que a gente parou para ouvir essas pessoas, embora, por fora do fórum, a gente também saiu para os municípios para ouvir esses servidores, porque quando a gente chegou em Breves, eu e o Adamor, foi que a gente começou a detectar aquelas pessoas com 100 horas entrando em uma fase de aposentadoria, aonde a gente fez um debate tranqüilo com os secretários, colocando, sensibilizando os secretários e a gente conseguiu resolver muitas situações. Para a gente foi positivo de regularizar essa carga horária de alguns servidores que estavam em uma fase de aposentadoria, outros, a gente não conseguiu, em termos da equipe aqui que a gente conseguiu avançar a gente deu passos largos, mas sempre com a dinâmica de lá pra cá. 159 A Coordenadora nos informou que em uma reunião de avaliação com os demais integrantes da equipe sobre as suas ações durante o governo petista, no dia em realizamos a entrevista, concluíram que, se não houvesse ocorrido tantas descontinuidades na gestão da SEDUC, se poderia ter alcançado resultados melhores, ao que nos relata da seguinte forma: Ainda agora a gente estava fazendo uma reunião de avaliação, a equipe e a gente estava colocando essa questão: quando a gente já estava no encaminhamento com o Secretário que estava no momento para os encaminhamentos, aí quebra, aí muda secretário, aí tu vais tentar empoderar de todo o debate (...) e aí a gente começou a ser chamado para apagar fogo: o prefeito tal, do município tal, com a lotação que deu problema (...). Com as descontinuidades de gestão na SEDUC a equipe descreveu que suas ações foram marcadas por idas e vindas no processo de encaminhamento de propostas para se conseguir diminuir as dificuldades encontradas em decorrência de falhas na implementação da municipalização do ensino. E após essa série de indefinições nas ações propostas a coordenadora da equipe nos relatou que foi encaminhada à ordem da Casa Civil, para que se realizasse a municipalização do ensino fundamental em três municípios. Essa assinatura dos termos de convênio de municipalização foi celebrada na gestão do quarto Secretário de educação e, de acordo com as declarações da Coordenadora, essa decisão não foi aprovada pela equipe, como podemos observar na exposição abaixo. (...) aí no final do Governo, no segundo semestre de 2010 veio o encaminhamento da Casa Civil, que nós aqui, a nossa comissão aqui, é contrária a qualquer tipo de municipalização, desde que a gente não conseguiu dar as respostas para esse segmento. Apresentamos que éramos contrários, dissemos porquê éramos contrários, a qualquer municipalização se a gente não conseguia dar resposta para a complexidade que é o processo, mas a ordem veio da Casa Civil para municipalizar os três Municípios que foi Curionópolis, Bom Jesus e São Sebastião e a ampliação em São Domingos (...) então nós tivemos que fazer o que estava sendo determinado. Em nenhum momento a gente foi escutado, no sentido de que a gente vai para o município se compromete com esse servidor, de garantir o que é de direito, (...) (grifo nosso). 160 É interessante observarmos que a decisão em realizar essa municipalização nos três municípios acontece em um contexto político específico. Alguns aspectos envolvendo a assinatura desses termos de convênios nos chamam a atenção. Primeiramente, a decisão em realizar a municipalização do ensino fundamental nesses três municípios, de acordo com as declarações acima, partiu da Casa Civil, que não trabalha com a área da educação e nenhum de seus representantes participou das discussões internas da SEDUC ou nos fóruns de debate em Breves e Marabá. Portanto, essa determinação levou em consideração aspectos políticos e não educacionais. A segunda coisa interessante nessa decisão, é que ela ocorreu com apenas quatro meses de gestão do quarto secretário de educação e que não contou com a aprovação da equipe de municipalização que se manifestou contrária a uma continuidade ao processo de municipalização, sem que as respostas aos problemas que foram encontrados tivessem sido dadas pela SEDUC. Nessa perspectiva, essa decisão configura, de certa forma, uma ingerência na gestão da SEDUC, que se confirma com a origem do encaminhamento para se efetivar o processo de municipalização, ou seja, a Casa Civil. Um terceiro aspecto a ser considerado, é sobre a quebra do acordo feito entre a SEDUC e o SINTEPP34 e o fim do diálogo que envolvia as decisões acerca da política de municipalização do ensino fundamental. As divergências35 entre o quarto Secretário de educação e sua antecessora é um quarto aspecto a ser considerado, pois ambos defendem pontos bastante divergentes sobre a condução da SEDUC. 34 Em sua página na internet o Sindicato apresentou uma nota de repúdio à quebra do acordo com o SINTEPP em que foi decidido que somente se realizaria a continuidade da política de municipalização após o término dos fóruns regionais para se chegar a uma conclusão a respeito de qual seria a concepção de municipalização a ser efetivada no Estado. Fonte: www.sintepp.org.br/sessão.php?idn=498&com=n 35 O quarto Secretário de educação ao assumir a cadeira de titular na SEDUC, divulgou uma carta considerada caluniosa e difamadora, segundo a sua antecessora. Esta carta classificou a gestão da exsecretária de “desastrosa”. Segundo o quarto secretário, “Proclamou-se um governo de cem dias que terminou sem prestação de contas e com resultados pífios, ações pirotécnicas e muito pouco trabalho”, declarou. Para ele, a meta da ex-secretária era perseguir as ações da antecessora, Iracy Gallo, com quem Socorro teria divergências desde a Universidade Federal do Pará onde as duas atuavam. Segundo Cavalcante, no período em que esteve à frente da SEDUC, Socorro “tomou um conjunto de medidas equivocadas que levaram à paralisação” do órgão. “Suas decisões atabalhoadas levaram, também, à paralisação de obras importantes”. Por essas razões, segundo Cavalcante, Socorro deveria ser demitida da SEDUC. Declarações disponíveis em: http://diariodopara.diarioonline.com.br/N-89823RECUSA+EM+PAGAR+OBRAS+DERRUBOU+EX-SECRETARIA+.html 161 Uma quinta situação que nos chama atenção é a contradição nas declarações do quarto Secretário de educação feitas e registradas no ato de assinatura dos termos de convênio e que não se coadunam com as declarações da Coordenadora da equipe de municipalização feitas no momento desta entrevista. O portal da SEDUC registrou o evento de assinatura dos termos de convênio que legitimou o processo de municipalização do ensino fundamental nos municípios de Bom Jesus do Tocantins, São Domingos do Araguaia e Curionópolis no auditório da Secretaria de educação. E nessa ocasião o informativo do Portal da Secretaria registrou que, Foi um momento de grande satisfação para o titular da SEDUC e para os prefeitos que assinaram o acordo. "Sei que o processo de municipalização foi muito bem discutido nos municípios sem prejudicar os trabalhadores", reforçou Cavalcante, ao reconhecer o trabalho da equipe do setor de municipalização do órgão (site da SEDUC/PA). O processo de municipalização realmente foi discutido, mas segundo confirmação da Coordenadora da equipe de municipalização, as respostas que a complexidade do processo exigia não foram dadas pela Secretaria de ensino, por isso a equipe se posicionou contrária à assinatura desses convênios. Essa situação se confirma nos encaminhamentos que a Secretaria deveria ter feito para a garantia de que os servidores não seriam prejudicados e que não foram implementados. A respeito das garantias dos direitos dos servidores que foram cedidos para as três prefeituras que municipalizaram o ensino fundamental na gestão do quarto secretário de ensino perguntamos se havia garantias da SEDUC de que os servidores não seriam prejudicados com a assinatura desses termos de convênios. O grande problema da municipalização é a seguridade do servidor, se a gente municipaliza e garante não tem problema com a municipalização. Agora por exemplo, os municípios que municipalizaram, Curionópolis, São Sebastião e Bom Jesus, a questão que a gente conversou com a Ana Lúcia "e aí está na fase de transição, já vai estar passando tudo para os municípios, os recursos do FUNDEB que até então eram os 40%, já está com 60%, e aí no final do mês, os servidores que foram municipalizados agora está garantido o auxílio?", não vai estar, não vai estar! Aí eles vão começar a ter as perdas todinhas. Agora o 162 Governo prometeu que ia ser garantido, que ia ser garantido pra eles, só que não são só eles três, são os 103 municípios. Pra mim o grande nó da municipalização é a perda da seguridade do servidor; se o Governo garantir isso não tem problema, acredito que não é a minha fala, mas é a nossa fala que é de garantir o que é de direito dos servidores. Observamos, pelas declarações acima, que a decisão de municipalizar o ensino fundamental nesses três municípios, por parte da gestão da SEDUC e que foi determinada pela Casa Civil, não possibilitou as garantias devidas para os servidores, pois consistiu mais em promessa de governo do que em dispositivos legais que fossem independentes da vontade dos governantes. E entre todas as perdas dos servidores municipalizados a única que foi garantida, segundo a Coordenadora, foi o direito ao Credleitura36. (...) aí foi feito estudo de impacto para ver como a gente garantia as vantagens, então agora no final de 2010, a gente consegue então o Credleitura que eles nunca tiveram direito, os municipalizados, esse ano foi que eles tiveram, nunca! Já com esse movimento nosso, esse debate coletivo e tudo, a gente consegue garantir. O auxílio que é um nó e continua sendo até hoje, a gente não conseguiu garantir o auxílio e o que o Governo dizia é que esse recurso existia, mas eles teriam que ver como ele seria operacionalizado e esta operacionalização não aconteceu. Entre as vantagens e direitos dos servidores estaduais, esses créditos que os docentes recebem para a compra de livros, uma vez por ano, não se constituem em um direito, mas em uma política de concessão de benefícios e incentivos à formação dos servidores. Como não é um direito previsto em lei estadual, pode ser facilmente retirado dos servidores estaduais ou municipalizados. Entretanto, o vale alimentação é uma política de governo efetivada apenas no Governo petista e mesmo com o conhecimento de que havia recursos para o pagamento dos servidores municipalizados, isso não ocorreu. De acordo com a Coordenadora, o repasse do recurso do vale alimentação dos servidores municipalizados foi paralisado por dificuldades no controle desse 36 Credleitura é uma ação do Governo estadual que por meio de concessão de crédito para os servidores que tem conta corrente no BANPARA – Banco do Estado do Pará recebem um valor estipulado pelo Governo a cada Feira do Livro para a compra de livros. 163 repasse para os servidores e devido ao repasse indevido desses recursos, pois as prefeituras estariam utilizando ilegalmente os recursos do FUNDEB para realizar esse pagamento, tal como podemos observar na seguinte declaração: No ano de 2010, no início de 2010 todas as prefeituras receberam. Depois disso o Everaldo nos diz então que estava passando um documento para as prefeituras, porque teve prefeitura que recebeu, mas não chegou esse dinheiro na mão do servidor, prefeituras que diziam que já estavam pagando e queriam ser ressarcidas, uma série de problemas e aí levantou tudo de novo. Pára tudo e os municípios que estão pagando é porque o prefeito está pagando irregularmente, porque ele está pagando com o FUNDEB, com o FUNDEB não pode ser pago esse auxílio, isso teria que ser uma contrapartida do Governo, não do FUNDEB, governo municipal, aí os prefeitos que pagaram, agora querem ressarcimento do governo do Estado desse auxílio que foi pago. Alguns municípios ainda estão pagando, outros não, esse é um grande entrave que a gente não conseguiu encaminhar. Os servidores municipalizados não recebem auxílio alimentação e quem recebe os cofres municipais vão ter que ser ressarcidos e podem até responder, por que o FUNDEB não pode ser usado para pagar auxílio alimentação. O repasse dos valores correspondente ao vale alimentação dos servidores municipalizados, se constitui em mais um problema para o qual os gestores da Secretaria de ensino ainda não apresentaram solução. No Governo petista, o vale alimentação foi estendido para todos os servidores estaduais e isso inclui os municipalizados, independente de estarem cedidos para as prefeituras, pois não deixaram de ser servidores do Estado. No espelho do contra-cheque dos servidores municipalizados que é gerado pelo governo estadual e enviado para as prefeituras, consta o valor do vale alimentação que deve ser repassado para esses servidores, porém isto não estaria acontecendo porque os municípios que receberam os recursos do governo estadual para efetuar esse pagamento, não estariam efetivando o mesmo. Outro problema que estaria ocorrendo é o pagamento do vale alimentação pelos municípios, mas de forma indevida, pois estaria havendo a utilização dos recursos do FUNDEB para isso, ação esta, que constitui mal uso de recurso público. Os municípios que realizam o pagamento do vale alimentação e esperam ressarcimento por parte do governo estadual demonstram que as prefeituras entendem que essa fonte de recursos deveria sair do Governo do Estado e não ser pago com os recursos das prefeituras, uma 164 vez que essa não é uma política do governo municipal. Essa mesma leitura é feita pela Coordenadora ao enfatizar que: Tudo tem que sair do Estado porque todas essas vantagens são vantagens específicas que aí não entram na questão do FUNDEB. Eu vou garantir auxilio alimentação, é uma prerrogativa do Estado, o cheque moradia é uma prerrogativa do Estado, o computador do professor, né? São vantagens do Estado, o Estado é que tem que garantir, tudo é do Estado. Porque então, se ele é nosso servidor, ele foi cedido, ele foi emprestado para aquela prefeitura o vencimento dele está ok! Mas as vantagens é que devem ser asseguradas por aqui. Aí eu te pergunto: o Estado já tem bem definido com quem ele tem que se comprometer que é com o ensino médio, então deixou pra lá; eu não vou garantir mais nada para os caras. Aí a gente sabe que é uma questão que não vai mais ter retorno, que vai dar continuidade, perderam a identidade deles, não tem informação dos seus ganhos. Quando a gente descobriu que hoje o professor ou a professora que nunca saiu da sala de aula, que foi professora por 25 anos, ela tem direito a mais 10% do Regime Jurídico Único artigo 33, eles não sabem disso, nem nós sabíamos, eu descobri isso numa reunião que eu estava lá na SEAD (...). Mesmo com vários problemas ainda não resolvidos, a Coordenadora acredita que há um tratamento diferente sobre a política de municipalização do ensino no Pará no Governo de Ana Júlia. Pelo menos três coisas ocorreram durante o governo petista que seriam positivas em se tratando de municipalização do ensino: A primeira diz respeito à inclusão dos servidores municipalizados no PCCR que a princípio não estariam contemplados mas depois de discussões na SEDUC se chegou a conclusão de que os mesmos têm o direito a serem beneficiados com o PCCR. E a Coordenadora explicou como foi essa mudança de entendimento sobre os municipalizados da seguinte forma: É, mas não era (...) porque não havia esse entendimento de que ele retorna na aposentadoria e que ele retorna a qualquer momento que ele pede a desmunicipalização, foi a partir do nosso debate com a secretaria de educação que até então era a Socorro Coelho, que nós conseguimos sensibilizá-la para que ela tivesse esse olhar: esse servidor ele retorna e quando ele retorna, ele fica aonde? E aí ele 165 não estava contemplado e ele entrou na questão da discussão do plano (...) agora se não houve nenhuma mudança lá na questão do formato ele está contemplado. Ele tem que estar porque se eu entro no código de aposentadoria do Estado eu tenho que estar em algum lugar, né? Então ele está contemplado. Outro ponto positivo estaria na forma de se relacionar com as prefeituras e os servidores municipalizados, pois estaria presente o diálogo com essas pessoas, coisa que antes não teria acontecido de acordo várias declarações feitas pelos servidores. E, sobre esse aspecto, a Coordenadora nos se posiciona da seguinte forma: Eu diria que foi o diálogo, porque nos municípios, quando a gente chegava nos municípios, o que eles diziam pra nós nunca era que ninguém foi lá, esse povo eles perderam a identidade, se eles fossem procurar algum processo deles vinha a prefeitura municipal, a secretaria municipal de educação a fala era: vocês são do Estado, se eles procurassem a URE vocês são municipalizados, então essas pessoas não conseguiam ter aquela identidade de alguém que pudesse dar encaminhamento dos processos, aí a gente apresentou um projeto de formação dos técnicos em educação (...) e aí então a gente apresentou esse projeto de formação para esses técnicos darem a resposta, não saiu do papel, embora a gente tivesse várias vezes apresentado essas proposições, até com planilha de custo, com espaço, com período, com data, com tudo, mas a gente não conseguiu sensibilizar o governo da necessidade e a gente tem esse projeto de formação para os técnicos, pra gente era um caminho para descentralizar de fato o processo (...). Outro ponto positivo destacado pela Coordenadora foi o trabalho realizado por sua equipe, no sentido de não deixar os contratos expirarem: "mais uma questão positiva: não deixamos ou procuramos não deixar expirar convênios, fazer os termos aditivos nos prazos, a gente da nossa avaliação a gente não deixou acho que expirar três", afirmou. Embora a Coordenadora identifique o diálogo como o elemento inovador no trabalho desenvolvido pela Secretaria de ensino, esse diálogo pelo que nos parece, foi mais uma iniciativa pontual de algumas gestões que assumiram a SEDUC e da própria equipe em si, na tentativa de contribuir para a solução das dificuldades encontradas, do que uma diretriz da própria Secretaria de ensino a ser seguida nos quatro anos do Governo Ana Júlia. Não estamos discordando que tenha havido falta de diálogo de alguma gestão com os servidores ou alguma prefeitura, mas estamos nos referindo ao diálogo para a concretização de propostas. Até mesmo 166 os integrantes da equipe de municipalização, segundo relato da Coordenadora, não se sentiam ouvidos para que apresentassem suas propostas e pontos de vista sobre as questões que surgiam e, em algumas reuniões em que a discussão era sobre a municipalização do ensino, não foram convidados a participar, tal como nos informa um dos técnicos da equipe. Se tu me permites uma ressalva, houve discussões, mas nós não éramos chamados; tiveram fóruns, encontros com os secretários municipais de educação, com a UNDIME, com as associações de municípios só que eram chamados, vamos supor, secretários adjuntos, as chefias, mas a equipe de municipalização nesse trabalho direto, nessa temática, não era chamada, (...) a discussão de concepção nós nunca chegamos a participar (grifo nosso). A equipe de municipalização, ao longo de quatro anos, esteve em contato direto e indireto com as questões que envolvem a política de municipalização e a ausência de seus integrantes em qualquer reunião que pretendesse buscar a definição de novos parâmetros de concepção em sua implementação, condução que seria, no mínimo, inadequada para se ter a percepção de quais são suas maiores dificuldades. Nesse âmbito, podemos perceber que houve diálogo, debates e discussões, mas poderia ter recebido, ainda, as contribuições dos profissionais que mais diretamente estavam envolvidos com a temática. As declarações do técnico da equipe podem ser confirmadas na fala da Coordenadora: Quando a gente sabia o prefeito tal é que foi pra mesa falar sobre a municipalização (...). Na construção dos fóruns sim, só que esse GT é entre governo e Sindicato, nós participamos, mas, de repente, a UNDIME37 chama as associações, os consórcios, as prefeituras no Hangar. A gente só ficava sabendo depois e a gente ficava sabendo que o prefeito tal é que foi pra mesa falar sobre a municipalização e ai a gente ficava: mas como é que a gente nem é chamado? Entendesse? Então, era ali um momento de decisão e que não houve uma participação nossa pra discutir, tanto é que as discussões com o IASEP, com a Sandra Leite38, aí era de secretário para secretário. Quando nós éramos chamados era pra dizer: olha a Sandra quer isso, isso e isso, entendeste? Mas aí, a gente era contrário a uma série de situações que a gente achava que deveria acontecer e que, de repente, 37 A Presidente da UNDIME nesse período foi Sandra Helena Ataíde Lima que foi eleita para o período de 2009 a 2011 e foi reeleita para a gestão 2011 a 2013. 38 Sandra Helena Morais Leite foi Presidente do Instituto de IASEP 167 a Sandra queria uma coisa central pra atribuição do IASEP na minuta; mas aí eu estou preocupada comigo e não com o contexto, com o coletivo; do que a gente pode mudar, do que a gente pode avançar, mas, diretamente na atribuição de determinada Secretaria. Contudo, é inquestionável que no Governo petista houve uma possibilidade, sem precedentes, dos servidores municipalizados expressarem suas angústias a respeito de vários pontos, oportunidade que a eles ainda não havia sido dada, como se pode constatar no depoimento abaixo. (...) aí o que é que a gente ouvia nos municípios e a gente ouve até hoje: que tudo aconteceu às escuras, que eles não foram ouvidos, que eles não sabiam. Para ti ter uma ideia, eles não conhecem, por exemplo, a minuto do convênio que rege a vida deles, eles não sabem nem por onde está esse documento, eles nunca tiveram acesso, porque é um documento muito da gaveta do prefeito, então, dormiram do Estado, acordaram municipalizados. Desconhecem totalmente o processo, não sabem qual é o teor, nunca viram esse documento. Em Breves, foi uma fala muito grande dos servidores dizendo que nunca viram, não conhecem, então até pra eles se organizarem contrário ou não, é algo que não é palpável, eles não conhecem o processo. É algo muito fechado, o que deveria ser um documento transparente, porque mexe com a vida desse servidor, aí perdem a identidade, não sabem pra quem recorrer. Então aí, quando a gente chega para dialogar, aí tu me pergunta: "então o que tu achas que avançou no governo ? "a questão do diálogo, mas não um diálogo solto. Algumas coisas na prática a gente conseguiu encaminhar, por exemplo, o Credlivro é uma questão positiva, (...), mas pouco, eu te diria a única foi o Credlivro, porque o auxílio até hoje está assim (...). A falta de informações e esclarecimentos foi uma das questões mais levantadas nos momentos em que os servidores puderam falar com os integrantes da equipe de municipalização. Como uma resposta plausível para atender essa necessidade, tanto nos fóruns regionais, como com a própria equipe de municipalização que apresentou a proposta de se fazer a formação dos técnicos das Unidades Regionais de Ensino – UREs da SEDUC para poderem dar respostas e encaminhamentos dos processos dos servidores municipalizados. De acordo com as declarações da Coordenadora, o projeto foi desenvolvido por sua equipe, inclusive, com planilha orçamentária, mas as gestões que se sucederam à frente da SEDUC alegaram falta de 168 recursos para a viabilização dessa formação. Essa iniciativa que não se concretizou, inclusive, poderia atender a outra dificuldade presente nas declarações dos servidores municipalizados, que é sobre a falta de uma identidade profissional, no sentido de terem uma referência do Estado nas ocasiões em que precisam receber esclarecimentos. Entre as questões que a SEDUC poderia encaminhar por meio das UREs estaria a possibilidade de tentar esclarecer as dúvidas sobre o pagamento do vale alimentação, pois a cada emissão de contra-cheque esse valor aparece discriminado e, para todos os efeitos, ele estaria sendo pago pelo Governo estadual, como explica a Coordenadora: (...) e as prefeituras que isoladamente estão garantindo, estão garantindo de forma irregular porque estão tirando o recurso de onde não deveria ser tirado e que vão pedir ressarcimento, por isso tem prefeitura que diz “não pago mais”, e o mais grave disso tudo, é que o relatório analítico que vai para a prefeitura confeccionar o contracheque ela vai com o auxílio alimentação que ele não recebi de fato, mas que está lá no relatório analítico, se o governo quiser dizer assim "eu pago", tá aqui, está aqui no relatório analítico, comprova, só está no relatório e que isso até mexeu com o imposto de renda dessas pessoas, segundo uma fala que eu tive agora no município de Salvaterra. A moça provou por A mais B, porque o que é que o GCFOP nos diz, que era pecúnia, se era pecúnia ela não inviabiliza a questão do imposto de renda, só que, na prática, isso não é verdade. A servidora mostrou pra nós, a Elaine estava comigo, não foi Elaine, que houve sim problema no imposto de renda dela porque como que ela recebia o auxílio, portanto todos os descontos e tudo do imposto de renda perdura por ali e o GCFOP diz que não, que não tem nada a ver. Quer dizer uma coisa que eles vem escrito lá no relatório analítico, auxilio alimentação, mas que de fato na mão, no bolso dessas pessoas não está, então o que a gente conseguiu garantir esse ano foi o Credleitura de todas as vantagens históricas que eles perderam. As declarações acima revelam vários pontos que poderiam ser trabalhados de uma forma mais objetiva pela Secretaria de ensino, mas que não receberam o tratamento adequado. Observamos que para se dar as respostas para a complexidade que é o processo de municipalização e os seus efeitos na vida profissional dos municipalizados, se exige a mobilização de vários setores da SEDUC, como por exemplo, a Gerência de Controle de Folha de Pagamento – GCFOP no auxílio técnico às prefeituras para não ocorrerem erros como os 169 denunciados pelos servidores do Município de Salvaterra39, que além de não receberem o vale alimentação, pois a prefeitura não faz esse pagamento, ainda tiveram desconto no imposto de rendo, como se tivessem recebido esse recurso. Garantias que deveriam estar definidas no termo de convênio que estabelece as condições em que a municipalização irá acontecer. No período correspondente aos anos de governo do PSDB não houve nenhuma alteração na redação do termo de municipalização, por isso perguntamos sobre a atual minuta de convênio e se suas cláusulas poderiam garantir os direitos dos servidores municipalizados. Em resposta, a Coordenadora entende que durante o governo petista houve um avanço na redação da minuta dos termos de municipalização, mas ainda há a possibilidade de alguns direitos não estarem assegurados devido à publicação de novas legislações que, de certa forma, entram em contradição com a redação da minuta. A coordenadora nos explicou que Houve muitos avanços nos termos da redação dessa minuta (...) eu diria que no documento sim, (...) quando a gente se depara com um documento que a Regina pesquisou ontem do IASEP, olha só, diz assim: "os servidores que se encontrem a disposição ou cedidos a órgãos ou entidade federal, municipal ou privado, que deixem de ser remunerados pelo Estado", ou seja, vai haver uma suspensão do IASEP, ou seja, do PAS, ora o nosso municipalizado, ele é cedido, né? Então, ele não vai mais ter? Ele não vai ter direito mais, ele vai ficar pelo SUS? Ele vai ficar se a prefeitura tiver algum plano? Então é uma coisa que tá lá na discussão do IASEP (...) isso não está nem na minuta, isso é uma questão que a Regina estava pesquisando ontem de uma fala do IASEP que nos preocupou que nós não sabemos nem o conteúdo desse documento. Aí o que nós vamos fazer, pedir que o jurídico nos dê uma posição disso (...). A minuta do termo de convênio como documento que determina as condições em que a municipalização se efetiva, precisa ser aperfeiçoada e adequada às necessidades de garantias de condições de administração do ensino fundamental por parte das prefeituras e de garantia de direitos e vantagens dos servidores municipalizados. Nessa perspectiva, sabendo- se que há várias denúncias desses servidores de que vários de seus direitos foram retirados, a criação de 39 Denúncias realizadas pelos professores do Município de Salvaterra podem ser encontradas na internet a respeito do não pagamento do vale alimentação. Essas denúncias teriam chegado ao alto escalão da SEDUC para serem tomadas as providências cabíveis. Fonte: http://dariopedrosa.com/?cat=1&paged=5 170 uma lei que retira o direito à assistência pelo plano de saúde do Estado para os servidores cedidos a outras administrações que não sejam do Estado, afeta os municipalizados em mais um benefício garantido em Lei. A citação da lei do IASEP que a coordenadora menciona em sua declaração é a Lei nº 7.379 de 08/02/2010, a qual estabelece: Suspende-se a condição de segurado dos serviços e benefícios da assistência saúde e assistência social, os servidores que se encontrem à disposição ou cedidos a órgãos ou entidades federal, municipal ou privada, que deixem de ser remunerados pelo Estado (Art. 10). Com base nesse artigo, todos os servidores municipalizados deveriam deixar de receber o atendimento do IASEP, uma vez que todos são cedidos para as prefeituras. Devido a este fato, perguntamos a Coordenadora como ficaria essa questão? Ao que ela se posiciona da seguinte forma: Não, mas ele desconta, todo mês tem no contra-cheque dele aquele desconto (...) e a minuta garante isso, está lá na responsabilidade do IASEP, ele tem direito. Entretanto, fica patente a contradição entre a redação da lei do IASEP com o texto da minuta do termo de convênio que poderá acarretar problemas para esses servidores se não houver um esclarecimento oficial por parte do Governo estadual. Uma vez que essas garantias estariam previstas na minuta do termo de convênio a fiscalização do que rege o termo de convênio, deveria ser realizada por técnico responsável em acompanhar se as cláusulas da mesma realmente estariam sendo cumpridas. A fiscalização está prevista no próprio termo de convênio, mas não estaria sendo realizada. A esse respeito, a Coordenadora nos informou o seguinte: Hoje, nós temos, também. A partir do segundo semestre ou no final do primeiro semestre é que nós fomos orientados pelo jurídico, a partir dos processos indo para o NCC, de que nós deveríamos apresentar um 171 técnico fiscalizador que deveria ser do quadro, efetivo, tal e tal, mas isso na nossa visão isso é importante, mas isso não diz tudo. Qual é então a função desse técnico fiscalizador? Qual é o papel dele? A gente não conseguiu fazer o debate do papel dessa pessoa que vai então, ah! é fiscalizar, é acompanhar, então, como é que vai se dar isso? Só sei dizer simplesmente, que eu vou ficar responsável por três municípios, o Adamor vai ficar responsável por quatro municípios, mas qual é o papel? Qual é a configuração disso? Qual é o recurso destinado para que esse técnico possa ir in lócus, porque tu tens que ir in lócus, Tu não faz daqui pra lá, tu tens que fazer de lá pra cá; então onde passa (...) se eu te disser que a gente hoje não sabe cadê o recurso, que rubrica está esse dinheiro da municipalização? Ah, tem, mas tem onde? Ninguém consegue dizer pra nós. Então esse técnico fiscalizador, tem que ter uma verba destinada para que esse técnico possa fazer esse assessoramento, entendeu? Isso não seria nem só nós aqui, porque a gente não dá conta, mas o técnico lá da URE que possa fazer esse trabalho, da CODES como um todo, que é quem coordena o processo. Então a gente não discutiu esse formato, embora a gente tenha apresentado em cada convênio desses, agora a partir das orientações o nome de um técnico, mas não tem o papel de fundo do que esse técnico realmente vai ter de dar conta, tanto é que tu ficas até com medo da história: “bom e aí o prefeito desvia verba não sei lá do que e eu sou o técnico fiscalizador tenho que dar conta?” E os outros órgãos que teria FUNDEB, conselho do FUNDEB, da onde mais teria (...), então é complexo. Em doze anos de governo do PSDB e em quatro do PT, não se discutiu uma forma de acompanhar se o contrato de cooperação técnica assinado entre o Estado e as prefeituras estava de fato, sendo respeitado. O técnico da coordenação de municipalização também ratificou as dificuldades de se realizar essa fiscalização e entre essas dificuldades estaria a necessidade de se regularizar os contratos de municipalização expirados desde 2002. Até porque quando nós assumimos, nós, vimos que existia na minuta de convênio que a URE acompanhava, que tinha assessoria e tudo, mas só que se gastava tanto tempo na questão de regularizar os convênios que já haviam expirados desde 2002. Não houve tempo sequer para nós fazermos assessoramento, que estava previsto no nosso projeto político-pedagógico, tanto que para o ano de 2011 nós estamos colocando como uma das prioridades assessoramento, porque a gente não tinha tempo para fazer: ou você regularizava os convênios expirados ou você faz o assessoramento, a gente optou por regularizar, 172 porque se não responde por isso tanto a SEDUC, como responde, também a prefeitura municipal; eram mais de 69(...). A demora na regularização desses contratos, segundo o técnico da Coordenação de municipalização, estaria ocorrendo devido à inadimplência das prefeituras com as certidões negativas que eram exigidas pelo NCC. Mas, segundo o mesmo nos informou o setor jurídico da SEDUC que seria obrigatório, necessariamente, para as prefeituras a apresentação dessas certidões negativas para a renovação do convênio ser realizada. Essas certidões são: da previdência, de débito com o INSS, com a fazenda pública estadual, com o FGTS e com o IGPREV. Além dessas dificuldades, outras problemáticas foram citadas como saída de vários secretários de educação durante o governo petista conforme o comentário que segue: Sim, com certeza. A quebra do trabalho foi danosa, 2009 foi um ano aqui que a gente pouco fez porque não havia recurso (...) Pra ter um exemplo, tivemos uma reunião com a professora Socorro, que foi uma reunião altamente positiva de agenda de discussão, com o IASEP, com a SEAD. Saímos de lá dessa reunião, felizes da vida, eu e o Adamor, “agora a coisa vai andar”, era a nossa fala. Não aconteceu nenhuma reunião; das reuniões que a gente saiu de lá com um adendo positivo, nenhuma; depois nós falamos numa reunião com o Everaldo e o Cavalcante, com o Wilson Barroso e aí depois nós apresentamos as proposições de que era necessário sentar com a SEAD, com o IASEP, com o IGEPREV, ver as atribuições de cada um, ver com a SEFA, com a SEGOV, com a SEPOF, como nós iríamos discutir essa questão do auxilio que pra gente é uma questão de honra dar uma resposta para esse povo. Não conseguimos avançar em nenhum debate. De tudo, de tudo que estava marcado era desmarcado (...). O técnico da Coordenação também destacou que, por parte da equipe, houve boa vontade em se encaminhar as ações da Coordenação, mas a dependência das instâncias superiores não permitiu que vários projetos fossem realizados. No mesmo sentido, a Coordenadora listou as várias tentativas de se buscar soluções para as dificuldades presentes no processo de municipalização, com os secretários de ensino, mas a definição das propostas não aconteceu, tal como exposto abaixo: 173 Nós temos um projeto PPP que está escrito e a gente não conseguiu socializar. Nós temos o projeto de formação com os técnicos que a gente não conseguiu viabilizar, o fórum a gente só conseguiu realizar dois, eram sete fóruns regionais. O único secretário que a gente conseguiu conversar uma tarde toda e mostrar a situação da municipalização foi só com o Luis Cavalcante, foi o único secretário e ele chamou o DEINF, que a menina estava a Kaly Nancy, estava o GCFOP, o NCC nem mandou ninguém ???(...) antes disso o Wilson estava interino, aí o Wilson chama o primeiro debate, ele nos escutou e aí ele chamou vários setores e aí nós fomos colocar todas as situações para os setores. Logo depois disso a gente ia continuar com as agendas e logo depois disso o Wilson sai, aí quebra e zera tudo. O Cavalcante chama a gente para que a gente pudesse socializar. Nós levamos tudo, mostramos tudo isso aí no datashow, todo o processo, que após isso nos íamos estar com essa agenda positiva com as outras Secretarias "não aconteceram", nenhuma, embora a gente marcasse (...). A descrição das tentativas de se tentar enfrentar de fato a discussão a respeito da municipalização do ensino é descrita de uma forma panorâmica e nos permite observar que, em linhas gerais, pouco se conseguiu encaminhar sobre essa política. Entretanto, a falta de encaminhamento se deveu mais ao problema da descontinuidade das gestões na SEDUC, do que a falta de interesse dos secretários de ensino, pois como fica claro na declaração acima, os mesmos recebiam a coordenação de municipalização para tentar definir estratégias de ação na busca de soluções. É importante frisar que durante a entrevista com a Coordenadora e o técnico que contribuíram para a coleta de informações, que apresentaram uma visão bastante critica sobre a situação da Coordenação de municipalização, pois defendem, em conjunto com os demais integrantes desta coordenação, que a mesma não deveria estar atrelada a CODES e sim, ser remanejada para a SAEN. A equipe como um todo entende que o trabalho realizado na coordenação com a "municipalização do ensino", por ser do ensino, deveria estar onde se discute o ensino, ou seja, na SAEN. Entretanto, as tentativas de se retirar a coordenação da CODES e transferi-la para a SAEN não se concretizaram. Segundo explicações que chegaram aos integrantes desta coordenação, a municipalização estaria na CODES por conta da lotação, mas o técnico que nos concedeu a entrevista, diz isso não se justifica, pois seria possível levar a coordenação para a SAEN e enviar os processos de lotação para a CODES sem muitas dificuldades, mas que, segundo ele, as razões poderiam ser outras, como expõe na declaração abaixo: 174 Então como foi uma política que gerou muita polêmica, então não havia quem assumisse, foi isso que foi passado pra gente quando a gente assumiu aqui. Então como a CODES já trabalha com lotação, então acabou incorporando e aqui ficou e aqui está até hoje. Com o fim dessa entrevista percebemos que a política de municipalização do ensino fundamental foi compreendida com sendo polêmica e algo que dificilmente alguém desejasse assumir durante o período do Governo petista, o que pode ser um dos indicadores das razões que levaram o Governo estadual a não dar os encaminhamentos necessários para reformular essa política. 175 CONSIDERAÇÕES FINAIS O estudo sobre as configurações da política de municipalização do ensino fundamental ao longo dos governos estaduais na visão dos seus gestores nos proporcionou reflexões importantes sobre essa política educacional. Ao realizarmos a leitura sobre as políticas públicas, suas características, suas fases de desenvolvimento, ou seja, sua elaboração ou formulação, sua implementação e avaliação, observamos sua importância para compreendermos a política de municipalização do ensino fundamental e suas configurações durante o processo de sua implementação no Estado do Pará. Como foi visto no levantamento da literatura sobre políticas públicas, seu conceito pode agregar diversos elementos que envolvem decisões, intenções, interações, subjetividades, relações sociais. Todos esses elementos estão presentes na formulação da política de municipalização, pois isso envolveu o reconhecimento de problemas na gestão da educação pública no Pará, que apresenta rebatimentos na qualidade do ensino ofertado, o que levou os gestores da educação no Governo do Estado a tomarem decisões sobre o que fazer a respeito da situação. Ao analisarmos como foi o processo de formulação da política de municipalização no Governo do PSDB, entendemos que a mesma foi realizada sem a participação dos mais interessados e afetados por essa política, ou seja, os governos municipais e os servidores municipalizados, mas isso, de acordo com seus formuladores, não significou que essa política tenha sido implementada de forma ditatorial, sem os devidos esclarecimentos para os gestores municipais e para a comunidade escolar. Segundo o Secretário de educação da época em que se iniciou esse processo, a preocupação dos gestores da SEDUC foi de que esse processo não consistisse simplesmente numa transferência de responsabilidades para com o ensino obrigatório, como se o Governo estadual estivesse lavando suas mãos com a sua responsabilidade. Essa seria uma forma de conduzir a educação pública a níveis mais elevados de qualidade na administração e oferta desse ensino. O principal discurso do Governo do PSDB para implementar essa política foi o de que ela seria a condição primordial para a transformação do quadro de precariedade e deficiência em que se encontrava a gestão da educação pública no Estado do Pará. Sua formulação atendeu, assim, aos ideais defendidos pelo partido tendo em vista a sua concepção de administração pública, que constituiu em uma de suas bandeiras desde a fundação do partido na década de 176 1980. Dessa forma, no governo do PSDB, a defesa da política de municipalização foi considerada de extrema prioridade e passou a ser implementada dentro de critérios que, segundo os gestores, traria para a educação paraense um salto de qualidade nunca visto antes. A municipalização do ensino fundamental enquanto política que visa à descentralização administrativa para a área da educação, está incluída em um processo mais amplo de discussões a nível nacional e internacional de busca de soluções para o reordenamento das funções dos Estados Nacionais. A descentralização das políticas sociais foi uma tendência seguida em praticamente toda a América Latina devido à influência do discurso das virtudes acerca da descentralização administrativa como forma de se administrar, com eficiência e eficácia, as políticas sociais e econômicas dos Estados nacionais. Entre as políticas descentralizadoras a municipalização do ensino fundamental está em estreita relação com a influência de organismos internacionais, como o FMI e o Banco Mundial que apresentam a descentralização administrativa como parte das estratégias a serem tomadas pelos Estados nacionais na busca de uma gestão que visa elevar a qualidade da prestação dos serviços públicos. Nesse contexto, a partir de uma série de medidas implementadas pelo Governo Federal na década de 1990, o papel dos municípios na condução das políticas públicas ganhou relativa autonomia, por meio de um conjunto de legislações (Constituição Federal de 1988, LDB nº 9.394/1996, Lei do FUNDEF, entre outras) promoveram a descentralização das ações dos Estados. Embora a Legislação vigente não torne obrigatório que os municípios assumam a responsabilidade exclusiva pelo atendimento do ensino obrigatório, a mesma abre essa possibilidade com a instituição do FUNDEF e posteriormente do FUNDEB para que os municípios estabeleçam convênios com os governos estaduais para que possam assumir a responsabilidade pela gestão da rede estadual. O modelo de formulação da política de municipalização adotado pelo PSDB no Governo de Almir Gabriel se enquadra no modelo racional, pois se caracterizou pela busca de objetivos claros e o alinhamento de alternativas defendidas pelas convicções políticas do Partido para alcançar os objetivos desejados. Durante o período em que o PSDB esteve à frente do Governo estadual não temos conhecimento de ter ocorrido alguma mudança nos moldes em que essa política foi realizada. Apenas se anunciou uma possibilidade durante o Governo de Simão Jatene, mas sem nenhum efeito prático. 177 Destacamos aqui três aspectos sobre o período inicial do processo de municipalização: A sua concepção/ elaboração foi centralizada, sua implementação foi de cima para baixo e o procedimento de transferência de responsabilidade do Estado para os municípios foi homogêneo. A proposta foi pensada por uma equipe técnica e não em conjunto com as instituições representativas dos trabalhadores em educação dos diversos municípios paraenses. Não estamos querendo questionar a capacidade de trabalho de ninguém, mas tão somente a forma como a formulação da política foi conduzida na referida gestão. Como vimos no primeiro capítulo deste trabalho, a elaboração de políticas públicas na década de 1990 se caracterizou pela sua centralização na esfera federal. Esta forma de trabalhar revela uma opção metodológica que está contida em uma concepção de gestão tecnocrática, qual seja: ou eu chamo as várias representações e organizações sociais representativas dos segmentos interessados em determinada política pública da educação ou, em nome da eficiência técnica e administrativa, centralizo as decisões sobre a direção da educação em âmbito nacional ou estadual. Não podemos perder de vista que o Governo de Almir Gabriel assim como o de Fernando Henrique Cardoso, são do mesmo partido. Destarte não fica difícil entender por que o governo estadual seguiu as mesmas orientações técnicas de procedimento na elaboração de políticas públicas, tanto que, a construção do plano de municipalização não foi feita com os representantes da educação paraense (prefeitos e secretários de educação, sindicato e professores, seus maiores interessados e afetados); simplesmente lhes foi apresentado em um encontro em Agosto de 1996 na Fundação Cultural Tancredo Neves- CENTUR. Posteriormente a esse evento foi que os dirigentes da SEDUC discutiram com as representações municipais em fóruns regionais de educação, encontros e seminários municipais, também por meio de viagens de equipes aos municípios e de visitas de prefeitos e secretários municipais de educação à SEDUC, interessados em esclarecer dúvidas. A implementação do processo não partiu da iniciativa dos gestores municipais, ela foi deliberada exclusivamente pelo governo estadual, que os convenceu com o discurso de que estes teriam mais recursos financeiros para investir na educação local. Essas adesões ao convênio de municipalização revelam que muitos prefeitos não tinham clareza do tamanho da responsabilidade que estavam assumindo, tendo em vista os vários pedidos de desmunicipalização que ocorreram desde o início desse processo. 178 Entendemos que para uma decisão desse porte, seria necessário um processo de implementação mais lento, dentro do tempo de amadurecimento que seria necessário para se analisar as condições concretas dos municípios, para receberem as responsabilidades da rede estadual, para que não houvesse muitas surpresas ou arrependimento futuro. O terceiro aspecto diz respeito ao processo de adesão homogêneo a que todos os municípios que aceitaram municipalizar foram submetidos, pois, ao se partir do entendimento que a meta da SEDUC foi de municipalizar 100% do ensino fundamental, se admite que todos os municípios estariam aptos a receberem as novas incumbências sem mais dificuldades. Essa forma de municipalizar não levou em consideração a necessidade de haver um período de fortalecimento da gestão local, por meio da criação e consolidação de um sistema de ensino próprio, com um planejamento educacional bem definido, uma equipe técnica preparada e que fosse estável (efetiva) no município. Simplesmente, ao que parece, a possibilidade de entrar novos recursos financeiros resolveria os problemas locais. Entretanto, dada as desigualdades entre os municípios a municipalização deveria ser diferenciada como comenta Both (1997 apud BEDÊ, 1988): [...] E o autor também chama atenção para o fato de que “a municipalização deve ser gradual e diferenciada, de acordo com a possibilidade de cada região, levando o município a possuir uma autonomia didática e pedagógica, financeira e administrativa” (p.12). (grifos nosso). Nesse sentido, não há coerência em municipalizar o ensino sem levar em consideração as diferenças existentes entre eles, ou seja, ela deve ser: [...] de forma gradual e diferenciada, se tal for julgado necessário. Há municípios em que as condições de recursos disponíveis, bem como a capacidade administrativa permitem assumir com relativa facilidade a responsabilidade emanada da descentralização administrativa, ao passo que outros certamente terão que receber o devido respaldo em termos de recursos e técnicas administrativas (BOTH, idem, p.12). 179 Certamente nem todos os municípios paraenses tinham as melhores condições financeiras e administrativas quando assumiram as novas responsabilidades, o que pode ter dado margem para os posteriores pedidos de desmunicipalização, seja pela ausência de recursos suficientes, seja pela dificuldade de se fazer uma gestão eficiente. Essas dificuldades na implementação da política de municipalização do ensino nos faz recordar o que Silva e Melo (2000) comentaram sobre a problemática da implantação de programas governamentais e a explicação para o insucesso dos governos em atingir os objetivos estabelecidos no desenho das políticas públicas. Os autores afirmam que há um problema com a visão clássica do ciclo político que consiste em não levar em consideração os aspectos relativos à execução da política e seus efeitos “retroalimentadores” sobre a construção de políticas públicas, em outras palavras, o problema está em não conceber o ciclo político como um processo, mas compreender cada fase como elemento independente e realizado de uma só vez. Partindo de tal pressuposto, podemos entender que a política de municipalização apresenta esta visão clássica do ciclo político, pois no seu processo de definição, construção e efetivação, acabou perdendo a visão do todo das necessidades da educação, uma vez que foi implantada por partes, sem considerar seu objetivo final que era modificar para melhor a realidade da gestão educacional. Os problemas de ordem financeira e administrativa que foram percebidos nos mandatos de Almir Gabriel poderiam trazer subsídios de retroalimentação para favorecer a equipe técnica da SEDUC, responsável pela política de municipalização, a rever alguns procedimentos que ajudassem na solução das dificuldades, o que se caracterizaria como avaliação processual. Silva e Melo (2000) também comentam que os estudos empíricos de políticas públicas revelaram que as situações reais e concretas de formulação e implementação são marcadas por uma espécie de jogo político configurado por barganhas e negociações, trocas, dissenso e a contradição entre os objetivos. Em relação à municipalização do ensino esse jogo de barganha e trocas pode ser percebido quando a possibilidade dos gestores municipais obterem mais recursos para serem aplicados na educação, se tornou o maior atrativo para os mesmos decidirem municipalizar o ensino em seus municípios, por estes entenderem que isso traria conseqüências positivas para a realidade educacional local. Outra questão interessante para se refletir é que ao se perceber dificuldades na execução de uma política pública, Cavalcanti (2006) nos lembra da necessidade de avaliação em políticas públicas em relação aos problemas que são percebidos ao longo do processo de implementação 180 dos programas governamentais. O autor alega que os objetivos e metas propostos, dificilmente são atingidos e mais raramente são implementados de acordo com o pensamento dos seus formuladores. Para ele, a distância entre tais formuladores e os executores das ações planejadas está entre as razões que explicam o insucesso das políticas públicas. Essa distância pode ser explicada, no caso da política de municipalização do ensino, pelas razões adversas em que se encontram os municípios. Os seus gestores podem conhecer e concordar com os objetivos dessa política, mas devido às dificuldades de capacidade fiscal e administrativa podem se deparar com a impossibilidade de realizar os objetivos traçados pelos formuladores. Nesse caso, ao compreender que o planejado nem sempre corresponde ao realizado, devido ao caráter heterogêneo dos municípios paraenses, seria imprescindível a avaliação formativa ou de processo, pois esta avaliação verifica como a política está funcionando e procura fazer a articulação entre os meios (estratégias, procedimentos, instrumentos) e os fins (as estratégias para o alcance dos resultados) observando a sua consonância ou incompatibilidade. A análise das entrevistas com os gestores da educação à época do início de sua implementação, nos revelou um discurso único na defesa de que a municipalização do ensino respeitou uma fundamentação legal federal e estadual, bem como traria vantagens para a melhoria da qualidade da educação paraense. Os entrevistados se mantiveram firmes na defesa do discurso oficial que representava opção política do Governo estadual na busca de solucionar os problemas de gestão educacional, chegando ao ponto de defender que não era a política que tinha problemas, mas o problema estaria na má gestão da educação em nível local. Infelizmente, com o tempo, o discurso da busca da qualidade na gestão foi se esvaziando no Governo do PSDB restando para a secretaria de ensino apenas a meta de continuar municipalizando. Todavia, em nenhum momento os gestores à época do Governo Almir, falaram sobre a necessidade de o Governo estadual estabelecer um regime de colaboração permanente com as prefeituras para cooperar na solução de suas dificuldades, uma vez que a colaboração prevista no termo de convênio de cooperação técnica que estabelece o processo de municipalização trata apenas de uma colaboração provisória. O Governo de Ana Júlia aparentemente se constituiu na maior possibilidade de 181 mudanças nos rumos da política de municipalização do ensino fundamental. Durante o governo petista foram abertos vários espaços de discussão que envolveram diversas representações sociais que oportunizaram, pela primeira vez, as prefeituras, o SINTEPP e os servidores municipalizados a se manifestarem com vistas a reformulação dessa política. No Governo de Ana Júlia percebemos vários discursos acerca da municipalização do ensino em conseqüência de várias mudanças de Secretários de educação na SEDUC. Mudanças de Secretários de Educação que implicaram em dificuldades no encaminhamento dos trabalhos da Secretaria de ensino, pois houve uma série de descontinuidades nas ações que eram propostas por esses secretários, uma vez que as ações ficaram condicionadas ao entendimento dos secretários sobre quais delas deveriam ser as prioridades da SEDUC. Desse modo, entre os discursos dos gestores á época do governo petista, primeiramente percebemos que não havia nenhum posicionamento oficial sobre essa política e a declaração de que a municipalização não era prioridade para o Governo, uma vez que o primeiro Secretário de educação concluiu com sua assessoria, que essa política não fazia parte das prioridades da educação paraense. Em uma segunda gestão essa mesma política alcançou destaque e recebeu atenção da SEDUC com a realização de fóruns internos e regionais abertos ao público que não foram concluídos. Após esse período de debates em que a posição do governo estadual em relação a essa política foi definida em favor da sua continuidade, encontramos uma nova concepção que correspondeu a mais uma mudança de Secretários de educação. A municipalização foi discutida em várias instâncias colegiadas, apresentaram-se propostas concretas, porém, ficaram apenas no âmbito das discussões. Na prática, não ocorreram mudanças significativas que dessem um novo tom a forma de municipalizar o ensino, os acúmulos obtidos nos debates foram esquecidos ou ignorados ao longo desse período culminando na decepção do SINTEPP e na perda de oportunidade de se fazer o resgate da identidade dos servidores municipalizados. A terceira gestora que entrevistamos declarou que ao assumir a Secretaria de Ensino pretendeu implementar mudanças na proposta de municipalização e não permitiu a continuidade desse processo até que fosse definido quais mudanças seriam necessárias para que não ocorressem problemas nas administrações municipais e na vida profissional dos servidores municipalizados. Até esse momento a única diferença que havia entre o discurso do PSDB e o do PT era sobre a forma de se continuar a política de municipalização, pois o governo petista promoveu vários debates com a promessa de não municipalizar até que se definisse uma nova 182 proposta que surgisse das críticas do modelo anterior. Entretanto, todas as expectativas de mudanças significativas na formulação dessa política foram encerradas com a quebra do acordo entre Governo estadual e SINTEPP ao haver, nos meses que antecediam o fim do Governo Ana Julia, a municipalização do ensino em três municípios sem que nenhuma alteração substancial fosse realizada. Essa quebra de acordo entre SEDUC e SINTEPP sinaliza como é complexa a reformulação de uma política devido à disputa de interesses e concepções divergentes dos grupos que desejam imprimir sua vontade sobre a de outros. A forma como a tentativa de reformulação da municipalização do ensino foi conduzida no Governo de Ana Júlia apresenta as características do modelo incremental, pois utilizou as informações disponíveis para o enfrentamento das dificuldades evidenciadas por essa política, mas se limitou a tentar melhorar um pouco a situação encontrada sem realizar mudanças radicais na forma de se realizar a municipalização. É interessante observarmos, que nenhum dos entrevistados que trabalharam no Governo petista souberam apresentar as razões que levaram o Governo a mudar o discurso que dizia "não é prioridade" para "a municipalização é um dos caminhos que podem levar a uma realidade diferenciada". As entrevistas nos revelaram que a política de municipalização do ensino é vista como um tema polêmico e que ainda não tem perspectivas de encaminhamentos para a solução de suas críticas. Mesmo com a assinatura de termos de convênio no fim do governo petista, percebemos nas falas dos entrevistados, em especial dos membros da equipe de municipalização, que essa decisão do governo estadual foi contestada em vista das pendências que não foram solucionadas. A própria coordenadora do departamento de municipalização acredita que se deveria, primeiramente, garantir as mudanças nas condições da municipalização, deixando clara a divisão de responsabilidades dos entes federados no sentido de se garantir a seguridade dos servidores. Em se tratando de busca de respostas a equipe de municipalização, que em tese poderia ter contribuições importantes, de acordo com declarações dos membros da referida equipe, não perceberam o interesse dos Secretários em ouvi-los nem tiveram sua posição acatada, quando da municipalização realizada próximo do fim do governo petista. Partindo do princípio de que essa política se enraizou na gestão educacional dos governos do Estado do Pará, uma posição radical como a do SINTEPP que quer a 183 desmunicipalização e que a gestão do ensino fundamental volte a ser como era antes desse processo ter iniciado 1996, parece improvável. Uma vez que o Sindicato promoveu vários encontros e debates em torno da possibilidade de realizar mudanças que, no mínimo atenuassem os efeitos das perdas dos servidores, não conseguiu ou não quis realizar; o que dizer de um governo que não simpatiza com as representações sociais e de categorias como o sindicato dos professores. Contudo, seria um absurdo deixar a configuração do atual modelo de municipalização de anos anteriores, em face de tantos apelos de servidores e dificuldades administrativas dos gestores municipais que não estavam em condições de gerir sua própria rede, quanto mais incorporar a rede estadual para sua responsabilidade. Entendemos que a declaração de uma das Secretarias de educação está correta ao entender que toda e qualquer política pode e deve ser atualizada, aperfeiçoada e adequada às necessidades que surjam com o passar dos anos. Em contrapartida no Governo do PT, as indefinições sobre as modificações na forma de se dar continuidade a essa política e as sucessivas quebras na continuidade das ações que poderiam deslanchar em uma nova proposta de municipalizar o ensino, poderia ter estabelecido um parecer de Regime de colaboração permanente originada das discussões com as diversas instituições ligadas à área educacional. O discurso original que surgiu com a política de municipalização de que a mesma seria a condição primordial para melhorar a qualidade da gestão educacional, cedeu espaço a tentativa de se corrigir as perdas dos servidores municipalizados e a servir como moeda de troca em ano eleitoral. E mesmo a busca de se encontrar soluções para garantir os benefícios dos servidores municipalizados parece não contar com a vontade política de nenhum governo ao longo desses 12 anos de processo de municipalização, pois quando a solução envolve recursos financeiros, os entraves não têm sido retirados. 184 REFERÊNCIAS ARELARO, Lisete Regina Gomes. FUNDEF: Uma avaliação preliminar dos dez anos de sua implantação. ANPED, 2007. ARRETCHE, Marta. O Mito da Descentralização como Indutor de Maior Democratização e Eficiência das Políticas Públicas. IN: SILVA, Gerschman (Org). A Miragem da Pós-Modernidade: democracia e políticas sociais no contexto da globalização, Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 1997. AZANHA, José Mario Pires. Uma idéia sobre a municipalização In: CEDES - Unicamp, v.23, n.80, Set/2002. BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. Tradução de Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. 13ª edição. São Paulo: Hucitec, 2004. BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Tradução Luís Antero. Lisboa/ Portugal: Edições 70, Ida, 2007. BEHRING, Elaine Rossetti. Brasil em contra-reforma: desestruturação do Estado e perda de direitos. São Paulo: Cortez, 3003. BOBIO, Norberto. Dicionário de Política - Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2007. BOGDAM, Roberto e BILKEN, Sari. Investigação qualitativa em educação: Uma introdução à teoria e aos métodos. Porto: Editora Porto, 1984. BOTH, Ivo, José. Municipalização da Educação: uma contribuição para um novo paradigma de gestão do ensino fundamental. Campinas, SP: Papirus, 1997. (Coleção Magistério Formação e trabalho pedagógico). 185 BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil: Promulgada em 05 de Outubro de 1988. BRASIL, Presidência da República. Ministério da Administração Federal e da Reforma do Estado. Plano Diretor da Reforma do Estado. Brasília (DF), 1995. BRASIL, Emenda Constitucional 14, de 12/09/1996, que modifica os arts. 34, 208, 211 e 212 da constituição Federal e dá nova redação ao art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. BRASIL, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei n.º 9.394, de 20 de Dezembro de 1996. BRASIL, Lei N.º 9.424, de 24/12/1996 que dispõe sobre o Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério. CARDOSO, M. Cartilha do FUNDEF: caminhos e descaminhos. 2ª edição revisada e ampliada (série Fiscalizando as Verbas Públicas), 2001. CASASSUS, Juan. A centralização e a descentralização da educação. Cadernos de Pesquisa. São Paulo, n. 95, p. 37-42, Nov/1995. CASTRO, Maria Helena Guimarães de. Avaliação de políticas e programas sociais. Caderno de pesquisa nº 12, NEEP, 1989. CAVALCANTI, Mônica Maria Arruda. Avaliação de políticas públicas e programas governamentais- uma abordagem conceitual www.interfacesdesaberes.fafica.com/seer/. 24 hs/16/10/2006. 186 CHAVES, Vera Lúcia Jacob. A política de financiamento da educação superior pública e da pesquisa no Brasil. In: Neto, Antônio Cabral; NASCIMENTO, Ilma Vieira do e Lima, Rosângela Novaes. Política pública de educação no Brasil: compartilhando saberes e reflexões. Porto Alegre, Editora Sulina, 2006. COSTA, João Bosco Araújo da. A ressignificação do Local. O imaginário político brasileiro pós 80. In: Revista São Paulo em Perspectiva: o novo município economia e política local. Vol. – 10 nº 3, 1996. COSTA, Vera Lúcia. C. Descentralização da Educação No Brasil: as reformas recentes no ensino fundamental. (Caderno de Pesquisa nº 38), São Paulo: UNICAMP, 1998. COSTA, Bruno Lazzarotti Diniz. As mudanças na agenda das políticas sociais no Brasil e os desafios da inovação: o caso das políticas de assistência social à infância e adolescência. In: CARVALHO, Alysson (et al.) Políticas Públicas.Belo Horizonte:Editora UFMG, PROEX, 2003. CUNHA, Edite da Penha e CUNHA, Eleonora Schettini M. Políticas Públicas Sociais.In: CARVALHO, Alysson(et al.) Políticas Públicas.Belo Horizonte:Editora UFMG, PROEX, 2003. DOURADO, Luiz Fernando. Políticas e Gestão da Educação Básica no Brasil: LIMITES E Perspectivas. Disponível em: www.cedes.unicamp.br. Acessado em 20/12/2007. DRAIBE, Sônia Miriam. Reforma do Estado e Descentralização: a experiência recente da política brasileira de ensino fundamental. São Paulo, Caderno de Pesquisa nº 37, UNICAMP/NEEP, 1998. FRANCO, Maria Laura Puglisi. Análise de conteúdo. Brasília: Líder Livro, 2005. GAPI- GRUPO DE ANÁLISE DE POLÍTICA DE INOVAÇÃO/UNICAMP. Metodologia de análise de políticas públicas. São Paulo, 2002. Disponível em: http://www.oei.es/salactsi/rdagnino1.htm, Acessado em 20/10/2010. 187 GARCIA, Walter E. Federalismo e Gestão Educativa no Brasil: notas para debate. In: EM ABERT Nº. 75. Gestão Educacional: O Brasil no mundo contemporâneo, 2002. Disponível em: www.scielo.com.br. Acessado em 20/12/2007. GELINSKI, Carmem Rosario Ortiz e SEIBEL, Erni José. Formulação de políticas públicas: questões metodológicas relevantes. Revista de Ciências Humanas, Florianópolis, EDFSC, V. 42, n, 1 e 2, p. 227 a 240, Abril e Outubro de 2008. GEMAQUE, Rosana Maria Oliveira. Financiamento da Educação: O FUNDEF na educação do Estado do Pará - feitos e fetiches. Tese de Doutorado – USP, Faculdade de Educação. São Paulo, SP, 2004. GRUPO DE ESTUDO EM GESTÃO E FINANCIAMENTO EM EDUCAÇÃO – GEFIN. Relatório de pesquisa- FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO-atendimento às matrículas da educação básica e capacidade de financiamento de municípios do Estado do Pará. Centro de Educação da UFPA. Belém, 2007. GUIMARÃES, José Luiz. DESIGUALDADES REGIONAIS NA EDUCAÇÃO: A municipalização do ensino em São Paulo. SP: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1995. GUTIERRES, Dalva Valente Guimarães. Política de municipalização do ensino fundamental no Estado do Pará na década de 90 e suas relações com a reforma do Estado. Dissertação de Mestrado. Belém: UFPA, 2005. Relatório do grupo de trabalho sobre financiamento da educação. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Brasília: INEP, v. 82, n.200/201/202, jan./dez (2001), p.117136. FREY, Klaus. Políticas públicas: um debate conceitual e reflexões referentes à prática da análise de políticas públicas no Brasil. In: Planejamento e Políticas públicas. Nº 21Jun de 2000. LOBO, T. Descentralização: conceitos, princípios, prática governamental. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 74, p. 5-10, agosto de 1990. 188 LOUREIRO, João de Jesus Paes. Descentralização, Municipalização e FUNDEF no Pará. In: COSTA, Vera Lúcia. C. (org.) Federalismo No Brasil, São Paulo: FUNDAP, Cortez, 1999. LÜDKE, Menga; ANDRÉ, Marli E. D. A.. Pesquisa em Educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU. 1996. MEKSENAS, Paulo. Cidadania, poder e comunicação, 2002. In: CRUZ, Vicente Vagner. Repensando o conceito de políticas públicas. Disponível em: www.artigonal.com. Acesso em 07/09/2009. MONLEVADE. João e FERREIRA, E. O FUNDEF e seus Pecados Capitais. 2ª edição- Ceilândia-DF: Idea Editora, 1999. MONLEVADE. João. Porque FUNDEB e não mais FUNDEF. Artigo disponível em http://www.undime.org.br, desde 2003. Acessado em 20/10/2010. MULLER, Pierre e SUREL, Yves. A Análise das Políticas Públicas. Pelotas: Educat, 2002. NETO, Antônio Cabral e OLIVEIRA, Maria Neusa de. Descentralização/Municipalização do Ensino no Estado da Bahia: aspectos político-institucionais e administrativos. In: Neto, Antônio Cabral; NASCIMENTO, Ilma Vieira do e Lima, Rosângela Novaes. Política pública de educação no Brasil: compartilhando saberes e reflexões. Porto Alegre, Editora Sulina, 2006. OLIVEIRA, Cleiton, de. et al. Municipalização do Ensino no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 1999. OLIVEIRA, Ramon de. Os limites do FUNDEB no financiamento do ensino médio. Currículo sem Fronteiras, v.8, n.2, PP 78-96, Jul/Dez 2008. OLIVEIRA, Romualdo. P. de. A Municipalização do Ensino no Brasil. In. OLIVEIRA, Dalila. (org.). Gestão Democrática da Educação: desafios contemporâneos. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997. 189 PARÁ, GOVERNO. Constituição Estadual de 1989. Belém: Imprensa Oficial, 1989. PARÁ, SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCAÇÃO. Plano Decenal de Educação para Todos. 1993- 2003, Belém, 1994. PARÁ, SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCAÇÃO. Plano Estadual de educação. 19951999. Belém, 1995. PARÁ, SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCAÇÃO. Municipalização do ensino Fundamental no Estado do Pará. (Série, planos e projetos educacionais nº 2), Belém, 1997. PARÁ. SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCAÇÃO. Diagnóstico Educacional do Pará 1996-1997. Série: Estatísticas Educacionais, n. 2, Belém, 1998. PARÁ. SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCAÇÃO. Relatório da política educacional do Pará 1995-1998. Série: Estatísticas Educacionais, n. 4, Belém, 1999. PARÁ. Lei nº 6.044, de 16 de abril de 1997. Cria o Fundo Estadual de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério. Publicada no D.O.E. de 18/04/97. PARÁ. SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCAÇÃO. 1ª Conferência Estadual de Educação-Texto-Referência para debate de 20 a 22 de Janeiro de 2008. PARÁ. SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCAÇÃO. Política de Educação Infantil do Estado do Pará. Belém, 2009. PEIXOTO, Maria do Carmo Lacerda. Descentralização da Educação No Brasil: uma 190 abordagem preliminar. In; OLIVEIRA, Dalila Andrade e DUARTE, Marisa. Política e Trabalho na Escola: administração dos sistemas públicos de educação básica. Belo Horizonte: Autêntica, 1999. PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Gestão do setor público: estratégia e estrutura para um novo Estado. In: PEREIRA, Luiz Carlos Bresser e SPINK, Peter. Reforma do Estado e administração pública gerencial. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 1998. PEREIRA, Potyara A.P. Concepções e propostas sociais em curso: tendências, perspectivas e conseqüências, 1994. In: CUNHA, Edite da Penha e CUNHA, Eleonora Schettini M. Políticas Públicas Sociais.In: CARVALHO, Alysson(et al.) Políticas Públicas.Belo Horizonte:Editora UFMG, PROEX, 2002. RUSSO, Miguel Henrique; PEREIRA, Gilvan Elias. Política de municipalização do ensino no Estado de São Paulo: uma questão educacional ou econômica? Momentun, Atibaia, v.1, n.3, p. 159-179, 2005. SILVA, Pedro Luiz Barros e MELO, Marcos André B. de. O processo de implementação de políticas públicas no Brasil: características e determinantes da avaliação de programas e projetos. Caderno do NEPP N° 48, 2000. SILVA, Pedro Luiz Barros e RAMALHO, André. Alternativas de Gestão para o Desenvolvimento Regional. Caderno do NEPP N° 48, 2005. SILVA, Camila Croso, AZZI, Diego e BOCH, Renato. Banco Mundial em foco: sua atuação na educação brasileira e na dos países que integram a Iniciativa Via Rápida na América Latina. In: BANCO MUNDIAL, OMC e FMI: o impacto nas políticas educacionais. São Paulo, Editora Cortez, 2008. SOUZA, Celina. Políticas Públicas: uma revisão da literatura. In: Sociologias, Porto Alegre, Ano 8, nº 16, Jul/Dez 2006, p. 20-45. SOUZA, Celina. Estado da Arte da Política em Políticas Públicas. In: HOCHMAN, Gilberto (et al.). Políticas públicas no Brasil.-Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2007. 191 SOUZA, Donaldo Bello de; FARIA, Lia C. Macedo. Reforma do Estado, descentralização e municipalização do ensino no Brasil: a gestão política dos sistemas públicos de ensino pósLDB 9394/96. Ensaio: Avaliação e políticas públicas em educação, Rio de Janeiro, v.12, n.45, p.925-944. Out/dez.2004. TEIXEIRA, Anísio. Educação é um direito. Rio de Janeiro: UFRJ, 1996. TOBAR, F. O conceito de descentralização: usos e abusos. Revista Planejamento e Políticas Públicas, nº 5, p.31-51, junho de 1991. VERZA, Severino Batista. As políticas públicas de educação no município, 2000. In: CRUZ, Vicente Vagner. Repensando o conceito de políticas públicas. Disponível em: WWW.artigonal.com. Acesso em 07/09/2009. VIANA, Ana Luiza. Abordagens Metodológicas e Políticas Públicas. Caderno do NEPP, Nº 05. 2002. VIEIRA, Sofia Lerche. Políticas Internacionais e Educação-Cooperação ou Intervenção? In: DOURADO, Luiz Fernandes; PARO Vitor Henrique (org.) Políticas Públicas e Educação Básica. São Paulo: Xamã, 2001.