RESPONSABILIDADE CIVIL 1) Conceito: consiste na imposição ao causador do dano de uma obrigação de indenizar, com o intuito de restaurar o estado anterior de coisa em razão da violação de uma norma jurídica preexistente. 2) Espécies de responsabilidade civil: na essência, a responsabilidade civil deve ser considerada uma. No entanto, a doutrina subdivide em duas espécies para fins de sistematização, com base na natureza da norma violada: - responsabilidade civil contratual (artigos 389 e ss. e 395 e ss. do CC): ofensa a uma norma contratual. - responsabilidade extracontratual ou aquiliana (artigos 186, 187 e 927 do CC): ofensa a uma norma do CC. 3) Regulamentação do instituto: os artigos 186, 187 e 927 do CC disciplinam a matéria. - o artigo 186 do CC conceitua o ato ilícito, consagrando a ilicitude subjetiva (elemento subjetivo: culpa ou dolo / responsabilidade subjetiva). - o artigo 187 do CC inclui o abuso de direito como ato ilícito. Percebe-se que o legislador elegeu um critério finalístico (finalidade do direito). A doutrina sustenta que se trata de uma hipótese de responsabilidade objetiva. 1 OBS: Para caracterizar abuso de direito, exige-se que o agente ultrapasse os limites impostos pelo fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes no exercício do seu direito. Os conceitos indeterminados serão analisados pelo juiz (cláusulas gerais – decorrência direta do princípio da operabilidade). - o artigo 927 do CC prevê a responsabilidade subjetiva (baseada na culpa), como também formas de responsabilidade objetiva (dispensa a análise da culpa). 4) Elementos da responsabilidade: a) Conduta humana: a responsabilidade civil pressupõe um comportamento humano voluntário, omissivo ou comissivo, pois não se pode atribuir diretamente responsabilidade a coisas ou animais. OBS1: a conduta humana deve ter uma carga de consciência. Destarte, se uma pessoa pratica uma conduta quando está sonâmbula ou hipnotizada, não há que se falar em responsabilidade. OBS2: consoante parte da doutrina, excepcionalmente, poderá haver responsabilidade civil decorrente de ato lícito. Ex: desapropriação e passagem forçada (artigo 1.285 do CC). b) Dano ou prejuízo: a lesão a um interesse jurídico tutelado, material ou moral (elemento da responsabilidade civil). - Requisitos do dano indenizável: 2 > lesão a um interesse jurídico tutelado > certeza do dano: não pode ser abstrato ou hipotético. OBS: este requisito é relativizado pela teoria francesa da perda de uma chance (frustração de uma expectativa futura legítima; perda de uma probabilidade favorável ao lesado). Ex: caso do Show do Milhão (Resp 788.459/BA); tratamento médico – perda de uma chance de viver. > subsistência do dano - Questões de concurso: > O que se entende por dano bumerangue? Dano causado pela própria vítima, em resposta à ofensa sofrida. Ex.: uma pessoa que sofre um dano em seu veículo por um terceiro e aquele causa dano no veículo deste. > O que se entende por dano in re ipsa? Consiste no dano ou prejuízo que não depende de prova (dano presumido). Ex.: inscrição indevida em órgão de proteção ao crédito; Súmula 388 do STJ. > O que se entende por dano reflexo ou em ricochete? Dano que atinge indiretamente pessoa ligada à vítima direta da atuação ilícita. Ex: o pai falece em razão da conduta ilícita de terceiro – o filho dele sofre um dano reflexo ou em ricochete, motivo pelo qual poderá solicitar indenização pela morte do pai. > O que se entende por duty to mitigate the loss? Decorrência do princípio da boa-fé objetiva, este instituto entende que o titular do direito (credor) deve atuar para minimizar a extensão do dano, abrandando a gravidade da situação (adotado pelo STJ). 3 c) Nexo de causalidade: consiste na relação de causa e efeito entre a conduta e o dano (elemento imaterial da responsabilidade civil). - responsabilidade subjetiva: o nexo de causalidade consiste na culpa lato sensu (o dolo e a culpa stricto sensu). - responsabilidade objetiva (sem culpa): o nexo de causalidade advém da previsão legal (qualifica a conduta ou por uma atividade de risco / artigo 927, § único, CC). - Fatores extintivos do nexo de causalidade > Culpa exclusiva da vítima (Ex: surfista de trem – Resp 160.051/RJ – culpa exclusiva da vítima). > Culpa exclusiva de terceiro (Ex: o carro roubado – o assaltante atropela um pedestre na fuga). - Caso fortuito e força maior (artigo 393 do CC): divergência quanto aos conceitos na doutrina. Ressalte-se que a jurisprudência do STJ subdivide em duas hipóteses: > interno: relaciona-se com o risco do negócio ou risco do empreendimento, razão pela qual não consistem em excludentes. Ex: roubo de cofres particulares do Banco. > externo: não tem relação com o risco do negócio ou risco do empreendimento, portanto, são excludentes. Ex: assalto a ônibus, mesmo que seja recorrente na linha (STJ). OBS1: o artigo 944 do CC estabelece que a indenização será fixada de acordo com a extensão do dano. Se houver culpa leve ou levíssima do agente, a indenização poderá ser reduzida por equidade. 4 OBS2: o artigo 945 do CC admite a compensação de culpa no caso de culpa da vítima. A doutrina e a jurisprudência admitem o fato ou culpa concorrente da vítima como forma de atenuante da responsabilidade objetiva. - Teorias quanto ao nexo de causalidade > Teoria da equivalência dos antecedentes (sine qua non): todos os fatos anteriores, diretos ou indiretos, acarretam responsabilidade civil. > Teoria da causalidade adequada (artigo 944 do CC): somente um fato relevante para causar o dano gera responsabilidade civil, devendo a indenização ser fixada com base na contribuição causal (enunciado 47 da Jornada de Direito Civil e jurisprudência do STF). > Teoria do dano direto e imediato (artigo 403 do CC): os danos que diretamente resultarem da conduta do agente (Gustavo Tepedino, Carlos Roberto Gonçalves e jurisprudência do STJ). 5) Excludentes de responsabilidade civil a) Legítima defesa (artigo 188, inciso I, do CC): hipótese de exclusão de ilicitude. A legítima defesa consiste no uso moderado dos meios necessários para repelir injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. Ex: legítima defesa da posse (artigo 1.210, § 1º, do CC). Ofendículas são alguns artifícios utilizados para defesa da posse e da propriedade. Ex.: cerca elétrica, lanças, cacos de vidro. OBS: Legítima defesa putativa (aparente) não exclui a responsabilidade civil consoante a jurisprudência do STJ. 5 b) Estado de necessidade (artigo 188, inciso II, do CC): hipótese de exclusão de ilicitude. Apesar de não constituir ato ilícito, no caso de estado de necessidade agressivo, quem causar dano deverá indenizar, sendo assegurado o direito de regresso contra o culpado (artigos 929 e 930 do CC). Ex: alguém arromba a porta de uma casa em incêndio para salvar uma criança – a pessoa que salva deverá indenizar o dono do imóvel se este não foi o responsável pelo incêndio. c) Exercício regular de direito: Exclusão de ilicitude. Não consiste em ato ilícito, nos termos do disposto no artigo 188, inciso I, do CC. O abuso de direito acarreta responsabilidade objetiva. Ex: bombeiro que apaga incêndio destruindo a porta. 6) Excludentes de nexo de causalidade - Culpa / Fato exclusivo da vítima - Culpa / Fato exclusivo de terceiro - Caso fortuito / Força maior OBS: as hipóteses referidas podem ser aplicadas para os casos de responsabilidade subjetiva e objetiva. 7) Responsabilidade subjetiva: consiste na regra geral do sistema do Código Civil. Com efeito, somente há responsabilidade na hipótese de culpa lato sensu do réu, sendo certo que o autor da ação tem o ônus da prova. 6 8) Responsabilidade civil objetiva: consiste na exceção no sistema da responsabilidade, exigindo-se previsão legal. a) Teoria do risco administrativo: admite excludente da responsabilidade civil. b)Teoria do risco integral: não se admite excludente da responsabilidade civil. 9) Principais hipóteses de responsabilidade objetiva do Código Civil a) Abuso de direito (artigo 187 do CC): o Código Civil equipara a prática de um ilícito. A ilicitude encontra-se na forma de execução do ato. Ex: ato emulativo (artigo 1.228, § 2º, do CC). b) Responsabilidade objetiva indireta ou por ato de outrem (artigos 932 e 933 do CC): estes dispositivos estabelecem responsabilidade civil por ato de outrem. - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia: divergência na doutrina e na jurisprudência acerca da necessidade de estar na companhia no momento em que o filho causar dano. - o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições (sob sua autoridade e em sua companhia); - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele: não há necessidade de relação de emprego, sendo necessária apenas a relação de pressuposição baseada na confiança. 7 - os donos de hotéis e afins, bem como dos estabelecimentos de ensino, por seus hóspedes, moradores e educandos; - os que mesmo gratuitamente concorrerem para produto de crime. OBS1: as pessoas mencionadas acima possuem responsabilidade objetiva pelos atos culposos de terceiros. Para o professor Álvaro Villaça Azevedo, existe uma responsabilidade objetiva impura, pois a pessoa responde objetivamente por um ato culposo. Ex: Enunciado CJF/STJ 191 da III Jornada de Direito Civil: a instituição hospitalar responde, na forma do artigo 932, inciso III, do Código Civil, pelos atos culposos praticados por médicos integrantes do seu corpo clínico. Ex: Súmula 492 do STF: a empresa locadora de veículos responde, civil e solidariamente com o locatário, pelos danos por este causados a terceiro, no uso do carro locado. Ex: “Bullying”: se for praticado na escola, aplica-se o artigo 932, IV (responde o estabelecimento de ensino particular, com base no CDC responsabilidade objetiva). Se for escola pública, há responsabilidade do Estado (artigo 37, § 6º, CF); se for praticado fora da escola, respondem os pais (artigo 932, inciso I, do CC). OBS2: o artigo 934 do CC assegura o direito de regresso do responsável contra o culpado, exceto no caso do ascendente que não tem direito de regresso contra o descendente incapaz. OBS3: o artigo 942, parágrafo único, do CC estabelece que os casos do artigo 932 são de responsabilidade solidária. Exceção a esta regra está prevista no 8 artigo 928 do CC que trata da responsabilidade civil do incapaz (absoluta ou relativamente), pois será subsidiária, excepcional e equitativa. c) Responsabilidade civil objetiva do dono ou detentor do animal (artigo 936 do CC): trata-se de hipótese de responsabilidade objetiva. Ex: Resp 1100571/PE: acidente que ocorreu em um circo – um leão atacou uma criança que estava passando próximo da jaula – foi aplicada a responsabilidade objetiva. Ex: Resp 687799/RS: responsabilidade da concessionária de rodovias pelos animais que invadem a pista, causando danos aos proprietários do veículo. d) Responsabilidade civil objetiva do dono do prédio ou construção por sua ruína (artigo 937 do CC): hipótese de responsabilidade objetiva por fato da coisa. e) Responsabilidade civil objetiva do habitante do prédio pelo defenestramento (artigo 938 do CC): responsabilidade civil pelo fato da coisa (coisas caídas e lançadas de prédio em local indevido / defenestrar significa jogar pela janela). OBS1: Responsabilidade civil por effusi et dejects. OBS2: Em caso de locação, quem responde é o locatário. OBS3: se a coisa for lançada de um condomínio edilício e não for identificado quem lançou, responderá todo o condomínio, assegurado o direito de regresso contra o culpado (posição do STJ). 9 f) Responsabilidade civil dos profissionais da área da saúde - O artigo 15 do CC estabelece direitos do paciente. Dessume-se que o profissional da área da saúde deve fazer o bem (princípio da beneficência) e não deve fazer mal ao paciente (princípio da não maleficência). - a combinação do artigo 951 do CC com o art. 14, § 4º do CDC leva a conclusão de que responsabilidade civil do profissional da área da saúde é subjetiva (negligência, imprudência e imperícia). - o profissional da área de saúde tem obrigação de meio (utilização de todos os meio necessários para atender aos interesses do paciente, não se exigindo o resultado). OBS1: médico cirurgião plástico estético: obrigação de resultado. OBS2: médico cirurgião plástico reparador: obrigação de meio. 10 11