Karl Marx Sociologia I Karl Marx Ao lado de Émile Durkheim e Max Weber, Karl Marx (1818-1883) integra o seleto grupo dos clássicos do pensamento sociológico. Suas formulações teóricas acerca da vida social, especialmente a análise que faz da sociedade capitalista, causaram tamanho impacto nos meios intelectuais que, para alguns teóricos, grande parte da sociologia ocidental tem sido uma tentativa constante de corroborar ou de negar as questões por ele levantadas. Herdeiro do ideário iluminista, Marx acreditava que a Razão era não só um instrumento de apreensão da realidade mas, também, de construção de uma sociedade mais justa, capaz de possibilitar a realização de todo o potencial de perfectibilidade existente nos indivíduos. As revoluções modernas alimentaram sua crença no progresso em direção a “um reino da liberdade”. A obra de Marx é, a um só tempo, vasta e complexa O método de análise A dialética A moderna idéia de dialética origina-se no idealismo alemão e, sobretudo, no pensamento de Wilhelm F. Hegel (1770-1831). O núcleo teórico dessa perspectiva, de difícil compreensão, representa um verdadeiro cisma face à tradição filosófica até então dominante, a qual pressupunha a existência de um mundo povoado de substâncias imutáveis. Contra o naturalismo seguro e estável, que a dialética hegeliana se levanta, afirmando a contradição e o conflito, como a própria substância da realidade, a qual se supera um processo incessante de negação, conservação e síntese. O método de análise Num trecho muito citado, Hegel diz: “ ...o botão desaparece no desabrochar da flor, e podese dizer que é refutado pela flor. Igualmente, a flor se explica por meio do fruto como um falso existir da planta, e o fruto surge como um falso existir da planta, e o fruto surge em lugar da flor como verdade da planta. Essas formas não apenas se distinguem mas se repelem como incompatíveis entre si. Mas a sua natureza fluída as torna, ao mesmo tempo, momentos da unidade orgânica na qual não somente não entram em conflito, mas uma existe tão necessariamente quanto a outra, e é essa igual necessidade que unicamente constitui a vida do todo”. O método de análise Aplicada aos fenômenos historicamente produzidos, a ótica dialética cuida de apontar as contradições constitutivas da vida social que resultam da negação de uma determinada ordem. O reconhecimento do movimento dialético, não é, portanto, suficiente. Um fenômeno social deve ser submetido à crítica de modo que suas potencialidades possam ser reveladas e, assim, atualizadas, numa forma mais evoluída. Segundo Marx: “os filósofos limitaram-se a interpretar o mundo de distintos modos, cabe transformá-lo”. O materialismo histórico Para Marx, a análise da vida social deve ser feita através de uma perspectiva que, além de procurar estabelecer as leis de mudança que regem os fenômenos, parta do estudo dos fatos concretos, a fim de expor o movimento do real em seu conjunto. Para Marx, o ponto de partida “são os indivíduos reais, a sua ação e as suas condições materiais de existência, quer se trate daquelas que encontrou já elaboradas quando do seu aparecimento, quer das que ele próprio criou. (...) A primeira condição de toda a história humana é, evidentemente, a existência de seres humanos vivos.” O materialismo histórico O método de abordagem da vida social foi chamado de materialismo histórico. De acordo com tal concepção, as relações materiais que os homens estabelecem, o modo como produzem seus meios de vida, formam a base de todas as suas relações. Conforme a perspectiva materialista e dialética, todo fenômeno social ou cultural é efêmero. Mas, não apenas os processos ligados a produção são transitórios, como também as próprias idéias, concepções e gostos, crenças, categorias do conhecimento e ideologias os quais, gerados socialmente, dependem do modo como os homens se organizam para produzir. Mesmo o pensamento e a consciência são, em última instância, decorrência da relação homem/natureza, isto é, das relações materiais. A produção e reprodução A premissa da análise marxista da sociedade é, portanto, a existência de seres humanos que, por meio da interação com a natureza e com outros indivíduos, buscam suprir suas carências e, nessa atividade, recriam a si próprios e reproduzem sua espécie num processo que é continuamente transformado pela ação de sucessivas gerações. Mas os homens, ao produzir os meios para prover-se do que precisam, organizam-se socialmente, estabelecem relações sociais, através dos quais intervêm conscientemente na natureza. Ademais, o ato mesmo de produzir gera novas necessidades, o que significa que estas não são simples exigências naturais ou físicas, mas históricas, produtos da existência social. “ A produção cria o consumidor” A produção e reprodução Na busca de controlar as condições naturais, os homens criam novos objetos os quais se incorporam ao ambiente natural, modificando-o, e passam às mãos das próximas gerações. Isto possibilita que o desenvolvimento social se dê a partir dos níveis anteriormente alcançados. É por meio dessa ação que o homem humaniza a natureza e também a si mesmo. O processo de produção e reprodução da vida através do trabalho é para Marx, a principal atividade humana, aquela que constitui sua história social; é o fundamento do materialismo histórico, enquanto método de análise da vida econômica, social, política e intelectual. Forças produtivas e relações sociais de produção A ação dos homens sobre a natureza é expressa no conceito de forças produtivas – o qual busca apreender o modo como aqueles que obtêm os bens de que necessitam por meio da tecnologia, da divisão técnica do trabalho, dos processos de produção, dos tipos de cooperação, da qualidade dos seus instrumentos, das matérias primas que conhecem ou de que dispõem, suas habilidades e saberes. Forças produtivas e relações sociais de produção No entanto, o trabalho não é uma atividade isolada – ao produzir, os homens entram em contato uns com os outros, essa interação lhes confere, além da dimensão natural enunciada na relação homem/natureza uma dimensão social. A cooperação pode se dar tanto em sociedades desenvolvidas – visando aumentar a produtividade do trabalho, ou, no caso das sociedades de classes, a quantidade de trabalho explorado – quanto na origem da civilização humana entre povos caçadores, etc. Forças produtivas e relações sociais de produção O conceito de forças produtivas refere-se aos instrumentos e habilidades que possibilitam o controle das condições naturais, e seu desenvolvimento é cumulativo. O conceito de relações sociais de produção implica em diferentes formas de organização da produção e distribuição, de posse propriedade dos meios de produção, bem como em suas garantias legais, constituindo-se, dessa forma, no substrato para estruturação das classes sociais. Infra-estrutura e superestrutura O conjunto das forças produtivas e das relações sociais de produção forma o que Marx chama de infra-estrutura de uma sociedade, que, por sua vez, é a base sobre a qual se constituem as demais instituições sociais. Segundo a concepção materialista da história, na produção da vida social os homens geram também outra espécie de produtos que não tem forma material e que vêm a ser as ideologias políticas, concepções religiosas, códigos morais e estéticos, sistemas legais, de ensino, de comunicação, o conhecimento filosófico e científico, representações coletiva, etc – cujo conjunto é chamado de superestrutura ou supra-estrutura. A explicação das formas sociais – jurídicas, políticas, espirituais e de consciência – encontra-se nas relações de produção e constituem a base econômica e material da sociedade. A superestrutura seria condicionada pelo modo como os homens estão organizados no processo produtivo. Classes sociais Sendo a produção “a atividade vital do trabalhador, a manifestação de sua própria vida”, é através dela que o homem se humaniza. No processo de produção, os homens estabelecem entre si determinadas relações sociais, por meio das quais eles extraem da natureza o que necessitam. Desde esse ponto de partida, Marx, reflete sobre o significado para o indivíduo e a sociedade – da apropriação por não produtores (pessoas, empresas ou o Estado) de uma parcela do que é produzido socialmente. Daí originam-se os conceitos de classe, exploração, opressão e alienação. Classes sociais É o surgimento de um excedente da produção que permite a divisão social do trabalho, assim como a apropriação das condições de produção por parte de alguns membros da comunidade, os quais passam, então a estabelecer algum tipo de direito sobre o produto ou sobre os próprios trabalhadores. Vê se, portanto, que o aparecimento das classes sociais vincula-se a circunstâncias históricas bem específicas, quais sejam, aquelas em que a criação de um excedente possibilita a apropriação privada das condições de produção. Dessa forma, o materialismo histórico descarta a interpretação que atribui um caráter natural, inexorável, a esse tipo particular de desigualdade. As classes são uma decorrência de determinadas relações sociais de produção. Luta de classes As classes sociais sempre se enfrentaram e “mantiveram uma luta constante, velada umas vezes e noutras franca e aberta; luta que terminou sempre com a transformação revolucionária de toda a sociedade e pelo colapso das classes em luta”. Para Marx e Engels, a história das sociedades cuja estrutura produtiva baseia-se na apropriação privada dos meios de produção pode ser descrita como a história das lutas de classes. A alienação e as relações sociais de produção na sociedade capitalista Enquanto certas qualidades de um objeto, como o seu peso ou densidade, são naturais e, por isso, de apreensão imediata, o trabalho humano acrescenta a ele uma qualidade “sobrenatural”: seu valor. Os trabalhos humanos tomam a forma de produtos cujos valores podem ser medidos, quando são intercambiados, mas essa relação parece dar-se apenas entre coisas. Conquanto seja uma relação sociais determinada dos homens entre si (...)adquire para eles a forma fantástica de uma relação de coisas entre si”. Este é o que Marx chama de caráter fetichista da mercadoria, dado pela incapacidade dos homens de perceber como sociais os frutos de seu trabalho. O trabalhador não se reconhece no produto que criou, em condições de arbítrio e às vezes até à sua compreensão, nem vê no trabalho qualquer finalidade que seja a de garantir sua sobrevivência. A alienação e as relações sociais de produção na sociedade capitalista Os fundamentos da alienação encontramse na organização social da produção, e o próprio poder social é percebido como uma força alheia. Essa situação só chegaria ao fim com a extinção da sociedade capitalista. Referências QUINTANEIRO, T. ; BARBOSA; M. L. de O.; OLIVEIRA; M. G. Um toque de clássicos: Durkheim, Marx e Weber. Belo Horizonte: UFMG; 2001;