CAP 33 – CONSUMO
PRODUZIR: UM ATO SOCIAL E
COLETIVO
O consumo é uma das características mais
marcantes da sociedade contemporânea.
A partir do século XX, o consumo se
intensificou, e se estende até hoje,
considerando a crescente importância que se
atribui à posse de bens materiais e ao poder
das coisas como meios de felicidade e
prestígio.
A oferta e a variedade de produtos
cresceram de modo exponencial e as
pessoas passaram a se dedicar, cada vez
mais, a obter meios para consumir.
Paradoxalmente, as mercadorias são
consumidas e descartadas num ritmo tão
rápido que logo se tornam obsoletas.
O consumo sempre foi uma preocupação
importante entre os estudiosos da
sociedade que desejavam entender como
se produzia e estimulava a circulação de
bens, fonte, segundo alguns economistas,
de toda a riqueza.
Até o início do século XX, cientistas sociais
ainda estudavam o consumo como algo
desvinculado da produção.
Foi Karl Marx quem estabeleceu as bases
de uma verdadeira compreensão do
consumo, ao explicá-lo como parte
integrante da produção, juntamente com a
circulação de bens.
Para Marx, a produção só pode ser
pensada de um ponto de vista social
e histórico.
Vive-se determinado momento da
produção porque as forças históricas
assim o engendraram, de forma
social e coletiva, e não de maneira
isolada, livre ou autônoma.
A produção também é consumo
Para Marx, a produção é também consumo,
porque, ao produzir, o indivíduo consome
matérias-primas e outros meios de
produção, como as máquinas, que se
desgastam.
Além disso, gastamos energia no ato da
produção.
Essas formas de consumo recebem o nome
de consumo produtivo.
O consumo gera a produção, assim como
enseja uma nova.
Ele também reproduz a necessidade que
demanda a produção.
Por outro lado, a produção determina o
produto.
A produção cria o próprio consumidor.
Estabelece-se, assim, entre produção e
consumo, uma reciprocidade que lhes é
própria, sendo um o intermediário do outro.
Como o produtor não é necessariamente o
consumidor surge a necessidade da
distribuição.
O fetichismo da mercadoria
Trata-se de uma qualidade que é atribuída ao
produto e que parece ter origem em suas
características individuais e não materiais.
A relação entre o valor das mercadorias e o
valor advindo do trabalho humano realizado
é encoberta por uma visão fantasmagórica
que entende o mercado como uma relação
entre coisas e não entre sujeitos e classes.
Essa alienação, que se opera no mercado
entre o valor dos objetos e o envolvimento
de sua origem humana, é chamada por Marx
de fetiche da mercadoria.
A propaganda tem ajudado a difundir o
fetiche das mercadorias, pois apregoa
qualidades imateriais dos produtos do
mercado, mobilizando o desejo do
consumidor.
Exemplo: crer que um eletrodoméstico
possa garantir felicidade familiar ou
conjugal.
Sacrifício e magia
O sociólogo alemão Georg Simmel afirmava
que o valor das mercadorias não tem
origem na materialidade dos produtos, mas
no julgamento que os sujeitos fazem delas.
Quanto mais os desejamos, mais os
produtos se tornam valiosos, e, por essa
razão, os objetos de nossos desejos exigem
algum sacrifício para serem obtidos.
Cria-se, assim, um sistema de trocas e
sacrifícios.
Simmel encontrou na motivação
individual do consumidor uma possível
origem do valor das mercadorias – o
quanto ele está disposto a sacrificar para
obter o que deseja.
A publicidade que se desenvolveu nos
séculos XIX e XX também acreditava
nessas qualidades abstratas e mágicas
dos objetos e no consumo como ato
influenciado por motivação interna e
subjetiva dos consumidores.
O fetichismo torna os objetos mágicos,
dotando-os de poderes sobrenaturais, que
estão presentes nos mitos, nas narrativas
ficcionais e nos contos maravilhosos.
As religiões têm alimentado esse
imaginário coletivo que atribui poder aos
objetos.
As relíquias e as imagens permitem que os
fiéis expressem essa crença no poder
simbólico dos objetos.
A sociedade burguesa
Na sociedade capitalista moderna, os
objetos se apresentam como referência e
mediação das relações sociais.
Com o advento da burguesia e do
capitalismo, ocorreram grandes mudanças
na sociedade e na maneira como as
classes e os grupos sociais passaram a
ser identificados.
Uma sociedade de emergentes
O sociólogo alemão Norbert Elias estudou
o aburguesamento da aristocracia
europeia, que assimilou grupos
emergentes de burgueses e intelectuais,
ampliando seus hábitos.
Norbert Elias explica como as elites
procuraram estabelecer novas formas de
comer, andar e falar, radicalmente
diferentes das do homem simples e
comum e, especialmente, das do homem
que vivia no campo.
Atitudes mais contidas, que demonstram
controle corporal, passaram a ser necessárias
numa sociedade que valorizava as relações, o
convívio social e as negociações.
Cada hábito, no entanto, estava relacionado
ao uso de instrumentos de apoio que se
tornavam símbolos de boa educação e,
consequentemente, de riqueza.
Assoar o nariz nas mangas, por exemplo,
tornou-se um comportamento incoveniente e,
com isso, difundiu-se o uso do lenço, que se
tornou símbolo de riqueza.
O mesmo aconteceu com o uso do
garfo: o ato de comer com as mãos
havia se tornado sinal de barbárie e,
por isso, difundiu-se o uso do talher,
que passou a ser símbolo de
civilidade e riqueza.
Numa primeira manifestação do que
hoje se conhece como globalização,
e que continuaria avançando pelos
séculos seguintes, a sociedade
burguesa já se pretendia universal.
Modo e distinção social
Desde o Renascimento até a Revolução
Industrial, a sociedade foi se tornando
mais complexa, e a produção de objetos
para compor ambientes e personagens não
parou de crescer.
Com a Revolução Francesa, em 1789, e o
advento da república, a mobilidade social
aumentou.
A classe média mais ampla começou a
imitar o comportamento da elite, e os
costumes tenderam a se democratizar.
Na medida em que os costumes passaram a
ser mimetizados pelas classes populares,
chegava a hora de a elite renovar seus
padrões, e a moda se modificou.
Surgiu a indústria, que aliou a necessidade
de renovação da própria indústria à
necessidade de um consumo ostentatório,
capaz de evidenciar a posição de destaque
e importância de seu usuário. Não é difícil
entender que a indústria tenha passado a
fomentar a necessidade de as classes
populares se parecerem com as elites e de
as elites se distanciarem das camadas
populares.
Iniciou-se, assim, um ciclo que se auto
alimentava.
À medida que surgiam produtos mais
acessíveis, começava-se a produzir o novo
para os ricos, que deixavam de apreciar
aquilo que anteriormente os distinguia e
que agora era imitado pela produção
voltada para as classes mais pobres.
Foi assim que a indústria criou a moda tal
como a conhecemos hoje, tem um caráter
ostentatório e simbólico, assim como
econômico e político.
Já estavam estabelecidas aí as
bases do que viria a ser uma
sociedade de consumo: uma
sociedade que procura diferenciar
indivíduos num cenário cada vez
mais anônimo e impessoal, ao
mesmo tempo que difunde ideais de
igualdade, de democracia e de
inclusão social.
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