REFLEXÕES SOBRE O PAPEL DAS SALAS DE RECURSOS
MULTIFUNCIONAIS NO PROCESSO DE INCLUSÃO EM EDUCAÇÃO
Manoella Senna; Erika de Souza Costa; Monica dos Santos
Universidade Federal do Rio de Janeiro: [email protected]
RESUMO
O presente artigo traz uma discussão sobre o papel das Salas de Recurso Multifuncionais, como uma das
principais estratégias da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, mas
que apresenta suas limitações no que tange à promoção da inclusão se não articulada a outras ações e ao
envolvimento coletivo neste processo. Tal proposição é feita a partir de uma análise das falas de professoras
das SRM que participaram de uma pesquisa intitulada OEERJ (Observatório da Educação Especial no Rio de
Janeiro). Parte-se de uma abordagem omnilética dos processos de inclusão em Educação, considerando três
dimensões fundamentais (culturas, políticas e práticas), numa relação complementar, dialética e complexa.
Palavras-chave: Inclusão em educação, Políticas públicas, Sala de Recursos Multifuncionais, Diversidade.
INTRODUÇÃO
A política educacional brasileira e, mais especificamente, as ações voltadas para a temática
da Inclusão, vêm se constituindo num cenário em que percebemos a influência de grandes
movimentos internacionais, referenciados por documentos tais como: a Declaração Universal dos
Direitos Humanos (1948), a Declaração Sobre Educação para Todos (1990) e a Declaração de
Salamanca (1994), dentre outros. Uma das principais políticas nacionais neste sentido foi instituída
no ano de 2008: a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva
(BRASIL, 2008a, 2008b), que teve por objetivo garantir a inclusão de alunos com deficiência,
transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação nas salas regulares por
meio do Atendimento Educacional Especializado (AEE).
Mais especificamente, essa política determinou que o público alvo da educação especial
fosse atendido nas chamadas Salas de Recursos Multifuncionais (SRM) no contra turno escolar. Em
outras palavras, além de frequentarem as salas regulares, esses alunos seriam atendidos em outra
sala definida por “ambientes dotados de equipamentos, mobiliários e materiais didáticos e
pedagógicos para a oferta do atendimento educacional especializado”, conforme o Decreto 7611/12
(BRASIL, 2008b) que dispõe sobre o atendimento educacional especializado. Sobre o próprio AEE,
a política declara que ele: “(...) identifica, elabora e organiza recursos pedagógicos e de
acessibilidade que eliminem as barreiras para a plena participação dos alunos, considerando as suas
necessidades específicas”. (BRASIL, 2008b, p. 16).
É necessário, ao introduzir a discussão
proposta, destacar que a Educação Especial, a Inclusão em Educação e o Atendimento Educacional
Especializado são conceitos distintos, porém, interligados.
A Educação Especial, além de um conjunto de conhecimentos, recursos e serviços
pertinentes ao ensino e a aprendizagem ao seu público alvo, é definida como uma modalidade de
ensino, que perpassa todos os níveis de escolaridade, tendo como lugar de exercício preferencial a
escola regular. Dentre os serviços oferecidos pela educação especial, está o Atendimento
Educacional Especializado, sendo representado no Brasil principalmente pelas Salas de Recursos
Multifuncionais. É preciso distinguir, portanto, esses dois conceitos: A Educação Especial realiza o
AEE, mas não o é (BRASIL, 2008), constituindo-se o primeiro, num campo mais amplo, de base
teórica e prática que pode contribuir de maneira positiva para a promoção da inclusão.
A Inclusão em Educação é mais do que um conceito, é uma perspectiva bastante abrangente,
defendendo que todos os indivíduos têm direito à escola, garantindo-lhes plenamente a participação
e a aprendizagem. Esta concepção de educação não se restringe aos alunos com deficiências, como
é de comum entendimento, mas a todo e qualquer indivíduo, seja qual for seu nível social, gênero,
etnia, grupo cultural etc.
Uma proposta de Inclusão, entretanto, não invalida a Educação Especial, mas a ressignifica à
medida que, como campo do conhecimento, a Educação Especial oferece subsídios para a
concretização de uma Educação Inclusiva. Para melhor compreensão desta perspectiva, é preciso
um olhar sensível à diversidade, que contemple a realidade escolar composta por diferentes sujeitos.
Diante dessa política, todo o sistema de educação do Brasil precisou se adaptar de modo a
atender as demandas e, principalmente, estar de acordo com a lei vigente na implementação das
Salas de Recursos Multifuncionais e no desenvolvimento do Atendimento Educacional
Especializado propostos pela Secretaria de Educação Especial/MEC. Tal movimento, causado por
essa política, instigou, em 2010, diversos pesquisadores do país a conceberem o Observatório
Nacional da Educação Especial (ONEESP), com o objetivo de produzir estudos integrados sobre
políticas e práticas permeadas pela questão da inclusão escolar em âmbito nacional e, mais
especificamente, com a proposta de avaliar a política de implementação das SRM. Dentre as
questões elencadas na constituição do observatório, surgem as seguintes: De que maneira este tipo
de serviço apoia a escolarização de crianças e jovens com necessidades educacionais especiais?
Quais são os limites apresentados e as possibilidades oferecidas aos educandos pelas SRM?
Como um desdobramento da tentativa de responder a essas e outras questões, inicia-se a
constituição da rede do observatório nacional e dos observatórios estaduais em 18 estados
brasileiros, com a participação de 95 pesquisadores do país. No estado do Rio de Janeiro foi
constituído o Observatório da Educação Especial no Rio de Janeiro (OEERJ), contexto de onde
partem as análises que serão realizadas ao longo deste artigo.
O conceito de Inclusão em Educação
No Brasil, documentos recentes já contemplam (mesmo que de maneira ainda elementar)
uma abordagem sobre a Inclusão em Educação numa perspectiva mais ampliada e destaca uma
conjuntura favorável à definição de políticas públicas fundamentadas na inclusão social. Uma
publicação do MEC (2015), intitulada “Orientações Para Implementação da Política e Educação
Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva”, propõe um percurso histórico, apresentando as
principais medidas no que tange às políticas de educação especial e inclusão no país.
A proposta de um sistema educacional inclusivo passa, então, a ser percebida na
sua dimensão histórica, enquanto processo de reflexão e prática, que possibilita
efetivar mudanças conceituais, político e pedagógicas, coerentes com o propósito
de tornar efetivo o direito de todos à educação, preconizado pela Constituição
Federal de 1988 (MEC, 2015, p.10).
Reconhece ainda, a Inclusão como um conceito ligado aos Direitos Humanos e à Cidadania:
A educação inclusiva constitui um paradigma educacional fundamentado na
concepção de direitos humanos, que conjuga igualdade e diferença como valores
indissociáveis, e que avança em relação à idéia de eqüidade formal ao
contextualizar as circunstâncias históricas da produção da exclusão dentro e fora da
escola (MEC, 2015, p.24).
Nesse sentido, enfatizamos a importância de compreendermos a inclusão a partir de uma
perspectiva que, de acordo com Santos (2009), a descreve como um processo infindável de luta
contra as exclusões que não se limita às pessoas com deficiência. Inclusão diz respeito, nesta
acepção, a todos aqueles que, porventura, estão excluídos, sem voz e poder de decisão na sociedade.
Assim, inclusão em educação é processo omnilético, que nas palavras de SANTOS (2013):
[...] significa pensar em termos da integralidade, dubiedade, complementariedade e
transgressividade das dimensões culturais, políticas e práticas em relação ao
mesmo tempo dialética e complexa (grifos do autor) (SANTOS, 2013, p.26).
A dialeticidade do processo de inclusão em educação se dá por meio da sua própria
existência em relação à exclusão que não se resume à oposição, mas se constitui em uma relação
inclusão/exclusão inseparável e em constante transformação.
(...) o que queremos enfatizar ao optar pela expressão dialética exclusão/inclusão é
para marcar que ambas não constituem categorias em si, cujo significado é dado
por qualidades específicas invariantes, contidas em cada um dos termos, mas que
são da mesma substância e formam um par indissociável, que se constitui na
própria relação. A dinâmica entre elas demonstra a capacidade de uma sociedade
existir como um sistema (SAWAIA, 2001, p. 108).
Este movimento nos permite compreender que o processo de inclusão não é simples e não
apresenta uma única solução ou fórmula, mas se faz em uma complexidade e uma variedade
múltipla de situações e dimensões que só podem ser entendidas quando nos colocamos em
diferentes posições e formas de olhar a realidade.
Esse movimento dialético e complexo perpassa três dimensões, explicitadas por Booth &
Aisncow (2012), fundamentais nesse processo: as culturas, as políticas e as práticas de inclusão. As
culturas representam nossas crenças, nossas opiniões e costumes para a inclusão (ou não). As
políticas correspondem às leis, aos documentos, às intenções e aos acordos (ditos ou não) para a
inclusão e/ou exclusão. As práticas, por sua vez, culminam nas ações propriamente ditas, que
expressam (ou não) as culturas e as políticas de inclusão em educação (SANTOS, 2009, 2013).
E é de acordo com essa perspectiva teórico-metodológica, portanto, que compreendemos a
pesquisa e seus dados que serão apresentados, sempre em uma relação dialética e complexa, ou seja,
omnilética.
METODOLOGIA
O OEERJ surge com o objetivo geral de consolidar a proposta de pesquisa do ONEESP.
Para tanto, além do estudo em rede com delineamento misto que propõe estudos locais nos
municípios com professores das SRM e gestores da Educação Especial, das escolas públicas de
quatro municípios do Estado do Rio de Janeiro, a proposta ainda demanda como objetivos
específicos: avaliar o impacto da política de implantação da SRM na experiência educacional dos
alunos atendidos nestes ambientes e discutir as práticas pedagógicas dos professores atuantes nas
SRM.
Para a constituição da rede em nível estadual, participam os municípios do Rio de Janeiro,
Niterói, Nova Iguaçu e Petrópolis. E, ainda, na realização dessa proposta de trabalho, quatro
universidades públicas do Rio de Janeiro foram envolvidas: Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ), Universidade Federal Fluminense (UFF), Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
(UFRRJ) e Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), com sete pesquisadores e suas
equipes.
Serão apresentadas aqui, reflexões tecidas a partir da segunda etapa desta pesquisa, que
consistiu em três encontros com professoras das SRMs e gestoras da educação especial dos
municípios participantes. Estes encontros foram realizados de modo a contemplar uma metodologia
colaborativa, por meio da qual conhecimento e formação desenvolvem-se simultaneamente. Para
tal, foram constituídos, dentre outras ações, grupos focais, compostos por 63 professores divididos
em pequenos grupos, com o objetivo de discutir questões sobre a organização do AEE.
Análise dos dados
Para fins deste artigo, serão analisadas algumas falas dos professores das SRM de um dos
grupos focais, do último encontro, que buscou compreender como tem se dado a organização do
ensino e da prática docente no AEE, que, por sua vez, apresentam potencialidades e limitações. Não
será esgotada aqui toda a discussão e nem serão feitos julgamento de valores acerca da política de
educação especial na perspectiva da educação inclusiva, mas levantados pontos importantes que são
frutos dessa política nos municípios pesquisados, com base nas próprias experiências e análises das
professoras das Salas de Recursos Multifuncionais.
O primeiro ponto a ser destacado consiste em uma das perguntas propostas no grupo focal
que buscou saber das professoras que condições elas acham que a escola oferece ao aluno atendido
pelo AEE. Muitas foram as condições que as professoras citaram, contudo, dois pontos
fundamentais sobressaíram: as barreiras arquitetônicas existentes nas escolas e na própria cidade; e
as barreiras com relação à equipe de profissionais. Sobre a primeira, os professores destacaram que
por mais que exista a política de implementação de SRM nas escolas, ainda é preciso avançar na
adaptação arquitetônica de toda a escola.
Segundo elas, não basta construir uma sala e achar que a escola está adequada para receber
alunos com deficiências, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação.
Isso fica evidente no relato de uma professora, do município de Petrópolis, sobre uma reunião em
que os professores de sua escola estavam revendo o Projeto Político Pedagógico (PPP), discutindo
sobre a organização da escola e a adequação dos ambientes. Quando discutida a Sala de Recursos
Multifuncionais:
[...] Aí falei ela não é adequada. “Mas porque que ela não é adequada?” Eu
falei: gente nós temos três cadeirantes na escola que eu não posso atendê-los
na sala porque a sala é no segundo andar. Eu tenho que atender na sala que
está vazia [...] Quer dizer tem determinadas coisas que eu gostaria de fazer e
não posso (Professora de Petrópolis).
Ainda sobre a questão arquitetônica uma das professoras, do município de Nova Iguaçu,
deixa evidente a questão da inclusão como uma luta, um processo, visto que, somente após muito
reclamarem com a Secretaria de Educação do município é que alguns alunos puderam ser
efetivamente incluídos na escola, uma vez que esta situava-se em um local de difícil acesso.
Portanto, por mais que a escola tivesse uma Sala de Recursos Multifuncionais, não podia atender os
alunos que dela precisavam. Pela fala da professora, fica evidenciado um movimento, para além da
própria professora, de outros profissionais na busca pela solução de um problema da escola:
[...] Em relação à parte arquitetônica, a escola se organizou, se adaptou, tem rampas
e tudo, porém fica num local totalmente inadequado, né? Um morrão enorme que
pra subir é muito difícil, assim, é muito cansativo e aí diante dessa dificuldade a
escola brigou muito, a direção brigou muito lá com a prefeitura, com a secretaria lá
para que eles pudessem ter pelo menos um transporte para que pudessem buscar
essas crianças, que são os cadeirantes, em casa por conta dessa dificuldade para
subir este morro. E aí depois dessa é briga toda, esse ano, o município finalmente
conseguiu comprar lá uns três, se não me engano, acho que são três ônibus e aí eles
passam pela cidade toda e pelas áreas ali para poder pegar as crianças e deixarem
nas escolas (Professora de Nova Iguaçu).
A partir dessas falas, com relação às barreiras arquitetônicas, compreende-se o quanto o
processo de inclusão em educação é complexo e que ele não depende somente da implementação
das SRM nas escolas. Além das salas, é preciso que haja condições para que os alunos cheguem até
ela, ou seja, que não só a escola, mas também a cidade esteja arquitetonicamente adaptada e
adequada. Tal fato, permite depreender que um dos impactos dessa política é a mudança estrutural
que ela demanda tanto na escola quanto na cidade, pois para frequentar essa sala é preciso chegar
até ela, e portanto, chegar até a escola.
O segundo ponto levantado foi a questão do apoio de toda a escola no processo de inclusão
do aluno do AEE, visto que as professoras argumentaram que, muitas vezes, não têm apoio dos
outros profissionais da escola que declaram não saber o que fazer com o aluno do AEE e que se
sentem despreparados para tanto. Com base nas falas das professoras, foi possível identificar um
movimento de desresponsabilização representado pelo discurso de “se eu não sei lidar com esse
aluno e não fui preparado para isso, não devo me preocupar com ele, ele é aluno da professora da
SRM”, como explicitado no relato a seguir:
Acho assim que barreira maior mesmo é essa de determinados profissionais da
escola que ainda tem essa... Lá na minha escola, por exemplo, ainda existe esta
barreira mesmo. “Ah mas eu não estou”... é sempre o mesmo discurso “eu não tô
preparada”; mas porque que a gente tem que fazer isso? (Professora de Petrópolis).
Assim, percebe-se que a escola ainda conta com poucos profissionais realmente engajados
na inclusão de todos os alunos. Fato que é preocupante, uma vez que o aluno não é “aluno” apenas
da professora da SRM, mas de TODA a escola, logo, cabe a TODA a escola pensar a sua inclusão e
não apenas a um profissional. Portanto, embora exista uma política que oriente e intencione práticas
de inclusão, ou seja, que o aluno seja incluído na sala regular com o apoio do AEE e da SRM, em
termos de cultura, ela ainda não teve grande impacto em TODA a escola. Vale ressaltar que à escola
cabe pensar e criar estratégias para eliminação de barreias, considerando as diferenças e a
diversidade nela presentes.
Culturalmente, se todos esses profissionais percebessem a importância de seu engajamento
no processo de inclusão, se todos eles estivessem, agora, sensibilizados e conscientes do seu papel
no processo de inclusão, tais discursos não seriam tão comuns. Vale ressaltar, portanto, que somente
a criação de uma política e o estabelecimento de uma lei não faz efeito se as dimensões culturais e
as práticas não forem pensadas e atingidas.
Nesse sentido, destacamos que, em processo dialético e complexo articulam-se as dimensões
das culturas (modo como se compreende a importância da inclusão e o desejo de incluir), das
políticas (as intenções implícitas, o planejamento e as estratégias para incluir) e a das práticas
(ações e adaptações efetivadas), o que caracteriza um processo omnilético de inclusão. Vale
ressaltar que este processo acontece de maneiras diferenciadas em cada contexto, para cada aluno,
cada escola, cada município, cada estado, não havendo, portanto, um modelo ou padrão únicos,
como nos alerta SANTOS (2013).
Outra pergunta que cabe ressaltar, buscou saber qual a função, na visão das professoras das
SRM, do AEE que é oferecido nas SRM e nas salas regulares. Como resposta, foram destacados
dois pontos da política que, por mais que pareçam indicar uma grande oposição, na realidade,
compreendem o caráter complexo e omnilético do processo de inclusão.
O primeiro aspecto trazido pelas professoras em relação à função do AEE diz respeito à
polivalência que a atual política demanda dos professores das SRM. De acordo com as professoras,
a política (não em termos escritos, mas na prática) demanda que o professor de SRM tenha
conhecimento de todas as deficiências e que ele dê conta de todos os alunos. Contudo, tal demanda,
é muito difícil de ser atendida, já que cada deficiência tem sua peculiaridade e cada criança, ainda
tem sua especificidade. E, por isso, sugere uma outra professora que se mude essa concepção, que
se entenda que, na verdade, a inclusão seja pensada não como o foco na deficiência:
[...] o professor tem que ser super-herói, realmente é assim que os professores se
sentem, né. Mas tudo eu acho que vem da concepção que a gente tem dessa
educação, da concepção que a gente tem de educação especial. Que na verdade na
minha concepção o professor da sala de recursos não tem que ser especialista em
tudo. Ele não tem, ele até pode ser, mas não tem. Eu costumo sempre falar isso,
quando a gente vai nas escolas, eu falo isso pra os professores. Eu acho que o
professor tem que ser especialista em seres humanos. E aí basta, porque eles são
seres humanos e as deficiências são mais uma característica (Professora de
Niterói).
Essa concepção é importante, pois considera que inclusão não se resume à educação especial
e, ainda, que ela não deve se limitar à deficiência e às características médicas e patológicas. Em
aparente oposição ao fato de a política demandar uma multifuncionalidade do próprio professor de
SRM, as professoras consideram que o trabalho realizado nas SRM tem sido de caráter
complementar, como orienta a política, conforme fala abaixo:
Na sala de recursos você cria condições suficientes para ajudar o aluno na
aprendizagem dele na sala de aula, você pode adaptar determinados materiais que
ele vai utilizar na sala de aula ou mesmo na sala de recursos. Assim, meu
pensamento vai muito de encontro com o dela, não de ficar reforçando o conteúdo
que a criança está aprendendo na sala de aula, mas assim “ah, ele tá muito
desatento, trabalha um pouco mais a atenção com ele lá na sala?” Então vamos lá
fazer atividades que busque a atenção dele. Então, assim, na sala de recursos a
gente vai tentar criar maneiras de ajudar o aluno. Fazendo com que ele aprenda
tanto pra vida quanto na sala de aula (Professora de Petrópolis).
Sendo assim, segundo estas professoras, o trabalho na sala regular é ensinar ao aluno
conteúdos específicos das disciplinas, enquanto o da Sala de Recursos Multifuncionais é de fazer
com que o aluno seja capaz de aprender tais conteúdos, criando estratégias que o auxiliem no
aprendizado desses conteúdos escolares e de outras práticas da vida cotidiana.
CONCLUSÕES
É notável que as Salas de Recursos (bem como o AEE) surgiram como uma das principais
ações que compõem a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação
Inclusiva. De fato, o AEE apresenta importantes contribuições para que se promova o acesso, a
permanência e a aprendizagem do aluno com deficiência no ensino regular. Entretanto, é necessário
refletirmos sobre as limitações deste serviço, pois não pode ser constituído como a única via de
inclusão em educação ou ainda, como o serviço onde “apostam-se todas as fichas” na escola.
O que importa salientar é que a sala de recursos, uma proposta que tem como objetivo
genuíno contribuir para a promoção de inclusão, pode constituir-se como um lugar também de
exclusão e de barreiras à inclusão, à medida em que não são sanadas as dificuldades de acesso,
participação e aprendizagem do aluno, não se promove o diálogo e a reflexão sobre as mudanças
necessárias à escola para melhor atender à diversidade ou, ainda, a escola não é gerida de maneira a
articular seus espaços e sujeitos no processo inclusivo. Os professores especializados que atuam nas
Salas de Recursos não podem ser concebidos como os únicos responsáveis pela inclusão do aluno,
mas parte de processo um processo que é dialético, complexo e, necessariamente, coletivo.
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