GRUPO DE TRABALHO: PARTICIPAÇÃO E PODER PÚBLICO A PARTICIPAÇÃO POPULAR NOS PLANOS DIRETORES MUNICIPAIS: UMA ESTRATÉGIA DE GESTÃO DEMOCRÁTICA Sarah Lúcia Alves França Arquiteta e Urbanista, especialista em Planejamento Urbano. Aracaju-SE [email protected] Introdução A urbanização acelerada e o crescimento urbano desordenado revelam dois tipos de cidades: as formais, criadas e planejadas, servidas de infra-estrutura básica, e a informal, cujo desenvolvimento ocorreu fora do traçado original, sem o mínimo de infra-estrutura. Para essas tipologias, são necessários instrumentos de planejamento urbano a serem utilizados na orientação do uso e ocupação do solo. A complexidade desses problemas urbanos obriga que planejadores e urbanistas reflitam sobre as questões e busquem novas alternativas e leis de controle urbanístico. A desigualdade social, características dos grandes aglomerados urbanos, vêm contribuindo para que os grupos sociais se organizem, no sentido de minimizar os conflitos e na busca pela melhoria da qualidade de vida. A partir dessas necessidades, ocorreu uma intensa mobilização dos grupos socais desfavorecidos na luta pelos seus direitos. Dessa forma, surgem os movimentos sociais que, baseados em princípios descentralizadores, contrariam o antigo modelo de gestão centralizador e tradicional implantado no regime militar. A população, através dos movimentos sociais, tem como principal função auxiliar na tomada de decisões a cerca dos problemas urbanos, contribuindo para a descentralização do poder do Estado sobre o rumo da cidade e a transparência das decisões dos problemas urbanos. Com isso, o objetivo é a obtenção de uma distribuição mais igualitária de oportunidades na cidade. Assim, a importância da participação popular na gestão urbana e, em especial, na elaboração de planos diretores, a fim de propor um desenvolvimento ordenado das cidades brasileiras, é o principal eixo de análise desse trabalho. 1. A Participação Popular nos Últimos 50 Anos: Questões Legais 1.1. Primeiras Práticas de Gestão Participativa As primeiras práticas de urbanismo democrático aconteceram nos Estados Unidos, nos anos de 1960, com o Advocacy Planning, uma nova dimensão da prática dos urbanistas que buscava defender as reivindicações da classe mais desfavorecida. As experiências inspiradas nessa prática expandiram-se pela Europa, em países como Bélgica, Itália, Holanda e França, chegando, de forma mais destacada no Brasil, na década de 1980, no período de redemocratização do país. (NUNES, 2006). Já no Brasil, na segunda metade do século XX, nos municípios de Lages e Boa Esperança, em Santa Catarina, iniciou a tentativa de aplicar a gestão participativa, na década de 70, para melhoria das condições de vida da população pobre, a partir da intervenção governamental, estimulando também o fortalecimento de organizações populares como associação de moradores. Essas experiências “apontam para a possibilidade de soluções dos problemas da cidade por meio da construção de uma nova cultura política democrática e um novo desenho nas relações Estado-sociedade civil”. (BAVA, 2003, pág. 76) A participação popular nas ações de planejamento urbano tem apresentado avanços em função da diversidade de momentos políticos que o país tem atravessado. 2 É preciso reconhecer, que a sociedade civil e suas formas de organização e manifestação vieram se modificando ao longo do tempo. 1.2. A Luta pela Participação Popular: uma grande conquista social na Constituição Federal de 1988 A década de 1980 foi marcada por conquistas para a democracia, no sentido de favorecer a presença da população nas decisões da cidade. O retorno das eleições diretas em 1985, a luta pela Reforma Urbana e, logo após, a Constituição de 1988, fizeram com que os conceitos participação e cidadania andassem sempre juntos. Diante disso, Nunes afirma que “num país onde o poder de decisão foi historicamente monopolizado pelos representantes de uma elite econômica muito restrita, a participação da população significa uma democratização desse poder.” (2006, pág. 14). A Constituição Federal é, sem dúvida, o marco legal da redemocratização, um avanço significativo para transformações na gestão das cidades. Inicia-se aí uma nova forma de compreender as questões urbanas dentro de um contexto sócio-político e econômico que tem, sobretudo, como foco principal, a questão social. Em termos legais, uma das maiores conquistas da sociedade brasileira foi à introdução do Capitulo da Política Urbana, na atual Constituição Federal, referente aos artigos 182 e 183. Este capítulo define que o Plano Diretor é um instrumento obrigatório para determinados municípios, além de estabelecer a função social da cidade e da propriedade urbana, como forma de garantir o acesso a terra urbanizada, segurança e bem estar, com direito à moradia, à infra-estrutura e ao saneamento básico, de forma participativa, justa e igualitária. De acordo com Benevides (in SOARES; GONDIM, 1998, pág. 75), A própria Constituição de 1988 incorporou o princípio da participação popular direta na administração pública e ampliou a cidadania política, estabelecendo vários mecanismos de reforços à iniciativas populares. A sociedade organizada mantém a sua mobilização e, um ano depois da promulgação da Constituição é encaminha uma proposta de Lei regulamentando os artigos constantes do Capítulo da Política Urbana, pelo então senador Pompeu de Souza e Inácio Arruda. Porém, onze anos após, a lei foi sancionada, recebendo o nome de Estatuto da Cidade. Este estabelece normas de ordem pública e interesse social, a fim de regulamentar o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo. Dessa forma, a incorporação do ideário da participação dos cidadãos nas decisões de interesse público, após anos de luta dos movimentos populares, configura-se em indiscutível conquista social pelo menos no nível dos recentes dispositivos legais que no Brasil normatizam a Política Urbana. (CORREIA in RIBEIRO;ADAUTO, 2003, pág. 159) 2. Estatuto da Cidade: Novas formas de gestão democrática através do Plano Diretor O Estatuto da Cidade é fruto de disputas sociais e políticas que envolvem diversos interesses divergentes, considerando que o espaço urbano é produto das ações dos diversos atores sociais e que a cidade é resultado de um trabalho coletivo. Com a aprovação do Estatuto da Cidade, em outubro de 2001, fica definido alguns instrumentos para auxiliar no desenvolvimento urbano, e o Plano Diretor é um deles. A elaboração desses planos é “obrigatória para as cidades com mais de vinte mil habitantes, e é o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana” (CIDADES, 2001), além de ser uma exigência do Governo Federal, desde a 3 Constituição de 1988. Passam também, a fazer parte dessa obrigatoriedade, as cidades integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas; integrantes de áreas de especial interesse turístico e as inseridas em área de influência de empreendimentos ou atividades com significativo impacto ambiental. Em suas diretrizes gerais, o Estatuto da Cidade estabelece no artigo 2o, inciso II que a gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano; No artigo 40, § 4º, o Estatuto da Cidade define e garante, que a participação na elaboração e implementação do Plano Diretor deve ser feita através de audiências públicas, debates, publicidade dos documentos e informações produzidos, e acesso destes. Assim, no Art. 40. O plano diretor, aprovado por lei municipal, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana. § 4º No processo de elaboração do plano diretor e na fiscalização de sua implementação, os Poderes Legislativo e Executivo municipais garantirão: I - a promoção de audiências públicas e debates com a participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade; II - a publicidade quanto aos documentos e informações produzidos; III - o acesso de qualquer interessado aos documentos e informações produzidos; O Estatuto também estabelece, em seu artigo 43, critérios que priorizam a participação da sociedade no processo de elaboração do Plano Diretor nos municípios, determinando, inclusive a obrigatoriedade da realização de debates, audiências públicas, conferências e outros: I - órgãos colegiados de política urbana, nos níveis nacional, estadual e municipal; II -debates, audiências e consultas públicas; III - conferências sobre assuntos de interesse urbano, nos níveis nacional, estadual e municipal; IV - iniciativa popular de projeto de lei e de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano; A participação popular se dá através dessas quatro formas, já citadas acima e mencionadas em lei. Os órgãos colegiados podem ser os conselhos, com representantes da sociedade civil e do poder público, que realizam o acompanhamento e fiscalização das políticas públicas desenvolvidas no município. Os debates são uma forma de promover a participação popular, através de reuniões, cujos diversos atores se reúnem para tratar de assuntos relativos ao plano diretor. Segundo VILLAÇA, em termos relativos, os debates públicos em torno do Plano Diretor representaram um avanço democrático muito pequeno. Em primeiro lugar porque, como anteriormente havia pouquíssima participação popular, diante de zero, qualquer crescimento é infinito. Em segundo, porque em termos de pressões políticas sobre os governantes, a da minoria foi enorme e a da maioria foi limitadíssima.(2005, pág.53) Previstas na Constituição Federal, as audiências tem como objetivo principal, ouvir a comunidade e sistematizar as informações para que o cidadão se identifique 4 com sua cidade. O plano diretor pode estabelecer que o resultado das audiências públicas efetivamente se transforme em ações do poder público. Um outro instrumento de democracia nos Planos Diretores são as conferências, tão importantes quanto às audiências, debates, e outros meios de participação da população. Sua função principal é reunir o governo e sociedade civil organizada para debater e decidir quais as prioridades nas políticas públicas para os próximos anos. Assim, elas se transformam em espaço de avaliação do que está acontecendo, e de definição de novas estratégias de intervenção para as cidades. A população e não só, a Prefeitura e os Vereadores, podem propor planos, projetos ou alterações nas leis, através da iniciativa popular. Cidadãos comuns podem reunir um grande número de assinaturas e encaminhar à Câmara de Vereadores, devendo levar em votação normalmente. Para que um plano seja, de fato participativo devem se utilizar todos esses instrumentos e mesmo assim, eles estarão muito longe de serem realmente democráticos, uma vez que não atraem a maioria da população. Porém, deve-se adotar como prioridade, o cumprimento das exigências relativas à participação da população. Para haver a efetiva participação cidadã é necessário que ocorra a articulação de instâncias, de atores, de interesses (particulares e coletivos) e entre a participação da população e representação política. Nesse sentido, a tarefa de promover tais articulações, cabe a todos os atores sociais e requer algumas condições básicas, das quais se destacam a qualidade da informação, a existência de recursos econômicos e a motivação destes atores. É importante ressaltar que o Plano Diretor, muito mais que texto técnico, é um instrumento político, cujo maior valor é a transparência da política urbana. Na medida em que se tornam públicas, as diretrizes e prioridades de desenvolvimento e expansão urbana, a sociedade pode intervir e participar da gestão pública. 2. A Participação Popular no Plano Diretor: Suas Formas e Instrumentos 2.1. A atuação do Ministério das Cidades e as Conferências A complexidade da vida urbana brasileira e a pressão dos movimentos sociais resultaram na criação do Ministério das Cidades, com a finalidade de atender a demandas urbanas através de políticas públicas e de regulamentações, no sentido de promover melhor qualidade de vida para a população, especialmente aquela mais carente. Nas cidades e nos Estados também têm sido realizadas conferências preparatórias em que são selecionados os delegados que comparecem à nacional. Este foi um passo muito importante na implantação da gestão democrática, embora se reconheça que ainda há um longo caminho a percorrer em termos de construção de uma gestão em que a população participe efetivamente. Na busca por uma gestão democrática, o Ministério instituiu a Conferência Nacional das Cidades, como um fórum de discussões que vem sendo realizada, anualmente, contando com delegações dos estados. Durante mais de dez anos não houve nenhuma política pública de estímulo ou incentivo ao cumprimento da Lei. Dos 5.561 municípios brasileiros, aproximadamente 1.682 estão inseridos nestes critérios. A cerca desta situação, a Secretária Nacional de Programas Urbanos do Ministério das Cidades, Raquel Rolnik, durante a VII Conferência das Cidades, realizada em Brasília, se pronunciou: cerca de 80% dos 1.682 municípios brasileiros com mais de 20 mil habitantes cumpriram o prazo para a elaboração do plano diretor, estabelecido no Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001). Desse universo, apenas 60 prefeituras não iniciaram a discussão com a comunidade, o que representa 3,6% do total. Outros 296 projetos 5 estão em fase final de elaboração. (12 de dezembro de 2006, www.cidades.gov.br) O processo perde sua legitimidade e o Prefeito Municipal incorre em improbidade administrativa nos termos da Lei no 8.428/1992, conforme o artigo 52, VI e VII do Estatuto da Cidade, caso não haja participação popular, nem publicidade no processo de elaboração, revisão e implementação do Plano Diretor. O Ministério das Cidades, no ano de 2004, resolveu realizar uma Campanha Nacional de Sensibilização e Mobilização visando à elaboração e à implementação dos Planos Diretores, devido ao pequeno número de municípios que, até então, haviam realizado o processo. Três resoluções foram aprovadas no sentido de orientar na implementação do Estatuto. O Plano Diretor deve abranger o território municipal, garantindo a participação da comunidade ao longo de todo o processo. Por esse motivo, o Ministério das Cidades agregou um importante adjetivo ao seu nome: Plano Diretor Participativo, impondo assim, um grande desafio aos municípios de promover o ordenamento urbano, juntamente com o poder público, com a iniciativa privada e com a sociedade civil, através de todas as suas potencialidades e conflitos inerentes ao dinamismo territorial. De fato, Democratizar as decisões é fundamental para transformar o planejamento da ação municipal em trabalho compartilhado entre os cidadãos e assumido pelos cidadãos, bem como para assegurar que todos se comprometam e sintam-se responsáveis e responsabilizados, no processo de construir e implementar o Plano Diretor. (ROLNIK, 2005, p.14) A resolução de n°25, de 18 de março de 2005, do Conselho das Cidades, no seu artigo 3º, §1º, estabelece que a coordenação do processo participativo de elaboração do Plano Diretor seja compartilhada, por meio da efetiva participação de poder público e da sociedade civil, em todas as etapas do processo, desde a elaboração até a definição dos mecanismos para a tomada de decisões. O artigo 4º, dessa resolução, especifica que o processo de planejamento deverá conter os seguintes requisitos: ampla comunicação pública, em linguagem acessível, através dos meios de comunicação social disponíveis; informações sobre o cronograma e os locais das reuniões, da apresentação dos estudos e propostas sobre o plano diretor com antecedência de, no mínimo, 15 (quinze) dias; publicação e divulgação dos resultados dos debates e das propostas adotadas nas diversas etapas do processo. No artigo 5º é estabelecido que a organização do processo participativo deverá garantir a realização dos debates por segmentos sociais, por temas e por divisões territoriais, tais como bairros, distritos, setores entre outros e a garantia da alternância dos locais de discussão. A resolução nº. 34, de 01 de julho 2005, do Conselho das Cidades, no seu artigo 7º, estabelece que o plano diretor deva definir instrumentos que facilitem a participação popular e a gestão, devendo para isso estabelecer o Sistema de Acompanhamento e Controle social que se encarregará das ações de mobilização. Assim é o texto do artigo 7º da Resolução 34: Art.7º. O Plano Diretor deverá definir os instrumentos de gestão democrática do Sistema de Acompanhamento e Controle Social, sua finalidade, requisitos e procedimentos adotados para aplicação, tais como: I - o conselho da cidade ou similar, com representação do governo, sociedade civil e das diversas regiões do município, conforme estabelecido na resolução 13 do Conselho das Cidades; II - conferências municipais; 6 III - audiências públicas, das diversas regiões do município, conforme parâmetros estabelecidos na Resolução nº. 25 do Conselho das Cidades ; IV - consultas públicas; V - iniciativa popular; VI - plebiscito; VII -referendo. 2.2. Nova concepção de participação popular nos planos diretores As formas de participação popular são bem amplas e indicam as possibilidades de descentralização e de gestão democrática. De acordo com a questão a ser discutida, várias estratégias poderão ser utilizadas simultaneamente. Deve ser garantido o direito à participação popular no planejamento municipal. Se o processo não ocorrer de forma democrática, sua implementação é vetada tanto no âmbito do Executivo Municipal, quanto da Câmara de Vereadores. O poder público deve conduzir o processo de forma plenamente transparente, e seus propósitos e ações devem ser explícitos. A clareza de objetivos torna as decisões mais viáveis. Para SOUZA, participar, no sentindo essencial de exercer a autonomia, é a mesma alma de um planejamento e de uma gestão que queiram se credenciar para reivindicar seriamente o adjetivo democrático(a). (2003, pág. 335) De certa forma, um dos empecilhos da participação popular é a estrutura pública que não permite certa sociabilidade e a repartição dos poderes. Ainda é muito forte a centralização sendo que muitos políticos não conseguem repartir o poder com outros segmentos sociais. É preciso reverter esse quadro, no sentido de ampliar a participação social nas intervenções públicas e isso requer uma ação transparente, descentralizada e participativa. Esse é o tripé da luta pela gestão democrática. Essa é a nova concepção de planejamento participativo, em que a cidade, produzida por vários agentes, deve ser planejada através de uma ação coordenada, não em função de um modelo desenvolvidos em escritórios, mas, em torno de um pacto social que reflita os anseios da sociedade e corresponda aos interesses públicos. Para a efetiva participação popular na gestão urbana, o planejamento urbano deve criar condições para a construção de uma conduta institucional, onde a sociedade tenha efetivamente o direito de decisão sobre as políticas públicas e intervenções na cidade. Nesse sentido, uma vertente de planejamento de perfil democrático deveria valorizar mais o processo de elaboração e a gestão, ou seja, os instrumentos políticos de democratização da política urbana, da mesma forma que tradicionalmente valoriza os instrumentos urbanísticos propriamente ditos, mas utilizando-os dentro dos princípios da política urbana. (OLIVEIRA, 2005, p.18) Contudo, a democratização do plano diretor é fundamental para romper esse vício de projetos e planos prontos em escritórios e compartilhar o processo com todos os cidadãos, assumido por todos os atores. A participação popular nas decisões urbanas não é um convite, e sim, um dever de todos os cidadãos. Dessa forma, o planejamento deixa de ser uma solução apenas técnica e passa a ser transformado em resultado de articulação política entre os diversos atores sociais que pactuam a vida da cidade. 7 3. Cultura Política e Metodologia Participativa: Avanços Nos últimos cinco anos, a democracia adquire outra dimensão, com a aprovação do Estatuto da Cidade. A sociedade passa a participar da elaboração, do acompanhamento e da execução não só dos planos diretores, mas, também, dos programas a que se referem às políticas públicas. Inicia-se então, um novo ciclo, a democracia urbana, com a valorização da participação dos movimentos sociais na definição das políticas públicas, com mudanças no modelo de gestão das cidades, a partir da aliança entre governo e sociedade civil. Tudo isso possibilitou legitimidade no processo, além de facilitar as condições de governabilidade. Inúmeros foram os problemas decorrentes deste novo ciclo, pois não tem uma metodologia ou fórmula pronta, para inclusão dos cidadãos nas decisões urbanas. O que existem são instrumentos capazes de dar legitimidade a esse processo. De acordo com SOARES, No dia-a-dia da administração municipal, verificou-se que o recurso à participação popular, muitas vezes poderia atuar também como um complicador, pois ao invés de agilizar, podia emperrar ainda mais a maquina burocrática.(2002, p.82) É difícil acreditar, que a participação seja a peça chave para a solução de todos os problemas urbanos, conforme vem defendendo a maioria das administrações brasileiras. O grande desafio colocado às gestões atuais é proporcionar, a todos os cidadãos, o direito de participar, através de forma direta e representativa, do controle e planejamento de sua cidade, priorizando o fortalecimento, transparência e eficácia, pois quando se pensa a participação num sentido mais profundo, de partilha de poder envolvendo a formulação e a implementação de políticas publicas, torna-se essencial buscar mecanismos capazes de institucionalizar os processos participativos, de modo a assegurarlhes continuidade e eficácia. (SOARES, GONDIM, 2002, p.84) Mesmo cidades como Recife, Porto Alegre e Santos que buscaram a implementação de uma gestão democrática e serviram como “modelos de planejamento urbano” às demais capitais, ainda estão distantes dos ideais da democracia e da justiça social, sendo que os seus esforços não foram suficientes para a construção de um plano diretor com a efetiva participação da população. Segundo VILLAÇA, Não há na bibliografia, pelo menos brasileira ou latino americana, nenhuma obra que proceda a uma análise crítica da atuação de administrações municipais que por vários anos tenham sido guiadas por um Plano Diretor (....), nenhuma se refere a qualquer obra que se proceda a uma analise critica da aplicação de um Plano Diretor em qualquer cidade do Brasil ou do exterior. Isso seria fundamental na verdade indispensável para dar credibilidade os Planos Diretores. (2005, p. 17) Dessa forma, ainda não se tem como exemplo perfeito, nenhuma “cidade modelo” no processo de participação popular e na elaboração de planos diretores. Entretanto, o que vem ocorrendo é uma pseudoparticipação, resultando na falsa idéia de que os planos desenvolvidos nos últimos anos têm como premissa básica a participação. Por isso, diversos foram os fatores para que eles não se caracterizassem como participativos. Os órgãos financiadores exigem que os planos diretores sejam elaborados com a participação popular, uma vez que o recebimento dos recursos depende da comprovação de que o processo foi realizado democraticamente. 8 Isso demonstra, mais um avanço na conquista pela gestão participativa, mesmo necessitando de um processo educativo para a sociedade de incentivo das práticas democráticas. Cabe-nos reconhecer que a tendência dominante nas experiências participativas foi a do tipo induzido... Ou seja, nem a pressão de baixo para cima, nem o simples dispositivo legal foram suficientes para garantir, de forma continua, o funcionamento de instancias deliberativas com a presença popular. (SOARES, 1998) A prática participativa é muito difícil, principalmente numa sociedade dependente e sem cultura de coletividade. Não se admite ser participativo, um processo em que poucas pessoas comparecem às reuniões. Isso revela a falta de comprometimento e desinteresse da própria população na busca pela melhoria de vida na cidade. Estes que não participam, de fato não acreditam na possibilidade de defesa dos seus interesses (VILLAÇA, 2005). A participação não é tarefa fácil, e requer conhecimento e interesse dos atores envolvidos no assunto a ser tratado. As teorias sobre as práticas participativas são, sem dúvida, brilhantes, porém, elas estão longe de acontecer. A própria sociedade ainda não está habituada a participar, principalmente por questões culturais, conforme citado anteriormente. Uma das alternativas para a inserção dos cidadãos neste processo é a elaboração de um projeto pedagógico, de maneira a introduzir no ensino fundamental e médio, conteúdos relativos ao planejamento da cidade e seus aspectos econômicos, sociais, de infra-estrutura urbana, transportes e meio ambiente, no sentido de aproximá-los do conhecimento e da realidade local, além de incentivá-los a se sentir donos da cidade. A metodologia adotada deve ser aceita e todos os seus conceitos e metodologias devem ser discutidos e questionados junto com a população. Portanto, se faz necessário, a realização de uma nova campanha de mobilização social para a mudança do método atual adotado pelos municípios. Considerações Finais Hoje, o panorama se transforma. A participação da população no processo de planejamento da cidade é de fundamental importância, mas ainda falta percorrer um caminho muito longo de conquistas, para que tenhamos no futuro, a cidade ideal, desejada por todos, sem desigualdades e problemas urbanos. Para que a cidade cresça e se desenvolva, de maneira a garantir o bem estar de todos, os cidadãos devem se unir para enfrentar o grande desafio, que será a implementação das formas de planejamento e controle do território. O princípio de participação popular tem como elemento, para identificar o cumprimento do exercício do direito à igualdade, pois não pode haver exclusão de qualquer segmento da sociedade nos processos de tomada de decisões de interesse da coletividade. Portanto, qualquer pessoa humana e em especial, os grupos sociais marginalizados têm o direito de participar do processo de planejamento municipal, portanto do processo do plano diretor. (SAULE JUNIOR, 2002, p.91) Todos os cidadãos têm o direito e dever de intervir na realidade de seu município. A democratização deste processo é fundamental para romper esse círculo vicioso e transformá-lo num processo compartilhado por todos os atores, para que o planejamento deixe de ser uma solução apenas técnica e ser convertido em resultados de articulação política entre os atores que modelam e transformam o espaço urbano. De fato, levar os moradores de uma região para discutir as questões urbanas já é um grande avanço. Há um grande vale que separa o discurso da prática, porém, é na participação que reside a esperança de mudanças e transformações para um 9 mundo melhor, priorizando as carências e necessidades da população mais desfavorecida. A participação nas decisões acerca dos problemas da cidade foi uma solicitação e conquista dos movimentos sociais urbanos, mas essa prática ainda esta longe de se efetivar. É preciso que ocorra a mobilização da sociedade, pensando e discutindo sobre os problemas urbanos de forma permanente através dos instrumentos preconizados em Lei e não apenas no momento da discussão do Plano Diretor. A participação popular deve se tornar um costume e cotidiano da sociedade, pois só assim será possível construir uma cidade democrática. Referências Bibliográficas BRASIL, Estatuto da Cidade (2001). Estatuto da Cidade: Lei n.10.257, de julho de 2001, que estabelece diretrizes gerais da política urbana. – Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 2001. BRASIL, Ministério das Cidades/ Conselho das Cidades. Resolução n.25, de 18.03.2005. DOU de 30.03.2005. BRASIL, Ministério das Cidades/ Conselho das Cidades. Resolução n.34, de 01.07.2005. DOU de 14.07.2005. BRASIL, Lei n. 10.257, de 10.09.2001. Regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. 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