GRUPO DE TRABALHO: PARTICIPAÇÃO E PODER PÚBLICO
A PARTICIPAÇÃO POPULAR NOS PLANOS DIRETORES MUNICIPAIS:
UMA ESTRATÉGIA DE GESTÃO DEMOCRÁTICA
Sarah Lúcia Alves França
Arquiteta e Urbanista, especialista em Planejamento Urbano.
Aracaju-SE
[email protected]
Introdução
A urbanização acelerada e o crescimento urbano desordenado revelam dois
tipos de cidades: as formais, criadas e planejadas, servidas de infra-estrutura básica, e
a informal, cujo desenvolvimento ocorreu fora do traçado original, sem o mínimo de
infra-estrutura. Para essas tipologias, são necessários instrumentos de planejamento
urbano a serem utilizados na orientação do uso e ocupação do solo. A complexidade
desses problemas urbanos obriga que planejadores e urbanistas reflitam sobre as
questões e busquem novas alternativas e leis de controle urbanístico.
A desigualdade social, características dos grandes aglomerados urbanos, vêm
contribuindo para que os grupos sociais se organizem, no sentido de minimizar os
conflitos e na busca pela melhoria da qualidade de vida. A partir dessas necessidades,
ocorreu uma intensa mobilização dos grupos socais desfavorecidos na luta pelos seus
direitos. Dessa forma, surgem os movimentos sociais que, baseados em princípios
descentralizadores, contrariam o antigo modelo de gestão centralizador e tradicional
implantado no regime militar.
A população, através dos movimentos sociais, tem como principal função
auxiliar na tomada de decisões a cerca dos problemas urbanos, contribuindo para a
descentralização do poder do Estado sobre o rumo da cidade e a transparência das
decisões dos problemas urbanos. Com isso, o objetivo é a obtenção de uma
distribuição mais igualitária de oportunidades na cidade.
Assim, a importância da participação popular na gestão urbana e, em especial,
na elaboração de planos diretores, a fim de propor um desenvolvimento ordenado das
cidades brasileiras, é o principal eixo de análise desse trabalho.
1. A Participação Popular nos Últimos 50 Anos: Questões Legais
1.1.
Primeiras Práticas de Gestão Participativa
As primeiras práticas de urbanismo democrático aconteceram nos Estados
Unidos, nos anos de 1960, com o Advocacy Planning, uma nova dimensão da prática
dos urbanistas que buscava defender as reivindicações da classe mais desfavorecida.
As experiências inspiradas nessa prática expandiram-se pela Europa, em países como
Bélgica, Itália, Holanda e França, chegando, de forma mais destacada no Brasil, na
década de 1980, no período de redemocratização do país. (NUNES, 2006).
Já no Brasil, na segunda metade do século XX, nos municípios de Lages e Boa
Esperança, em Santa Catarina, iniciou a tentativa de aplicar a gestão participativa, na
década de 70, para melhoria das condições de vida da população pobre, a partir da
intervenção governamental, estimulando também o fortalecimento de organizações
populares como associação de moradores. Essas experiências “apontam para a
possibilidade de soluções dos problemas da cidade por meio da construção de uma
nova cultura política democrática e um novo desenho nas relações Estado-sociedade
civil”. (BAVA, 2003, pág. 76)
A participação popular nas ações de planejamento urbano tem apresentado
avanços em função da diversidade de momentos políticos que o país tem atravessado.
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É preciso reconhecer, que a sociedade civil e suas formas de organização e
manifestação vieram se modificando ao longo do tempo.
1.2.
A Luta pela Participação Popular: uma grande conquista social na
Constituição Federal de 1988
A década de 1980 foi marcada por conquistas para a democracia, no sentido
de favorecer a presença da população nas decisões da cidade. O retorno das eleições
diretas em 1985, a luta pela Reforma Urbana e, logo após, a Constituição de 1988,
fizeram com que os conceitos participação e cidadania andassem sempre juntos.
Diante disso, Nunes afirma que “num país onde o poder de decisão foi
historicamente monopolizado pelos representantes de uma elite econômica muito
restrita, a participação da população significa uma democratização desse poder.”
(2006, pág. 14).
A Constituição Federal é, sem dúvida, o marco legal da redemocratização, um
avanço significativo para transformações na gestão das cidades. Inicia-se aí uma nova
forma de compreender as questões urbanas dentro de um contexto sócio-político e
econômico que tem, sobretudo, como foco principal, a questão social.
Em termos legais, uma das maiores conquistas da sociedade brasileira foi à
introdução do Capitulo da Política Urbana, na atual Constituição Federal, referente aos
artigos 182 e 183. Este capítulo define que o Plano Diretor é um instrumento
obrigatório para determinados municípios, além de estabelecer a função social da
cidade e da propriedade urbana, como forma de garantir o acesso a terra urbanizada,
segurança e bem estar, com direito à moradia, à infra-estrutura e ao saneamento
básico, de forma participativa, justa e igualitária.
De acordo com Benevides (in SOARES; GONDIM, 1998, pág. 75),
A própria Constituição de 1988 incorporou o princípio da participação
popular direta na administração pública e ampliou a cidadania
política, estabelecendo vários mecanismos de reforços à iniciativas
populares.
A sociedade organizada mantém a sua mobilização e, um ano depois da
promulgação da Constituição é encaminha uma proposta de Lei regulamentando os
artigos constantes do Capítulo da Política Urbana, pelo então senador Pompeu de
Souza e Inácio Arruda.
Porém, onze anos após, a lei foi sancionada, recebendo o nome de Estatuto da
Cidade. Este estabelece normas de ordem pública e interesse social, a fim de
regulamentar o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo.
Dessa forma,
a incorporação do ideário da participação dos cidadãos nas decisões
de interesse público, após anos de luta dos movimentos populares,
configura-se em indiscutível conquista social pelo menos no nível dos
recentes dispositivos legais que no Brasil normatizam a Política
Urbana. (CORREIA in RIBEIRO;ADAUTO, 2003, pág. 159)
2. Estatuto da Cidade: Novas formas de gestão democrática através do Plano
Diretor
O Estatuto da Cidade é fruto de disputas sociais e políticas que envolvem
diversos interesses divergentes, considerando que o espaço urbano é produto das
ações dos diversos atores sociais e que a cidade é resultado de um trabalho coletivo.
Com a aprovação do Estatuto da Cidade, em outubro de 2001, fica definido
alguns instrumentos para auxiliar no desenvolvimento urbano, e o Plano Diretor é um
deles. A elaboração desses planos é “obrigatória para as cidades com mais de vinte
mil habitantes, e é o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão
urbana” (CIDADES, 2001), além de ser uma exigência do Governo Federal, desde a
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Constituição de 1988. Passam também, a fazer parte dessa obrigatoriedade, as
cidades integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas; integrantes de
áreas de especial interesse turístico e as inseridas em área de influência de
empreendimentos ou atividades com significativo impacto ambiental.
Em suas diretrizes gerais, o Estatuto da Cidade estabelece no artigo 2o, inciso
II que a
gestão democrática por meio da participação da população e de
associações representativas dos vários segmentos da comunidade na
formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e
projetos de desenvolvimento urbano;
No artigo 40, § 4º, o Estatuto da Cidade define e garante, que a participação na
elaboração e implementação do Plano Diretor deve ser feita através de audiências
públicas, debates, publicidade dos documentos e informações produzidos, e acesso
destes.
Assim, no
Art. 40. O plano diretor, aprovado por lei municipal, é o instrumento
básico da política de desenvolvimento e expansão urbana.
§ 4º No processo de elaboração do plano diretor e na fiscalização de
sua implementação, os Poderes Legislativo e Executivo municipais
garantirão:
I - a promoção de audiências públicas e debates com a participação
da população e de associações representativas dos vários segmentos
da comunidade;
II - a publicidade quanto aos documentos e informações produzidos;
III - o acesso de qualquer interessado aos documentos e informações
produzidos;
O Estatuto também estabelece, em seu artigo 43, critérios que priorizam a
participação da sociedade no processo de elaboração do Plano Diretor nos
municípios, determinando, inclusive a obrigatoriedade da realização de debates,
audiências públicas, conferências e outros:
I - órgãos colegiados de política urbana, nos níveis nacional, estadual
e municipal;
II -debates, audiências e consultas públicas;
III - conferências sobre assuntos de interesse urbano, nos níveis
nacional, estadual e municipal;
IV - iniciativa popular de projeto de lei e de planos, programas e
projetos de desenvolvimento urbano;
A participação popular se dá através dessas quatro formas, já citadas acima e
mencionadas em lei. Os órgãos colegiados podem ser os conselhos, com
representantes da sociedade civil e do poder público, que realizam o
acompanhamento e fiscalização das políticas públicas desenvolvidas no município.
Os debates são uma forma de promover a participação popular, através de
reuniões, cujos diversos atores se reúnem para tratar de assuntos relativos ao plano
diretor.
Segundo VILLAÇA,
em termos relativos, os debates públicos em torno do Plano Diretor
representaram um avanço democrático muito pequeno. Em primeiro
lugar porque, como anteriormente havia pouquíssima participação
popular, diante de zero, qualquer crescimento é infinito. Em segundo,
porque em termos de pressões políticas sobre os governantes, a da
minoria foi enorme e a da maioria foi limitadíssima.(2005, pág.53)
Previstas na Constituição Federal, as audiências tem como objetivo principal,
ouvir a comunidade e sistematizar as informações para que o cidadão se identifique
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com sua cidade. O plano diretor pode estabelecer que o resultado das audiências
públicas efetivamente se transforme em ações do poder público.
Um outro instrumento de democracia nos Planos Diretores são as
conferências, tão importantes quanto às audiências, debates, e outros meios de
participação da população. Sua função principal é reunir o governo e sociedade civil
organizada para debater e decidir quais as prioridades nas políticas públicas para os
próximos anos. Assim, elas se transformam em espaço de avaliação do que está
acontecendo, e de definição de novas estratégias de intervenção para as cidades.
A população e não só, a Prefeitura e os Vereadores, podem propor planos,
projetos ou alterações nas leis, através da iniciativa popular. Cidadãos comuns podem
reunir um grande número de assinaturas e encaminhar à Câmara de Vereadores,
devendo levar em votação normalmente.
Para que um plano seja, de fato participativo devem se utilizar todos esses
instrumentos e mesmo assim, eles estarão muito longe de serem realmente
democráticos, uma vez que não atraem a maioria da população. Porém, deve-se
adotar como prioridade, o cumprimento das exigências relativas à participação da
população.
Para haver a efetiva participação cidadã é necessário que ocorra a articulação
de instâncias, de atores, de interesses (particulares e coletivos) e entre a participação
da população e representação política. Nesse sentido, a tarefa de promover tais
articulações, cabe a todos os atores sociais e requer algumas condições básicas, das
quais se destacam a qualidade da informação, a existência de recursos econômicos e
a motivação destes atores.
É importante ressaltar que o Plano Diretor, muito mais que texto técnico, é um
instrumento político, cujo maior valor é a transparência da política urbana. Na medida
em que se tornam públicas, as diretrizes e prioridades de desenvolvimento e expansão
urbana, a sociedade pode intervir e participar da gestão pública.
2. A Participação Popular no Plano Diretor: Suas Formas e Instrumentos
2.1. A atuação do Ministério das Cidades e as Conferências
A complexidade da vida urbana brasileira e a pressão dos movimentos sociais
resultaram na criação do Ministério das Cidades, com a finalidade de atender a
demandas urbanas através de políticas públicas e de regulamentações, no sentido de
promover melhor qualidade de vida para a população, especialmente aquela mais
carente.
Nas cidades e nos Estados também têm sido realizadas conferências
preparatórias em que são selecionados os delegados que comparecem à nacional.
Este foi um passo muito importante na implantação da gestão democrática, embora se
reconheça que ainda há um longo caminho a percorrer em termos de construção de
uma gestão em que a população participe efetivamente. Na busca por uma gestão
democrática, o Ministério instituiu a Conferência Nacional das Cidades, como um
fórum de discussões que vem sendo realizada, anualmente, contando com delegações
dos estados.
Durante mais de dez anos não houve nenhuma política pública de estímulo ou
incentivo ao cumprimento da Lei. Dos 5.561 municípios brasileiros, aproximadamente
1.682 estão inseridos nestes critérios. A cerca desta situação, a Secretária Nacional
de Programas Urbanos do Ministério das Cidades, Raquel Rolnik, durante a VII
Conferência das Cidades, realizada em Brasília, se pronunciou:
cerca de 80% dos 1.682 municípios brasileiros com mais de 20 mil
habitantes cumpriram o prazo para a elaboração do plano diretor,
estabelecido no Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001). Desse
universo, apenas 60 prefeituras não iniciaram a discussão com a
comunidade, o que representa 3,6% do total. Outros 296 projetos
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estão em fase final de elaboração. (12 de dezembro de 2006,
www.cidades.gov.br)
O processo perde sua legitimidade e o Prefeito Municipal incorre em
improbidade administrativa nos termos da Lei no 8.428/1992, conforme o artigo 52, VI
e VII do Estatuto da Cidade, caso não haja participação popular, nem publicidade no
processo de elaboração, revisão e implementação do Plano Diretor.
O Ministério das Cidades, no ano de 2004, resolveu realizar uma Campanha
Nacional de Sensibilização e Mobilização visando à elaboração e à implementação
dos Planos Diretores, devido ao pequeno número de municípios que, até então,
haviam realizado o processo. Três resoluções foram aprovadas no sentido de orientar
na implementação do Estatuto.
O Plano Diretor deve abranger o território municipal, garantindo a participação
da comunidade ao longo de todo o processo. Por esse motivo, o Ministério das
Cidades agregou um importante adjetivo ao seu nome: Plano Diretor Participativo,
impondo assim, um grande desafio aos municípios de promover o ordenamento
urbano, juntamente com o poder público, com a iniciativa privada e com a sociedade
civil, através de todas as suas potencialidades e conflitos inerentes ao dinamismo
territorial.
De fato,
Democratizar as decisões é fundamental para transformar o
planejamento da ação municipal em trabalho compartilhado entre os
cidadãos e assumido pelos cidadãos, bem como para assegurar que
todos
se
comprometam
e
sintam-se
responsáveis
e
responsabilizados, no processo de construir e implementar o Plano
Diretor. (ROLNIK, 2005, p.14)
A resolução de n°25, de 18 de março de 2005, do Conselho das Cidades, no
seu artigo 3º, §1º, estabelece que a coordenação do processo participativo de
elaboração do Plano Diretor seja compartilhada, por meio da efetiva participação de
poder público e da sociedade civil, em todas as etapas do processo, desde a
elaboração até a definição dos mecanismos para a tomada de decisões.
O artigo 4º, dessa resolução, especifica que o processo de planejamento
deverá conter os seguintes requisitos: ampla comunicação pública, em linguagem
acessível, através dos meios de comunicação social disponíveis; informações sobre o
cronograma e os locais das reuniões, da apresentação dos estudos e propostas sobre
o plano diretor com antecedência de, no mínimo, 15 (quinze) dias; publicação e
divulgação dos resultados dos debates e das propostas adotadas nas diversas etapas
do processo.
No artigo 5º é estabelecido que a organização do processo participativo deverá
garantir a realização dos debates por segmentos sociais, por temas e por divisões
territoriais, tais como bairros, distritos, setores entre outros e a garantia da alternância
dos locais de discussão.
A resolução nº. 34, de 01 de julho 2005, do Conselho das Cidades, no seu
artigo 7º, estabelece que o plano diretor deva definir instrumentos que facilitem a
participação popular e a gestão, devendo para isso estabelecer o Sistema de
Acompanhamento e Controle social que se encarregará das ações de mobilização.
Assim é o texto do artigo 7º da Resolução 34:
Art.7º. O Plano Diretor deverá definir os instrumentos de gestão
democrática do Sistema de Acompanhamento e Controle Social, sua
finalidade, requisitos e procedimentos adotados para aplicação, tais
como:
I - o conselho da cidade ou similar, com representação do governo,
sociedade civil e das diversas regiões do município, conforme
estabelecido na resolução 13 do Conselho das Cidades;
II - conferências municipais;
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III - audiências públicas, das diversas regiões do município, conforme
parâmetros estabelecidos na Resolução nº. 25 do Conselho das
Cidades ;
IV - consultas públicas;
V - iniciativa popular;
VI - plebiscito;
VII -referendo.
2.2. Nova concepção de participação popular nos planos diretores
As formas de participação popular são bem amplas e indicam as possibilidades
de descentralização e de gestão democrática. De acordo com a questão a ser
discutida, várias estratégias poderão ser utilizadas simultaneamente.
Deve ser garantido o direito à participação popular no planejamento municipal.
Se o processo não ocorrer de forma democrática, sua implementação é vetada tanto
no âmbito do Executivo Municipal, quanto da Câmara de Vereadores. O poder público
deve conduzir o processo de forma plenamente transparente, e seus propósitos e
ações devem ser explícitos. A clareza de objetivos torna as decisões mais viáveis.
Para SOUZA,
participar, no sentindo essencial de exercer a autonomia, é a mesma
alma de um planejamento e de uma gestão que queiram se
credenciar para reivindicar seriamente o adjetivo democrático(a).
(2003, pág. 335)
De certa forma, um dos empecilhos da participação popular é a estrutura
pública que não permite certa sociabilidade e a repartição dos poderes. Ainda é muito
forte a centralização sendo que muitos políticos não conseguem repartir o poder com
outros segmentos sociais. É preciso reverter esse quadro, no sentido de ampliar a
participação social nas intervenções públicas e isso requer uma ação transparente,
descentralizada e participativa. Esse é o tripé da luta pela gestão democrática.
Essa é a nova concepção de planejamento participativo, em que a cidade,
produzida por vários agentes, deve ser planejada através de uma ação coordenada,
não em função de um modelo desenvolvidos em escritórios, mas, em torno de um
pacto social que reflita os anseios da sociedade e corresponda aos interesses
públicos. Para a efetiva participação popular na gestão urbana, o planejamento urbano
deve criar condições para
a construção de uma conduta institucional, onde a sociedade tenha
efetivamente o direito de decisão sobre as políticas públicas e
intervenções na cidade. Nesse sentido, uma vertente de
planejamento de perfil democrático deveria valorizar mais o processo
de elaboração e a gestão, ou seja, os instrumentos políticos de
democratização da política urbana, da mesma forma que
tradicionalmente valoriza os instrumentos urbanísticos propriamente
ditos, mas utilizando-os dentro dos princípios da política urbana.
(OLIVEIRA, 2005, p.18)
Contudo, a democratização do plano diretor é fundamental para romper esse
vício de projetos e planos prontos em escritórios e compartilhar o processo com todos
os cidadãos, assumido por todos os atores. A participação popular nas decisões
urbanas não é um convite, e sim, um dever de todos os cidadãos. Dessa forma, o
planejamento deixa de ser uma solução apenas técnica e passa a ser transformado
em resultado de articulação política entre os diversos atores sociais que pactuam a
vida da cidade.
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3. Cultura Política e Metodologia Participativa: Avanços
Nos últimos cinco anos, a democracia adquire outra dimensão, com a
aprovação do Estatuto da Cidade. A sociedade passa a participar da elaboração, do
acompanhamento e da execução não só dos planos diretores, mas, também, dos
programas a que se referem às políticas públicas.
Inicia-se então, um novo ciclo, a democracia urbana, com a valorização da
participação dos movimentos sociais na definição das políticas públicas, com
mudanças no modelo de gestão das cidades, a partir da aliança entre governo e
sociedade civil. Tudo isso possibilitou legitimidade no processo, além de facilitar as
condições de governabilidade.
Inúmeros foram os problemas decorrentes deste novo ciclo, pois não tem uma
metodologia ou fórmula pronta, para inclusão dos cidadãos nas decisões urbanas. O
que existem são instrumentos capazes de dar legitimidade a esse processo.
De acordo com SOARES,
No dia-a-dia da administração municipal, verificou-se que o recurso à
participação popular, muitas vezes poderia atuar também como um
complicador, pois ao invés de agilizar, podia emperrar ainda mais a
maquina burocrática.(2002, p.82)
É difícil acreditar, que a participação seja a peça chave para a solução de todos
os problemas urbanos, conforme vem defendendo a maioria das administrações
brasileiras. O grande desafio colocado às gestões atuais é proporcionar, a todos os
cidadãos, o direito de participar, através de forma direta e representativa, do controle e
planejamento de sua cidade, priorizando o fortalecimento, transparência e eficácia,
pois
quando se pensa a participação num sentido mais profundo, de
partilha de poder envolvendo a formulação e a implementação de
políticas publicas, torna-se essencial buscar mecanismos capazes de
institucionalizar os processos participativos, de modo a assegurarlhes continuidade e eficácia. (SOARES, GONDIM, 2002, p.84)
Mesmo cidades como Recife, Porto Alegre e Santos que buscaram a
implementação de uma gestão democrática e serviram como “modelos de
planejamento urbano” às demais capitais, ainda estão distantes dos ideais da
democracia e da justiça social, sendo que os seus esforços não foram suficientes
para a construção de um plano diretor com a efetiva participação da população.
Segundo VILLAÇA,
Não há na bibliografia, pelo menos brasileira ou latino americana,
nenhuma obra que proceda a uma análise crítica da atuação de
administrações municipais que por vários anos tenham sido guiadas
por um Plano Diretor (....), nenhuma se refere a qualquer obra que se
proceda a uma analise critica da aplicação de um Plano Diretor em
qualquer cidade do Brasil ou do exterior. Isso seria fundamental na
verdade indispensável para dar credibilidade os Planos Diretores.
(2005, p. 17)
Dessa forma, ainda não se tem como exemplo perfeito, nenhuma “cidade
modelo” no processo de participação popular e na elaboração de planos diretores.
Entretanto, o que vem ocorrendo é uma pseudoparticipação, resultando na falsa idéia
de que os planos desenvolvidos nos últimos anos têm como premissa básica a
participação. Por isso, diversos foram os fatores para que eles não se caracterizassem
como participativos.
Os órgãos financiadores exigem que os planos diretores sejam elaborados com
a participação popular, uma vez que o recebimento dos recursos depende da
comprovação de que o processo foi realizado democraticamente.
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Isso demonstra, mais um avanço na conquista pela gestão participativa,
mesmo necessitando de um processo educativo para a sociedade de incentivo das
práticas democráticas.
Cabe-nos reconhecer que a tendência dominante nas experiências
participativas foi a do tipo induzido... Ou seja, nem a pressão de baixo
para cima, nem o simples dispositivo legal foram suficientes para
garantir, de forma continua, o funcionamento de instancias
deliberativas com a presença popular. (SOARES, 1998)
A prática participativa é muito difícil, principalmente numa sociedade
dependente e sem cultura de coletividade. Não se admite ser participativo, um
processo em que poucas pessoas comparecem às reuniões. Isso revela a falta de
comprometimento e desinteresse da própria população na busca pela melhoria de vida
na cidade. Estes que não participam, de fato não acreditam na possibilidade de defesa
dos seus interesses (VILLAÇA, 2005).
A participação não é tarefa fácil, e requer conhecimento e interesse dos atores
envolvidos no assunto a ser tratado. As teorias sobre as práticas participativas são,
sem dúvida, brilhantes, porém, elas estão longe de acontecer. A própria sociedade
ainda não está habituada a participar, principalmente por questões culturais, conforme
citado anteriormente.
Uma das alternativas para a inserção dos cidadãos neste processo é a
elaboração de um projeto pedagógico, de maneira a introduzir no ensino fundamental
e médio, conteúdos relativos ao planejamento da cidade e seus aspectos econômicos,
sociais, de infra-estrutura urbana, transportes e meio ambiente, no sentido de
aproximá-los do conhecimento e da realidade local, além de incentivá-los a se sentir
donos da cidade.
A metodologia adotada deve ser aceita e todos os seus conceitos e
metodologias devem ser discutidos e questionados junto com a população. Portanto,
se faz necessário, a realização de uma nova campanha de mobilização social para a
mudança do método atual adotado pelos municípios.
Considerações Finais
Hoje, o panorama se transforma. A participação da população no processo de
planejamento da cidade é de fundamental importância, mas ainda falta percorrer um
caminho muito longo de conquistas, para que tenhamos no futuro, a cidade ideal,
desejada por todos, sem desigualdades e problemas urbanos.
Para que a cidade cresça e se desenvolva, de maneira a garantir o bem estar
de todos, os cidadãos devem se unir para enfrentar o grande desafio, que será a
implementação das formas de planejamento e controle do território.
O princípio de participação popular tem como elemento, para identificar o
cumprimento do exercício do direito à igualdade, pois não pode haver exclusão de
qualquer segmento da sociedade nos processos de tomada de decisões de interesse
da coletividade. Portanto, qualquer pessoa humana e em especial, os grupos sociais
marginalizados têm o direito de participar do processo de planejamento municipal,
portanto do processo do plano diretor. (SAULE JUNIOR, 2002, p.91)
Todos os cidadãos têm o direito e dever de intervir na realidade de seu
município. A democratização deste processo é fundamental para romper esse círculo
vicioso e transformá-lo num processo compartilhado por todos os atores, para que o
planejamento deixe de ser uma solução apenas técnica e ser convertido em resultados
de articulação política entre os atores que modelam e transformam o espaço urbano.
De fato, levar os moradores de uma região para discutir as questões urbanas já
é um grande avanço. Há um grande vale que separa o discurso da prática, porém, é
na participação que reside a esperança de mudanças e transformações para um
9
mundo melhor, priorizando as carências e necessidades da população mais
desfavorecida.
A participação nas decisões acerca dos problemas da cidade foi uma
solicitação e conquista dos movimentos sociais urbanos, mas essa prática ainda esta
longe de se efetivar.
É preciso que ocorra a mobilização da sociedade, pensando e discutindo sobre
os problemas urbanos de forma permanente através dos instrumentos preconizados
em Lei e não apenas no momento da discussão do Plano Diretor. A participação
popular deve se tornar um costume e cotidiano da sociedade, pois só assim será
possível construir uma cidade democrática.
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