Pró-Reitoria de Graduação
Curso de Direito
A APLICABILIDADE DO INSTITUTO DA USUCAPIÃO
CONSTITUCIONAL URBANO AOS IMÓVEIS PÚBLICOS COM A
FINALIDADE DE REGULARIZAR A SITUAÇÃO DA MORADIA
DOS POSSEIROS DE BAIXA RENDA.
Autor: José Pedro Brito da Costa
Orientador: M.Sc. Joel Arruda de Souza
Brasília - DF
2012
JOSÉ PEDRO BRITO DA COSTA
A APLICABILIDADE DO INSTITUTO DA USUCAPIÃO CONSTITUCIONAL
URBANO AOS IMÓVEIS PÚBLICOS COM A FINALIDADE DE REGULARIZAR A
SITUAÇÃO DA MORADIA DOS POSSEIROS DE BAIXA RENDA.
Artigo Científico apresentando ao Curso
de Direito da Universidade Católica de
Brasília como requisito parcial para a
obtenção do título de Bacharel em Direito.
Orientador: Prof. M.sc. Joel Arruda de
Souza
Brasília – DF
2012
JOSÉ PEDRO BRITO DA COSTA
A APLICABILIDADE DO INSTITUTO DA USUCAPIÃO CONSTITUCIONAL
URBANO AOS IMÓVEIS PÚBLICOS COM A FINALIDADE DE REGULARIZAR A
SITUAÇÃO DA MORADIA DOS POSSEIROS DE BAIXA RENDA.
Artigo Científico apresentando ao Curso
de Direito da Universidade Católica de
Brasília como requisito parcial para a
obtenção do título de Bacharel em Direito.
Orientador: Prof. M.sc. Joel Arruda de
Souza
BRASÍLIA-DF,____ DE ______________ DE 2012.
Banca Examinadora:
________________________________
Professor M.sc. Joel Arruda de Sousa
________________________________
Professor...
_______________________________
Professor...
Dedico o presente trabalho aos meus
pais, Firmino e Maria. Um operário e
uma
empregada
doméstica,
que
impulsionados pelo êxodo rural nas
décadas de 60 e 80, respectivamente,
migraram
esperança
para
de
a
cidade
alcançarem
com
a
novos
horizontes para poderem proporcionar
aos meus avós (maternos e paternos)
uma vida mais digna no campo. E, após
árdua batalha, consagram-se vitoriosos,
graças a Deus e a cada suor e lágrimas
que derramaram. Dedico, também, de
igual forma, ao meu amigo e fonte
fraterna de inspiração, meu irmão mais
velho, Firmino Jr, que sempre esteve ao
meu lado e sempre se dispôs a me
ajudar, me dando força nesses seis anos
de batalha.
Dedico a todos os serem humanos que
foram injustiçados e gritam sedentos de
Justiça.
AGRADECIMENTOS
Agradeço de todo o meu coração a Deus que guiou e me deu forças para
percorrer essa árdua caminhada. Agradeço também ao profundo e respeitoso
esforço dos meus pais, que com muito sacrifício me proporcionaram a oportunidade
de cursar o ensino superior.
Agradeço aos meus avós, por serem exemplos de dignidade. Especialmente,
a minha avó paterna, Timótia, que mesmo tendo deixado esse mundo, me ajuda em
minha jornada na terra. E, certo de que esse desencontro é passageiro, em breve
nos reencontraremos.
Não poderia encerrar minha jornada no curso de graduação da Universidade
Católica de Brasília sem agradecer ao Movimento Estudantil da UCB que me ajudou
a enxergar o mundo de desigualdades e a me guiar em uma estrada de luta pela
dignidade humana. Agradeço a todos os companheiros e companheiras que
compartilharam comigo dessa batalha.
Agradeço aos meus familiares, amigos e a todos aqueles que puderam
contribuir para a construção dessa ideia, e a todas as pessoas que fazem parte da
minha passageira trajetória terrena. Em especial agradeço ao Mestre Roney Silva,
que através do jiu-jitsu que ensinou a importância da batalha e os valores de um
guerreiro.
Agradeço em especial ao Professor M.sc. Pablo Malheiros da Cunha Frota,
fonte de inspiração acadêmica. Agradeço por ter acredito em mim. A fé deste
homem me impulsionou dentro do estudo das ciências jurídicas.
Agradeço aos meus amigos Darlan Honório, Albano Leôncio, Ariely de Castro,
Jonatas Moreth, Higor Vinícius e Hugo Barreto, que contribuíram substancialmente
para a elaboração do presente trabalho acadêmico.
Agradeço a todas as adversidades e dificuldades que passei na vida, pois
foram essas dificuldades e adversidades que me fizeram crescer. E, como forma
extrema de aprendizado, me dão forças para sempre avançar mais e mais.
Agradeço, por fim, de forma não menor, ao meu orientador, o Professor M.sc.
Joel Arruda de Souza, que dentre os tantos docentes da Universidade Católica de
Brasília – UCB acreditou na ideia deste trabalho e concordou em me orientar em um
trabalho tão emblemático. Obrigado.
A todos(as), de todo o meu coração, muito obrigado!
“Levante os olhos para o alto, e veja no
horizonte
do
mundo
a
manhã
que
alvorece. O regime capitalista entrou em
sua fase final. O sol da socialização
aparece anunciando o novo dia. As ideias
socializantes dominam os espíritos e se
ouve no céu da pátria o grito da imensa
massa humana, sofredora e faminta, num
mundo repleto de bens e transbordante
de confortos e prazeres.”
João Mangabeira.
RESUMO
COSTA, José Pedro Brito da. A aplicabilidade do instituto da usucapião
constitucional urbano aos imóveis públicos com a finalidade de regularizar a situação
da moradia dos posseiros de baixa renda. 2012. 32 páginas (Graduação em Direito)
– Universidade Católica de Brasília, Brasília - Distrito Federal, 2012.
Este artigo científico analisa a questão da irregularidade dos posseiros de baixa
renda. Sustenta a tese de que o instituto da usucapião especial urbano deve ser
aplicado aos bens públicos ocupados por habitantes de baixa renda como forma de
regularização do domínio do bem público ocupado. Argumenta que o Estado deve
cumprir o princípio da função social da propriedade, por entender que este não
possui o direito de se furtar do dever de cumprir sua própria legislação. Afirma,
portanto, que a norma que instituir a imprescritibilidade dos bens públicos não está
voltada para a promoção de um bem social, logo esta deve ser desconsiderada. Por
fim, afirma que aplicar a usucapião constitucional urbana aos imóveis públicos é
medida de Justiça e promoção do bem social.
Palavras-chave: usucapião; bens públicos; moradia.
ABSTRACT
COSTA, José Pedro Brito da. The applicability of the constitutional institute of
adverse possession on a State Land, wich purpose is regularise low-incomes
landholders housing. 2012. 32 pages (Law Graduation) – Universidade Católica de
Brasília, Brasília - Distrito Federal, 2012.
This scientific article will analise the low-incomes land holders matter. Sustain the
theses that the urban adverse possession institute must be applied to the State
Lands which are inhabited by low-income landholders with the purpose to regularise
the possession of occupied lands. Argues that the State must comply the principle of
the property social function, because this own State can not run from his own
legislation.
Ensure that the legal provision that establish the imprescriptibility of State Lands is
not turned to a Social promotion, so it must be unconsidered. Finally, ensure that the
constitutional adverse possession of urban State Lands are a way to reach justice
and promote Social justice.
Palavras-chave: adverse possession; state land; housing.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................... 10
TÓPICO I - DA PROBLEMÁTICA DA FALTA DE MORADIA PARA AS PESSOAS
DE BAIXA RENDA QUE RESIDEM NO MEIO URBANO ANALISADA SOB UMA
PERSPECTIVA HISTÓRICA.................................................................................... 11
TÓPICO II - DO INSTITUTO DA USUCAPIÃO E SUA IMPORTÂNCIA SOCIAL.. 16
TÓPICO III - DO INSTITUTO DA USUCAPIÃO CONSTITUCIONAL URBANO... 18
TÓPICO IV - DO DIREITO DE PROPRIEDADE E DA FUNÇÃO SOCIAL DA
PROPRIEDADE........................................................................................................ 20
TÓPICO V - DA IMPRESCRITIBILIDADE DOS BENS PÚBLICOS E DA SUA NÃO
SUJEIÇÃO AO INSTITUTO DA USUCAPIÃO........................................................ 22
TÓPICO VI - DA APLICABILIDADE DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE
AOS BENS PÚBLICOS E DO DEVER DO ESTADO EM CUMPRIR SUA PRÓPRIA
LEGISLAÇÃO .......................................................................................................... 23
TÓPICO
VII
-
DA
CONSTITUCIONAL
POSSIBILIDADE
URBANA
PARA
DE
SE
APLICAR
USUCAPIR
A
IMÓVEIS
USUCAPIÃO
PÚBLICOS
URBANO.................................................................................................................. 24
CONLUSÃO.............................................................................................................. 29
BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................ 31
10
INTRODUÇÃO
A falta de moradia no meio urbano é um dos problemas que mais afrontam a
dignidade da pessoa humana e assola o meio urbano, expondo seus habitantes a
uma situação de miséria e desamparo.
O
Estado,
que
deveria
garantir
o
direito
à
moradia
garantindo
constitucionalmente pelo caput do artigo 6º da Constituição Federal de 1988 e
demais dispositivos jurídicos aplicados à espécie, queda-se omisso.
Como alternativa a essa triste realidade, muitas famílias ocupam os imóveis
públicos no meio urbano, com a finalidade de estabelecerem ali sua morada.
Acontece, que muitos posseiros encontram-se há anos em situação de
irregularidade quanto ao domínio do terreno ocupado.
A situação de irregularidade marginaliza o posseiro, o excluindo da
possibilidade de participar de programas habitacionais, bem como dificulta a
disposição quanto ao bem ocupado.
Ademais, a irregularidade do domínio do bem ocupado expõe o posseiro à
extrema fragilidade quanto ao direito garantido de moradia, uma vez que a qualquer
momento, de acordo com a ação do Estado, este pode ser despejado do seu lar.
De outra feita, o Estado por vezes é inerte e negligente quanto a utilização
dos imóveis públicos. O nosso ordenamento jurídico proíbe que os bens públicos
sejam adquiridos por usucapião, em decorrência de sua imprescritibilidade.
O questionamento que instigou o presente trabalho é: deve o Estado cumprir
o princípio da função social da propriedade? Os bens públicos devem permanecer
imprescritíveis?
Nesse sentido, o presente artigo faz uma analise sobre o instituto da
usucapião constitucional urbana e sobre a imprescritibilidade dos bens públicos e
seus efeitos sociais.
Com base na analise supracitada, o objetivo central do presente trabalho é
demonstrar que o instituto da usucapião constitucional urbano deve ser aplicado aos
imóveis públicos, que são ocupados por pessoas de baixa renda, com a finalidade
de regularizar a situação dos posseiros no que tange ao domínio do bem público
ocupado.
11
I – DA PROBLEMÁTICA DA FALTA DE MORADIA PARA AS PESSOAS DE
BAIXA RENDA QUE RESIDEM NO MEIO URBANO ANALISADA SOB UMA
PERSPECTIVA HISTÓRICA.
Dentre os tantos problemas que castigam os grandes centros urbanos do
Brasil, a falta de moradia é um dos que mais afronta a honra e a dignidade da
pessoa humana, e faz com que milhares e milhares de pessoas (sobre)vivam em
condições subumanas.
Entretanto, esse problema não se originou nos dias atuais, ao contrário,
possui raízes profundas na história de exploração do Brasil, e ligação direta com a
desigualdade social.
Na época do descobrimento do Brasil, uma crise financeira ameaçava a
monarquia portuguesa. Tal crise se dava em decorrência de um esgotamento
mercantil do tráfico de escravos, juntamente com uma acentuada queda no mercado
açucareiro, sendo que a crise era agravada pela não produção de manufaturas pela
monarquia portuguesa, o que encarecia os custos com os utensílios básicos.
Diante do risco iminente da crise financeira se agravar, a coroa portuguesa
enxergou uma possibilidade de renda rápida que poderia solucionar, ou, ao menos,
amenizar a crise vivenciada.
A descoberta de terras no continente americano ricas em pau-brasil
proporcionou à monarquia lusa um grande ganho com a inserção dessa e de outras
madeiras nobres no mercado, a custa de 30 anos de exploração voraz do solo e das
matas brasileiras.
Em meados de 1530, o açúcar que antes apresentava uma queda acentuada,
emergiu grande demanda na Europa, oferecendo lucros compensadores.
O açúcar que antes se tratava de um produto voltado para a nobreza,
utilizado para presentear reis e nobres, agora se tornara um produto mais
popularizado em decorrência das plantações italianas e portuguesas, que gerou um
grande aumento em seu consumo.
A monarquia portuguesa, vislumbrada com a imensidão territorial do solo
brasileiro, que segundo as experiências ultramarinas, se mostrava favorável ao
plantio e cultivo da cana de açúcar, dá inicio ao projeto açucareiro no território
colonial brasileiro.
12
O projeto açucareiro lusitano, realizado juntamente com seus antigos
parceiros holandeses, necessitava, porém, de uma organização de produção,
administrativa e política peculiar1. Em atenção a esta questão foi apresentado em
1534 o sistema das capitanias hereditárias2 e a concessão de sesmaria3.
Através das cartas de doação enviadas pela metrópole, o território colonial foi
dividido em 12 capitanias, sendo ainda estabelecida por meio destas, a forma de
transmissão, alienação e retomada, bem como a jurisdição no âmbito civil e criminal
do donatário4.
Incumbia aos donatários dispor, organizar e fiscalizar suas capitanias, sendolhes conferidos os poderes reais para tanto, devendo este ainda estabelecer a
sesmaria dentro de sua capitania, sendo esta doada pelo próprio donatário.
Com a crise feudal na Europa, muitos dos homens nobres da monarquia
lusitana estavam enfraquecidos financeira e politicamente, o que abriu brechas para
que outros setores emergentes se tornassem mais influentes nas relações mercantis
e de exploração dos territórios coloniais.
As capitanias foram distribuídas, em sua grande maioria, para a aristocracia
militar, como Martin Afonso, Duarte Coelho e etc.
Como já dito anteriormente, a sesmaria era concedida pelo próprio donatário
ao sesmeiro, que na maioria das vezes se tratava de uma parte da nobreza e
1
POMAR, Wladimir. Os latifundiários. São Paulo: Página 13, 2009, p.22
As capitanias foram uma forma de administração territorial do império português uma vez que a Coroa, com
recursos limitados, delegou a tarefa de colonização e exploração de determinadas áreas a particulares, através
da doação de lotes de terra, sistema utilizado inicialmente com sucesso na exploração das ilhas atlânticas.
No Brasil este sistema ficou conhecido como capitanias hereditárias, tendo vigorado, sob diversas formas,
durante o período colonial, do início do século XVI até ao século XVIII, quando o sistema de hereditariedade foi
extinto pelo Marquês de Pombal, em 1759 (http://pt.wikipedia.org/wiki/Capitanias_do_Brasil).
3
Sesmaria foi um instituto jurídico português que normatizava a distribuição de terras destinadas à produção.
O Estado, recém-formado e sem capacidade para organizar a produção de alimentos, decide legar a
particulares essa função. Este sistema surgira em Portugal durante o século XIV, com a Lei das
Sesmarias de 1375, criada para combater a crise agrícola e econômica que atingia o país e a Europa, e que a
peste negra agravara. Quando a conquista do território brasileiro se efetivou a partir de 1530, o Estado
português decidiu utilizar o sistema sesmarial no além-mar, com algumas adaptações.A partir do momento em
que chegam ao Brasil os capitães-donatários, titulares das capitanias hereditárias, a distribuição de terras a
sesmeiros (em Portugalera o nome dado ao funcionário real responsável pela distribuição de sesmarias, no
Brasil, o sesmeiro era o titular da sesmaria) passa a ser uma prioridade, pois é a sesmaria que vai garantir a
instalação da plantation açucareira na colônia.A principal função do sistema de sesmarias é estimular a
produção e isso era patente no seu estatuto jurídica. Quando o titular da propriedade não iniciava a produção
dentro
dos
prazos
estabelecidos,
seu
direito
de
posse
poderia
ser
cassado
(http://pt.wikipedia.org/wiki/Sesmaria).
4
indivíduo a quem era
concedido a donataria de certo território, na organização colonial portuguesa.
(http://pt.wiktionary.org/wiki/donat%C3%A1rio).
2
13
burguesia portuguesa que apossava dos territórios brasileiros, com a finalidade de
garantir o desenvolvimento do projeto açucareiro português.
Com a submissão da monarquia portuguesa à coroa espanhola, entre o
período de 1580 a 1640, os sesmeiros portugueses aproveitaram a integração do
território colonial à coroa espanhola, para expandirem seus domínios pelo interior do
Brasil, partindo para o norte, oeste e sul do território brasileiro, ultrapassando,
inclusive, o território estabelecido pelo Tratado de Tordesilhas5.
A coroa portuguesa, após recuperar sua independência, visualizou um grave
problema que colocara em risco o projeto açucareiro. Os donatários mostravam-se
incapazes de administrarem a produção das capitanias em decorrência das
inúmeras insurgências dos indígenas, que se rebelavam contra a escravidão, e das
incursões de outras monarquias coloniais.
Face a esse grande problema, a coroa portuguesa decide por retomar as
capitanias hereditárias e transformá-las em capitanias reais, fazendo o sistema das
capitanias hereditárias sucumbir em menos de século de existência.
Ao contrário das capitanias hereditárias, o sistema da sesmaria foi efetivado e
consagrado, e até os dias de hoje ainda reflete de forma substancial seus efeitos no
modelo e na realidade agrária brasileira.
No ano de 1850, após a independência do Brasil, durante o primeiro império,
foi promulgada a Lei de Terras – Lei 601/1850, que versava sobre as chamadas
terras devolutas6 do império, bem como das concedidas por meio do sistema de
sesmaria que não preenchessem os requisitos legais.
Foi determinado aos donatários que medissem suas terras e procedessem o
seu devido registro nas paróquias respectivas. Aqueles que não realizaram o
5
O Tratado de Tordesilhas, assinado na povoação castelhana de Tordesilhas em 7 de Junho de 1494, foi
[1]
um tratado celebrado entre o Reino de Portugal e o recém-formado Reino da Espanha para dividir as terras
"descobertas e por descobrir" por ambas as Coroas fora da Europa. Este tratado surgiu na sequência da
contestação portuguesa às pretensões da Coroa espanhola resultantes da viagem de Cristóvão Colombo, que
ano e meio antes chegara ao chamado Novo Mundo, reclamando-o oficialmente para Isabel, a Católica.
(http://pt.wikipedia.org/wiki/Tratado_de_Tordesilhas)
6
Com a descoberta do Brasil, todo o território passou a integrar o domínio da Coroa Portuguesa. Destas terras,
largos tratos foram trespassados aos colonizadores, mediante as chamadas concessões de sesmarias e cartas
de data, com a obrigação, aos donatários, de medi-las, demarcá-las e cultivá-las, sob pena de comisso (reversão
das terras à Coroa). As terras que não foram trespassadas, assim como as que caíram em comisso, constituem
as terras devolutas. Com a independência do Brasil, passaram a integrar o domínio imobiliário do Estado
brasileiro, englobando todas essas terras que não ingressaram no domínio privado por título legítimo ou não
receberam destinação pública. (http://pt.wikipedia.org/wiki/Terras_devolutas)
14
procedimento determinado caíram em comisso, fazendo com que suas terras não
mais cumprissem os requisitos legais, se tornando assim devolutas.
Assim como a determinação de medição, foram reavaliadas as sesmaria
concedidas, para saber se estas cumpriam ou não os critérios de cultivo e morada
habitual do sesmeiro, cessionário ou de quem os representassem.
As terras que não foram devidamente demarcadas e registradas, bem como
aquelas que não cumpriam os critérios de produção estabelecidos em Lei, foram
consideradas terras devolutas e foram declaradas como sendo pertencentes ao
império, posteriormente pertencentes a República.
Após a proclamação da República muitas outras medidas foram tomadas,
mas sem influenciar de forma substancial na realidade fundiária do campo brasileiro.
Em 1964 com a insurgência dos militares, que culminou o golpe que destituiu
o governo de João Goulart - eleito democraticamente pelo povo brasileiro – do
poder, foi promulgada a Lei 4.504 de 1964 - Estatuto da Terra.
O referido Estatuto da Terra possuía como escopo frear o iminente risco de
uma revolta camponesa em decorrência da não realização da reforma agrária e do
não desenvolvimento dos meios de produção do campo para os pequenos
produtores, o que inviabilizava e inviabiliza o desenvolvimento de um sistema de
economia sustentável no campo brasileiro.
O Estatuto da Terra tornou-se um conjunto de artigos de leis não colocados
em prática pelo governo dos militares, mas fortalecia juridicamente a possibilidade
de uma revolta camponesa7.
Assustados com os processos revolucionários de tomada de poder que outros
países da América protagonizavam, os militares implementaram uma medida para
se contrapor ao projeto de reforma agrária trazido pelo Estatuto da Terra.
A ditadura militar8 procedeu inúmeras doações de extensos terrenos rurais
para empresas durantes as décadas de 1960 a 1980, argumentando que estaria
incentivando o desenvolvimento do campo.
7
SOUZA, Marcos Rogério de Regime jurídico da propriedade produtiva no direito brasileiro. Franca: UNESP,
2007, p. 39
8
Podemos definir a Ditadura Militar como sendo o período da política brasileira em que os militares
governaram o Brasil. Esta época vai de 1964 a 1985. Caracterizou-se pela falta de democracia, supressão de
direitos constitucionais, censura perseguição política e repressão aos que eram contra o regime militar.
(http://www.suapesquisa.com/ditadura/)
15
Em decorrência da imensa dificuldade de sobrevivência do campo e da
discrepante disparidade de disputa entre os grandes latifundiários (sesmeiros,
empresários, criadores de gado...) e os pequenos produtores, associado ao impacto
gerado pela revolução industrial que se fazia cada vez mais presente no Brasil,
houve o maior êxodo rural da história do país.
Em menos de uma década, mais de 40% da população brasileira migrou para
cidade, concentrando ainda mais a propriedade rural nas mãos dos grandes
latifundiários, e também das grandes empresas.
Enquanto isso, na realidade urbana, em decorrência do grande êxodo rural,
dava-se inicio a um grave problema social que até hoje se perpetua, a falta de
moradia.
A massa trabalhadora que se deslocou para o setor urbano, buscando novos
horizontes de trabalho, se deparou com a escassez do trabalho, principalmente pelo
despreparo do trabalhador do campo para ocupar os postos de trabalho oferecidos
pelo setor industrial.
Essa grande demanda de morada para as inúmeras famílias que se
instalavam no meio urbano gerou uma ocupação desordenada dos prédios urbanos.
De acordo com a ocupação dos prédios públicos, as autoridades estatais
foram regularizando a situação dos posseiros, de modo a lhes transmitir, cumprindo
as formalidades de praxe, a propriedade dos terrenos.
A cristalina realidade é que essa ocupação desordenada ainda esta longe de
acabar, e o Estado por muitas vezes queda-se omisso em relação a fiscalização e a
destinação dos terrenos urbanos que são de sua propriedade.
Em diversas cidades do Brasil existem posseiros que fizeram sua morada em
terrenos pertencentes ao Estado, e estes já habitam esses locais há muito tempo,
sem que o Estado se oponha à sua posse, ou, quando se opõe, não assegura o
direito à moradia, garantido constitucionalmente a todos (as) os brasileiros (as).
Comumente, os terrenos públicos urbanos são ocupados de forma irregular,
por dois motivos: 1.Especulação imobiliária e; 2. Real necessidade de habitação
para os cidadãos de baixa renda.
De acordo com o nosso entendimento, o primeiro motivo não deve prosperar
e tampouco deve ter apoio e incentivo do Estado, uma vez que a especulação
imobiliária não atende aos reais anseios sociais, e tão somente favorece os grandes
detentores do capital.
16
Já o segundo motivo (real necessidade de habitação), nós entendemos que
sim, deve prosperar, haja vista que este reflete uma demanda real da população
carente dos grandes centros urbanos.
Entendemos que as ocupações dos prédios urbanos realizadas pelos
moradores de baixa renda deve ser regulamentada pelo Estado, de modo a conferir
aos posseiros a real propriedade do terreno ocupado, uma vez que este deu ao
prédio urbano ocupado uma função social.
A não regularização dos terrenos ocupados, nos dias de hoje, gera um grande
prejuízo aos posseiros que lá residem, como por exemplo, a impossibilidade de
participar dos programas sociais voltados para a habitação de baixa renda, como o
programa “minha casa, minha vida” e demais políticas públicas de habitação,
arquitetadas pelo governo petista (Lula – 2003 a 2010 e Dilma – 2011 até o presente
momento).
Além da exclusão de programas sociais face a irregularidade da moradia - o
que ocasiona grande prejuízo ao posseiro -, vislumbra-se que esta situação ainda
gera uma grande insegurança jurídica no que se refere a transmissão do bem imóvel
a outras pessoas, seja esta transferência ocasionada por abertura de sucessão,
divórcio, venda, doação ou qualquer outro motivo que enseje a transmissão dos
direitos do terreno.
O Estado ao não garantir aos moradores de baixa renda o direito à moradia e
ao não fiscalizar de forma eficaz seus terrenos públicos, este deixa de cumprir a
função social de sua propriedade.
Diante dessa grave problemática e observando as inúmeras buscas por
soluções plausíveis para a regularização da moradia dos ocupantes de baixa renda,
entendemos que a solução mais adequada seria aplicar a essa relação jurídica a
modalidade de usucapião constitucional urbano. Situação que passamos a abordar.
II – DO INSTITUTO DA USUCAPIÃO E SUA IMPORTÂNCIA SOCIAL
O instituto jurídico da usucapião tem servido como um eficiente instrumento
do cumprimento do princípio constitucional da função social da propriedade,
promovendo justiça social.
Apesar de haverem divergências quanto a origem da usucapião, é provável
que esta tenha sido criada pelo direito romano. Sendo que, buscando-se a
17
etimologia da palavra usucapio, encontramos que capio significa “tomar” e usus
significa “pelo tempo”9.
Segundo o entendimento de Caio Mário da Silva Pereira usucapião é:
A aquisição da propriedade ou outro direito real pelo decurso de tempo
10
estabelecido com a observância dos requisitos instituídos em lei.
Um questionamento que muitos indagam é: O que fundamenta a usucapião?
Isso não seria uma forma desordeira de usurpar um bem alheio? Muitas pessoas se
apoiam em um suposto fundamento ético para afirmar que a usucapião é uma forma
escusa de despojar o proprietário, com a finalidade de espoliar uma determinada
coisa.
Nossa resposta para essa indagação é: Não. Conforme se observa na
definição da usucapião, o posseiro adquire o domínio da coisa em decorrência do
uso por um determinado período previsto em lei, o que nos remete a outra
indagação: Por que o proprietário não cuidou do que é seu? Essa coisa estava
abandonada?
Para responder a supracitada indagação, utilizamos o entendimento do
professor José Carlos de Moraes Sales:
Todo bem, móvel ou imóvel, deve ter um função social. Valer, deve ser
usado pelo proprietário, direta ou indiretamente, de modo a gerar utilidade.
Se o dono abandona esse bem; se se descuida no tocante à sua utilização,
deixando-o sem uma destinação e se comportando desinteressadamente
como se não fosse o proprietário, pode, com tal procedimento, proporcionar
a outrem a oportunidade de se apossar da aludida coisa. Essa posse,
mansa e pacífica, por determinado tempo previsto em lei, será hábil a gerar
a aquisição da propriedade por quem seja seu exercitador por que interessa
à coletividade a transformação e a sedimentação de tal situação de fato em
situação de direito. À paz social interessa a solidificação daquela situação
de fato na pessoa do possuidor, convertendo-se em situação de direito,
evitando-se assim, que a instabilidade do possuidor possa eternizar-se,
gerando discórdias e conflitos que afetem perigosamente a harmonia da
coletividade. Assim, o proprietário desidioso, que não cuida do que é seu,
que deixa seu bem em estado de abandono, ainda que não tenha a
intenção de abandoná-lo, perde sua propriedade em favor daquele que,
havendo se apossado da coisa, mansa e pacificamente, durante o tempo
previsto em lei, da mesma cuidou e lhe deu destinação, utilizando-a como
11
se sua fosse. Esse é o fundamento do usucapião.
9
BARRUFFINI, José Calor Tossetti, Usucapião Constitucional Urbano e Rural – Função Social da Propriedade,
São Paulo: Ed. Atlas, p. 20.
10
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 2. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1974. P. 128
11
SALES, José Carlos de Moraes. Usucapião de bens imóveis e móveis. 2. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1992, p. 26.
18
Nesse sentido, entendemos que a consolidação do domínio só se dá em
decorrência da negligência do legítimo proprietário, que não deu utilidade social
àquela coisa, que agora, sob o domínio de outra pessoa, não mais lhe pertence.
A maior importância de se conferir ao posseiro a propriedade da coisa
ocupada, é retirar dessa realidade a instabilidade jurídica da irregularidade da
legítima propriedade da coisa.
A situação de fato que enseja a usucapião – o abandono do bem, negligência
do dono, não cumprimento da função social da propriedade, a posse legítima de
outra pessoa, a utilização da coisa por um determinado período de tempo – torna-se
situação de direito.
A professora Maria Helena Diniz diz que:
O usucapião tem por fundamento a consolidação da propriedade, dano
juridicidade a uma situação de fato: a posse unida ao tempo. A posse é o
fato objetivo, e o tempo, a força que opera a transformação do fato em
direito, o que nos demonstra a afinidade existente entre os fenômenos
12
jurídicos e físicos.
Feitas essas considerações, concordamos com o entendimento de Pedro
Nunes, que afirma que a usucapião é:
É a prescrição aquisitiva, construtiva ou positiva da propriedade e de certo
direitos reais, pela posse ininterrupta durante determinado prazo, sob as
condições legais que lhe são inerentes; é um meio de aquisição ou
consolidação do domínio da coisa, que se apoia principalmente na
negligência ou prolongada inércia do seu proprietário com o “non usus”
dela. Domínio é o direito real por excelência, que submete o bem corpóreo
13
ao poder e vontade de seu titular. É a propriedade plena.
Dessa forma, concluímos que para que haja a possibilidade de ser aplicado o
instituto da usucapião, se faz necessário que o legítimo proprietário se mantenha
inerte ou negligente quanto ao uso da coisa, não cumprindo assim a função social
da propriedade.
III – DO INSTITUTO DA USUCAPIÃO CONSTITUCIONAL URBANO
12
13
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das coisas. 5. Ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 117
BARRUFINI apud NUNES, Pedro dos Reis. Do usucapião. 3. Ed Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1964. P. 12
19
À época da promulgação da Constituição Federal de 1988, a usucapião
constitucional urbano se apresentou como direito novo, mas antes de justificar tal
afirmação, se faz necessário uma retrospectiva histórica acerca do instituto.
Na época do Império Romano, as terras consideradas improdutivas eram
distribuídas aos velhos guerreiros para que estes aproveitassem as áreas que fosse
possível se desenvolver a agricultura.
Muito tempo depois, no ano de 1375, a monarquia portuguesa sancionou a
Lei das Sesmarias14, que distribuía frações de terras aos camponeses com o intuito
de impulsionar o desenvolvimento agrário para produção de mantimentos.
Era obrigatório que todo sesmeiro produzisse em sua terra, e aquele que não
o fizesse era privado da propriedade da terra. A política fundiária adotada por
Portugal observava a questão da posse e trabalho, legitimando os proprietários que
produziam nas terras.
Como já exposto em momento anterior, à política fundiária da sesmaria
também foi aplicada no Brasil como estimulo ao plantio da cana de açúcar. Com
independência e suspensão da concessão da sesmaria, a terra passou a ser
adquirida por outros meios.
No ano de 1850, com a promulgação da Lei de Terras, a política fundiária
brasileira retomou - mesmo que em contextos sociais diferentes – o binômio da
posse e trabalho para legitimação da propriedade territorial.
No
ordenamento
jurídico
pátrio,
a
usucapião
especial,
atualmente
constitucional, possui origem na elaboração da constituição de 1934, onde seu
objetivo era consagrar a pequena propriedade rural, legitimando-a sob o requisto do
trabalho e da posse, com finalidade produtiva.
Em 1964, após o golpe militar, com a promulgação do Estatuto da Terra, o
instituto da usucapião especial foi retirado da seara constitucional e inserido em
legislação ordinária. Em decorrência desta atitude tomada pelo governo militar, o
referido instituto perdeu grande força.
As políticas agrárias adotadas pelo governo militar, como já tratado
anteriormente, corroboraram com a intensificação do êxodo rural.
14
A Lei da Sesmaria, Segundo o Wladimir Pomar (op cit, p. 22-23): “foi a unidade territorial sobre a qual foi
estabelecido o sistema produtivo propriamente dito. Adotada em Portugal por D. Fernando em 1375, como
forma de propriedade territorial, a sesmaria procurava evitar o crescente êxodo dos camponeses, em virtudes
dos encargos feudais, e manter a produção de alimentos num nível adequado.”
20
O legislador constituinte analisando a realidade habitacional urbana que se
formou, decidiu por aplicar a usucapião especial ao meio urbano. O instituto da
usucapião constitucional urbano foi consagrado pela Magna Carta no artigo 183.
Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e
cinquenta metros quadrados, por cincos anos, ininterruptamente e sem
oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir0lhe-á o
domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
§1º. O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem
ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.
§3º. Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.
O intuito do referido instituto jurídico é o mesmo adotado pelo legislador
pretérito que criou a usucapião especial rural. Adaptado ao meio urbano, a
usucapião constitucional urbano visa a consagração do direito à propriedade forjada
em sua função social. Neste contexto, a função social volta-se ao projeto de
habitação popular.
IV - DO DIREITO DE PROPRIEDADE E DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE
Até recentemente, a legislação constitucional e civil brasileira, no que tange
ao direito de propriedade, era marcado pelo imenso individualismo, e o direito à
propriedade se apresentava como absoluto.
Com o advento da Constituição Federal promulgada em 1988, o direito de
propriedade deixou de ser absoluto, com entendimento de que este deve servir
como instrumento de paz social e, para tanto, deve atender aos interesses da
coletividade.
A relativização do direito da propriedade, na Constituição Federal de 1998, se
dá em decorrência do instituto da função social da propriedade, consagrado no art.
5º, inciso XXIII:
Art.5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
(...)
XIII – A propriedade atenderá sua função social;
21
Segundo o entendimento de José Diniz de Moraes15, a função social da
propriedade é:
O concreto modo de funcionar da propriedade, seja como exercício do
direito de propriedade ou não, exigido pelo ordenamento jurídico, direta ou
indiretamente, por meio de imposição de obrigações, encargos, limitações,
restrições, estímulos ou ameaças, para satisfação de uma necessidade
social, temporal e espacialmente considera
.
O direito à propriedade também é consagrado pela Constituição Federal de
1998 em seu art. 5º, inciso XXII, senão:
Art.5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
[...]
XII – é garantido o direito de propriedade.
O princípio da função social da propriedade não ofende o princípio do direito à
propriedade. A função social apenas torna relativo o direito de propriedade, uma vez
que este deve atender os anseios sociais, promovendo, assim, um bem social.
Nesse sentido, afirma Manoel Gonçalves Ferreira Filho16 que:
A Constituição já consagrou anteriormente a propriedade como direito
individual (art. 5º, caput e XXII). A propriedade, todavia, consagrada pela
Constituição, não é a da concepção absoluta, romanística, e sim a
propriedade encara como uma função eminentemente social. É o que se
depreende do texto ora em exame, que implicitamente condena a
concepção absoluta da propriedade, segundo a qual esta é o direito de se
usar, gozar e tirar todo o proveito de uma coisa, mas exige que o uso desta
seja condicionado ao bem-estar social geral. [...]
Nessa esteira, entende-se que toda propriedade deve cumprir sua função
social, sob pena de o legítimo dono ser privado do domínio da coisa, sendo este
repassado a quem atribui à coisa uma destinação que atenda os anseios do corpo
social.
15
MORAES, José Diniz de. A função social da propriedade e constituição federal de 1998 São Paulo, Ed.
Malheiros, 1999, p. 111.
16
BARRUFFINI apud FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à constituição brasileira de 1998. São
Paulo: Saraiva. 1990. V.1. p. 46
22
V – DA IMPRESCRITIBILIDADE DOS BENS PÚBLICOS E DA SUA NÃO
SUJEIÇÃO AO INSTITUTO DA USUCAPIÃO
A Constituição Federal de 1998, por meio do artigo 183, §3º, declarou que os
imóveis públicos não poderão ser adquiridos por meio da usucapião.
Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e
cinquenta metros quadrados, por cincos anos, ininterruptamente e sem
oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir0lhe-á o
domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
[...]
§3º. Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.
Em relação ao conceito de imóveis, à luz do artigo 79 do Código Civil de
2002, entende-se que: “São bens imóveis o solo e tudo quanto se lhe incorporar
natural ou artificialmente”.
O artigo 99 do Código Civil de 2002 elenca quais são os bens públicos:
Art. 99. São bens públicos:
I – os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e
praças;
II – os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço
ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou
municipal, inclusive os de suas autarquias;
III – os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de
direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas
entidades.
Parágrafo Único. Não dispondo a lei em contrário, consideram-se
dominicais os bens pertencentes às pessoas jurídicas de direito público a
que se tenha dado estrutura de direito privado.
O artigo 102 do Código Civil de 2002 reproduz o entendimento do § 3º do
artigo 183 da constituição federal dizendo que: “Os bens públicos não estão sujeitos
a usucapião”.
Nesse mesmo sentido, a Excelsa Corte do Brasil promulgou a súmula nº 340,
que diz: “Desde a vigência do Código Civil, os bens dominicais, como os demais
bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião”.
A doutrina majoritária e o entendimento jurisprudencial brasileiro (seguindo o
entendimento da Súmula 340 do Supremo Tribunal Federal), entende que os bens
públicos não estão sujeitos a usucapião em decorrência de sua imprescritibilidade.
23
Quando a doutrina e a jurisprudência afirmam que os bens públicos são
imprescritíveis, estas se referem a prescrição que possibilita a aplicação do instituto
da usucapião.
Segundo o Dicionário Aurélio, prescrição é:
Em Direito, prescrição é a perda da pretensão pela inércia do titular de
um direito subjetivo em mover a ação que o assegura.
A prescrição é, portanto, o modo pelo qual a pretensão se extingue pela
inércia, durante certo lapso de tempo, do titular de um direito subjetivo(do
sujeito), que fica sem ação própria para assegurá-lo.
Aplicando o supracitado conceito à matéria abordada neste tópico, entendese que os bens públicos não prescrevem, mesmo que haja inércia e negligência do
por parte de seu legítimo proprietário, o Estado.
Dessa forma, o Estado se apresenta como simples proprietário dos bens de
forma de que não há questionamento acerca do cumprimento ou não da função
social dessas propriedades.
VI – DA APLICABILIDADE DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE AOS BENS
PÚBLICOS E DO DEVER DO ESTADO EM CUMPRIR SUA PRÓPRIA
LEGISLAÇÃO
Como abordado no tópico anterior, os bens públicos não podem ser
adquiridos por usucapião, haja vista sua imprescritibilidade.
Observou-se também que não se aplica o princípio da função social da
propriedade aos imóveis públicos, mesmo que o seu legítimo proprietário (Estado)
seja inerte e negligente, não atribuindo a estes bens uma destinação social.
Nesse sentido, se faz necessário elucidar novamente acerca da importância
da função social da propriedade, bem como relembrar qual o papel de sua
interferência no direito à propriedade.
Assim como outrora abordado, o direito à propriedade tem sido considerado
de extrema importância desde o início da propriedade privada, de forma que se
impõe no ordenamento jurídico pátrio como pilar fundador do nosso modelo de
Estado, conforme o exposto pelo caput do artigo 5º da Lei Maior.
De outra feita, observou-se que o direito à propriedade deixou de ser absoluto
em nosso ornamento jurídico no momento em que o legislador originário decidiu por
24
incluir no rol dos direitos fundamentais, o princípio da função social da propriedade,
que intervém diretamente no direito à propriedade, não o extinguindo, mas o
condicionando a esta em consonância com uma finalidade social, econômica e
ambiental.
As palavras de Marcos Rogério de Souza apresenta de maneira muito mais
lúcida este entendimento.
A propriedade obriga. Esse é o comando fundamental extraído da
Constituição Federal de 1988. Não é mais direito absoluto, pleno e ilimitado.
Mas obriga a quê? Ao cumprimento de uma função social. Somente a
propriedade que atenda à sua função social estará protegida pela Magna
Carta.
17
Seguindo esse diapasão, um questionamento surge: O Estado deve também
cumprir o princípio fundamental da função social da propriedade? Este princípio
pode ser aplicado aos bens públicos em detrimento de sua imprescritibilidade?
O supramencionado questionamento é de extrema complexidade, uma vez
que existe dispositivo literal de lei norteando que os bens públicos (propriedade do
Estado) são imprescritíveis.
Dessa forma, entende-se que de nada serviria ser aplicado ou não o princípio
da função social da propriedade aos bens públicos, haja vista que estes não podem
vir a sofrerem as consequências da desídia e negligência do uso, qual seja, a perda
do domínio da coisa.
Esse questionamento é refutado no momento em que se reflete e
compreende que um Estado Democrático de Direito não pode se furtar de cumprir
suas próprias regras.
Entende-se que o Estado não possui o condão se de furtar de próprio dever
de cumprir um princípio fundamental, mesmo que outra norma, indiretamente, lhe
proporcione um escape de tal responsabilidade.
Conclui-se, portanto, que o princípio da função social da propriedade deve ser
aplicado aos bens públicos, que são as propriedades do Estado. E também, que o
Estado não pode se furtar do dever de cumprir suas próprias regras, sob pena de
agir contra os princípios e garantias fundamentais consagrados na Magna Carta.
17
SOUZA, Marcos Rogério de. Op. Cit. P. 150
25
VII – DA POSSIBILIDADE DE SE APLICAR A USUCAPIÃO CONSTITUCIONAL
URBANA PARA USUCAPIR IMÓVEIS PÚBLICOS URBANO
A aplicação da norma deve esta ao voltada ao bem social, sendo que o
objetivo desta é proporcionar o bem comum à sociedade, de forma a garantir à
todos(as) os direitos garantidos.
A frase anterior pode soar como redundante, mas, infelizmente, não é. A
Magna Carta consagrou como direito social o direito à moradia, que deveria ser
implementado pelo Estado, mas não é.
Ao deixar a população carente sem o auxílio do Estado como garantidor dos
direitos assegurados constitucionalmente, o Estado queda-se omisso, negligente e
inerte.
Analisando outro ponto, com base em toda base histórica e jurídica
apresentada no corpo deste artigo, observa-se que além do Estado não garantir o
direito à moradia, este ainda deixa seus terrenos ociosos, descuidados
abandonados e a mercê do capitalismo.
No que tange a realidade habitacional urbana, impossível analisar qualquer
realidade social sem se falar da especulação imobiliária e da conivência estatal em
detrimento aos que habitam o meio urbano, mas não possuem moradia.
A especulação imobiliária consiste, em tese, na aquisição de um determinado
imóvel com o intuito de que com o tempo ou investimento, este venha a valorizar, o
que, posteriormente, permita que o investidor obtenha lucros, seja por meio da
venda ou do aluguel.
Em muitas das vezes, os terrenos adquiridos pertencem ao Estado que age
coniventemente com os interesses do capital, uma vez que é dominado por ele.
Os movimentos sociais que lutam pelo direito à moradia no meio urbano,
como o MTST18, denunciam constantemente as inúmeras tramoias realizadas pelos
18
O Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) surgiu em 1997 da necessidade de organizar a reforma
urbana e garantir moradia a todos os cidadãos além de lutar por um modelo de cidade mais justa. Está
organizado nos Estados do Rio de Janeiro,São Paulo, Minas Gerais, Distrito Federal, Amazonas, Roraima, Pará e
Pernambuco. É um movimento de caráter social, político e popular. O MTST é uma organização autônoma com
princípios, programa e forma de funcionamento próprio. Além do trabalho organizado de luta por moradia o
MTST mobiliza pessoas em bairros pobres organizando lutas e propondo soluções para problemas que afligem
os bairros periféricos pobres. O MTST defende uma transformação profunda da forma de organização da
sociedade, como única maneira de atender aos interesses dos trabalhadores. Aposta na luta direta, em especial
através das ocupações de terrenos urbanos ociosos, orientada no sentido da construção de poder popular.
(http://pt.wikipedia.org/wiki/Movimento_dos_Trabalhadores_Sem_Teto).
26
especuladores imobiliários, que invadem os terrenos públicos, realizam grandes
obras e compram o terreno a baixo preço em relação ao seu real valor de mercado.
De outra feita, os posseiros de baixa renda, quando não são brutalmente
despejados, sofrem o com o grave problema da irregularidade do domínio.
Com o avanço da política habitacional implementada no Brasil, o problema da
irregularidade se impõe como fator de exclusão social, pois aqueles que não
possuem imóveis regularizados são impedidos de participarem da maior parte dos
programas habitacionais, como o financiamento bancário, por exemplo.
E, além de se tornar um fator de exclusão, a irregularidade ainda gera uma
instabilidade jurídica quanto a disposição de um determinado imóvel, haja vista a
imensa dificuldade de se transmitir a outrem os direitos adquiridos sobre o imóvel
ocupado.
O Estado muitas vezes com o intuito de regularizar a situação dos ocupantes
cobra um valor pelo terreno, de forma a legitimar a transmissão de propriedade.
Entende-se, entretanto, que esta medida não é razoável quando se refere ao
habitante de baixa renda.
Face a hipossuficiência do posseiro, não se mostra como medida justa a
cobrança de qualquer valor pelo terreno ocupado. A realidade social desse perfil de
cidadão não pode ser ignorada.
Nesse sentido a usucapião especial urbana se mostra como uma medida
justa para que este posseiro adquira o imóvel ocupado de forma originária, se
enquadrando em outra realidade jurídica diferente da tradição.
No tópico anterior afirmou-se que o intuito da usucapião constitucional urbana
é corroborar com o projeto de habitação popular, consagrando propriedade que são
destinadas exclusivamente aos habitantes de baixa renda.
A afirmação de que a usucapião constitucional urbana está voltada para a
concretização do projeto de habitação popular baseia-se na análise do próprio
dispositivo jurídico.
O artigo 183 da CF/88 em seu caput diz que o limite máximo da área a ser
usucapida não pode ultrapassar os 250m². Nesta esteira, observa-se que o
legislador preocupou-se em limitar à área a ser usucapida de forma a não legitimar,
por meio desta modalidade de usucapião, grandes propriedades urbanas.
Prosseguindo a analise, verifica-se que o dispositivo jurídico além de elencar
os requisitos característicos para a configuração das mais diversas modalidades de
27
usucapião, também se preocupou em saber se o usucapiente realmente necessita
daquele terreno para estabelecer sua moradia.
No momento em que o legislador constituinte optou por observar se o
usucapiente possui outro imóvel no meio urbano ou rural, este fez um recorte social
para adaptar a norma a uma categoria de pessoa, qual seja, a sem teto que ocupou
um determinado terreno com a finalidade habitacional.
Corrobora com esse entendimento o iluminado jurista José Carlos Tosseti
Barruffini:
O constituinte de 1998, ao criar esta modalidade de usucapião, o fez
direcionado àquele que não conta com moradia e que não tem outro imóvel,
observando-se que os imóveis urbanos sempre foram passíveis de ser
adquiridos por usucapião ordinário e extraordinário, com prazos mais
amplos e sem restrições. Diante da problemática quase insolúvel da
moradia nas cidades, aventou-se uma nova modalidade de usucapião pro
casa, pro morare. A criação dessa modalidade de usucapião resultou, sem
dúvida, de vários movimentos e pressões de favelados, inserindo-se a
questão dentro da política de desenvolvimento urbano, merecendo
destaque o aproveitamento das áreas disponíveis nas cidades, em benefício
dessa população carente e do desenvolvimento urbano.
19
Nesse sentido, entende-se que o instituto da usucapião constitucional urbano
não foi criado para corroborar com uma concepção absolutista da propriedade, ao
contrário. Este foi criado para corroborar com uma lógica humanística, analisada sob
a perspectiva da função social da propriedade.
Justamente nesse sentido se fundamenta o entendimento da aplicação do
supracitado instituto jurídico aos imóveis públicos urbano. Em brilhantes palavras,
José Carlos Tosseti Barruffini, interpreta a intenção do legislador em relação ao
direito à propriedade e sua função social, bem como do cumprimento dos direito
fundamentais.
O constituinte de 1988, segundo deixamos assentado, pretendeu assegurar
o direito de propriedade sem admitir que tal direito se efetive ao arrepio da
função social que lhe é inerente. O condicionamento da propriedade está
ligado ao momento histórico de cada povo, desde que não se chegue ao
extremo de negá-lo (Apud LABOURDETTE, M. “Proprieté & communauté
19
BARRUFFINI, José Carlos Tosseti. Op cit, p. 204
28
dans de plan divin”, in Proprieté et communautés. 12. ed. Paris: Economie
et Humanisme, 1947). Mesmo que esse condicionamento não tenha sido
até agora, em muitos países, voltado para o social, o bom uso da
propriedade foi posto em evidência pelas Encíclicas Rerum Novarum,
Quadragésimo Anno, e Mater et Magistra. Se o objetivo é o bem comum,
conforme já dissemos, o Estado na sua consecução não pode sacrificar
20
nenhum dos direitos fundamentais . – grifei.
Com base nesse diapasão, reafirma-se que o direito à propriedade se torna
relativo, devendo a propriedade atender sua função social. Reafirma-se, também,
que os direitos fundamentais não podem ser desrespeitados, nem mesmo pelo
Estado.
O Estado não tem o direito de se furtar do dever de cumprir sua própria lei. E,
sendo assim, os bens públicos que não cumprem sua função social são prescritíveis,
logo são passíveis de serem adquiridos por usucapião.
Conclui-se, portanto, que o instituto da usucapião constitucional é plenamente
aplicável aos imóveis públicos urbanos, com a finalidade de se promover a
regularização da moradia dos posseiros de baixa renda, fortalecendo o princípio da
igualdade e encaminhando a sociedade a futuros mais dignos para todos(as).
20
BARRUFINI, José Carlos Tossetti. Op cit, p. 214
29
CONCLUSÃO
O Estado não possui o direito de se furtar do dever de cumprir suas próprias
leis. Um Estado democrático de direito deve respeitar suas regras e destina-las para
o fortalecimento do bem social.
O Estado, portanto, tem o dever de atribuir a todos os seus bens uma função
social de modo a legitimar sua propriedade.
O princípio da função social da propriedade não fere o fundamental direito à
propriedade, apenas o torna relativo. A propriedade obriga o proprietário a não ser
relapso e negligente para com o seu bem, pois sua propriedade só deverá existir se
esta cumprir sua função social.
Em relação aos imóveis públicos a situação não é diferente. O Estado além
de não viabilizar o direito à moradia aos habitantes de baixa renda, ainda dificulta e
segrega os posseiros que ocupam os imóveis públicos que caíram no esquecimento.
O terreno abandonado, negligenciado pela omissão do Poder Público, não
prescreve por que simplesmente um dispositivo jurídico diz que tem que ser dessa
forma.
Afinal, de que serve uma norma constitucional se ela simplesmente ignora
uma realidade social e não promove o bem comum? Se insurgir contra uma norma
imposta é direito. A desobediência civil é um instituto de promoção da democracia. O
Estado onde a minoria não pode se insurgir contra a maioria, não é uma
democracia... é um sistema totalitarista!
Garantir que todos os cidadãos de um Estado democrático de direito tenha
dignidade e condições dignas de vida é o dever da norma constitucional. Não se
pode ignorar a realidade das minorias desfavorecidas.
A imprescritibilidade dos bens públicos é uma regra que não atende os
anseios sociais da atual sociedade e, por isso, não possui sentido algum em
prosperar.
O instituto da usucapião constitucional urbana nasceu com a finalidade de
favorecer os habitantes de baixa renda a desenvolverem uma reforma na realidade
habitacional do meio urbano.
A analise do próprio instituto esclarece qual foi o intuito do legislador
constituinte ao criar um dispositivo jurídico tão rico de detalhes e com uma finalidade
tão cristalina.
30
A situação de segregação e marginalização sofrida pelos posseiros de baixa
renda não pode ser ignorada pelo Estado, bem como estes não devem de forma
alguma serem obrigados a suportar o ônus da ineficiência estatal, que não garante
os direitos garantidos.
A aplicação da usucapião constitucional urbana aos imóveis urbanos
ocupados pelos habitantes de baixa renda é medida de Justiça! Regularizar a
situação da moradia dos posseiros é promover o bem social, garantindo uma vida
mais digna a essa parcela da população brasileira.
31
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José Pedro Brito da Costa - Universidade Católica de Brasília