FACULDADE CEARENSE
CURSO DE DIREITO
ANDRÉ GIRÃO FERREIRA
O DELITO DE ESTUPRO (ART.213 DO CÓDIGO PENAL): ASPECTOS
RELATIVOS À MULHER COMO SUJEITO ATIVO
FORTALEZA–CE
2014
ANDRÉ GIRÃO FERREIRA
O DELITO DE ESTUPRO (ART.213 DO CÓDIGO PENAL): ASPECTOS
RELATIVOS À MULHER COMO SUJEITO ATIVO
Monografia
apresentada
como exigência parcial para a
obtenção do grau de bacharel
em Direito, sob a orientação
de conteúdo do Professor
José Hugo de Alencar Linard
Filho.
FORTALEZA – CE
2014
ANDRÉ GIRÃO FERREIRA
O DELITO DE ESTUPRO (ART.213 DO CÓDIGO PENAL): ASPECTOS
RELATIVOS À MULHER COMO SUJEITO ATIVO
Monografia apresentada à
banca examinadora e à
Coordenação do Curso de
Direito
da
Faculdade
Cearense,
adequada
e
aprovada
para
suprir
exigência parcial inerente à
obtenção do grau de bacharel
em Direito.
Fortaleza (CE), 06 de janeiro de 2015.
___________________________________
José Hugo de Alencar Linard Filho,
Professor Orientador da Faculdade Cearense
___________________________________
José Péricles Chaves,
Professor Examinador da Faculdade Cearense
___________________________________
José Lenho Silva Diógenes,
Professor Examinador da Faculdade Cearense
____________________________________
José Júlio da Ponte Neto,
Coordenação do Curso de Direito da Faculdade Cearense
AGRADECIMENTOS
Primeiramente, agradeço a Deus, por ter me dado saúde e força para superar
as dificuldades, que surgiram no decorrer desta longa jornada acadêmica.
Ao meu pai Francisco de Sousa, minha mãe Inácia de Fátima e meu irmão
Lucas Girão por estarem sempre ao meu lado, apoiando-me, incentivando-me, tantome
dando colo como ombro em todos os momentos que precisei.
A toda a minha família, de modo particular Tia Inacinha, aos meus amigos
mais próximos, à Comunidade Católica Servos do Senhor, da qual faço parte, que
intercederam e torceram por mim.
Aos meus colegas de faculdade, por todos os momentos de fraternidade,
convivência e trocas de experiências que me ajudaram a crescer.
A todos meus professores que contribuíram direta ou indiretamente para o
meu desenvolvimento profissional e pessoal.
Ao meu professor e orientador, Hugo Linard, por todo apoio e paciência
nesta etapa final.
RESUMO
O presente trabalho consiste em estudo sobre o tipo penal de estupro (art.213, CP) com
a redação dada pela Lei n° 12.015/09, inclusive do ponto de vista da evolução histórica,
com ênfase na mulher como sujeito ativo do delito e nesse sentido, aspectos relevantes e
controversos como os meios executórios utilizados pela mulher para lograr êxito na
execução do crime de estupro na modalidade conjunção carnal; a impossibilidade de
configuração do delito quando o fim desejado pela autora for a conjunção carnal ou
coito anal e o homem vítima possuir disfunção erétil; a aplicabilidade da causa de
aumento de pena do art. 234-A, III, CP, quando a mulher autora engravidar em razão de
sua conduta delitiva; a impossibilidade da mulher infratora optar pelo aborto legal em
razão de gravidez resultante de estupro por ela mesma praticado; e a questão da
paternidade indesejada e seus efeitos na esfera civil. O trabalho desenvolveu-se por
meio de pesquisa bibliográfica, de natureza exploratória, tendo como referência os
estudos de Guilherme de Souza Nucci, Cezar Roberto Bitencourt, Luiz Régis Prado,
Nelson Hungria, Rogério Greco, Eduardo Luiz Cabette, entre outros.
Palavras-Chave: Estupro. Lei n° 12.015/09. Mulher como sujeito ativo. Conjunção
carnal. Meiosexecutórios.Gravidez.
ABSTRACT
The present work is to study the criminal offense of rape (art.213, CP) as amended by
Law No. 12,015/09, including the point of view of historical development, with
emphasis on women as active subject of the offense and accordingly, relevant and
controversial issues such as enforceable means used by women to succeed in
implementing the crime of rape in the form sexual intercourse; the configuration
inability of the offense when the order desired by the author is the sexual intercourse or
anal intercourse and the man victim have erectile dysfunction; the applicability of the
cause of increased worth of art. 234, III, CP, when the author woman becomes pregnant
because of their criminal conduct; the impossibility of offending women opt for legal
abortion on grounds of pregnancy resulting from rape by herself practiced; and the issue
of unwanted parenthood and its effects on civil sphere. The work was developed by
means of literature, exploratory nature with reference to William of studies Souza
Nucci, Cezar Roberto Bitencourt, Luiz Régis Prado, Nelson Hungary, Rogério Greco,
Luiz Eduardo Cabette, among others.
Keywords: Rape. Law No. 12,015/09. Woman as an active subject.Carnal knowledge.
Enforceable means. Pregnancy.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 7
2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CRIME DE ESTUPRO ....................................... 9
2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CRIME DE ESTUPRO NO BRASIL .................. 11
2.1.1 No Período Colonial ........................................................................................... 11
2.1.2 No Brasil Imperial .............................................................................................. 14
2.1.3 No Brasil República ........................................................................................... 14
2.1.4 No Período Contemporâneo................................................................................ 15
3 O ESTUPRO À LUZ DA LEI N° 12.015/2009 ...................................................... 16
3.1 BEM JURÍDICO PROTEGIDO ........................................................................... 16
3.2 NOVA REDAÇÃO DO DELITO DE ESTUPRO (ART.213, CP) ......................... 17
3.3 TIPO OBJETIVO ................................................................................................. 19
3.4 TIPO SUBJETIVO ............................................................................................... 21
3.5 CONSUMAÇÃO E TENTATIVA ....................................................................... 22
3.6 CLASSIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA ................................................................... 23
4 A MULHER COMO SUJEITO ATIVO DO CRIME DE ESTUPRO ................ 24
4.1 MEIOS EXECUTÓRIOS DO CRIME DE ESTUPRO PRATICADO PELA
MULHER NA MODALIDADE CONJUNÇÃO CARNAL......................................... 25
4.2 DISFUNÇÃO ERÉTIL, CRIME IMPOSSÍVEL E TENTATIVA ......................... 27
4.3 A GRAVIDEZ COMO CAUSA DE AUMENTO DE PENA NA HIPÓTESE DO
ESTUPRO SER PRATICADO POR MULHER ......................................................... 28
4.4 ABORTO SENTIMENTAL ................................................................................. 29
4.5 PATERNIDADE INDESEJADA E SEUS EFEITOS NA ESFERA CIVIL ........... 32
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 34
REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 36
7
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho de conclusão de curso tem como objeto o delito de
estupro (art. 213 do Código Penal) com a redação estabelecida pela Lei n° 12.015/09,
mais precisamente, aspectos relevantes e controversos relacionados à mulher como
sujeito ativo.
Trata-se de pesquisa bibliográfica em torno do tema, cujo objetivo geral é
avaliar as principais modificações trazidas com a superveniência da Lei n° 12.015/09,
dentre estas, a possibilidade de a mulher compor o polo ativo do crime de estupro.
Quanto aos objetivos específicos pretende-se: a) abordar o tratamento do
delito de estupro pela legislação da antiguidade aos nossos dias atuais; b) analisar as
mudanças significativas sentidas com o surgimento da Lei n° 12.015/09; c) expor a
estrutura normativa do novo tipo penal incriminador do art. 213; d) apresentar meios
executórios do crime de estupro praticado pela mulher na espécie conjunção carnal; e)
demonstrar o motivo da aplicabilidade da causa de aumento de pena do art. 234-A, III,
CP quando a gestante for a estupradora; f) analisar a possibilidade ou não da mulher
autora optar pelo aborto sentimental, quando vier a engravidar em razão de sua conduta
criminosa e; g) analisar a questão da paternidade indesejada e seus efeitos na órbita do
direito civil.
O tema escolhido é bastante relevante, uma vez que se trata de um delito
hediondo, de repercussão geral no seio da sociedade. No Brasil, há poucos trabalhos
acadêmicos que tratam sobre a violência sexual em que o homem é a vítima e a mulher,
autora, no contexto do referido crime.
O primeiro capítulo versa sobre a evolução histórica do crime de estupro,
desde a antiguidade até os dias atuais, abordando o tratamento penal das antigas
civilizações até os tempos modernos.
O segundo capítulo discorre sobre o delito de estupro à luz da Lei n°
12.015/09, explicitando as alterações ocasionadas com o advento da lei, bem como, a
estrutura do novo tipo penal incriminador do art. 213 do CP.
O terceiro capítulo enfoca a mulher na condição de sujeito ativo do delito de
estupro, nas hipóteses em que pode cometer o crime contra vítima do sexo masculino e
os meios executórios utilizados pela autora para lograr êxito na execução do delito na
modalidade conjunção carnal.
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O quarto, e último, capítulo trata da aplicabilidade da causa de aumento de
pena do art. 234-A, III do CP à mulher estupradora que engravida em razão de sua
conduta delitiva; da possibilidade ou não da mulher infratora optar pelo aborto
sentimental em razão de gravidez decorrente de estupro por ela mesmo praticado e da
responsabilidade do pai vítima do estupro para com a criança concebida da relação
sexual forçada em que o homem foi constrangido mediante violência ou grave ameaça a
praticar a cópula vagínica com a autora do crime.
Remata-se com a conclusão, com o epítome das principais observações,
baseadas no desenvolvimento da pesquisa.
9
2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CRIME DE ESTUPRO
Para melhor entender as questões que serão levantadas no decorrer desta
monografia, faz-se oportuno expor sobre o tratamento penal dado ao crime de estupro
ao longo da história.
O crime de estupro desde a civilização antiga desperta o interesse da
sociedade, sendo penalmente enfrentado de formas diferentes, diante do sentimento de
revolta causado pelo fato criminoso. Havia um sentimento de repugnância por parte dos
povos antigos. Luiz Régis Prado, a respeito, assevera:
Os delitos sexuais, entre eles, o estupro, foram severamente
reprimidos pelos povos antigos. Na legislação mosaica, se um homem
mantivesse conjunção carnal com uma donzela virgem e noiva de
outrem que encontrasse na cidade, eram ambos lapidados. Mas se o
homem encontrasse essa donzela nos campos e com ela praticasse o
mesmo ato, usando de violência física, somente aquele era apedrejado.
Se a violência física fosse empregada para manter relação sexual com
uma donzela virgem, o homem ficava obrigado a casar-se com ela,
sem jamais poder repudiá-la e, ainda, a efetuar o pagamento de 50
ciclos de prata a seu pai (PRADO, 2008, p. 636).
Sob esse prisma, corrobora Funari:
Historicamente, os povos antigos já reprimiam este odioso
comportamento. A lei mosaica em Deuteronômio 22: 25 a 28 previa e
punia tal comportamento com a pena de morte e pecuniária. A
primeira hipótese quando o homem, com o uso de força, abusar
sexualmente de mulher desposada, ou seja, comprometida para o
casamento. A segunda hipótese quando tratar-se de mulher virgem e
livre, devia o homem pagar cinquenta ciclos de prata ao pai desta e
tomá-la como mulher para toda a vida (FUNARI, 2003, P. 197).
Observa-se, naquele contexto histórico, a influência da sociedade machista e
patriarcal sobre a lei penal, pois para indivíduos que realizassem a cópula vagínica com
mulheres virgens e comprometidas em casamento, aplicava-se para ambos, a pena de
lapidação. Tinha-se a visão da mulher como objeto sexual e não como sujeito de
direitos.
Faz-se mister trazer à colação o conceito de pena de lapidação, segundo
Hans Von Hentig:
10
A pena de lapidação consistia no apedrejamento do condenado até a
morte. Era empregada no antigo Direito Mosaico em relação àqueles
delitos que provocassem a ira de Deus e que pudessem fazer com que
este retirasse sua mão protetora sobre o povo (HENTIG, 1967, p.
395).
Ressoa fácil perceber o grau de severidade da sanção imposta aos infratores,
tendo em vista o desrespeito ao princípio fundamental da dignidade da pessoa humana,
que, nesses casos, era inobservado por aqueles que detinham o poder (reis), pois no
Direito Mosaico em relação ao delito de estupro, não havia outro meios mais brandos de
aplicação da pena. Por mais que haja uma severa punição, no entanto, vale salientar que
esta está relacionada à história dos povos, aos costumes, à formação da sociedade e à
cultura.
Segundo Bobbio (1992), compreender o processo histórico do delito de
estupro é de suma relevância para saber a razão pela qual a sociedade está se
propendendo para uma evolução do tratamento penal desse crime. Somente por meio de
uma pesquisa profunda em povos remotos é que se vai poder analisar o grau de
desaprovação e repúdio dessa violação moral e legal na história da humanidade. O
contexto antropológico permitirá averiguar de maneira racional os estorvos e o tamanho
da repressão que passa a vítima (BOBBIO, 1992).
Dentre os crimes contra a liberdade sexual, o estupro é o que apresenta
maior gravidade, e é previsto em todos os ordenamentos jurídicos dos povos civilizados,
tendo para cada uma das civilizações uma forma de repressão.
No código de Hamurabi, tinha-se insculpido no seu dispositivo 130, a
definição de estupro rezando que “se alguém viola a mulher que ainda não conheceu
homem e vive na casa paterna e tem contato com ela e é pasmado, o referido homem
deverá ser morto e a mulher será posta em liberdade” (PRADO, 2008).
Na civilização egípcia, tinha-se como sanção aos estupradores a mutilação,
destarte todo o homem que empregasse a violência contra a mulher seria castrado, ou
seja, teria seu órgão genital decepado. Já na Grécia, fora imposta, primeiramente, a pena
simples de multa, somente,a posteriori, fora cominada a pena de morte aos infratores. A
rigor, cada cidade, as conhecidas polis, possuía sua própria lei, mas a base da norma era
consuetudinária, isto é, calcada nos usos e costumes (GUSMÃO, 2001).
No direito germânico, para configuração do crime era necessário que a
mulher violada sexualmente fosse virgem, pois se exigia o emprego da violência para
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com a ofendida e não consideravam o delito de estupro aperfeiçoado, se a violência
utilizada fosse em mulher “deflorada”, ou seja, desvirginada (PRADO, 2002).
Já no que tange a civilização romana, assevera Noronha:
Aquele indivíduo que praticasse a violência carnal era punido com a
pena de morte pela “Lex Julia de vi pública”, considerava-se, pois,
crime abominável, porque se tinha mais em vista a violência
empregada do que o fim colimado do agente (NORONHA, 2002, p.
224).
No direito francês, havia distinção entre estupro e rapto violento. O primeiro
consistia em tomar à força a mulher (virgem ou viúva) com o escopo de obter conjunção
carnal, enquanto o outro consistia na subtração violenta de mulheres virgens ou viúvas
com intuito de abusá-las sexualmente (GUSMÃO, 2001).
Denota-se facilmente que na civilização francesa, o elemento que,
realmente, diferenciava os delitos de estupro e rapto,estava na remoção da vítima de um
lugar para o outro. No delito de estupro, não havia a subtração do sujeito passivo de um
determinado local para outro, o que ocorria era o emprego de força por parte do
delinquente contra a vítima com o fito de conjunção carnal. Já no rapto, fazia-se por
imprescindível a condução violenta das donzelas tendo por escopo o abuso sexual das
mesmas.
O tratamento penal ao crime de estupro, portanto, variou no tempo, no
espaço e sofre influência cultural, desde a antiguidade. Os elementos do delito, no
entanto, são os mesmos: ato sexual e violência física ou moral.
2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CRIME DE ESTUPRO NO BRASIL
2.1.1 No Período Colonial
O crime de estupro começou a ter repercussão no Brasil no período colonial,
inaugurado com a chegada dos portugueses em 1500, perdurando desde o
descobrimento do Brasil por Pedro Álvares Cabral até sua independência por D. Pedro I
em 1822. Tendo em vista pertencer durante todo esse período aos lusitanos, o Brasil era
regido por um conjunto de normas jurídicas, sendo que todos os indivíduos que
habitavam em terras brasileiras eram obrigados a cumprir o sistema jurídico português
da época. Tal sistema jurídico era cunhado de Ordenações. Aqueles indivíduos que
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praticassem o delito de estupro eram severamente punidos segundo as ordenações
Afonsinas, Manuelinas e Filipinas, sendo cada uma cominada no seu devido período.
As Ordenações Afonsinas vigeram no Brasil com sua descoberta e
possuíam, como uma de suas principais características, a rigidez com que punia aqueles
indivíduos, que cometessem infrações penais. Confundiam-se a figura do crime com a
do pecado, pois eram inspiradas no direito canônico (PIERANGELI, 2001).
O delito de estupro estava disposto no livro V das Ordenações Afonsinas,
sob o Título VI, como “Da mulher forçada e como se deve a provar a força”
(GUSMÃO, 2001).Alguns rituais tinham que ser atendidos pela mulher, caso viesse a se
queixar de algum homem que a tivesse estuprado. Se ela fosse estuprada, em povoado,
deveria gritar: “vedes que me fazem”, que quer dizer: “vejam o que me fizeram”, indo
por três ruas (GUSMÃO, 2001). A queixa só era válida se assim a fizesse. Todavia, se a
mulher fosse estuprada em local deserto, logo após sofrer o ato criminoso, deveria sair
pelas ruas gritando: “vedes que me fez foam”, que significa, “veja o que me fez,
fulano”, declarando pelo povoado o nome do agente que manteve conjunção carnal com
ela pelo uso da força (GUSMÃO, 2001). Era necessário também que ela estivesse
chorando e que, pelo caminho, ela fosse se queixando às pessoas que encontrasse. Por
fim, ela deveria ir à vila o mais rápido que pudesse; não adentrar em nenhuma casa,
exceto a casa da justiça, local onde a vítima iria descrever o fato ocorrido. Se houvesse
qualquer inobservância dessas obrigações, a queixa não era válida e o preso era logo
posto em liberdade.
Todo homem que forçosamente dormisse com qualquer mulher considerada
honesta, segundo os padrões da época, seria morto e não poderia ser absolvido da pena
em hipótese alguma, mesmo que viesse a contrair matrimônio com a vítima ou gozasse
de apanágio especial, exceto se estivesse nas graças do rei. Aquele que ajudasse ou
desse conselho a outrem para cometer o crime de estupro, era punido de igual forma
(PIERANGELLI, 2001).
As Ordenações Manuelinas foram promulgadas no Brasil no ano de 1521,
por D. Manuel, o Venturoso, em substituição às Ordenações Afonsinas. Tiveram
aplicação no território brasileiro no período das capitanias hereditárias (ALVES, 2007).
Com relação ao delito de estupro, qualquer homem, que de modo forçado
viesse a “dormir” com qualquer mulher, ainda que escrava ou meretriz, deveria pagar a
pena com sua própria vida. Todavia, se a vítima fosse escrava ou prostituta, a pena de
morte só seria aplicada por meio de decreto, e ainda, somente depois que o estuprador
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tomasse ciência do real motivo de sua execução. Assim como nas Ordenações
Afonsinas, nas Ordenações Manuelinas, mesmo que o criminoso casasse com a vítima,
ainda que por vontade da mesma, não seria isento da pena e morreria da mesma forma
(PIERANGELLI, 2001).
Oportuno registrar que, se algum homem constrangesse alguma mulher que
estivesse caminhando pela rua, sem o escopo de obter com a mesma conjunção carnal,
ficaria preso na cadeia por um lapso temporal de 30 dias, e mais, deveria pagar uma
multa para o Meirinho ou Alcaide, ou qualquer pessoa que tivesse o acusado
(GUSMÃO, 2001).
As Ordenações Filipinas foram promulgadas em 1603 por Filipe I, rei de
Portugal, e ficaram na vigência até 1830. Tais Ordenações eram formadas por cinco
livros, sendo o último deles dedicado exclusivamente ao direito penal. O Título VIII do
Livro V abordava os “Crimes de violência com o intuito de satisfazer os prazeres
sexuais” (LARA, 1999).
No Código Phillipino, mais precisamente no livro V, Título XXIII, previa-se
o estupro voluntário de mulher virgem, que acarretava para o sujeito ativo do delito a
obrigação de contrair núpcias com a donzela e, caso fosse inviável o casamento, o
criminoso deveria constituir um dote para a vítima. Contudo, se o estuprador não tivesse
bens, era martirizado e humilhado, exceto se fosse fidalgo ou pessoa de posição social,
hipótese em que somente receberia a pena de degredo (PRADO, 2008).
Para Zaffaroni e Pierangeli (2006), das três Ordenações do Reino, somente
as Filipinas foram efetivamente aplicadas no Brasil, principalmente após a elaboração
do Tribunal de Relação da Bahia, onde realmente se organizou a administração da
justiça.
2.1.2 No Brasil Imperial
No regime político imperial, a primeira classificação do delito de estupro na
legislação brasileira sobreveio com o Código Criminal do Império em 1830, sendo o
diploma penal que passou a substituir as velhas Ordenações do Reino. O legislador
tratou o delito de estupro no capítulo II – Dos crimes contra a segurança da honra,
Seção I – Estupro, art. 222, in verbis:
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Art. 222. Ter cópula carnal por meio de violência, ou ameaças, com
qualquer mulher honesta. Penas – de prisão por três a doze annos, e de
dotar a ofendida. Se a violentada for prostituta. Penas – de prisão por
um mez a dous annos (BRASIL, 1830).
Segundo Luiz Flávio Gomes (2001), o Código Criminal do Império fazia
uma distinção no quantum da pena se a vítima fosse “honesta” ou meretriz, reduzindo a
pena que no caso da honesta, seria de três a doze anos, para um mês a dois anos, no caso
da prostituta.
2.1.3 No Brasil República
No Brasil República, foi instituído o Código Penal da República dos
Estados Unidos do Brasil (Decreto n° 847 de 11 de Outubro de 1890) – Código de 1890,
o qual tratava o crime de estupro em seu Título VIII – Dos crimes contra a segurança da
honra e honestidade das famílias e do ultraje público ao pudor, Capítulo I – Da
violência carnal, arts. 266 a 269, in verbis:
Art. 266. Attentar contra o pudor de pessoa de um, ou de outro sexo,
por meio de violências ou ameaças, com o fim de saciar paixões
lascivas ou por depravação moral. Pena – de prisão cellular por um a
seis annos. Parágrafo único. Na mesma pena incorrerá aquelle que
corromper pessoa de menor idade, praticando com ela ou contra ela ou
contra ella actos de libidinagem.
Art. 267. Deflorar mulher de menor idade, empregando seducção,
engano ou frade: Pena – de prisão cellular por um a quatro annos.
Art. 268. Estuprar mulher virgem ou não, mas honesta. Pena – de
prisão cellular por um a seis annos.
§1°. Si a estuprada for mulher pública ou prostituta: Pena – de prisão
cellular de seis mezes a dous annos.
§2°. Si o crime for praticado com o concurso de duas ou mais pessoas,
a pena será augmentada da quarta parte.
Art. 269. Chama-se estupro o acto pelo qual o homem abusa com
violência de uma mulher, seja virgem ou não. Por violência entende-se
não só o emprego da força physica, como o de meios que privarem a
mulher de suas faculdades physicas, e assim da possibilidade de
resistir e defender-se, como sejam o hypnotismo, o chloroformio, o
ether, e em geral os anesthesicos e narcóticos (BRASIL, 1890).
O aludido código penal abordava o crime de estupro de forma genérica, uma
vez que abarcava delitos como defloramento e a sedução de donzela. Entendia-se por
violência, o uso da força física e todos os outros meios que pudessem privar a ofendida
de suas faculdades psíquicas, e dessa forma, cessar qualquer possibilidade de resistência
e/ou defesa da vítima (PIERANGELI, 2001).
15
2.1.4 No período Contemporâneo
No código penal brasileiro de 1940 (código vigente), o delito de estupro está
insculpido no Título VI – Dos crimes contra a dignidade sexual, Capítulo I – Dos
crimes contra a liberdade sexual, sendo disposto no art. 213, in verbis:
Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a
ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique
outro ato libidinoso.
Pena – reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.
§1° - Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a
vítima é menor de 18 anos (dezoito) anos ou maior de 14 (quatorze)
anos:
Pena – reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos.
§2° - Se da conduta resulta morte:
Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos (BRASIL, 2014).
O código penal de 1940 foi criado pelo então Presidente Getúlio Vargas,
durante o período do Estado Novo. Consoante se pode denotar do que já fora exposto, o
atual código penal é o terceiro da história do Brasil, sendo os anteriores os de 1830 e
1890, respectivamente, Código Penal do Império e Código Penal da República dos
Estados Unidos.
16
3 O ESTUPRO À LUZ DA LEI N° 12.015/2009
Com a superveniência da Lei n° 12.015/09, alterou-se o Título VI da Parte
Especial do Código Penal, substituindo a expressão “Dos crimes contra os costumes”
pela “Dos crimes contra a dignidade sexual”, ou seja, buscou-se tutelar a dignidade
sexual diretamente atrelada à liberdade e ao direito de escolha de parceiros. O fato é que
a expressão “Dos crimes contra os costumes” não mais traduzia a realidade dos bens
jurídicos que se buscava tutelar (BITENCOURT, 2012).
Antecedentemente à reforma dada ao Título VI da parte especial do código
penal, Nucci tecia o seguinte comentário:
O código penal está a merecer, nesse contexto, reforma urgente,
compreendendo-se a realidade do mundo moderno, sem que isso
represente atentado à moralidade ou à ética, mesmo porque tais
conceitos são mutáveis e acompanham a evolução social. Na
atualidade, é difícil negar que há liberação saudável da sexualidade e
não pode o legislador ficar cego ao mundo real (NUCCI, 2008, p.
874).
A sociedade moderna, com novos valores sociais e constitucionais exige que
se atribua tratamento isonômico entre homens e mulheres, especialmente no que tange à
lei, o que revela que os dispositivos veem inspirados em fatos valorados (REALE,
2003).
Impende trazer à colação que a mudança ocorrida converge ao princípio da
dignidade da pessoa humana, explícito no art.1°, III da Constituição da República
Federativa do Brasil, implicando em uma mudança de enfoque no que atine à
objetividade jurídica, na exata medida em que a lei aborda crimes atentatórios contra a
dignidade sexual, em detrimento dos costumes sexuais (JESUS, 2010).
3.1 BEM JURÍDICO PROTEGIDO
O bem jurídico tutelado pela norma penal incriminadora do art.213, com a
redação determinada pela Lei n° 12.015/09, é a liberdade sexual da mulher e do homem,
isto é, o direito que ambos tem de eleger livremente seus parceiros sexuais. Não se pode
admitir que alguém seja forçado a ter conjunção carnal ou praticar ato libidinoso ou
permitir que com ele se pratique (BITENCOURT, 2012).
Diante do que fora exposto, Nucci assevera:
17
Há muito vínhamos sustentado à inadequação da anterior
nomenclatura (“dos crimes contra o costume”), lastreada em
antiquados modelos de observação comportamental da sexualidade na
sociedade em geral. Afinal, os costumes representavam a visão
vetusta dos hábitos medianos e até puritanos da moral vigente, sob o
ângulo da generalidade das pessoas. Inexistia qualquer critério para o
estabelecimento de parâmetros comuns e dominadores abrangentes
para nortear o foco dos costumes na sociedade brasileira. Aliás, em
pior situação se encontrava o travamento da questão sob o enfoque
evolutivo, pois os tais costumes não apresentavam mecanismos
propícios para acompanhar o desenvolvimento dos padrões
comportamentais da juventude e nem mesmo para encontrar apoio e
harmonia no também evoluído conceito, em matéria sexual, dos
adultos na sexualidade. A disciplina sexual e o mínimo ético exigido
por muito à época da edição do Código Penal, nos idos de 1940, não
mais se compatibilizam com a liberdade de ser, agir e pensar,
garantida pela Constituição Federal de 1988. O legislador brasileiro
deve preocupar-se (e ocupar-se) com as condutas efetivamente
desastrosas para a sociedade, no campo da liberdade sexual, deixando
de lado as filigranas penais, obviamente inócuas, ligadas a tempos
pretéritos e esquecidos (grifo do autor) (NUCCI, 2009, p. 11-12).
Com a nova redação estabelecida pela lei n° 12.015/09 ao crime de estupro,
tem-se por escopo resguardar a inviolabilidade da liberdade e intimidade sexual, ou seja,
a objetividade jurídica da recente norma é resguardar a liberdade sexual do ser humano,
quer seja do sexo masculino, quer seja do sexo feminino. Consoante se denota a
preocupação do legislador ao atribuir nova redação ao referido delito foi proteger a
dignidade sexual individual, de homem e mulher, indistintamente, calcada na liberdade
sexual e no direito de escolha (DELMANTO, 2010).
3.2 NOVA REDAÇÃO DO DELITO DE ESTUPRO (ART.213, CP)
Após a entrada em vigor da lei 12.015/09, houve duas mudanças
significativas no que tange ao crime de estupro, a primeira foi a unificação do crime de
estupro com o crime de atentado violento ao pudor, sendo que este perdeu sua
autonomia tipológica, ou seja, não mais subsiste o artigo do crime de atentado violento
ao pudor, disposto no revogado art.214 do Código Penal, sendo assim, passou a existir
uma figura penal unificada com a definição dada ao art.213 do Código Penal, in verbis:
Art.213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a
ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique
outro ato libidinoso:
Pena – reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos (BRASIL, 2014).
18
O legislador brasileiro, com esta junção dos dois delitos, promoveu uma
incriminação unificada das condutas praticadas com violência ou grave ameaça contra a
liberdade sexual. O dispositivo legal passa a compreender os coitos por via vaginal, isto
é, conjunção carnal, anal e oral que compreendem outros atos libidinosos, praticados
sem o consentimento da vítima que podem ser sintetizados em atos de violação da
integridade sexual de outrem (LEAL, 2009). No que tange a união das duas infrações
penais, salienta Bitencourt:
Considerando-se que o legislador unificou os crimes de estupro e
atentado violento ao pudor, poderia ter aproveitado para substituir as
expressões que identificam as figuras anteriores – conjunção carnal
(estupro) e ato libidinoso diverso de conjunção carnal – por “relações
sexuais”, uma expressão mais abrangente, capaz de englobar os dois
vocábulos anteriores. O vocábulo relações sexuais, além da dita
cópula vagínica, abrange também, na linguagem clássica, as relações
sexuais anormais, tais como o coito anal ou oral, o uso de
instrumentos roliços ou dos dedos para penetração no órgão sexual
feminino, ou a cópula vestibular em que não há penetração [...]
(BITENCOURT, 2012, p. 53).
A junção dos dois crimes não promoveu abolitio criminis, com relação à
infração de atentado violento ao pudor, tendo em vista que as ações que antes
configuravam crime de atentado violento ao pudor, então revogado pela lei n°
12.015/09, passaram a incorporar o delito de estupro (CAPEZ, 2010).
Segundo Nucci (2009), não houve uma revogação do art. 214 do Código
Penal Brasileiro como forma de abolitio criminis (extinção do delito), mas sim uma
novatio legis, provocando-se a integração de dois delitos em uma única figura penal, o
que é possível, dada a similaridade.
Antes da chegada da lei n° 12.015/09, o delito de estupro diferenciava-se do
atentado violento ao pudor pelo ato sexual visado e também em relação ao sujeito
passivo (QUEZADO, 2010). No estupro, tinha-se como elementar necessária a
conjunção carnal, que, segundo Nelson Hungria (1947, p. 107) “entende-se como a
conjunção sexual, isto é, a cópula secundum naturam, o ajuntamento do órgão genital
do homem com o da mulher, a intromissão do pênis na cavidade vaginal”. Flamínio
Fávero (1962, p. 214) conceitua conjunção carnal como a cópula vaginal, “em que há
introdução do membro viril em ereção, na cavidade vaginal feminina, com ou sem
ejaculação”. Destarte, a doutrina e jurisprudência pátrias, entendiam que apenas o
homem, com exceção dos casos em que a mulher aparecesse como coautora ou
19
partícipe, poderia praticar o antigo crime de estupro, desta feita, somente ele poderia
constranger a mulher a realizar o ato da conjunção carnal (QUEZADO, 2010).
Já no delito de atentado violento ao pudor, tinha-se uma elementar mais
ampla, que era o cometimento de atos libidinosos. Segundo Franz Von Liszt (2003, p.
108), atos libidinosos são aqueles “análogos à cópula, isso é, os que tendem à satisfação
do instinto sexual de um modo análogo ao coito”, hipótese em que se incluiria, também,
o sujeito do sexo masculino como possível vítima, uma vez que se mostra passível de
ser vítima de atos libidinosos contra o seu consentimento. De antemão, faz-se por
oportuno trazer à tona, o conceito de ato libidinoso, segundo Nucci:
Ato libidinoso é o ato voluptuoso, lascivo, que tem por finalidade
satisfazer o prazer sexual, tais como o sexo anal ou oral, o toque em
partes íntimas, a masturbação, o beijo lascivo, a introdução na vagina
dos dedos ou de outros objetos, dentre outros. Quanto ao beijo,
excluem-se os castos, furtivos ou brevíssimos, tais como os dados na
face ou rapidamente nos lábios (“selinho”). Incluem-se os beijos
voluptuosos, com “longa e intensa descarga de libido” [...] (NUCCI,
2014, p. 218).
Outra sensível mudança, por ocasião do surgimento da Lei n° 12.015/09, foi
a inserção do vocábulo “alguém” em substituição ao termo “mulher” no polo passivo do
delito de estupro. O legislador, buscando dar proteção à dignidade sexual do maior
número de pessoas, utiliza termo genérico para definir quem pode ser vítima do novo
crime de estupro. Agora não só a mulher poderá figurar como vítima do crime, como
também o indivíduo do sexo masculino poderá sofrer as consequências do ato delituoso
(QUEZADO, 2010).
De outra banda, visto que tanto o homem como a mulher poderá compor o
polo passivo do referido crime, a Lei n° 12.015/09, por consequência, veio trazer
também a possibilidade da mulher ser sujeito ativo do estupro, talvez a maior inovação
trazida com o advento da lei, uma vez que sepultou aquela possibilidade que somente o
indivíduo do sexo masculino poderia incorrer no estupro. O crime deixou de ser próprio
e passou a ser comum, pois tanto o homem como a mulher poderá figurar no polo ativo
do delito.
3.3 TIPO OBJETIVO
20
A conduta consiste em constranger alguém, mediante violência ou grave
ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro
ato libidinoso.
A ação nuclear do estupro consiste no verbo constranger, que significa
“impelir”, “forçar”, “obrigar”, “tolher a liberdade” (NUCCI, 2014). Para que exista o
constrangimento é necessário que haja o dissenso por parte da vítima, ou seja, é
imprescindível a não concordância do sujeito passivo. É necessário que a falta de
consentimento do (a) ofendido (a) seja sincera, positiva, atual e perdure durante toda a
conduta; que a resistência seja inequívoca, demonstrando a vontade de evitar o ato
desejado pelo agente (JESUS, 2010), não se exigindo da vítima, no entanto, o
exaurimento de suas forças, nem que ponha em risco a própria vida a fim de evitar a
conduta delitiva.
Tal constrangimento pode-se dar mediante violência (coação física, vis
corporalis) ou grave ameaça (violência psicológica, vis compulsiva, pelo qual o lesado
sente-se impossibilitado de resistir ao constrangimento sexual imposto) (DELGADO,
2009, online). Chrysolito de Gusmão (2001) definiu a ameaça dizendo que ela exerce na
vítima atingida o poder de inibição da vontade, ou seja, de uma faculdade psíquica
precípua, produzindo-se o pavor, o temor angustiante, uma ação mental compressora e
absorvente que tolhe a volição e a possibilidade de defesa. Corroborando, Bitencourt
(2012, p. 12) aduz que “a violência moral pode materializar-se em gestos, palavras, atos,
escritos ou qualquer ato simbólico”.
A vítima será, assim, compelida à conjunção carnal, ou seja, à cópula
normal, introdução completa ou incompleta do pênis na vagina, ou a praticar ou permitir
que com ela se pratique outro ato libidinoso. Na última hipótese, a vítima tem uma
postura passiva, uma vez que é coagida a permitir que o agente do constrangimento ou
terceiro pratique com ela um ato libidinoso. Destarte, o papel da vítima pode ser ativo,
passivo, ou, ainda, simultaneamente, ativo e passivo (DELGADO, 2009, online).
Consoante Rogério Greco (2011) trata-se de um crime de ação múltipla ou
tipo penal misto alternativo, em que a prática de mais de uma conduta, levada a efeito
em um mesmo contexto fático, importa em infração penal única, eximindo a
possibilidade de concurso material de infrações.
Em contraposição a esta corrente doutrinária, Mirabete e Fabbrini (2010)
assevera que o art.213 descreve um tipo penal misto cumulativo, punindo, com as
mesmas penas, duas condutas distintas, a de constrangimento à conjunção carnal e a de
21
constrangimento a ato libidinoso diverso. A utilização, no caso, de um único núcleo
verbal (constranger) advém da técnica legislativa, resultando da concisão propiciada
pelo conteúdo das duas figuras típicas. A prática de uma ou outra conduta configura o
delito estupro e a realização de ambas enseja a possibilidade do concurso de delitos.
Trata-se de crimes distintos, embora da mesma espécie, punidos num único dispositivo
(MIRABETE; FABBRINI, 2010).
Essa dicotomia parece superada na medida em que se visualiza no tipo penal
um só verbo – constranger -; o que remete a tipo penal simples, embora a conduta possa
ser praticada em modalidades diferentes. Nesse sentido, Cleber Masson (2011) entende
que no art.213, caput, do Código Penal subsiste apenas um núcleo: “constranger” que se
relaciona aos atos de “ter conjunção carnal” e “praticar ou permitir que com ele se
pratique outro ato libidinoso”. Destarte, se há somente um núcleo o tipo penal é simples,
e não misto.
3.4. TIPO SUBJETIVO
O elemento subjetivo do crime de estupro é o dolo genérico, que consiste na
vontade de obter a conjunção carnal ou o outro ato libidinoso (DELGADO, 2009,
online). Não há necessidade de que o sujeito ativo atue com a finalidade especial de
saciar sua lascívia, de satisfazer sua libido. O dolo consiste na vontade, no animus do
agente de constranger a vítima à prática da conjunção carnal ou a praticar ou permitir
que com ela se pratique outro ato libidinoso, pouco importando a motivação. Se o
criminoso agiu com a finalidade de humilhar ou mesmo vingar-se da vítima, tal fato não
faz nenhuma relevância para efeitos de configuração do crime, devendo ser ponderado,
todavia, no momento da cominação da pena (GRECO, 2011).
Para Nucci, há, também, a presença do elemento subjetivo do tipo
específico, consistente na finalidade de obter a conjunção carnal ou outro ato libidinoso,
satisfazendo a lascívia:
Embora exista a possibilidade de o estupro dar-se como forma de
vingança – ou mesmo para humilhar e constranger moralmente a
vítima – tal situação em nosso entender não elimina o elemento
subjetivo específico de satisfação da lascívia, até porque, nestas
situações, encontra-se a satisfação mórbida do prazer sexual,
incorporada pelo desejo de vingança ou outros sentimentos correlatos.
Estímulos sexuais pervertidos podem levar alguém se valer dessa
22
forma de crime para ferir a vítima, inexistindo incompatibilidade entre
tal desiderato e a finalidade lasciva do delito do art.213. Acrescentase, ainda, que somente os sexualmente pervertidos utilizam esse meio
para a vingança (NUCCI, 2014, p. 218).
Nesse diapasão, Capez entende que o elemento subjetivo específico (dolo
específico) está insculpido no próprio conceito de ato libidinoso, como aduz:
Entendemos que o tipo penal não requer finalidade específica, contudo
é necessária a satisfação da lascívia. Não se trata de finalidade
especial, percebida pelo agente, já que esta não é exigida pelo tipo,
mas de realização de uma tendência interna transcendente, vinculada à
vontade de realização do verbo do tipo (CAPEZ, 2010).
Quando o agente delitivo constrange à vítima com a finalidade de, com ela,
ter a conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ela se pratique outro ato
libidinoso, o mesmo já está satisfazendo sua libido, saciando seu desejo sexual.
Outro ponto relevante que deve ser trazido a conhecimento, é que no delito
de estupro não se admite a modalidade culposa, por ausência de disposição legal
expressa nesse sentido. Destarte, se um determinado indivíduo der causa ao resultado
por imprudência, negligência ou imperícia, não poderá ser responsabilizado pelo delito
em estudo (GRECO, 2011).
3.5 CONSUMAÇÃO E TENTATIVA
O delito de estupro se consuma com a conjunção carnal ou com a prática do
outro ato libidinoso (MIRABETE; FABBRINI, 2010). Na modalidade conjunção
carnal, o delito se aperfeiçoa com a penetração parcial ou total do pênis na vagina da
mulher, não sendo necessário o orgasmo ou ejaculação (QUEZADO, 2010). Já no que
tange a prática de outro ato libidinoso, o delito se consuma no momento em que o
agente, empós à prática do constrangimento levado a efeito mediante violência ou grave
ameaça, força a vítima a praticar ou permitir que com ela se pratique outro ato
libidinoso diverso da conjunção carnal (GRECO, 2011).
Por se tratar o estupro um crime plurissubsistente, a tentativa é plenamente
possível (GRECO, 2011). A tentativa é possível em relação a ambas as formas de
conduta. Logicamente, se empregada à violência ou exteriorizada a ameaça, o agente é
obstado de continuar, frustrando-se, de todo o momento libidinoso, o que se pode
reconhecer é a tentativa. Havendo constrangimento para a prática da conjunção carnal
23
ou de outro ato libidinoso, não obtida por circunstâncias alheias à vontade do agente, há
tentativa de estupro (MIRABETE; FABBRINI, 2010).
Conforme Bitencourt (2012), o delito de estupro se caracteriza na forma
tentada, quando o agente, iniciando a execução, é interrompido pela reação eficaz da
vítima, mesmo que não tenha chegado a haver contatos íntimos. No estupro, como
delito complexo, que é a primeira ação (violência ou grave ameaça), constitui início de
execução, uma vez que está dentro do próprio tipo penal, como sua elementar. Sendo
assim, para a ocorrência da tentativa basta que o agente tenha ameaçado gravemente a
vítima com o fim inequívoco de constrangê-la à prática da conjunção carnal ou outro ato
libidinoso diverso da conjunção carnal (BITENCOURT, 2012).
3.6 CLASSIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA
Trata-se de crime comum (não exige qualquer qualidade especial do sujeito
ativo, que agora tanto pode ser homem ou mulher, indistintamente, da mesma forma no
polo
passivo,
ambos
poderão
sofrer
as
consequências
do
ato
delituoso)
(BITENCOURT, 2012), ressalvando-se que se a modalidade for conjunção carnal, os
órgãos sexuais deverão ser distintos, independente da orientação sexual dos envolvidos;
material (crime que exige resultado naturalístico, consistente no efetivo tolhimento da
liberdade sexual da vítima) (NUCCI, 2014); doloso (o agente deverá agir com o animus
de constranger a vítima à prática da conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com
ela se pratique outro ato libidinoso, não há previsão de modalidade culposa); de forma
vinculada (quando a conduta do agente for dirigida à prática da conjunção carnal), e de
forma livre (quando o comportamento disser respeito à prática de outros atos
libidinosos) (GRECO, 2011); comissivo (o verbo nuclear “constranger” implica em
ação, excepcionalmente, poderá ser praticado via omissão imprópria, na hipótese do
agente gozar do status de garantidor) (NUCCI, 2014); instantâneo (a consumação não
se longa no tempo, configurando-se em momento determinado) (BITENCOURT, 2012);
unissubjetivo ou monossubjetivo (pode ser praticado por uma única pessoa) (NUCCI,
2014); plurissubsistente (a conduta pode ser desdobrada em vários atos, dependendo do
caso concreto) (BITENCOURT, 2012); não transeunte (dependendo da forma como é
praticado, o delito poderá deixar vestígios) (GRECO, 2011).
24
4 A MULHER COMO SUJEITO ATIVO DO CRIME DE ESTUPRO
Se teoricamente a lei possibilita a responsabilidade penal da mulher como
autora do crime de estupro, tal ocorrência, na prática, é rara, incomum e quando ocorre,
permanece na clandestinidade, ou seja, dificilmente um homem depois de ocorrido o
fato delituoso chegaria à autoridade competente para notificar o crime acontecido, uma
vez que há sentimento de vergonha em comunicar tais agressões (LEAL, 2009).
O estupro de homem é, sem dúvidas, uma nova realidade jurídica, que se
adequou ao Princípio Constitucional da Isonomia, na medida em que homens e
mulheres são iguais em direitos e obrigações. De fato, no mundo contemporâneo, era
inconcebível que só a mulher tivesse sua liberdade sexual protegida no delito de
estupro, com isso, o legislador buscou tutelar a liberdade sexual tanto da mulher como
do homem (DELGADO, 2009).
Maximiliano Führer (2009), sobre a possibilidade de a mulher incorrer no
estupro, afirma que ao aproveitar o modelo espanhol, a lei passou a incriminar também
o constrangimento do homem ao coito vagínico e conclui que, embora a hipótese seja
raríssima na prática, ela é possível na teoria. Beni Carvalho (1943) sustenta a
possibilidade do estupro perpetrado por uma mulher em face de um homem,
desenvolvendo esta o papel ativo através do clitóris hipertrófico, bem como a
caracterização do estupro, quando ocorrer a conjunção sexual através de agentes
mecânicos ou artificiais.
João Mestieri (1982), em obra clássica sobre o tema, entende ser impossível
a figuração de um indivíduo do sexo masculino como sujeito passivo do delito de
estupro, devido à sua superioridade física quando comparado à mulher. Tal ideia é
superada na doutrina.
Na ótica de Rogério Greco (2011), se uma determinada mulher apaixonada
quer ter relações sexuais com um homem e não a obtém pelas “vias normais”, emprega,
então, a ameaça com uso de arma de fogo para obrigá-lo a praticar o ato sexual, comete
o delito do art.213 do estatuto repressivo.
O fato é que por mais que seja improvável a prática do crime de estupro por
parte de uma mulher em um indivíduo do sexo masculino, a Lei n° 12.015/09 trouxe a
possibilidade de enquadramento da mulher no polo ativo do delito, destarte, não se pode
eximir tal prática delituosa perpetrada pela mulher-autora.
25
Para Nucci et al (2010), antes do advento da Lei n° 12.015/09, se uma
determinada mulher obrigasse um indivíduo do sexo masculino a praticar com ela
conjunção carnal, estaria incorrendo no delito de constrangimento ilegal (art.146). Já
Hungria, Lacerda e Fragoso (1981) defendiam a tipificação da referida ação como
atentado violento ao pudor (art.214).
Tendo em vista a possibilidade de a mulher ser autora do estupro e o homem
vítima, necessário se faz expor as três hipóteses em que este poderá figurar como sujeito
passivo: 1ª) ser constrangido a manter conjunção carnal, obviamente, com uma mulher,
que pode ser tanto a autora como outra; 2ª) ser compelido à prática de atos libidinosos
com uma mulher (autora ou outra) ou com outro homem; 3ª) ser forçado por mulher a
praticar ato libidinoso em si, como a automasturbação (GRECO, 2011). Há de registrar
também a possibilidade de a mulher ser sujeito ativo em concurso com o homem ou
com outra mulher, a primeira sendo responsável pela elementar grave ameaça, forçando
a vítima a realizar ato libidinoso em outro homem como também, fazendo com que a
vítima se permita à prática de tais atos por parte deste homem, ou realizar conjunção
carnal com outra mulher, nesse caso, essa segunda pessoa estaria no papel de coautor
(QUEZADO, 2010).
4.1 MEIOS EXECUTÓRIOS DO CRIME DE ESTUPRO PRATICADO PELA
MULHER NA MODALIDADE CONJUNÇÃO CARNAL
Existem meios executórios utilizados pela criminosa para lograr êxito na
execução do crime de estupro na modalidade conjunção carnal?
Para responder a esta indagação, faz-se oportuno buscar ensinamentos na
Medicina, mais precisamente no ramo da Urologia para saber se um homem consegue
ter ereção mediante coação física ou psíquica, para realizar a intromissão do pênis na
vagina e o delito se aperfeiçoar na modalidade conjunção carnal.
Em pesquisa aprofundada na área da Urologia sobre esse assunto, pode-se
denotar que subsistem algumas formas de uma mulher praticar o delito de estupro
contra um indivíduo do sexo masculino na forma conjunção carnal, fazendo com que o
homem obtenha a ereção peniana mediante violência ou grave ameaça e por
consequência venha a ocorrer a cópula vaginal.
O forçamento do homem ao uso de medicamentos que estimulem a ereção
de seu membro viril. Tom Lue (1994) elenca uma lista de agentes que induzem a ereção
26
peniana, são eles: polipeptídio intestinal vasoativo, fentolamina, papaverina,
nitroglicerina, timoxamina, imipramina, verapamil, fenoxibenzamina, prostaglandina e
citrato de sildenafila (viagra). Além de a autora constranger o sujeito, empregando
violência ou grave ameaça a ter o ato sexual, ela ainda força o homem a digerir
medicamentos para evitar qualquer flacidez de seu órgão genital.
Nucci, a respeito da possibilidade da mulher praticar o estupro na
modalidade conjunção carnal, compelindo o homem-vítima a digerir medicamentos que
induzem a ereção masculina, traz os seguintes ensinamentos:
É importante ressaltar que a cópula pênis-vagina, caracterizadora da
conjunção carnal, demanda apenas a existência de homem e mulher,
mas pouco interessa que é o sujeito ativo e o passivo. A mulher que,
mediante ameaça, obrigue o homem a com ela ter conjunção carnal
comete o crime de estupro. O fato de ela ser o sujeito ativo não
eliminou o fato, vale dizer, a concreta existência de uma conjunção
carnal (cópula pênis-vagina). Há os que duvidam dessa situação,
alegando ser impossível que a mulher constranja o homem à
conjunção carnal. Abstraída a posição nitidamente machista, em
outros países, que há muito convivem com o estupro da forma como
hoje temos no Código Penal, existem vários registros a esse respeito.
Alguns chegam a mencionar ser crime impossível, pois, se o homem
for ameaçado, não seria capaz de obter a ereção necessária para a
conjunção carnal. Ora, há vários tipos de ameaça grave, não
necessariamente exercida com empregos de armas no local do delito.
Ademais, existem inúmeros medicamentos dispostos a fomentar a
ereção masculina na atualidade. E, por derradeiro, quem está
ameaçado pode, perfeitamente, fazer valer a sua lascívia, que depende
unicamente de comando mental. No mais, ainda que se possa dizer
rara a hipótese, está bem distante de ser impossível [...] (NUCCI,
2014, p. 215).
A asfixia mecânica nas modalidades de enforcamento e estrangulamento.
Aponta Croce (2010) que uma das consequências de tais atos é a turgescência peniana
ou ereção e, em alguns casos, a ocorrência de ejaculação. Hélio Gomes (1997, p. 506),
corroborando prima que “certos enforcados ejaculam ou apresentam o pênis em estado
de ereção, o que não importa em afirmar que o orgasmo tenha ocorrido”, conclui que
esse fenômeno é reflexo.
Com isso, pode-se asseverar que ereção e ejaculação não estão,
necessariamente, ligadas ao prazer. Mesmo em situações de tensão, com alta carga de
medo, é possível ao homem obtê-la (GOMES, 1997).
A asfixia mecânica por enforcamento ou estrangulamento é, portanto, uma
forma “anormal” de a mulher conseguir a ereção peniana na vítima e poder realizar a
27
conjunção carnal, uma vez que o sujeito poderá vir a óbito em decorrência da conduta.
Nesse “modus operandi”, a autora poderá atuar em concurso com outro homem, ficando
este responsável pela prática do enforcamento ou do estrangulamento, caso em que a
autora apenas aproveitará a ocasião para realizar a cópula vagínica. O terceiro ficará no
papel de coautor, já que a autora foi quem constrangeu o indivíduo mediante coação
psíquica a ter com ela conjunção carnal.
Outro meio executório empregado pela criminosa está no fato de o homemvítima ter que buscar estímulo a qualquer custo para obter a ereção peniana necessária
para a concretização da conjunção carnal. Se a vítima buscar ânimo e vir a obter ereção
não estará consentindo para a prática do ato sexual?
Imagine-se a hipótese de a vítima, sob grave ameaça, ter que encontrar
estímulo e chegar à ereção peniana para satisfazer a estupradora, que o obriga a com ela
ter conjunção carnal. Nesse caso, o fato de o sujeito passivo do crime ter buscado
estímulo para viabilizar o ato sexual não importa em consentimento, a desconfigurar o
delito, mas na única saída para não sofrer violência ou mal injusto e grave. Percebe-se
que, mesmo com a ereção, o ato sexual não era pretendido pela vítima, daí resultando
em lesão ao bem jurídico especificamente tutelado: a liberdade sexual.
4.2 DISFUNÇÃO ERÉTIL, CRIME IMPOSSÍVEL E TENTATIVA
Disfunção erétil, cunhada vulgarmente de impotência sexual, pode ser
conceituada como a incapacidade persistente de o indivíduo do sexo masculino atingir
e/ou manter a ereção suficiente para realização dos atos de penetração sexual: conjunção
carnal ou coito anal (LUE; SMITH, 1994).
Se o fim colimado da mulher-autora era a conjunção carnal ou mesmo o
sexo anal, em que exigem um membro viril para que se leve a efeito a penetração, sendo
a vítima portadora dessa deficiência sexual, estar-se-á diante de uma hipótese de crime
impossível (art.17, CP), haja vista a ineficácia absoluta do meio.
Essa situação não se confunde com a forma tentada, na hipótese de a ereção
da vítima sã (não portadora de disfunção erétil) não ocorrer por motivos alheios à
vontade da mulher-autora, depois de empregado o constrangimento mediante violência
ou grave ameaça.
Faz-se mister pontuar que se o homem-vítima possuir a referida deficiência
sexual, e, mediante constrangimento da criminosa, vier a praticar ato libidinoso diverso
28
da conjunção carnal e do sexo anal na própria, o crime de estupro estará perfeitamente
consumado.
4.3 A GRAVIDEZ COMO CAUSA DE AUMENTO DE PENA NA HIPÓTESE DO
ESTUPRO SER PRATICADO POR MULHER
Tendo em vista a possibilidade de a mulher ser sujeito ativo do crime de
estupro, não será somente na condição de vítima que a mesma poderá engravidar em
razão da conjunção carnal realizada mediante constrangimento. Agora, também a
própria criminosa que constrange o homem à prática da conjunção carnal pode vir a
engravidar em virtude de sua própria conduta ilícita (CABETTE, 2009).
O art. 234-A, III do CP prevê o aumento da pena de metade “se do crime
resultar gravidez”. Não resta dúvida quanto à aplicação do aumento de pena quando a
gestante é a vítima do delito, tendo em vista que além de sofrer a prática delituosa tem
que arcar com mais um ônus resultante do crime: o dilema entre levar adiante a gravidez
ou realizar um aborto legal, nos termos do art. 128, II do CP (COSTA, 2014).
Consoante aduz Cabette (2009, p. 02) “Tal carga física e emocional imposta à vítima
como resultado do crime obviamente justifica a exacerbação da reprimenda face ao
considerável incremento do ‘desvalor do resultado’”.
Todavia, indagações podem advir de casos em que a autora do delito de
estupro é mulher e esta vem a engravidar em decorrência do coito obtido (conjunção
carnal) mediante o emprego de violência ou grave ameaça. A pergunta que vem a tona
é: nessas situações, seria também aplicável a causa de aumento de pena da gravidez,
tendo em vista que agora a grávida é a própria autora do crime?
Para que se tenha uma solução dessa problemática, deve o “desvalor do
resultado” ser aferido não com relação às consequências oriundas da gravidez da mulher
estupradora, mas sim com referência ao homem vitimado pela conduta delitiva
(COSTA, 2014). Nesse passo, entende-se restar intacto a motivação da exasperação
penal em razão do incremento do “desvalor do resultado”. Tal fato ocorre porque o
homem vitimado também sofrerá sérios prejuízos com a superveniência de uma
gravidez indesejada advinda de uma relação sexual violenta. A situação pode afetar o
homem-vítima em seu aspecto financeiro-patrimonial (problemas de sucessão
hereditária, pensão alimentícia, despesas com a criação de um rebento, alimentos
gravídicos), como também afetivo-emocional (questão da convivência com a criança e a
29
mãe criminosa; conflitos com a família do homem vitimado, relativos à sua esposa e
outros filhos advindos de relações legais) (CABETTE, 2009). De certo, a gravidez
proveniente do estupro cometido pela mulher contra o homem pode trazer
consequências devastadoras na vida pessoal deste e, em certas situações, pode até
mesmo ser um dos fins da prática criminosa.
Segundo Greco (2001, p. 499) “Pode ocorrer que uma mulher, além da
finalidade de satisfazer seus desejos sexuais com a vítima, queira também, como se diz
no jargão popular, aplicar o ‘golpe da barriga’”. Destarte, pode-se vislumbrar a seguinte
situação hipotética: uma mulher coage um homem bem sucedido profissionalmente,
detentor de um patrimônio invejável à pratica da conjunção carnal, almejando
exatamente a prenhez para poder se valer da maternidade de um herdeiro abastado e
usufruir dos recursos provenientes de uma robusta pensão alimentícia (CABETTE,
2009). Deve-se salientar que, mesmo que a gravidez constitua em algo não desejado
pela autora do delito, isso não irá eximir sua responsabilidade pela conduta delitiva e
seus resultados na medida em que atingem mais intensamente a vítima, a qual deverá
arcar com o ônus paternal.
É inquestionável que a conduta da mulher também virá a atingir os
interesses da futura criança, a qual certamente sofrerá danos psicológicos e afetivos ao
saber que foi originada de ato criminoso e não de uma relação sexual normal (COSTA,
2014, online). Todas essas questões não podem passar por despercebidas no incremento
do “desvalor do resultado” a indicar a justiça de uma exasperação punitiva endereçada a
mulher infratora (CABETTE, 2009), inclusive a possibilidade de afastamento do poder
familiar e colocação da criança em família substituta.
Sendo assim, conclui-se que a causa de aumento de pena da gravidez,
amparada no art. 234-A, III do estatuto repressivo, pode e deve ser aplicada também nas
situações em que a gestante não é vítima do crime de estupro, mas sua autora.
4.4 ABORTO SENTIMENTAL
No que tange ao aborto, no Brasil vigora o “Sistema Proibitivo Relativo”
bastante severo no qual a prática do abortamento é crime e somente em duas hipóteses
peculiares há a possibilidade do aborto legal. Essas hipóteses estão insculpidas no art.
128, I e II do CP, sendo a primeira chamada aborto necessário ou terapêutico e a
segunda denominada aborto sentimental (CABETTE, 2009).
30
O aborto necessário ou terapêutico (art. 128, I, CP) ocorre quando o médico
é obrigado a optar pelo salvamento de umas das vidas em jogo na situação concreta em
detrimento da outra, pois se norteando pelo critério do menor dano possível, opta-se
pela vida da gestante, o que também não vem a desvalorizar ou desprezar aquela vida
intrauterina (CABETTE, 2009), ou seja, cabe ao médico decidir sobre a necessidade do
aborto a fim de ser preservado o bem jurídico que a lei considera mais importante (a
vida da mãe) em prejuízo do bem menor (a vida do feto) (MIRABETE; FABBRINI,
2010).
Já o aborto sentimental (art. 128, II, CP) também cunhado de humanitário,
piedoso ou ético é aquele licitamente provocado por médico em mulher que tenha sido
vítima de estupro, após a aquiescência expressa da gestante, ou, quando incapaz esta,
por seu representante legal. Para Jiménez De Asúa (1997, p. 324), essa espécie de
aborto “significa o reconhecimento claro do direito da mulher a uma maternidade
consciente”.
A respeito da legitimidade do aborto sentimental, Guilherme de Souza
Nucci (2014) dispõe que nenhum direito é absoluto, nem mesmo o direito à vida, e por
tal motivo é perfeitamente possível a prática abortiva em circunstâncias excepcionais
para preservação da vida digna da gestante.
O aborto piedoso é uma figura criada pelo legislador para a proteção da
integridade psicofísica da mulher violentada sexualmente, valor esse oriundo do
princípio da dignidade da pessoa humana, considerando que a mulher não deve ficar
obrigada a cuidar de uma criança advinda de uma relação sexual violenta, indesejada,
além de se tornar refém dos riscos de problemas de saúde mental, hereditários que
podem se manifestar no bambino (MIRABETE; FABBRINI, 2010).
A verdadeira justificativa para legitimar a prática abortiva quando a mulhervítima engravida em decorrência do ato criminoso, calca-se no fato de que todo ser
humano deve ser respeitado em sua existência, por sua essência. A dignidade passa a ser
violada no momento em que uma pessoa é tratada como objeto sexual de outra, tendo
que satisfazer os seus desejos sexuais por meio de uma imposição forçada. Nesses
casos, a vontade da mulher é totalmente suprimida, além do mais, deverá suportar
sozinha os efeitos da gravidez (COSTA, 2014).
Essa autorização concedida pela lei (art.128, II, CP) para que a mulher
vítima do ato sexual violento (estupro) possa optar pela eliminação do feto é
questionável do ponto de vista religioso, político e jurídico. Sob o enfoque jurídico, há
31
desrespeito ao princípio constitucional da inviolabilidade do direito à vida disposto na
nossa Constituição Federal, em seu art.5°, caput, bem como, no código civil, em seu art.
2°, onde está claro que é prioridade a proteção dos direitos do nascituro desde sua
concepção. Portanto, tem-se assegurada a criança o direito à vida, por mais que a
mulher tenha sofrido a conduta criminosa, não tenha desejado a gravidez, afinal fruto de
um ato hediondo, do qual provavelmente irá carregar consigo o trauma do crime, não se
justifica ceifar a vida intrauterina.
Quanto à possibilidade da mulher vítimado estupro valer-se da autorização
legal para a prática do aborto na hipótese em que vier a engravidar em consequência do
ato criminoso, é cristalina a afirmação quanto a tal permissibilidade, disposta no art.128,
II do diploma repressivo. Acontece que com a superveniência da lei n° 12.015/09, surge
a possibilidade de que a mulher seja a própria estupradora do homem-vítima e venha a
engravidar como resultado de sua conduta delitiva. Daí a seguinte dúvida: poderá a
autora do estupro optar pelo aborto humanitário quando vier a engravidar em
consequência de sua conduta criminosa? E mais, se a criminosa não o quiser, poderá ser
forçada à prática do aborto legal no interesse do homem-vitimado?
No que concerne à primeira indagação, a resposta é negativa, uma vez que
ao constranger o indivíduo do sexo masculino a realizar consigo a conjunção carnal, a
mulher concorre em culpa ou dolo para sua própria prenhez, não podendo, destarte,
eliminar uma vida que por sua culpa ou dolo se originou, razão pela qual se torna
inviável a possibilidade de autorização de aborto sentimental em relação à mulher
infratora que engravida em decorrência de seu ato hediondo (COSTA, 2014). Segundo
Nucci (2014), uma mulher que violenta sexualmente um homem não tem, em momento
algum, sua dignidade afrontada, não havendo, dessa forma, que se falar em sopesamento
entre sua dignidade e a vida do feto.
No que atine a possibilidade de o homem vítima do estupro exigir que a
mulher agressora submeta-se a um procedimento abortivo para que venha ser
solucionado o “problema” (a gravidez indesejada pela vítima), afigura-se inadmissível a
imposição do aborto à gestante, ainda que infratora e mesmo considerando os interesses
do homem vitimado. A primeira justificativa para essa afirmação encontra-se respaldada
na leitura do art. 128, II do CP, ao exigir, para a prática do aborto sentimental, o
requisito imprescindível da aquiescência prévia da gestante (CABETTE, 2009).
A segunda razão para tal afirmação está calcada no fato de não ser
constitucional ou tampouco justo e razoável exigir um aborto à força, uma vez que
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existe a prioridade de respeito ao direito de inviolabilidade da integridade corporal da
gestante (COSTA, 2014). Impende-se salientar que, além de ser levada em consideração
a proteção da integridade física da gestante, não se pode olvidar da proteção da vida
humana intrauterina, a qual a lei brasileira tutela desde a concepção.
4.5 PATERNIDADE INDESEJADA E SEUS EFEITOS NA ESFERA CIVIL
Surge a seguinte indagação: na hipótese de a mulher estuprar um indivíduo
do sexo masculino e, ante a impossibilidade deste exigir a prática abortiva, quais
consequências remanesceriam sob o ponto de vista civil para o pai vítima?
Consoante Damásio et al (2011) as discussões estão embasadas nos
seguintes questionamentos: (I) se poderá o bambino propor uma ação investigatória de
origem biológica, (II) se terá o suposto pai obrigação alimentar, (III) se fará jus o
descendente aos alimentos, inclusive aos gravídicos, (IV) se usará a criança o
sobrenome paterno, (V) se participará da sucessão e (VI) se será possível ao infante
exigir visita e moradia com o pai. Dessa forma, conclui o aludido doutrinador pela
prevalência do princípio da vontade procriacional inequívoca (grifo nosso):
Para que determinado ascendente, portanto, tenha responsabilidade
sobre a sua prole ou descendência, e também para que essa
responsabilidade gere efeitos na ordem civil, é imprescindível a
presença da referida vontade de maneira expressa, inequívoca ou de
maneira presumida, como nas relações sexuais em geral. No presente
caso, não há qualquer vontade procriacional, motivo pelo qual
também não haverá qualquer presunção de afetividade que possa
implicar para o ascendente genético. Por questões que refogem ao
Direito, se o referido ascendente, de maneira inequívoca, quiser
reconhecer um filho fruto de estupro a que foi submetido, não haverá
nenhum empecilho. Essa situação, porém, será facultativa e totalmente
discricionária por parte do referido ascendente vítima, que poderá
optar, inclusive, por não ter nenhum contato com a referida
descendência genética, tendo em vista que esta é consequência de uma
relação a que foi ilicitamente exposto e obrigado (JESUS et al., 2011).
Seguindo essa mesma linha de pensamento, Costa aduz:
Não são menosprezados aqui os interesses da criança, entretanto uma
relação afetiva de paternidade, extremamente forçada, não traz
benefícios a nenhum dos envolvidos, pois o vínculo entre pai e filho
diz respeito, principalmente, ao amor. O Direito não busca os
chamados “santos e heróis”, ou seja, aqueles seres humanos que agem
de modo supremo, com magnânima bondade e superioridade, pois o
33
parâmetro a ser considerado é o do “homem médio” que,
provavelmente, não desenvolverá com dedicação e generosidade uma
paternidade da qual não participou propositadamente (COSTA, 2014).
Procede a linha de raciocínio levantada por Damásio e Costa, pois diante
desse fato específico, deverá haver uma relativização do direito à paternidade, eximindo
a responsabilidade do pai-vítima para com aquela determinada criança, tendo em vista
que, além de ter ocorrido uma relação sexual forçada, em que o homem-vítima foi
constrangido mediante violência ou grave ameaça a praticar a cópula vagínica, em
momento algum, o mesmo manifestou sua vontade procriacional, e mais, houve um
total desrespeito ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Destarte,
nenhuma obrigação civil terá o ofendido perante a prole a ser gerada pela a autora do
estupro.
Todavia, alguns doutrinadores entendem, a exemplo de Rogério Greco
(2011, p. 499-450) que, caso a autora do estupro venha a engravidar terá o filho, fruto
do delito, direito a alimentos e direitos sucessórios “isso porque a criança, que se tornou
herdeira, não pode sofrer as consequências dos atos criminosos praticados pela mãe,
devendo o Estado não somente protegê-la, como também assegurar-lhe todos os seus
direitos”, inclusive de participar da sucessão hereditária de seu genitor, mesmo que
tenha sido ele sujeito passivo de um crime de estupro.
Marino e Cabette (2012, p. 282), por sua vez, aduzem que deve prevalecer o
direito à vida do nascituro, pois “a prestação alimentícia é essencial porque objetiva o
sustento e, consequentemente, garante a vida, direito preponderante, em detrimento da
integridade física e psíquica do homem-vítima”.
Consoante se denota, trata-se de uma questão complexa, haja vista subsistir
divergência de entendimentos, não existindo discurso que possa convencer a todos que
venham interagir com o tema em análise a adotar esta ou aquela posição. Por outro lado,
não há manancial jurisprudencial acerca da hipótese tratada neste tópico.
34
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante dos estudos realizados neste trabalho, têm-se as seguintes
conclusões:
O tratamento penal dado ao delito de estupro variou no tempo, no espaço e
sofreu influência cultural desde a antiguidade, embora mantenha elementos do crime em
comum nas diferentes épocas: prática do ato sexual e violência física ou moral.
Com o advento da Lei n° 12.015/09, o delito de estupro (art. 213, CP) sofreu
algumas alterações: a) denominação do título VI da Parte Especial do Código Penal,
substituindo a expressão “Dos crimes contra os costumes” pela “Dos crimes contra a
dignidade sexual”; b) o bem jurídico tutelado em sentido amplo passou a ser a
dignidade sexual, e não os costumes, mantendo-se a liberdade sexual como bem jurídico
protegido em sentido específico pela norma penal incriminadora inscrita no art. 213 do
Código Penal; c) houve unificação do crime de estupro com o de atentado violento ao
pudor (antigo art.214, CP), passando a existir uma figura penal unificada; d) inseriu-se o
vocábulo “alguém” em substituição à elementar “mulher” no polo passivo do crime; e)
tanto o homem como a mulher poderá praticar o delito. Trata-se de tipo penal simples e
não misto, uma vez que possui apenas um núcleo: “constranger”, que se relaciona aos
atos de “ter conjunção carnal” e “praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato
libidinoso”.
Conclui-se pela possibilidade de a mulher figurar como sujeito ativo do
delito de estupro, inclusive na modalidade conjunção carnal, pois por mais improvável
que essa hipótese pareça não se pode eximir tal prática delituosa por parte da mulher,
tendo em vista que a Lei n° 12.015/09 trouxe a possibilidade de enquadramento. Com
base no presente estudo, pode-se apontar hipóteses nas quais, mesmo sob coação física
ou psicológica (grave ameaça), a vítima tenha ereção a possibilitar o delito na
modalidade conjunção carnal, são elas: a) forçamento do homem ao uso de
medicamentos que estimulem a ereção; b) asfixia mecânica por estrangulamento ou
enforcamento; c) está no fato do homem vítima ter que buscar estímulo a qualquer custo
para obter a ereção peniana para a conjunção carnal.
É aplicável a causa de aumento de pena do art.234-A, III do CP à mulher
estupradora que vier a engravidar em razão de sua conduta criminosa, e pela
impossibilidade de autorização do aborto sentimental quando a gestante for a autora do
estupro. Quanto à possibilidade do pai vítima ter que arcar com o ônus paternal em
35
virtude de uma gravidez não desejada pelo mesmo, existe divergência de entendimentos
doutrinários.
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