CURSO DE DIREITO DOLO EVENTUAL E CULPA CONSCIENTE EM HOMICÍDIOS DECORRENTES DE ACIDENTES DE TRÂNSITO ANA REGINA CAMPOS DE SICA R.A: 456077/5 TURMA: 3109-A FONE: (11) 3666-0447 E-MAIL: [email protected] SÃO PAULO 2006 8 ANA REGINA CAMPOS DE SICA DOLO EVENTUAL E CULPA CONSCIENTE EM HOMICÍDIOS DECORRENTES DE ACIDENTES DE TRÂNSITO Monografia apresentada à Banca Examinadora do Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas, como exigência parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito, sob a orientação do Professor Dr. Ivan Carlos de Araújo. SÃO PAULO 2006 9 BANCA EXAMINADORA: ........................................................................................ Professor-Orientador: Dr. Ivan Carlos de Araújo ......................................................................................... Professor-Argüidor: ___________________________ ......................................................................................... Professor-Argüidor: ___________________________ 10 Dedico este trabalho para: Virgem Santa e Imaculada, a quem tudo devo e, à minha mãe Lúcia, a quem por tudo agradeço. 11 Agradeço a todos que, direta ou indiretamente, influenciaram no meu desenvolvimento intelectual. Agradeço principalmente ao Professor Ivan Carlos de Araújo, de quem adquirí não só a paixão incessante pelo Direito Penal, mas também uma especial percepção: a de que ele é e sempre será meu Mestre e eu, consequentemente, sua eterna aprendiz. Agradeço ainda, a todos os meus amigos, especialmente à Ana Carolina Minutti, Andreza Sangregório, Alexandra Pacanaro, Christiany Conte e Fátima Belluzzo; as quais, com a gratuidade peculiar a toda e qualquer amizade, tiveram participação decisiva no aperfeiçoamento deste trabalho. 12 SINOPSE Dentre as diversas espécies de dolo e culpa, nenhuma causa tanta curiosidade quanto a distinção doutrinária de dolo eventual e culpa consciente, tendo em vista a sensível disparidade conceitual que existe entre tais institutos. No plano teórico esta distinção, embora vaga, é de fácil compreensão. O problema surge quando ela, na prática, é aplicada. Isso porque, os meios utilizados para constatar a presença ou não do elemento subjetivo do crime sofrem grandes mutações, variando sempre de acordo com o posicionamento adotado pelos sujeitos processuais envolvidos. Assim, para o mesmo fato, surgem várias interpretações. No que se refere, especificamente, aos crimes de trânsito isto se torna claramente visível. Logo, se o indivíduo participa de competição não autorizada em via pública e, em função disso, provoca um acidente com vítima fatal; tem-se a possibilidade de configuração de dois entendimentos (que, antes da Lei 11.275/2006, também surgiam no caso de homicídio resultante de embriaguez ao volante): 1º. O agente agiu com dolo eventual em relação ao evento morte, pois a gravidade de sua conduta inicial evidencia sua total indiferença ao resultado mais grave. 2º. O agente agiu sob o domínio de culpa consciente, pois em regra, o crime de homicídio nessas circunstâncias é culposo, caracterizando-se pela grande imprudência do agente, mas não necessariamente pela sua indiferença. Portanto, este trabalho aborda diversos conceitos e, cada uma dessas correntes terminando por incidir em um posicionamento que reflete mais o conteúdo probatório dos fatos do que a mera aplicação de abstrações. 13 SUMÁRIO I. INTRODUÇÃO .........................................................................................................8 II. DOLO ....................................................................................................................10 2.1. ASPECTOS GERAIS......................................................................................19 2.2. ELEMENTOS..................................................................................................21 2.3. ESPÉCIES......................................................................................................22 2.3.1. Dolo Natural ou Dolus Bonus e Dolo Normativo ou Dolus Malus .............22 2.3.2. Dolo Direto ou Determinado ou Imediato .................................................24 2.3.3. Dolo Indireto ou Indeterminado ou Mediato .............................................25 2.3.4. Dolo Genérico ..........................................................................................28 2.3.5. Dolo específico.........................................................................................28 2.3.6. Dolo Geral ou Erro Sucessivo ..................................................................29 2.3.7. Dolo de Propósito ou Refletido e Dolo Íntimo ou Repentino ....................29 2.3.8. Dolo de Dano ou Lesão e Dolo de Perigo ................................................30 III. CULPA .................................................................................................................32 3.1 ESTRUTURA...................................................................................................32 3.2. ELEMENTOS..................................................................................................34 3.2.1. Conduta inicial voluntária .........................................................................34 3.2.2. Inobservância do dever objetivo de cuidado ............................................34 3.2.3. Resultado involuntário..............................................................................36 3.2.4. Nexo causal entre a conduta e o resultado ..............................................37 3.2.5. Nexo normativo ........................................................................................37 3.2.6. Previsibilidade do resultado .....................................................................38 3.2.7. Tipicidade.................................................................................................39 3.3. ESPÉCIES......................................................................................................40 3.3.1. Culpa Inconsciente ou Comum ................................................................40 3.3.2. Culpa Consciente .....................................................................................41 3.3.3. Culpa Própria ...........................................................................................41 3.3.4. Culpa Imprópria ou Culpa por Extensão, Assimilação ou Equiparação ...41 3.3.5. Culpa Mediata ou Indireta ........................................................................43 3.3.6. Culpa Concorrente ...................................................................................44 14 3.3.7. Culpa recíproca ........................................................................................44 IV. CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO (CTB) ....................................................46 4.1. ASPÉCTOS GERAIS......................................................................................47 4.1.1. Veículo Automotor....................................................................................47 4.1.2. Via Pública ...............................................................................................48 4.2. HOMICÍDIO CULPOSO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR ............49 4.2.1. Aspectos Gerais .......................................................................................49 4.2.2. Causas de aumento de pena ...................................................................52 4.4. PARTICIPAÇÃO EM COMPETIÇÃO NÃO AUTORIZADA .............................57 4.4.1. Aspectos Gerais .......................................................................................57 V. DOLO EVENTUAL E CULPA CONSCIENTE .......................................................62 5.1. DISTINÇÃO ....................................................................................................62 5.2. AFINAL, DOLO EVENTUAL OU CULPA CONSCIENTE?..............................66 VI. CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................75 VII. ANEXO ...............................................................................................................70 VIII. BIBLIOGRAFIA ..................................................................................................79 15 16 I. INTRODUÇÃO Por meio do presente estudo, foi feita uma análise objetiva dos elementos subjetivo e normativo inerentes a todo e qualquer crime, sem ignorar as divergências doutrinárias incidentes. Considerando que o objeto central dessa pesquisa é a análise da culpa e do dolo em crimes de trânsito, foi também feita a abordagem de dois delitos tipificados na Lei nº. 9503/1997; atual Código de Trânsito Brasileiro. São eles: homicídio culposo (art.302) e participação em disputa não autorizada (art.308). A escolha desses dispositivos para a realização de uma abordagem específica não foi feita por acaso. Ao contrário, baseou-se na maior controvérsia que existe acerca do reconhecimento da culpa consciente, em contraposição ao dolo eventual, em caso de homicídio decorrente da conduta do agente que participa de competição não autorizada em via pública. Assim, por meio de levantamentos na doutrina e na jurisprudência, pretendeuse avaliar a configuração desses elementos (dolo eventual e culpa consciente) em homicídios decorrentes de acidentes de veículos, tendo em vista que os administradores da Justiça vêm dispondo de tratamentos diferenciados para delitos cometidos nas mesmas circunstâncias. A importância desse trabalho é evidenciada por duas tendências antagônicas. Uma delas consiste na configuração presumida do dolo eventual sempre que o acidente de trânsito resultante em vítima fatal ocorrer em virtude de competição não autorizada. Assim, o acusado é encaminhado a julgamento pelo Tribunal do Júri por entender-se que ele assumiu o risco de produzir um resultado mais grave ao executar sua conduta. 17 Logo, a abstração do elemento subjetivo do delito (de homicídio) é feita de acordo com a conduta anterior ao resultado morte, como se o dolo presente no crime de participação em disputa não autorizada persistisse no momento de ocorrência do homicídio. O outro entendimento, ao contrário, pretende que o agente seja punido a título de culpa (consciente), pois se considera que, em regra, ninguém ao incidir no crime em questão, o faz consentindo na ocorrência do possível evento morte. Portanto, para essa corrente, a superveniência de uma fatalidade configura a grande imprudência do agente que peca por confiar demais nas próprias habilidades, ultrapassando os limites do risco tolerado. Apesar da identidade circunstancial de crimes, tais inclinações dão ensejo a diferenciados julgamentos. Logo o principal fundamento da presente pesquisa é a injustiça que esses posicionamentos podem causar quando objetivamente aplicados. Por fim, em razão desse embate entre os que defendem o dolo presumido e os que consideram mais adequada a punição a título de culpa, buscou-se esclarecer os argumentos sustentados por cada um deles, tentando atingir a conclusão mais condizente possível com o ideal de justiça. 18 II. DOLO O jurista Antonio Rosa analisa bem a evolução histórica do conceito de dolo: (...) a palavra “dolo”, significa, em suas origens gregas, “engano”, “artifício”, “fraude”. O Direito Germânico, a partir da Idade Média, passou a tomá-lo na acepção de “ato voluntário”. Nos tempos modernos, o dolo é, geralmente, definido como a vontade de um 1 responsável, dirigida a uma ilicitude. De acordo com o que dispõe o doutrinador Damásio Evangelista de Jesus, o dolo constitui elemento subjetivo do tipo (implícito) 2 , pois é ele que direciona a conduta para um tipo penal ou outro. Sob uma terceira ótica, tem-se ainda que quanto ao elemento volitivo, o dolo é a vontade de realização da conduta típica. 3 Tal vontade deve atingir todos os elementos constitutivos do tipo; sejam eles objetivos ou normativos. 2.1. ASPECTOS GERAIS Na tentativa de definir o dolo, surgiram três teorias principais: - Teoria da Representação – entendimento segundo o qual basta que o indivíduo tenha representado o evento para que o dolo se configure. Neste sentido, o doutrinador Flávio Augusto Monteiro de Barros esclarece: 1 2 3 ROSA, Antonio José Miguel Feu. Direito Penal – Parte Geral, p.314. JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal Anotado, p.69. BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito Penal-Parte Geral, p.221. 19 De acordo com a teoria da representação, para a configuração do dolo basta a previsão do resultado. Privilegia-se o momento intelectual, de ter agido com previsão do evento, deixando de lado o aspecto volitivo, de querer ou assumir ou risco de produzí-lo. 4 - Teoria da Vontade – o citado autor explica ainda que, para essa teoria, o dolo apenas subsistirá quando o agente, além de antever o resultado, almejar que este ocorra reconhecendo assim, o nexo causal entre sua conduta e o evento que ela ensejará 5 . E o Professor Damásio E. de Jesus acrescenta que é preciso que o agente tenha a representação do fato (consciência do fato) e a vontade de causar o resultado. 6 - Teoria do Consentimento, Assentimento ou Anuência – ainda que o agente não deseje diretamente a ocorrência do evento típico, haverá o dolo quando ele aceitar que ele ocorra. É o que explica o jurista Júlio Fabrini Mirabete: Para a teoria do assentimento faz parte do dolo a previsão do resultado a que o agente adere, não sendo necessário que ele o queira. Para a teoria em apreço, portanto, existe dolo simplesmente quando o agente consente em causar o resultado ao praticar a conduta. 7 Ao se analisar o texto do Código Penal Pátrio, fácil é perceber que, no art.18, inciso I – primeira parte tem-se a codificação da Teoria da Vontade enquanto que na segunda parte do mesmo dispositivo, prevalece a Teoria do Consentimento. Logo, a Teoria da Representação não possui respaldo legal. 8 4 Ibid., p.218. Ibidem. 6 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal Anotado, p.288. 7 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Geral, p.139. 8 Art. 18 do Código Penal Brasileiro: 5 Diz-se o crime: Crime doloso I – doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo. 20 De acordo com o Promotor Fernando Capez a conduta dolosa do agente se configura em duas fases distintas: a) fase interna: opera-se no pensamento do autor. Caso não passe disso, é penalmente indiferente. Isso ocorre nas hipóteses em que o agente apenas se propõe a um fim (...); em que tão somente seleciona os meios para realizar a finalidade (...); em que se considera os efeitos concomitantes que se unem ao fim pretendido (...). b) fase externa: consiste em exteriorizar a conduta, numa atividade em que se utilizam os meios selecionados conforme a normal e usual capacidade humana de previsão. Caso o sujeito pratique a conduta nessas condições, age com dolo (...). 9 O juiz Flávio A. M. de Barros alerta que apesar de o art.18 do Código Penal referir-se ao dolo como sendo a intenção de dar causa ao resultado, tal elemento subjetivo está presente não só em crimes formais e materiais, mas também em crimes de mera conduta. 10 2.2. ELEMENTOS Por todo o exposto, de acordo com o jurista Mirabete, são elementos do dolo (natural): São elementos do dolo, portanto, a consciência (conhecimento do fato – que constitui a ação típica) e a vontade (elemento volitivo de realizar esse fato). A consciência do autor deve referir-se a todos os elementos do tipo, prevendo ele os dados essenciais dos 9 FERNANDO, Capez. Curso de Direito Penal – Parte Geral, p.153. BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Op. Cit., p.217. 10 21 elementos típicos futuros em especial o resultado e o processo causal. A vontade consiste em resolver executar a ação típica (...). 11 O Professor Heleno Cláudio Fragoso acrescenta ainda como elemento o nexo causal entre conduta e resultado: nos crimes materiais (...) é indispensável estabelecer a relação da causalidade entre a ação e o resultado. Tal evento, em tais casos, integra a descrição da conduta proibida e dele depende a tipicidade. 12 Para os que consideram que o dolo é normativo (adeptos da Teoria Normativa), além dos elementos já expostos, é preciso ainda, para que o dolo se configure, que o agente tenha a potencial consciência da ilicitude do fato. Ou seja, o indivíduo precisa ter a possibilidade de conhecer o caráter imoral do fato típico. Não basta que o autor represente e deseje o evento, diz o Professor Paulo José da Costa Jr., será ademais necessária a consciência do injusto. Vale dizer, o agente deverá saber que está a praticar algo de errado, pelo qual poderá ser censurado (...) 13 . 2.3. ESPÉCIES 2.3.1. Dolo Natural ou Dolus Bonus e Dolo Normativo ou Dolus Malus De acordo com a projeção histórica relatada por Heleno Cláudio Fragoso 14 e Francisco de Assis Toledo 15 , a diferença entre essas espécies está intimamente ligada a dois entendimentos doutrinários que tentam abordar o conceito de crime. 11 MIRABETE, Julio Fabbrini. Op.Cit., p.140. FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal – Parte Geral, p.200. 13 COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Comentários ao Código Penal, p.69. 14 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Op.Cit., p.179. 15 Ibid., p.93. 12 22 A Concepção Psicológica, também chamada Teoria Naturalística ou Causal, sob influência da Concepção Normativa, consagrou o dolo normativo. Já a Concepção Normativa Pura ou Teoria Finalista, ainda de acordo com os referidos autores, adotou o dolo natural tendo por respaldo o texto do Código Penal após a grande reforma feita pela Lei nº. 7.209/84 à Parte Geral; o qual dispõe nos seguintes termos: diz-se o crime doloso quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzí-lo.(art. 18, I do C.P.). Ao interpretar este dispositivo, Magalhães Noronha esclarece: Tem-se objetado que nossa lei não inclui o elemento normativo no conceito de dolo. Aponta-se para isso, o art.18, I, e alega-se que, quando o Código exige o conhecimento da antijuridicidade, di-lo expressamente com as “indevidamente”, “ilicitamente”, “sem justa causa” etc. expressões: 16 . Assim, de acordo com esse entendimento, a normatividade (como sendo a potencial consciência da ilicitude), continua integrando a culpabilidade, mas de modo desvinculado do dolo. Isso significa que, de acordo com o que dispõe o próprio Código Penal (art.21, caput), o desconhecimento da ilicitude do fato nunca exclui o dolo posto que, tal consciência é elementar da culpabilidade e não do elemento subjetivo do tipo. Em contraposição a esta corrente, tem-se a Teoria Naturalista (ou Causal), segundo a qual, crime é todo fato típico, antijurídico e culpável. O Promotor Fernando Capez, embora seja finalista, conceitua o dolo normativo de modo singular: 16 NORONHA, Magalhães. Direito Penal – Introdução e Parte Geral, p.137. 23 Dolo normativo (...) é considerado requisito da culpabilidade e possui três elementos: a consciência, a vontade e a consciência da ilicitude. Por essa razão, para que haja dolo, não basta que o agente queira realizar a conduta, sendo também necessário que tenha a consciência de que ela é ilícita, injusta, errada. Como se nota, acresceu-se um elemento normativo ao dolo, que depende de um juízo de valor, ou seja, a consciência da ilicitude. Só há dolo quando, além da consciência e da vontade de praticar a conduta, o agente tenha a consciência de que está cometendo algo censurável. 17 2.3.2. Dolo Direto ou Determinado ou Imediato Nele o agente deseja produzir determinado evento. A esse respeito, o jurista Luiz Régis Prado anota que a vontade se dirige à realização do fato típico, querido pelo autor (teoria da vontade – art.18, I, CP). 18 É o caso, por exemplo, do indivíduo que conduz seu veículo com a intenção de participar de competição não autorizada. O Professor Heleno Cláudio Fragoso explica que, ainda que o resultado não seja primariamente desejado pelo agente, sendo certa a ocorrência do evento, haverá dolo direto (de segundo grau): Há dolo direto também em relação ao meio e ao resultado que necessariamente estão ligados à realização da conduta típica, mesmo que não sejam desejados pelo agente. Se este sabe que a ação necessariamente acarreta resultado concomitante, e não 17 18 FERNANDO, Capez. Curso de Direito Penal – Parte Geral, p.155. BITENCOURT, César Roberto. PRADO, Luiz Régis. Código Penal Anotado, p.198. 24 obstante a pratica, quer, por certo, também esse resultado, embora o lamente. 19 2.3.3. Dolo Indireto ou Indeterminado ou Mediato De acordo com Magalhães Noronha, o dolo é indireto quando, apesar de querer o resultado, a vontade não se manifesta de modo único e seguro em direção a ele, ao contrário do que sucede na espécie anterior. 20 Portanto, trata-se de um dolo de conteúdo impreciso, pois não há desígnio de evento específico. Em virtude dessa imprecisão, tem-se a subclassificação dessa espécie de dolo nas seguintes modalidades: а) Dolo Alternativo Caso em que o agente tem por intuito produzir um ou outro resultado, satisfazendo-se com a ocorrência de qualquer deles. Neste sentido, Paulo José da Costa Jr. conceitua: no dolo alternativo o agente quer indiferentemente, um evento ou outro (matar ou ferir). Representa com probabilidade o resultado (na representação do dolo direto, tem a certeza da realização do evento). 21 Assim, o dolo alternativo estará configurado sempre que o agente quiser produzir “um” resultado e não “o” resultado. b) Dolo Eventual 19 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Op. Cit., p.211. NORONHA, Magalhães. Op. Cit., p.138. 21 COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Op. Cit., p.74. 22 FERNANDO, Capez. Op. Cit., p.156. 20 25 22 Torna-se presente quando, inicialmente, o agente não quer o evento delitivo, mas assume o risco de produzí-lo no momento em que, prevendo a possibilidade de ocorrência daquele, se mantém indiferente. Logo, esclarece Aníbal Bruno no seguinte sentido: (...) no dolo eventual a vontade do agente não se dirige propriamente ao resultado, mas apenas ao ato inicial, que nem sempre é ilícito, e o resultado não é representado como certo, mas como possível. Mas o agente prefere que ele ocorra, a desistir da conduta. 23 Observe que, de acordo com o referido autor, no dolo eventual a anuência do agente refere-se sempre a um resultado incerto. É o que esclarece o advogado Cornélio José Holanda: (...) se o agente tem como certo o resultado, e mesmo assim age, atuará (...) não com dolo eventual, que requer para sua configuração, a anuência para um resultado provável, e não a um resultado induvidoso. Neste, estará presente sempre um componente de azar, pois a consumação danosa, apesar de possível ou provável, poderá não ocorrer. 24 Seguindo o mesmo raciocínio, o jurista Luiz Régis Prado complementa que no dolo eventual o agente não quer diretamente a realização do tipo objetivo, mas a aceita como provável ou possível – assume o risco de produção do resultado (teoria do consentimento – art.18, I, in fine, CP). 25 23 BRUNO, Aníbal. Direito Penal-Parte Geral, p.73. HOLANDA, Cornélio José. O dolo eventual nos crimes de trânsito. (Obtido em 30 de março de 2005). Disponível em http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5263. 25 BITENCOURT, César Roberto. PRADO, Luiz Régis. Código Penal Anotado, p.198. 24 26 A doutrina analisa ainda, o real significado do termo “assumir o risco de produzir o resultado”, que está expresso no art.18, I – parte final do CP. A esse respeito Celso Delmanto explica que no dolo eventual não é suficiente que o agente se tenha conduzido de maneira a assumir o resultado; exige-se mais, que ele haja consentindo no resultado. Por fim, 26 Magalhães Noronha faz uma interessante distinção: (...) sinteticamente, costuma estremar-se o dolo direto do eventual, dizendo-se que o primeiro é a vontade por causa do resultado; o outro, é a vontade apesar do resultado. 27 c) Dolo Cumulativo Para Paulo José da Costa Jr. o dolo indireto pode ainda manifestar-se por meio do que ele denomina dolo cumulativo. E ele explica: no dolo cumulativo o agente pretende a realização de dois resultados (matar e ferir), tendo igualmente a certeza de obter o que tenciona. 28 Em outras palavras, o indivíduo tem por intuito obter dois ou mais eventos típicos distintos cumulativamente, ou seja, ele direciona sua conduta de modo a produzir mais de um resultado lesivo; desejando cada um deles. Prevalece, no entanto, o entendimento de que tal situação caracteriza o dolo direto em relação a cada resultado pretendido. Neste sentido, o advogado Cornélio de Holanda posicionou-se: (...) entendemos que, mesmo sendo múltiplos os 26 DELMANTO, Celso. Código Penal Comentado, p.30. NORONHA, Magalhães. Op. Cit., p.139. 28 COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Op. Cit., p.74. 27 27 objetivos, se o agente procede à realização da conduta necessária aos resultados visados, existe dolo direto. 29 2.3.4. Dolo Genérico Caso em que o agente realiza uma conduta típica sendo que, sua motivação ou finalidade é irrelevante para configuração do crime. Assim, de acordo com as lições de Fernando Capez, tem-se: Dolo genérico: vontade de realizar a conduta sem um fim especial, ou seja, a mera vontade de praticar o núcleo da ação típica (o verbo do tipo). Nos tipos que não têm elemento subjetivo, isto é, nos quais não consta nenhuma exigência de finalidade especial (os que não têm expressões como “com o fim de”, “para” etc.), é suficiente o dolo genérico. 30 2.3.5. Dolo específico O Professor Heleno Cláudio Fragoso ensina que, em contraposição ao anterior, configura-se o dolo específico quando a finalidade do agente ou sua motivação se tornar elementar do crime: Em certos casos, no entanto, verifica-se que a ilicitude depende de um especial fim ou motivo de agir, que amplia o aspecto subjetivo do tipo. (...). O especial fim ou motivo de agir que aparece em certas definições do delito condiciona ou fundamenta a ilicitude do fato. Trata-se, portanto, de elemento subjetivo do tipo (...). 29 31 HOLANDA, Cornélio José. O dolo eventual nos crimes de trânsito. (Obtido em 30 de março de 2005). Disponível em http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5263. 30 CAPEZ, Fernando. Op. Cit., p.157. 31 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Op. Cit., p.213. 28 2.3.6. Dolo Geral ou Erro Sucessivo Trata-se do erro sobre o nexo causal entre conduta e resultado. Logo, de acordo com Flávio Augusto Monteiro de Barros, verifica-se o dolo geral quando o agente, supondo ter produzido o resultado visado, realiza nova conduta com finalidade diversa sendo que esta é que acaba efetivamente produzindo o evento de início desejado. 32 O Professor Heleno Cláudio Fragoso explica que, tecnicamente, deveria haver o concurso entre o crime doloso tentado e o crime culposo, mas logo em seguida ele esclarece: (...), todavia, tal solução não satisfaz o sentimento jurídico (...), motivo pelo qual, na prática se considera o acontecimento um processo unitário, resolvendo-se a hipótese como crime único (homicídio doloso consumado). 33 Assim sendo, nesse caso, o dolo do agente não se descaracteriza afinal, seja por meio da conduta inicial; seja por meio da conduta posterior, foi ele quem desejou e deu causa ao resultado (art.13, caput do C.P.). 2.3.7. Dolo de Propósito ou Refletido e Dolo Íntimo ou Repentino Intimamente ligado à premeditação, o dolo de propósito se manifesta quando há um lapso de tempo relevante entre a representação psicológica do crime pelo agente e sua efetiva execução. Assim, basta que tenha decorrido um lapso temporal considerável entre o propósito criminoso e a atuação, e que esta tenha sido precedida de uma preparação minuciosa. 34 32 BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Op. Cit., p.221. FRAGOSO, Heleno Cláudio. Op. Cit., p.220. 34 COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Op. Cit., p.77. 33 29 Já no dolo de ímpeto, a conduta do agente é imediatamente posterior a mentalização do crime por ele idealizado, sendo aquela, portanto, é automaticamente realizada. É o que afirma Paulo José da Costa Jr.: O dolo de ímpeto não admite, entre a formulação do propósito delituoso e a conduta, um hiato temporal. Quando menos, haverá de existir uma solução de continuidade cronológica exígua ou razoável. Tal não implica que a vontade delituosa tenha sido formada debaixo do influxo de qualquer paixão, já que a conduta poderá desenvolverse com calma e frieza. 35 2.3.8. Dolo de Dano ou Lesão e Dolo de Perigo Importante é destacar que dano (prejuízo) é tudo aquilo que impede, total ou parcialmente, a satisfação das necessidades humanas (...), ou seja, (...) é tudo que implique a destruição ou diminuição de um bem. 36 Já o perigo deve ser entendido como juízo probabilístico de superveniência do dano, com base naquilo que costuma acontecer. 37 Ou seja, é a mentalização de uma possibilidade concreta (probabilidade). Logo, ainda em consonância com os comentários dos juristas Paulo José da costa Jr. e Maria Elizabeth Queijo, o perigo deve estar efetivamente presente, ou seja, deve ser atual ou eminente (nunca futuro). Assim, de acordo com o Professor Damásio, o dolo de dano é aquele em que o agente visa lesar um bem juridicamente tutelado (ou assume o risco de fazê-lo). 35 38 Ibidem. COSTA JUNIOR, Paulo José da, QUEIJO, Maria Elizabeth. Comentários aos Crimes do Código de Trânsito, p.07. 36 37 38 Ibidem. JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal - Parte Geral, p.293. 30 Quem age com dolo de perigo, conforme o mesmo autor, dirige sua conduta com o objetivo de expor o bem tutelado a uma situação que provavelmente o danificaria; sem desejar, no entanto, que esse dano realmente ocorra. Isto é, o agente tem por intuito expor o bem ao perigo de lesão e não à lesão efetiva. Deste modo, o Professor Paulo José da Costa Jr. sinteticamente conclui: fazse a distinção com base na ofensa produzida ao bem tutelado pela norma penal. O dolo será de dano se o sujeito quis lesar o bem tutelado. 39 Cumpre, contudo, observar que a superveniência do resultado lesivo pode transmudar o crime doloso de perigo em crime culposo de dano 40 , pois segundo esse entendimento, quem age com dolo de perigo não assume o risco de produzir o resultado lesivo. Mirabete, no entanto, entende que dolo de dano e dolo de perigo são espécies substancialmente idênticas. Dolo existe quando o agente quer ou consente na realização da figura típica ou, nos termos da lei, quando quer ou consente no resultado, não importando que esse tipo seja de dano ou de perigo. 39 COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Comentários ao Código Penal, p. 76. BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito Penal-Parte Geral, p.225. 41 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Geral, p.144. 40 31 41 III. CULPA A melhor definição é delineada por Aníbal Bruno: (...) consiste a culpa em praticar voluntariamente, sem a atenção ou o cuidado devido, um ato do qual decorre um resultado definido na lei como crime, que não foi querido pelo agente, mas que era previsível. 42 Sob outra ótica, a culpa na doutrina finalista da ação, constitui elemento do tipo (...). É, também, puro juízo de reprovação, uma vez que é normativa e não psicológica (...). 43 3.1 ESTRUTURA O jurista Luiz Regis Prado, oportunamente, faz a seguinte distinção: No tipo injusto doloso é punida a ação ou omissão dirigida a um fim ilícito, ao passo que no culposo pune-se um comportamento mal conduzido a um fim irrelevante ou lícito. Há uma contradição essencial entre o querido e o realizado pelo autor; vale dizer, a direção finalista da ação não corresponde à diligência devida (...). Como infração a uma norma de cuidado, a culpa emerge como elemento normativo do tipo, não fazendo parte do tipo subjetivo, nem compondo como elemento normativo o tipo de injusto doloso (...). 44 Analisando-se o texto da lei (art. 18, II do C.P.) 45 percebe-se que a falta de intenção do indivíduo em obter determinado evento, faz dos crimes culposos tipos 42 BRUNO, Aníbal. Direito Penal-Parte Geral, p.80. JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal - Parte Geral, p.297. 44 BITENCOURT, César Roberto. PRADO, Luiz Régis. Código Penal Anotado, p.199. 45 Art.18 do Código Penal Brasileiro: 43 Diz-se o crime: 32 penais abertos que constam, na lei, apenas do resultado. É o que explica o Professor Heleno Cláudio Fragoso: São tipos abertos os dos crimes culposos, que apenas descrevem resultados e devem ser completados com a ação ou omissão contrária ao dever objetivo de cuidado. A ação em tal categoria de delitos, não se dirige no sentido do resultado, mas a outros fins, geralmente lícitos, fora do tipo. Sabe-se apenas da ação típica dos crimes culposos que deve causar certo resultado e que deve ser praticada com negligência, imprudência ou imperícia (art.18, II, CP), ou seja, com transgressão do dever objetivo de cuidado, que competia o agente observar, determinando assim, a tipicidade. 46 Assim, de acordo com Francisco de Assis Toledo os crimes culposos apenas se configurarão se, após a análise comparativa entre a conduta efetiva e a conduta devida (de acordo com o juízo do homem médio), chegar-se à conclusão de que o resultado não teria ocorrido se a conduta do acusado tivesse sido calcada no dever objetivo de cuidado: Tipo aberto (...) consiste na descrição incompleta do modelo de conduta proibida, transferindo-se para o intérprete o encargo de completar o tipo, dentro dos limites e das indicações nele próprio contidas. São os denominados “tipos abertos”, como se dá em geral com os delitos culposos que precisam ser completados pela norma geral que impõe a observância do dever de cuidado. 47 Fernando Capez, por sua vez, complementa: 46 47 Crime Culposo II – culposo, quando o agente causa o resultado por imprudência, negligência ou imperícia. FRAGOSO, Heleno Cláudio. Op. Cit., p.224. TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal, p.136. 33 Culpa é elemento normativo da conduta. A culpa é assim chamada porque sua verificação necessita de um prévio juízo de valor, sem o qual não se sabe se ela está ou não presente. (...). A culpa, portanto, não está descrita, nem especificada, mas apenas prevista genericamente no tipo. Isso se deve ao fato da absoluta impossibilidade de o legislador antever todas as formas de realização culposa (...). 48 3.2. ELEMENTOS São elementos da culpa: 3.2.1. Conduta inicial voluntária Cabe destacar que tal voluntariedade recai sempre sobre a realização da conduta; nunca sobre a obtenção do resultado definido como crime. Tal elemento é muito bem ilustrado por Magalhães Noronha: O agente quer praticar a ação com a mesma vontade do fato doloso: o chofer, que dirige seu automóvel a 120 km por hora e desastradamente atropela alguém, quer a ação de dirigi-lo assim, do mesmo modo que a quer aquele que imprime essa velocidade a seu veículo para atirá-lo propositadamente sobre o pedestre, seu inimigo. Em ambos os casos a ação causal é voluntária. 3.2.2. Inobservância do dever objetivo de cuidado 48 49 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal – Parte Geral, p.160. NORONHA, Magalhães. Op. Cit., p.142. 34 49 A título de culpa, a punição do agente apenas se justifica se ficar provado que ele não agiu com a devida cautela ao executar sua conduta. É o que esclarece Heleno Cláudio Fragoso: (...) a ação delituosa que a norma proíbe é a que se realiza com negligência, imprudência ou imperícia, ou seja, violando o dever objetivo de cuidado, atenção ou diligência, geralmente imposto na vida de relação, para evitar dano a interesses e bens alheios e que conduz, assim, ao resultado que configura o delito. 50 Assim sendo, a inobservância do dever de cuidado pode ser manifestada de três modos: ◦ imprudência = comportamento positivo que Celso Delmanto chama de prática de ato perigoso. 51 ◦ negligência = de acordo com Magalhães Noronha, tal modalidade de culpa é: (...) no sentido do Código (...) a inação, inércia, passividade. Decorre de inatividade material (corpórea) ou subjetiva (psíquica). Reduz-se a um comportamento negativo. Negligente é quem, podendo e devendo agir de determinado modo, por indolência ou preguiça mental, não age ou se comporta de modo diverso. 50 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Op. Cit., p.272. DELMANTO, Celso. Código Penal Comentado, p.31. 52 NORONHA, Magalhães. Op. Cit., p.144. 51 35 52 ◦ imperícia = trata-se da culpa profissional já que, deve sempre ocorrer no exercício de uma atividade (...) que o agente está autorizado a exercer. 53 Assim, de acordo com Luiz Regis Prado, tem-se: Imperícia é a incapacidade, a falta de conhecimentos técnicos precisos para o exercício de profissão ou arte, a inaptidão ou a incompetência técnico–científica para o exercício profissional (...). Em havendo imperícia fora do âmbito profissional, a culpa é atribuída a título de imprudência ou negligência. 54 Cabe observar que, a exemplo do que fez vários autores, César Bitencourt destacou uma importante distinção: Imperícia não se confunde com erro profissional. O erro profissional é um acidente escusável, justificável e, de regra, imprevisível, que não depende do uso correto e oportuno dos conhecimentos e regras da ciência. Deve-se à imperfeição e precariedade dos conhecimentos humanos, operando, portanto, no campo do imprevisto e transpondo os limites da prudência e da atenção humana. 55 3.2.3. Resultado involuntário Conforme esclarece Flávio Monteiro de Barros, o resultado não desejado é elementar do tipo em crimes culposos, pois a inocorrência do evento delitivo mantém atípica a conduta: 53 BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Op. Cit., p.225. BITENCOURT, César Roberto. PRADO, Luiz Régis. Código Penal Anotado, p.200. 55 BITENCOURT, César Roberto. Manual de Direito Penal, p.250. 54 36 No crime culposo, o resultado aloja-se dentro do tipo, conferindo-lhe a essência criminosa. Tanto é assim que a simples conduta não caracteriza crime. A integralização do tipo penal culposo depende da superveniência do resultado indesejado: se este não ocorre, a simples conduta, conforme o caso constitui fato atípico (...). 56 3.2.4. Nexo causal entre a conduta e o resultado A relação de causalidade, diz Cezar Roberto Bitencourt, nada mais é do que a imputação física do crime ao autor da ação produtora do resultado. Em seguida ele explica: (...) é indispensável que o resultado seja conseqüência da inobservância do cuidado objetivo, ou, em outros termos, que este seja a causa responsabilidade daquele ao (...). agente Atribuir-se, cauteloso nessa hipótese, constituirá a autêntica responsabilidade objetiva, pela ausência do nexo causal. A inevitabilidade do resultado exclui a própria tipicidade. 57 3.2.5. Nexo normativo Relevante para se auferir a culpa mediata (ou indireta), trata-se de um elemento destacado por Fernando Capez, o qual fundamenta: Além do nexo causal é preciso que o agente tenha culpa em relação ao segundo resultado, que não pode derivar nem de caso 56 57 BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Op. Cit., p.234. BITENCOURT, César Roberto. Op. Cit.,, p.247. 37 fortuito nem de força maior. Desse modo, a culpa indireta pressupõe: nexo causal (que o agente tenha dado causa ao segundo evento) e nexo normativo (que tenha contribuído culposamente para ele). 58 3.2.6. Previsibilidade do resultado Ninguém pode ser punido por fato imprevisível. Nesse sentido, adverte o Professor Julio F. Mirabete: (...) não haverá crime culposo mesmo que a conduta contrarie os cuidados objetivos e se verifica que o resultado se produziria da mesma forma, independentemente da ação descuidada do agente. Assim, se alguém se atira sob as rodas do veículo que é dirigido pelo motorista na contra-mão de direção, não se pode imputar a este o resultado (morte do suicida). Trata-se, no caso, de mero caso fortuito. 59 Ao se analisar a previsibilidade em crimes culposos, deve-se proceder à análise tanto da previsibilidade objetiva (baseada no cuidado inerente ao homem médio ou comum), quanto da previsibilidade subjetiva (baseada em aspectos pessoais do acusado). Assim, ainda de acordo com o referido autor, verificado que o fato é típico, diante da previsibilidade objetiva (do homem razoável), só haverá reprovabilidade ou censurabilidade da conduta (culpabilidade) se o agente puder prevê-la (previsibilidade subjetiva). 60 Logo, a previsibilidade objetiva é elementar do tipo, pois consiste na possibilidade, diante das circunstancias, de se antever o resultado; enquanto que, a previsibilidade subjetiva é pressuposto de culpabilidade, já que se baseia na capacidade do indivíduo de fazê-lo. A esse respeito, Fernando Capez adverte: 58 CAPEZ, Fernando. Op. Cit., p.167. MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. Cit., p.147. 60 Ibidem. 59 38 Atenção: a ausência de previsibilidade subjetiva não exclui a culpa, uma vez que não é seu elemento. A conseqüência será a exclusão da culpabilidade, mas nunca da culpa (o que equivale dizer, da conduta e do fato típico). Dessa forma, o fato será típico porque houve conduta culposa, mas o agente não será punido pelo crime cometido ante a falta de culpabilidade. 61 Isso, no entanto, não é o que entende o Professor Julio F. Mirabete, para quem, a previsibilidade objetiva não possui razão de existir; sendo relevante apenas proceder-se à análise da previsibilidade subjetiva. Esta, por sua vez, é (para ele) elementar do tipo culposo e não da culpabilidade: Essa colocação doutrinária, para nós, não é perfeita. Em primeiro lugar, por se fundar a previsibilidade objetiva uma abstração (homem razoável, homem médio, homem padrão, homem modelo etc.) que não se consegue caracterizar suficientemente. Em segundo lugar porque fica excluída a tipicidade do fato praticado por alguém que, por suas qualificações tem maiores possibilidades de prever o resultado que o homem comum (...). Por essa razão, (...) a previsibilidade deve ser estabelecida conforme a capacidade de previsão de cada indivíduo, sem que para isso se tenha de recorrer a nenhum “critério de normalidade”. Assim, pode haver ou não tipicidade conforme a capacidade de prever do sujeito ativo. A previsibilidade subjetiva é pra nós elemento psicológico (subjetivo) do tipo culposo. 62 3.2.7. Tipicidade 61 62 FERNANDO, Capez. Op. Cit., p.162. MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. Cit., p.148. 39 Há na culpa, diz Damásio, um primeiro momento em que se verifica a tipicidade da conduta: é típica toda conduta que infringe o “cuidado necessário objetivo”. Completando esse raciocínio, Flávio A. M. de Barros argumenta: Os crimes culposos são tipos abertos, pois a complementação da definição típica depende de um juízo valorativo do magistrado. A tipicidade depende da concretização de todos os elementos do crime culposo, dos quais merecem destaque a violação do dever de cuidado e a previsibilidade objetiva do resultado. 63 Cabe observar, por fim, que na legislação penal brasileira a punição do agente a título de culpa é uma ressalva; tendo em vista o disposto no próprio Código Penal (art.18, §único): salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente. 3.3. ESPÉCIES 3.3.1. Culpa Inconsciente ou Comum Nesta, diz Magalhães Noronha, o resultado previsível não é previsto pelo agente. (...). É a chamada culpa “ex ignorantia”. 64 Nos ensinamentos de César Roberto Bitencourt, tem- se: Na culpa inconsciente, apesar da presença da previsibilidade, não há previsão por descuido, desatenção ou simples desinteresse. 63 64 BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Op. Cit., p.237. NORONHA, Magalhães. Op. Cit., p.143. 40 A culpa inconsciente caracteriza-se pela ausência absoluta nexo psicológico entre o autor e o resultado de sua ação. 65 3.3.2. Culpa Consciente Também chamada culpa ex lascívia, trata-se de uma excepcionalidade em que a culpa é dotada de previsão. O assunto é melhor abordado por Luiz Regis Prado: Na culpa consciente o agente afasta ou repele, embora inconsideradamente, a hipótese de superveniência do evento e empreende a ação na esperança de que esse evento não venha a ocorrer – prevê o resultado como possível, mas não o aceita nem o consente. 66 3.3.3. Culpa Própria Trata-se da culpa em que o agente não quer nem assume o risco de produzir o resultado. 67 (grifo nosso). Logo, a classificação entre culpa comum e consciente está ligada à previsão ou não do evento. Já a caracterização da culpa própria tem conexão com o elemento volitivo. 3.3.4. Culpa Imprópria ou Culpa por Extensão, Assimilação ou Equiparação 65 BITENCOURT, César Roberto. Op. Cit., p.251. BITENCOURT, César Roberto. PRADO, Luiz Régis. Código Penal Anotado, p.200. 67 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Geral, p.151. 66 41 De acordo com as lições do Professor Damásio, são casos de culpa imprópria os previstos nos arts. 20, §1º, 2ª parte e 23, §único, parte final 68 do Código Penal. Assim sendo, nos termos deste diploma legal, tem-se: * Art.20, §1º = descriminantes putativas: É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo. (Grifo nosso). De íntima conexão com os tipos permissivos, (excludentes da antijuridicidade), trata-se da culpa presente nas chamadas discriminantes putativas inescusáveis. Nessas, o agente incide em erro vencível quanto à situação de fato, pois comete um crime supondo estar agindo licitamente ao imaginar que se encontram presentes os requisitos de uma das causas justificativas previstas em lei (...) 69 (legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal, estado de necessidade ou exercício regular de um direito). Assim sendo, o Desembargador Antonio Rosa sinteticamente expõe: Há ocasiões em que o agente pratica o ato criminoso, pensando que limita em seu favor uma causa de justificação qualquer. Por erro de avaliação, ele se julga em legítima defesa, ou em estado de necessidade, etc. 70 * Art. 23, §único = excesso punível: 68 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal - Parte Geral, p.304. Ibid., p.204. 70 ROSA, Antonio José Miguel Feu. Direito Penal – Parte geral, p.340. 69 42 O agente em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo. (Grifo nosso). Essa forma de manifestação da culpa imprópria é muito bem explicada pelo Promotor Victor Gonçalves: É a intensificação desnecessária de uma conduta inicialmente justificada. O excesso sempre pressupõe um início de situação justificante. A princípio o agente estava agindo coberto por uma excludente, mas em seguida, extrapola. (...). O excesso (...) culposo (ou excesso inconsciente ou intencional) é o que deriva de culpa em relação à moderação, e, para alguns doutrinadores, também quanto à escolha dos meios necessários. Nesse caso o agente responde por homicídio culposo. Trata-se de caos de culpa imprópria. 71 3.3.5. Culpa Mediata ou Indireta De acordo com os ensinamentos de Fernando Capez, deve ser entendida como sendo a culpa presente quando o agente produz indiretamente o resultado. É o caso (...) de um assaltante que, após assustar a vítima, faz com que ela fuja e acabe sendo atropelada. 72 Ainda de acordo com o ilustre jurista, é preciso, no caso dessa espécie de culpa, que estejam presentes tanto o nexo causal quanto o normativo, conforme oportunamente visto. 73 71 GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito Penal – Parte Geral, p.84. FERNANDO, Capez. Curso de Direito Penal – Parte Geral, p.166. 73 Ibidem. 72 43 3.3.6. Culpa Concorrente Havendo concorrência de culpa, diz César Roberto Bitencourt, os agentes respondem, isoladamente, pelo resultado produzido. (...) Nessa hipótese, não se pode falar em concurso de pessoas, ante a ausência do vínculo subjetivo. 74 É o caso, por exemplo, de um acidente de carros com vítima fatal, em que todos os motoristas foram imprudentes. Todos os condutores que concorreram culposamente para a ocorrência do evento morte, por esse deverão responder. O exemplo é de Julio Fabbrini Mirabete. 75 3.3.7. Culpa recíproca Caracteriza-se sempre que, nas circunstâncias de fato estiverem presentes tanto a culpa do agente quanto da vítima. Neste sentido, Magalhães Noronha esclarece: Ao inverso do que sucede no direito privado, não admite o penal compensação de culpas. O proceder culposo do ofendido não elide o do agente. (...). Só se isentará de pena alguém quando o resultado for atribuído exclusivamente à culpa da vítima. 76 (Grifo nosso). De acordo com Fernando Capez 77 , apesar de a culpa da vítima não excluir a culpa do agente, nos termos do art.59 do C.P. ela tem utilidade no momento de 74 BITENCOURT, César Roberto. Op. Cit., p.253. MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. Cit., p.152. 76 NORONHA, Magalhães. Op. Cit., p.145. 77 FERNANDO, Capez. Op. Cit., p.171. 75 44 fixação da pena base posto que, o “comportamento da vítima”, nesse caso, pode ser aproveitado em benefício do agente. 45 IV. CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO (CTB) Promulgada em 23 de setembro de 1997, a Lei nº. 9503 (que entrou em vigor em 22 de janeiro de 1998), surgiu da tentativa de atender aos anseios sociais. É o que explica José Geraldo da Silva: A situação do trânsito brasileiro é caótica, e com uma frota que se agiganta a cada ano (...), aliada ao número assustador de pessoas mortas e feridas em acidentes de trânsito, tornou-se mister a codificação de tipos penais que relacionadas ao mau uso do automóvel. criminalizem condutas 78 De acordo com o Sistema de Informações de Mortalidade (SIM) da Secretaria Estadual de Saúde, o trânsito, no Brasil, é uma das principais causas de mortes estando atrás apenas, da violência urbana. Na região sul do país, no entanto, esse quadro se inverte e a imprudência dos motoristas se torna a maior vilã. 79 O CTB, responsável pela revogação da Lei nº. 5108/66, trouxe inovadores mecanismos de repressão à criminalidade no trânsito, dando origem a tipificações penais até então inexistentes e a preceitos secundários consideravelmente rígidos se comparados aos previstos no Código Penal. Sujeito a regulamentações, prevê a possibilidade de se instituir medidas de conscientização que eduquem motoristas e pedestres de modo a reduzir a ocorrência de acidentes. De acordo com Assessoria e Consultoria de Documentos – Marinho Despachantes tem-se: 78 GENOFRE, Fabiano, LAVORENTI, Wilson, SILVA, José Geraldo. Leis penais Especiais Anotadas, p.09. 79 Trânsito lidera ranking de mortes. Disponível em: http://an.uol.br/2002/set/20/0ger.htm. Acesso em 15 de novembro de 2005. 46 O Brasil registra anualmente cerca de 1,5 milhão de acidentes, que resultam na morte de 34 mil pessoas e outras 400 mil ficam feridas nos centros urbanos do país. Isso representa uma média de 80 mortes e mil pessoas feridas por dia. 80 É nesse quadro crítico que vigora o CTB. Esse, por sua vez, consubstancia um antagonismo: prevê, por um lado, diversos tipos penais que configuram crimesobstáculo, visando a impedir a verificação de eventos mais graves 81 , consagrando, por outro lado, diversos retrocessos em matéria penal e processual penal, por ter ferido garantias fundamentais, construídas ao longo dos séculos. 82 4.1. ASPÉCTOS GERAIS 4.1.1. Veículo Automotor A aplicação do CTB pressupõe sempre, que o agente esteja na direção de veículo automotor. O conceito desse vem expresso no próprio CTB (anexo I): (...) todo veículo a motor de propulsão que circule por seus próprios meios, e que serve normalmente para o transporte de pessoas e coisas, ou para a tração viária de veículos utilizados para o transporte de pessoais e coisas. O termo compreende os veículos conectados a uma linha elétrica e que não circulam sobre trilhos (ônibus elétricos). 80 . PANORAMA – Marinho Despachantes. Curso de Direção Defensiva passa a ser obrigatório, p.07. COSTA JUNIOR, Paulo José da, QUEIJO, Maria Elizabeth. Comentários aos Crimes do Código de Trânsito, p.XI. 82 Ibid., p.XII. 81 47 Diante de tal definição, os Promotores Victor Gonçalves e Fernando Capez concluem que os veículos de tração animal (como a carroça) e os de propulsão humana (como a bicicleta) estam excluídos do âmbito de incidência do CTB. 83 Cabe anotar ainda, que também: (...) não estão incluídos no conceito de veículo automotor, para fins de aplicação do Código de Trânsito, todos aqueles que, embora movidos a motor de propulsão e que circulem por seus próprios meios, não transitem sobre vias urbanas terrestres e rurais (...) como lanchas e barcos. 84 4.1.2. Via Pública Alguns dos crimes previstos no CTB (como o de participação em competição não autorizada) apenas são puníveis quando ocorridos em via pública. Via é superfície por onde transitam pessoas, veículos e animais, compreendendo a pista, a calçada, o acostamento, ilha e canteiro central (anexo I do CTB). Via pública, de acordo com Fernando Capez e Victor Gonçalves, é um local aberto a qualquer pessoa, cujo acesso seja sempre permitido e por onde seja possível a passagem de veículos automotor (ruas, avenidas, alamedas, praças etc.). 85 83 CAPEZ,Fernando, GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Aspectos Criminais do Código de Trânsito Brasileiro, p.05. 84 COSTA JUNIOR, Paulo José da, QUEIJO, Maria Elizabeth. Op. Cit., p.56. 85 CAPEZ, Fernando, GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Op. Cit., p.45. 48 Segundo tais doutrinadores, consideram-se ainda vias públicas, as ruas dos condomínios particulares. 86 Damásio Evangelista de Jesus ainda acrescenta que pode ocorrer, entretanto, que o local não seja especificamente destinado ao tráfego de veículos, como grandes jardins, praças, calçadas, passeios, terrenos, gramados, etc. 87 Ainda assim, para efeitos de aplicabilidade do CTB, deverão ser considerados como vias públicas. 4.2. HOMICÍDIO CULPOSO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR Art. 302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor: Penas - detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. 4.2.1. Aspectos Gerais a) Objetividade jurídica: É a tutela da vida humana, cuja proteção por sua extrema importância, é um imperativo de ordem constitucional (art.5º, caput da CF/88). 88 b) Sujeitos: 86 Ibid, p.46. JESUS, Damásio Evangelista. Crimes de Trânsito, p.157. 88 COSTA JUNIOR, Paulo José da, QUEIJO, Maria Elizabeth. Op. Cit., p.53. 87 49 O crime é praticado pelo condutor do veículo (habilitado ou não) contra qualquer pessoa. Neste sentido José Geraldo da Silva. 89 Logo, trata-se de um crime comum quanto aos sujeitos. c) Elemento objetivo: Como o tipo penal não faz restrições, o crime se configura em qualquer que seja o local do delito, desde que o agente esteja na direção de veículo automotor. Logo, pode ocorrer em via pública ou não. 90 Note que, o delito em questão pressupõe sempre a existência de alguém na condução do veículo. Assim, se por negligência, o agente deixar o freio de mão solto ao estacionar em uma rua inclinada e, sem que ninguém esteja na direção do carro, esse vier a deslizar atingindo um terceiro e, provocando-lhe a morte, caracterizado estará o homicídio culposo previsto no Código Penal (art.121, §3º) e não o crime do CTB. O exemplo é da Professora Ana Paula da Fonseca Rodrigues. 91 d) Elemento subjetivo: Considerando-se que se trata de um crime culposo e, portanto, desprovido de intenção, não há elemento subjetivo do tipo, mas sim elemento normativo. 89 GENOFRE, Fabiano, LAVORENTI, Wilson, SILVA, José Geraldo. Leis penais Especiais Anotadas, p.13. 90 JESUS, Damásio Evangelista. Crimes de Trânsito, p.78. Exemplo dado em aula ministrada no dia 19. 09. 2005, ao oitavo semestre (período diurno) do Curso de Direito da UniFMU. 91 50 A esse respeito, o Professor Damásio, calcado na Teoria Finalista, explica que a culpa configura elemento expresso do tipo (...). Trata-se de elemento normativo: exige do magistrado uma apreciação valorativa do fato. 92 De acordo com os doutrinadores Paulo José da Costa Jr. e Maria Elizabeth Queijo, é a culpa, que poderá apresentar-se na modalidade de imprudência (fazer aquilo que não deve), negligência (deixar de fazer aquilo que deve ser feito) ou imperícia (culpa técnica). 93 e) Tentativa e Consumação: Em conformidade com os ensinamentos do autor supracitado, a consumação do crime depende da morte da vítima tratando-se assim, de um crime material insuscetível, no entanto, de tentativa dado o seu caráter culposo; desprovido, portanto, de intenção. 94 f) Ação penal De acordo com Alexandre de Morais e Gianpaolo Smanio, trata-se de um crime que se processa mediante ação penal pública incondicionada. 95 A punição abrange a privação de liberdade do agente e a aplicação de uma interdição de direitos (proibição para exercer o direito de dirigir veículos automotores). 92 JESUS, Damásio Evangelista. Crimes de Trânsito, p.79. Ibidem. 94 Ibid., p.78. 95 MORAIS, Alexandre, SMANIO, Gianpaolo Poggio. Legislação Penal Especial, p.229. 93 51 José Geraldo da Silva esclarece que pelas regras do Código Penal, não se pode aplicar, em razão do mesmo delito, uma pena privativa de liberdade e outra restritiva de direitos dado o caráter substitutivo da última. No caso do CTB, no entanto, isso será possível sempre que o agente for reincidente específico nos crimes previstos no CTB (art.296) ou quando o preceito secundário de seus dispositivos expressamente o determinarem. É o que ocorre na tipificação do homicídio culposo. 96 Conforme destaca Alexandre de Morais e Gianpaolo Smanio, o art.293 do CTB determina que o período de proibição para exercer o direito de dirigir veículos automotores varia de dois meses a cinco anos. Evidentemente, nos termos do próprio art.293, §2º do CTB, deve o agente cumprir primeiro a pena privativa de liberdade para depois cumprir a restritiva de direito sob pena de a última configurarse inócua. 97 4.2.2. Causas de aumento de pena Parágrafo único. No homicídio culposo cometido na direção de veículo automotor, a pena é aumentada de um terço à metade, se o agente: a) I - não possuir Permissão para Dirigir ou Carteira de Habilitação; A diferença entre permissão e habilitação é bem delineada por José Geraldo da Silva: A Permissão é um documento conferido ao candidato aprovado em todos os exames de habilitação, e possui a validade de um ano, 96 97 GENOFRE, Fabiano, LAVORENTI, Wilson, SILVA, José Geraldo. Op. Cit., p.11. MORAIS, Alexandre, SMANIO, Gianpaolo Poggio. Op. Cit., p.224. 52 conhecido como período de prova. A habilitação é o documento definitivo conferido a pessoa que cumpriu o período de prova, sem cometer nenhuma infração grave ou gravíssima, ou não ser reincidente em infração média, nos termos do art.148, §§2º e 3º, Código de Trânsito Brasileiro. 98 Segundo Arnaldo Rizzardo, haverá a incidência dessa causa de aumento de pena sempre que o indivíduo não for autorizado a dirigir ou, encontrar-se, no momento do fato, sem o documento. 99 Há, no entanto, entendimentos diversos, como o de José Geraldo da Silva, no sentido de que o fato de o agente cometer homicídio culposo na direção de veículo automotor, sem ser devidamente habilitado, autoriza a incidência da causa de aumento de pena. 100 (Grifo nosso). Isso, portanto, exclui o caso de ter a permissão, mas não estar com ela no momento do acidente. b) II - praticá-lo em faixa de pedestres ou na calçada; A majoração de pena, nesse caso, é bem justificada pelos Promotores Fernando Capez e Victor Gonçalves: Entendeu o legislador que a conduta culposa é mais grave nesses casos, uma vez que a vítima é atingida em local destinado a lhe dar segurança na travessia das vias públicas, demonstrando um total desrespeito do motorista em relação à área. 98 101 Ibidem. RIZZARDO, Arnaldo. Comentários ao Código de Trânsito Brasileiro, p.760. 100 GENOFRE, Fabiano, LAVORENTI, Wilson, SILVA, José Geraldo. Op. Cit., p.14. 101 CAPEZ, Fernando, GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Op. Cit., p.33. 99 53 Conforme esclarece Alexandre de Morais e Gianpaolo Smanio, é necessário que a conduta tenha sido praticada na faixa de pedestres ou na calçada. A vítima pode ter morrido em outro lugar. 102 c) III - deixar de prestar socorro, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à vítima do acidente; De acordo com Fernando Capez, esse aumento de pena é aplicável apenas ao motorista que deu causa ao acidente: Essa hipótese somente é aplicável ao condutor do veículo que tenha agido de forma culposa. Caso não tenha agido com imprudência, negligência ou imperícia e deixe de prestar socorro à vítima, estará incurso no crime de omissão de socorro de trânsito. 103 Logo, o sujeito ativo do crime autônomo de omissão de socorro previsto no art.304 do CTB é a pessoa que, conduzindo um veículo automotor, envolve-se em um acidente sem que o tenha ocasionado. 104 No que diz respeito à omissão de socorro prevista no Código Penal (art.135), o sujeito ativo é qualquer pessoa que não tiver qualquer ligação com o acidente (nem o deu causa nem com ele se envolveu). 105 Alexandre de Morais e Gianpaolo Smanio destacam que a circunstância somente incidirá se for possível o socorro. Se a vítima falece no momento da 102 MORAIS, Alexandre, SMANIO, Gianpaolo Poggio. Op. Cit., p.228. CAPEZ, Fernando, GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Op. Cit., p.34. 104 Ibid., p.36. 105 Ibidem. 103 54 conduta culposa, não há que se falar em omissão de socorro. (...). Se houver perigo de linchamento não haverá agravação da pena. 106 Fernando Capez, por sua vez, complementa: Se o agente não possui condições de efetuar o socorro ou quando também ficou lesionado no acidente de forma a não poder ajudar a vítima, não terá aplicação o dispositivo. O instituto igualmente não será aplicado se a vítima for de imediato, socorrida por terceira pessoa. 107 Alexandre de Morais e Gianpaolo Smanio, no entanto, citam o entendimento em sentido contrário da doutrina majoritária: Caso a vítima seja socorrida por terceiros, haverá agravação de pena, uma vez que a omissão de socorro ocorreu e foi descumprido o dever de solidariedade humana. 108 d) IV - no exercício de sua profissão ou atividade, estiver conduzindo veículo de transporte de passageiros. Nesse caso, de acordo com Alexandre de Morais e Gianpaolo Smanio, justifica-se o aumento de pena porque, por parte do motorista profissional, o dever de cuidado é maior do que o das outras pessoas, residindo aí, a maior gravidade da conduta. 109 106 MORAIS, Alexandre, SMANIO, Gianpaolo Poggio. Legislação Penal Especial, p.228. CAPEZ, Fernando, GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Op. Cit., p.34. 108 MORAIS, Alexandre, SMANIO, Gianpaolo Poggio. Op. Cit., p.228. 109 Ibidem. 107 55 Fernando Capez e Victor Gonçalves destacam que esse dispositivo é aplicável aos motoristas de ônibus, táxi, lotação, bonde, etc. e, em seguida, complementam: O instituto não deixará de ser aplicado mesmo que o veículo de transporte de passageiros esteja vazio ou quando está sendo conduzido até a empresa após o término da jornada e, ainda que o resultado tenha alcançado pessoa que não estava no interior da do veículo. 110 e) V - estiver sob a influência de álcool ou substância tóxica ou entorpecente de efeitos análogos. Trata-se de um dispositivo inserido ao art.302 do CTB pela Lei 11.275 de 07 de fevereiro de 2006. Logo, também é causa de aumento de pena o homicídio culposo decorrente de embriaguez ao volante. (Vide anexo, p.71). Diante de tal alteração, o Professor Ivan Carlos de Araújo convenientemente alerta que o concurso de crimes entre o art.302 (homicídio culposo no trânsito) e o art.306 (que prevê o crime autônomo de embriaguez ao volante), no caso de embriaguez ao volante com evento morte, deixa de existir. Surge, no entanto, o conflito aparente de normas que deverá ser solucionado pelo princípio da subsidiariedade tácita. Tal princípio, por sua vez, é muito bem explicado por Francisco de Assis Toledo: (...) há subsidiariedade quando diferentes normas protegem o mesmo bem jurídico em diferentes fases, etapas ou graus de agressão. Nesta hipótese o legislador ao punir a conduta da fase 110 CAPEZ, Fernando, GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Aspectos Criminais do Código de Trânsito Brasileiro, p.35. 56 anterior, fá-lo com a condição de que o agente não incorra na punição da fase posterior, mais grave, hipótese em que só esta última prevalece.(...) A norma secundária só é aplicada na ausência de outra norma – a norma primária -, já que esta última envolve por inteiro a primeira. (...) Há subsidiariedade tácita nos delitos punitivos que descrevem fase prévia, de passagem necessária para a realização do delito mais grave cuja punição abrange todas as etapas anteriores de execução. 111 Portanto, se o agente, sob a influência de entorpecentes, na direção de veículo automotor, imprudentemente der causa a morte de alguém estará sujeito à aplicação de pena prevista no art.302, V do CTB (não mais no art.306 em concurso com o art.302, caput do CTB). 4.4. PARTICIPAÇÃO EM COMPETIÇÃO NÃO AUTORIZADA Art. 308. Participar, na direção de veículo automotor, em via pública, de corrida, disputa ou competição automobilística não autorizada pela autoridade competente, desde que resulte dano potencial à incolumidade pública ou privada: Penas - detenção, de seis meses a dois anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. 4.4.1. Aspectos Gerais a) Objetividade jurídica: 111 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal, p. 52. 57 É tutela da incolumidade pública, especificamente no que se refere à segurança viária, posta em risco pela imprudência. (...) a referência à incolumidade privada (...) está abrangida na incolumidade pública. 112 . b) Sujeitos: De acordo com José Geraldo da Silva, o sujeito passivo é a coletividade. 113 E Fernando Capez e Victor Gonçalves ainda complementam: (...) de forma secundária e eventual, a pessoa exposta a risco em virtude da disputa. 114 Quanto ao sujeito ativo, Alexandre de Morais e Gianpaolo Smanio especificam: Os condutores participantes. Pode ser qualquer pessoa, habilitada ou não. Crime de concurso necessário: não pode ser praticado por uma só pessoa. O tipo exige a participação de dois ou mais motoristas. Concurso de agentes: respondem também pelo crime, como partícipes, co-pilotos, promotores de evento, fiscais da competição etc. 115 Fernando Capez e Victor Gonçalves mais uma vez acrescentam que espectadores e passageiros que estimulem a corrida responsabilizados na condição de partícipes (art.29 do CP). serão também 116 c) Elemento objetivo: 112 COSTA JUNIOR, Paulo José da, QUEIJO, Maria Elizabeth. Comentários aos Crimes do Código de Trânsito, p.76. 113 GENOFRE, Fabiano, LAVORENTI, Wilson, SILVA, José Geraldo. Leis Penais Especiais Anotadas, p.21. 114 CAPEZ, Fernando, GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Op. Cit., p.47. 115 MORAIS, Alexandre, SMANIO, Gianpaolo Poggio. Legislação Penal Especial, p.243. CAPEZ, Fernando, GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Op. Cit., p.51. 116 58 Quanto aos elementos objetivos, tem-se que o núcleo do tipo é participar no sentido de tomar parte de: - corrida – é unilateral, isolada. Trata-se do motorista que, em plena via pública, dirige em desabalada carreira, para provar a potência do veículo ou para exibir-se. 117 - disputa – é o racha, o desafio (...) entre dois motoristas. Ambos, (...) se confrontam em via pública. 118 - competição – é a disputa coletiva, reunindo três ou mais motoristas. 119 De acordo com José Geraldo da Silva, são exigidos quatro requisitos para a configuração do delito: 1) participar na direção de veículo automotor (...). Se não se tratar de veículo automotor, como: charrete, carroça, mobilete, bicicleta, poderá haver a responsabilização pela contravenção do art.34, LCP; 2) participar (...) em via pública. (...); 3) (...). É um elemento normativo do tipo corrida, disputa ou competição não seja autorizada pela autoridade competente. (...) 4) (...). A norma penal exige que ocorra dano potencial à incolumidade pública, que pode acontecer com a velocidade excessiva, manobras arriscadas, cavalo-de-pau (...) etc. 117 120 COSTA JÚNIOR, Paulo José e QUEIJO, Maria Elizabeth. Comentários aos Crimes de Trânsito, p.76. 118 Ibidem. 119 Ibidem. 120 GENOFRE, Fabiano, LAVORENTI, Wilson, SILVA, José Geraldo. Leis Penais Especiais Anotadas, p.22. 59 d) Elemento subjetivo: É o dolo, que consiste na vontade livre e consciente de participar de disputa, competição ou corrida automobilística. 121 e) Tentativa e Consumação Prevalece o entendimento de que é possível haver tentativa. É a hipótese em que, estando os carros alinhados e com os motores aquecidos, são impedidos de partirem. 122 Para Fernando Capez e Victor Gonçalves, no entanto, a tentativa é inadmissível. 123 A consumação, por sua vez, ocorre quando a corrida, disputa ou competição se inicia. 124 Cabe observar que, no entendimento de Paulo José da Costa Jr. e Maria Elizabeth Queijo a mera participação (...) não configura o crime. Faz-se mister que a conduta resulte dano potencial à incolumidade pública. Assim, se a via pública estiver deserta, o dano potencial não se apresenta. 125 121 Ibidem. 122 Neste sentido: Paulo José da Costa Jr.; Maria E. Queijo; Alexandre de Morais; Gianpaolo Smanio; José Geraldo da Silva e Damásio E. de Jesus. 123 124 125 CAPEZ, Fernando, GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Op. Cit., p.53. GENOFRE, Fabiano, LAVORENTI, Wilson, SILVA, José Geraldo. Op. Cit., p.22. COSTA JÚNIOR, Paulo José e QUEIJO, Maria Elizabeth. Op. Cit., p.76. 60 Neste mesmo sentido, José Geraldo da Silva explica: se a disputa ocorrer em local deserto ou em propriedade particular, não estará configurado o delito deste artigo. 126 Para Fernando Capez e Victor Gonçalves, no entanto, a consumação ocorrerá sempre que tal participação desrespeitar as normas de segurança de trânsito (excesso de velocidade, manobras perigosas); independentemente de a via pública estar ou não deserta. 127 f) Ação penal: O delito em pauta é processado mediante ação penal pública incondicionada, dada a inviabilidade de que se proceda mediante representação. 128 126 GENOFRE, Fabiano, LAVORENTI, Wilson, SILVA, José Geraldo. Op. Cit., p.22. 127 CAPEZ, Fernando, GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Op. Cit., p.53. MORAIS, Alexandre, SMANIO, Gianpaolo Poggio. Legislação Penal Especial, p.245. 128 61 V. DOLO EVENTUAL E CULPA CONSCIENTE Muito se discute se, quem causa a morte de alguém por ocasião de uma conduta inicial de embriaguez ao volante ou “racha”, age sob o domínio de dolo eventual ou culpa consciente; havendo julgados em ambos os sentidos. 5.1. DISTINÇÃO A diferença entre tais elementos subjetivos foi delineada por duas teorias principais: - Teoria da Probabilidade, Representação ou Verossimilhança – segundo a qual deve-se avaliar o elemento intelectivo do dolo. A esse respeito, Cornélio Holanda sintetiza a disparidade entre os institutos: Se o resultado é previsto apenas como possível, há culpa consciente; ao contrário, se é representado mentalmente como provável, estaremos no campo do dolo eventual. 129 Essa corrente foi alvo de muitas críticas posto que, ignora o principal elemento do dolo que, como visto, é o volitivo (vontade de atingir o evento típico ou pelo menos, o consentimento na ocorrência do mesmo). É o que explica o advogado Alexandre Wundelich: Nos filiamos aqueles que acreditam que a teoria da probabilidade parte apenas do elemento intelectivo do dolo, esquecendo-se de valorar o elemento volitivo (elemento essencial do dolo sublinhe-se!). (...). Contra a teoria da probabilidade (...) se 129 Holanda, Cornélio José. O dolo eventual nos crimes de trânsito. Disponível em http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5263. Acesso em 30 de março de 2005. 62 tem dito e repetido que ela exige apenas que o autor tenha decidido realizar um ato que provavelmente implicará lesão de um bem jurídico. Ocorre que assa representação da probabilidade de lesão não é suficiente para se acreditar que o autor realmente tenha assumido o risco de produzir determinado resultado, uma vez que, embora a realização seja provável, poderá o autor, confiando em sua boa fortuna, acreditar que o resultado não se produzirá. 130 - Teoria do Consentimento, da Aprovação ou Aceitação – em que, além da representação do provável evento lesivo, deve o agente consentir na ocorrência daquele para que o dolo eventual surja. Sem tal anuência, delineada estará a culpa consciente. Nesse sentido, o procurador Sérgio R. F. Pepeu esclarece: Poderíamos simplesmente determinar, que para a figura do dolo indireto do tipo eventual, não se esgota na possibilidade de previsão do acontecimento, mas sim, e, precisamente, na indiferença a esse resultado por parte do agente. Se o agente pensa: "Se eu continuar a dirigir assim posso vir a matar alguém, mas confio na minha habilidade, isto não ocorrerá..." presente estará a culpa consciente, por sua leviandade. A "contrario senso" se ele refletir: "Se eu continuar a dirigir assim posso vir a matar alguém, mas não me importa, que aconteça, vou continuar.." presente estará o elemento volitivo e, consequentemente, o dolo eventual por seu egoísmo. 131 Tendo por base as fórmulas de Frank, a Teoria do Consentimento se divide em duas espécies: 130 WUNDERLICH, Alexandre. O dolo eventual nos homicídios de transito: uma tentativa frustrada. In Revista dos Tribunais, v.754, p.463. 131 PEPEU, Sergio Ricardo Freire. O dolo eventual e a culpa consciente em crimes de trânsito. (Obtido em 26 de fevereiro de 2005). Disponível em http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=1731. 63 * Teoria hipotética do conhecimento = em que, de acordo com referido procurador a previsão do resultado como possível somente constitui dolo, se a previsão do mesmo resultado como certo não teria detido o agente, isto é, não teria tido o efeito de um decisivo motivo de contraste. 132 Ou ainda, nas palavras do Professor Damásio, teoria hipotética do consentimento, hoje quase abandonada, funda-se na previsão da possibilidade do evento, de acordo com a fórmula 1 de Frank (...). 133 * Teoria positiva do conhecimento = em que, com base na fórmula 2 de Reinhard Frank, entende que no dolo eventual o sujeito não leva em conta a possibilidade do evento previsto, agindo e assumindo o risco de sua produção (“seja assim ou de outra maneira, suceda isto ou aquilo, em qualquer caso agirei”). 134 Diante do exposto, o advogado Cornélio Holanda sintetiza: A Teoria do Consentimento (...) subdivide-se em Teoria Hipotética do Consentimento, para a qual, mesmo a antevisão da certeza da ocorrência do resultado lesivo não faz o agente recuar sua conduta; e na Teoria Positiva do Consentimento, onde o agente ignora a possibilidade da consumação ou não de qualquer evento danoso e realiza a conduta. 135 O advogado Alexandre Wundelich alerta que a grande crítica que se faz a essa posição refere-se à dificuldade de produção de provas desse processo 132 Ibidem. JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal - Parte Geral, p.291. 134 Ibidem 135 Holanda, Cornélio José. O dolo eventual nos crimes de trânsito. (Obtido em 30 de março de 2005). Disponível em http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5263. 133 64 psicológico. Ainda assim, trata-se da posição dominante, adotada inclusive pelo Código Penal pátrio. 136 Observe que, de acordo com Cláudio Heleno Fragoso, a expressão “assumir o risco” é imprecisa para distinguir o dolo eventual da culpa consciente e deve ser interpretada em consonância com a teoria do consentimento. 137 Seguindo o mesmo raciocínio, Alexandre Wunderlich explica: Na realidade, num planeta extremamente motorizado, a expressão empregada na legislação brasileira tornou-se inadequada. Assumir o risco´ é pouco. Em sentido lato, para assumir o risco basta sentar à direção de um veículo. É preciso mais do que isso, sob pena de darmos demasiada elasticidade ao conceito e, assim, punirmos não só o agente que age dolosamente, mas até o motorista que age culposamente, como se em todos os crimes de trânsito com resultado morte estivesse presente a figura do dolo eventual. 138 Assim sendo, o advogado Cornélio de Holanda diferencia: Na culpa consciente existe, após a previsão positiva do resultado lesivo, uma previsão negativa de que este não ocorrerá; no dolo eventual, após a previsão positiva do resultado, sucede outra, de feição ao menos parcialmente positiva, de que é provável a ocorrência do evento lesivo, não tendo força, entretanto, para impedir o infrator de realizar a atividade. 136 139 WUNDERLICH, Alexandre. O dolo eventual nos homicídios de transito: uma tentativa frustrada. In Revista dos Tribunais, v.754, p.464. 137 FRAGOSO, Cláudio Heleno. Lições de Direito Penal – Parte Geral, p.278. 138 WUNDERLICH, Alexandre. O dolo eventual nos homicídios de transito: uma tentativa frustrada. In Revista dos Tribunais, v.754, p.470. 139 Holanda, Cornélio José. O dolo eventual nos crimes de trânsito. (Obtido em 30 de março de 2005). Disponível em http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5263. 65 Diante de todo o exposto, é evidente que a única diferença entre os institutos subjetivos em questão é a anuência que o agente presta ou não ao resultado sendo que, na culpa consciente, o agente apesar de sabê-lo possível, acredita sinceramente poder evitá-lo; o que só não ocorre por erro de cálculo ou por erro na execução. 140 Vê–se pois, diz Luiz Régis Prado, que o critério decisivo se encontra na atitude emocional do sujeito. 141 5.2. AFINAL, DOLO EVENTUAL OU CULPA CONSCIENTE? Os argumentos sustentados por quem defendeu a “previsão legal do dolo nos delitos de trânsito” refletem a angústia dos que acreditam que tal tipificação é a mais condizente com a gravidade dos delitos em questão. Neste sentido, o senador Sérgio Machado (citado pelo Dr. Ruy Carlos de Barros Monteiro) dispôs nos seguintes termos: Em face da ocorrência de morte, quando o agente conduzia sob a influencia de álcool ou substancia de efeito análogo (...) ou quando o agente participava de corridas em via pública, por espírito de emulação – os vulgarmente chamados rachas (...), haverá presunção legal de que o condutor assumiu o risco de produzir o resultado – morte, devendo, portanto, ser julgado pela prática de homicídio doloso. 142 140 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal,p.302. BITENCOURT, César Roberto. PRADO, Luiz Régis. Código Penal Anotado, p.200. 142 MONTEIRO, Ruy Carlos de Barros. Crimes de Trânsito, p.142. 141 66 O Dr. Ruy Carlos de Barros Monteiro (autor do Capítulo XIX – Dos Crimes de Trânsito), relata que esse anseio foi alvo de intensas discussões desde que o Anteprojeto do Ministério da Justiça (de 1976) consagrou a modalidade dolosa dos crimes de trânsito (homicídio e lesão corporal), embora tal projeto não tenha sido aprovado. 143 Assim, a própria conduta, dado o seu grau de reprovabilidade, já induz o agente a assumir o risco de obter um resultado mais grave. Logo, quem dirige embriagado ou participa de competição não autorizada já tem consciência de que tal conduta potencializa a ocorrência de um crime mais danoso e, a indiferença do agente em relação a essa possibilidade faz surgir o dolo eventual. Tal indiferença, no entanto, se materializa na própria execução da conduta. É o que se pode concluir a partir da análise de diversos acórdãos que tipificaram o crime com base no dolo eventual. Nesse sentido, tem-se que o Tribunal de Justiça de São Paulo, ao julgar o recurso em sentido estrito (nº.243.231.3/8-000), cujo relator foi o Desembargador David Haddad, decidiu da seguinte forma: A pratica de racha, em via publica de intensa movimentação, caracteriza o dolo eventual, pois demonstra a total indiferença do agente para com o resultado, fatal ou não, porventura ocorrido. Com a finalidade de melhor fundamentar a decisão, o mencionado magistrado citou nesse acórdão uma jurisprudência que dispõe nos seguintes termos: 143 Idem, p.140. 67 Não pode alegar ausência de dolo o agente que, por espírito de emulação , tendo equipado seu veículo com sistema de turbinas para aumentar a potencia, participa de racha, em logradouro público, gozando de consciência inequívoca de seu proceder assumindo o risco de produzir o evento lesivo. (TJSP, Rel. Des. Christiano Kuntz, RT 728/529). Ainda de acordo com o Dr. Ruy Carlos de Barros Monteiro as críticas à presunção legal de dolo em crimes de trânsito foram tantas, que em 1980 o Anteprojeto do Ministério da Justiça foi modificado, passando a prever a modalidade culposa dos crimes de homicídio e lesão corporal típicos de trânsito; o que bem mais tarde (em 1997) foi sancionado pelo então Presidente da República (Fernando Henrique Cardoso). 144 Diante dessa ausência de presunção legal de dolo eventual, os defensores desse passaram a estipular uma espécie de presunção circunstancial do mesmo em que, para que se considere que o agente agiu sob o domínio de culpa consciente, as provas a esse respeito devem ser incontestáveis. É o que explica o advogado Cornélio Holanda: (...) a existência de apenas um elemento ou conduta normalmente não será suficiente para a comprovação do dolo eventual (...). Outras vezes, porém, a existência de apenas um elemento será forte indicador do dolo eventual. É o que acontece com o elemento de condução perigosa na forma de pegas ou rachas. 145 Essa conclusão pode ser também extraída da ementa de julgamento de um recurso especial julgado pela Quinta Turma do STJ: 144 Idem, p.141. Holanda, Cornélio José. O dolo eventual nos crimes de trânsito. (Obtido em 30 de março de 2005). Disponível em http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5263. 145 68 (...) Na hipótese de “racha”, em se tratando de pronúncia, a desclassificação da modalidade dolosa de homicídio para culposa deve ser calcada em prova por demais sólida. (...) O dolo eventual, na prática, não é extraído da mente do autor, mas, isto sim, das circunstancias. Nele se exige (...) que a aceitação se mostre no plano do possível, provável. (...) O tráfego é atividade própria de risco permitido. O “racha”, no entanto, é anomalia que escapa dos limites próprios da atividade regulamentada. 146 O resumo estruturado do julgamento de um recurso especial (também pela Quinta Turma do STJ), evidencia que antes da recente Lei 11.275/2006, havia uma tendência mais radical também em relação ao crime de embriaguez ao volante: Descabimento, desclassificação do crime, homicídio doloso, homicídio culposo, hipótese, acidente de trânsito, decorrência, embriaguez, motorista, (...), existência, dolo eventual (...). 147 Também o STF via habeas corpus, já decidiu nesse mesmo sentido: Delito de trânsito, praticado em estado de embriaguez. Para se concluir pela não ocorrência de dolo eventual, torna-se necessário o exame acurado de provas (...). HC indeferido. 148 Essa presunção de vontade contida na causa do crime mais grave pode ser também auferida no seguinte julgado do recurso em sentido estrito nº.189.655-3, cujo relator foi o Desembargador Silva Pinto da Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo: 146 STJ – Recurso Especial 247263/MJ – Quinta Turma – Rel. Min. Felix Fischer – J. 05.04.2001. 147 STJ – Recurso Especial 186440/SC – Quinta Turma – Rel. Min. Felix Fischer – J. 02.02.1999. STJ – HC 60065/RS – Segunda Turma – Rel. Min. Cordeiro Guerra. 148 69 O veículo automotor, cada vez mais sofisticado e veloz, quando entregue nas mãos de motoristas menos preparados, em face da embriaguez, passa a constituir arma perigosa, impondo grande risco às pessoas que se encontram nas vias públicas. Ora, aqueles que usam essa arma de modo inadequado se não querem o resultado lesivo, assumem, pelo menos, o risco de produzi-lo. Apesar de todos esses julgados, nem todos os acórdãos são pautados em presunções. Circunstâncias outras, que não apenas o homicídio em função da participação em competições não autorizadas, têm também sido levadas em consideração por alguns magistrados para verificar se de fato houve ou não a configuração do dolo eventual. Aliás, o magistrado Carlos Biasotti, citado pelo procurador Sérgio Pepeu: Em verdade, (...) conhecem-se casos de motoristas que respondem a processo perante o Júri, por haver causado a morte de pedestres. Tê-la-iam causado por inobservância desmarcada de regras de transito, como: dirigir em estado de embriaguez (...), disputar corrida por espírito de emulação etc. (...) A afirmação de que o autor da morte de trânsito, naquelas circunstâncias, deve ser julgado pelo Júri, porque praticou o delito dolosamente, contém falsa premissa. Deveras, não foi dolo o que aí pudera ter existido, nem sequer dolo eventual, senão culpa (ainda consciente). 149 É o que também se pode concluir a partir do seguinte trecho de um acórdão (que diz respeito aos crimes de homicídio e lesão corporal em virtude de “racha”) emitido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, no julgamento da apelação 149 PEPEU, Sérgio Ricardo Freire. O dolo eventual e a culpa consciente em crimes de trânsito. (Obtido em 26 de fevereiro de 2005). Disponível em http: www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=1731. 70 nº.333.631.3/0 cujo relator foi o Desembargador Canguçu de Almeida e, em que o terceiro juiz (o Desembargador Pires Neto), em declaração de voto vencedor dispõe nos seguintes termos: Não encontrei nesses autos, “premissa vênia”, elementos de prova aptos para justificar, ainda que superficialmente, o entendimento de que os apelantes tenham previsto o resultado danoso e, mais do que isso, tenham aceitado como uma das alternativas possíveis, consentindo no trágico resultado (...). Não raramente, essa análise mais apurada de provas leva à tipificação do homicídio em sua modalidade culposa. Aliás, em relação aos crimes de homicídio e lesão corporal dolosos, Damásio E. de Jesus, citado por Ruy Carlos de B. Monteiro, na época de elaboração do Anteprojeto do Ministério da Justiça posicionou-se: Não concordamos com a inserção como “crimes de trânsito” do homicídio e lesão corporal dolosos. Estes, na verdade, mesmo quando tem o automóvel como meio de execução, não constituem propriamente “delitos de trânsito”, mas crimes comuns. Como ensina José Frederico Marques, “quem usa de automóvel intencionalmente, para matar ou ferir alguém, não está praticando um delito do automóvel, mas servindo-se desse para cometer um homicídio doloso (...)”. Isso porque o típico delito de trânsito é praticado contra a vida ou a incolumidade física culposamente. 150 Esse entendimento reflete a posição da doutrina dominante, a qual, calcada na teoria do consentimento, ressalta que uma conduta inicial, ainda que ilícita, não justifica uma imputação objetiva pelo resultado maior. Isto é, ter o agente agido com dolo no antecedente, não significa que ele também o tenha feito em relação ao subseqüente. 150 MONTEIRO, Ruy Carlos de Barros. Crimes de Trânsito, p.141. 71 É evidente que verificar a existência ou não do elemento subjetivo do tipo nas circunstâncias do crime é uma tarefa árdua. É por causa dessa dificuldade que inúmeros criminosos de trânsito são submetidos a julgamento pelo Tribunal do Júri, tendo em vista a aplicação do princípio in dubio pro societate. É o que comenta o Dr. César Vidor: (...) destacamos que a aplicação do dolo eventual para motoristas causadores de fatalidades é movida unicamente por "política criminal" e nada mais representa do que um excesso cometido pelo poder judiciário, que visa tão somente satisfazer à opinião pública, ainda que calcado em teorias consagradas do Direito Penal. 151 No entanto, ao final do processo, se a dúvida persistir, deverá ser aplicado o princípio do “in dubio pro reo”. É o que explica Celso Delmanto: (...) evidentemente, havendo dúvida quanto ao conteúdo psicológico da conduta - sempre de difícil aferição -, prevalecerá a hipótese menos gravosa de culpa consciente, em face do primado ‘favor libertatis’ que é fonte de todo o Estado Democrático de Direito, o qual, em matéria probatória nos campos penal e processual penal, se traduz na máxima “in dubio pro reo. 152 No entanto, citado por diversos acórdãos, Alexandre Wunderlich fez questão de transparecer a seguinte crítica a esse fato: (...) existe notoriamente uma tentativa de se levar os casos de homicídio no trânsito ao crivo do júri popular, acreditando-se que tais agentes agiriam com manifesto dolo eventual (...). Diga-se, então, que o dolo eventual nos crimes de trânsito é uma ficção jurídica 151 VIDOR, César. Dolo eventual nos acidentes de trânsito. (Obtido em 28 de julho de 2005). Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2776. 152 CELSO, Delmanto. Código Penal Comentado, p.33. 72 utilizada fantasiosamente inadequada. para compensar uma legislação 153 Essa censura foi reforçada pelo próprio Desembargador Pires Neto em fundamentação ao acórdão supracitado: (...) se convencionou de forma tácita haver necessidade de punição a seus agentes como meio de afastar a impunidade de corrente de uma frouxa legislação de trânsito. (...) É ressabido que, em matéria penal, a responsabilidade objetiva não é admitida nem mesmo para atender à grande repercussão do fato delituoso e impor punição mais severa a seus agentes quando, como aqui, a legislação específica, por inoperância legislativa, se revela inexpressiva e tênue, gerando, no meio social, uma sensação de impunidade, que, na verdade, não pode ser imputada ao Judiciário, a quem incumbe, por preceito constitucional, a atuação da lei (stricto sensu) aos casos concretos, inexistente a possibilidade jurídica, no plano constitucional, de o Estado-Juiz arvorar-se em legislador para suprir a inoperância negligente do Poder Legislativo. Por fim, a partir de tão convenientes argumentos, torna-se fácil a compreensão de julgados de Tribunal de Justiça de São Paulo que, a exemplo do que fez o Desembargador Gentil Leite, relator do recurso em sentido estrito nº. 219.432.3/4-00, optam pela punição dos agentes de trânsito a título de culpa consciente, fundamentando tal decisão com julgados proferidos pelo já extinto Tribunal de Alçada Criminal, os quais dispõem nos seguintes termos: Revela culpa o condutor que provoca acidente quando dirige em velocidade desmedida (...). (Rel. Veiga de Carvalho - JUTACRIM 78/234). A embriaguez em condução de veículo é conduta 153 WUNDERLICH, Alexandre. O dolo eventual nos homicídios de transito: uma tentativa frustrada. In Revista dos Tribunais, v.754. 73 imprudente, caracterizando sua condução perigosa, pois afeta os reflexos, a atenção e a avaliação das situações a serem enfrentadas no trânsito. (TACRIM – SP – 320.611 – Rel. Fernandes Braga). Não há dúvidas de que toda essa problemática justifica a preocupação manifestada pelo Promotor de Justiça Rogério Greco (também citado pelo Dr.Ruy Monteiro): (...) acho muito perigoso você conjugar embriaguez mais velocidade como sinônimo de dolo eventual, em razão de uma simples expressão contida no art.18, I do Código Penal... O que deve ser explicado e que deve ser frisado nessa oportunidade é que particularmente minha posição não é beneficiar criminosos do trânsito, pelo contrário, o que o Ministério Público, principalmente o que eu quero, é que todos nós tenhamos a certeza de que se praticarmos um fato igual no Paraná, no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina, em Minas Gerais, todos nós seremos punidos da mesma forma, o que não pode é um Estado aplicar uma determinada pena, em face de uma interpretação e outro, uma pena completamente diferente face de uma outra interpretação. 154 Idem, p.143. 74 154 VI. CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir do estudo das modalidades de dolo e culpa foi possível constatar que entre o dolo eventual (que é uma modalidade de dolo indireto) e a culpa consciente, há uma linha tênue no que tange à configuração ora de um instituto, ora de outro. Nesta esteira, configura-se o dolo eventual quando a indiferença do agente evidenciar que este assumiu o risco de produzir determinado resultado. Em contrapartida, caracteriza-se a culpa consciente sempre que o indivíduo, ao antever a possibilidade de ocorrência do evento típico, confiar que, em função de suas habilidades pessoais, este não ocorrerá. O estudo da distinção entre o dolo eventual e a culpa consciente torna-se ainda mais relevante quando da caracterização do homicídio culposo previsto no art.302 do CTB, especificamente se este resultar do crime de participação em disputa não autorizada (art.308 do CTB). Afinal, há posicionamentos no sentido de que, aquele que realiza a referida conduta (dado o grau de reprovabilidade desta), assume o risco de produzir o evento morte. Por outro lado, há quem entenda que nesta mesma situação deve o acusado ser punido a título de culpa consciente em relação ao evento morte, pois o dolo existente no momento da participação em disputa não autorizada não persiste no momento do homicídio havendo, portanto, concurso de crimes. Insta salientar que tal problemática também se apresentava no caso do crime de embriaguez ao volante (art.306 do CTB). No entanto, com o advento da Lei 11.275/2006, o art.302, parágrafo único do CTB foi acrescido do inciso “V”, que passou a prever a “influência de álcool ou substância tóxica ou entorpecente de efeitos análogos” como uma causa de aumento de pena do homicídio culposo previsto na legislação especial em tela. 75 Assim, diante do conflito aparente de normas, se a imprudência do acusado atingir de modo mais gravoso os bens juridicamente tutelados envolvidos (no caso, segurança viária e direito à vida), esta causa de aumento de pena sempre prevalecerá sobre o crime autônomo de embriaguez ao volante, pois pelo princípio da subsidiariedade tácita, ela é mais abrangente. A jurisprudência oscila entre tais correntes, mas tem prevalecido, no início dos processos, a tipificação do crime de homicídio em sua modalidade dolosa (de acordo com art.121 do Código Penal) em função da aplicação do in dubio pro societate. Ao final dos mesmos, no entanto, persistindo a dúvida, o quadro se inverte e, em geral, o agente é punido a título de culpa consciente. Assim, um posicionamento taxativo, em um ou outro sentido se torna impossível na medida em que, sendo cada caso um caso; não se pode estabelecer uma regra fixa de enquadramento em certo tipo penal. Certo é que, uma legislação inadequada (como a em questão) e o anseio social por uma efetiva punição aos infratores de trânsito não justificam a aplicação de uma pena que não seja condizente com as reais circunstâncias do crime. Sendo a lei ineficaz, não cabe ao Poder Judiciário inovar, mas apenas aplicála; seja ela, no plano social, satisfatória ou não. Portanto, em regra, o homicídio praticado na direção de veículo automotor é culposo e o concurso desse com outros crimes de trânsito não possui o condão de, presumidamente descaracterizar a modalidade culposa do primeiro. Tratar-se-iam, na realidade, de delitos preterdolosos, cujo resultado mais grave justificaria a majoração de pena. No entanto, diante da ausência de previsão 76 legal nesse sentido, é importante que o indivíduo seja punido de acordo com seu elemento subjetivo (ou a ausência dele) em face de cada enquadramento típico, vale dizer, de acordo com cada crime praticado. Assim, não se afasta a possibilidade de configuração nem do dolo eventual e nem da culpa consciente, pois tudo dependerá da apreciação que se fará do conjunto probatório dos fatos. Este, por sua vez, indicará se o agente ao prever o evento típico, assumiu o risco de produzí-lo (agindo com dolo eventual – o que afasta a incidência do art.302 do CTB) ou não, caso em que haverá a configuração da culpa consciente. 77 VII. ANEXO Lei n º 11.275, de 7 de fevereiro de 2006 que altera a redação dos arts. 165, 277 e 302 da Lei n° 9.503, de 23 de setembro de 1997, que institui o Código de Trânsito Brasileiro. 155 O Presidente da República Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1o Esta Lei altera os arts. 165, 277 e 302 da Lei no 9.503, de 23 de setembro de 1997, que passam a vigorar com a seguinte redação: Art. 1º Esta Lei altera os arts. 165, 276, 277 e 302 da Lei nº. 9.503, de 23 de setembro de 1997, que passam a vigorar com seguinte redação: Art. 165. Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica: Art. 277. Todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir sob a influência de álcool, será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia, ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado. § 1º Medida correspondente aplica-se no caso de suspeita de uso de substância entorpecente, tóxica ou de efeitos análogos. § 2º No caso de recusa do condutor à realização dos testes, exames e da perícia previstos no caput, a infração poderá ser caracterizada mediante a obtenção de outras provas em direito admitidas, pelo agente de trânsito, acerca dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor, resultantes do consumo de álcool ou entorpecentes, apresentados pelo condutor. (NR) Art. 302. Parágrafo único. V - estiver sob a influência de álcool ou substância tóxica ou entorpecente de efeitos análogos. (NR) Art. 2o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Brasília, 7 de fevereiro de 2006. / LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA 155 Disponível em: http://www.presidencia.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11275.htm. Acesso em 08 de fevereiro de 2006. 78 VIII. BIBLIOGRAFIA ABREU, Waldyr de. Código de Trânsito Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1998. BARROS, Flávio Augusto Monteiro. Direito Penal – Parte Geral. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2003. BITENCOURT, César Roberto. Manual de Direito Penal. 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. , PRADO, Luiz Régis. Código Penal Anotado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal – Parte Geral. 1 ed. São Paulo: Saraiva, 2000. , GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Aspectos Criminais do Código de Trânsito Brasileiro. São Paulo: Saraiva 1998. CARRIDE, Norberto de Almeida. Direito de Transito e Responsabilidade Civil de A a Z. 2 ed. São Paulo, 2003. COSTA JUNIOR, Paulo José da. Comentários ao Código Penal. 7 ed. 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