Teoria do Delito 127 § 07 – DISTINÇÃO ENTRE DOLO E CULPA Odoné Serrano Júnior1 Danúbia Andrade da Silva Santos2 Sumário: 1 Referência Jurisprudencial. 2 O Caso. 3 Os fundamentos da decisão. 4 Problematização; 4.1 Pronúncia: exame aprofundado das provas, minimalismo linguístico; 4.2 Concepção normativa e significativa de dolo e culpa e seus indicadores externos; 4.3 Abertura do julgado em tela à concepção significativa de dolo e culpa e sua releitura por essa abordagem. 5 Referências. 1 REFERÊNCIA JURISPRUDENCIAL Supremo Tribunal Federal – Habeas Corpus 91159-5/MG – Relª. Minª. Ellen Gracie – j. em 02.09.2008. 2 O CASO Explorar-se-á a distinção entre dolo eventual e culpa consciente aplicável à prática forense. A jornada parte da análise da solução do caso Habeas Corpus 91.159-5/MG, pela 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, julgado em 02.09.2008, com acórdão de relatoria da Ministra Ellen Gracie, cujo pedido era de afastar a competência do Tribunal do Júri ao argumento de que a conduta dos réus foi meramente culposa. Após analisar como foi 1 2 Doutorando em Direito Econômico e Socioambiental pela PUCPR; Mestre em Ciência Jurídica pela Fundinopi (Faculdade de Direito de Jacarezinho-Pr); Promotor de Justiça do MP-PR; Professor da Escola do Ministério Público do Paraná. Especializanda em Direito pela Escola do Ministério Público do Paraná; Estagiária de Pós-Graduação do MP-PR (1º Promotoria do Tribunal do Júri de Curitiba). 128 Odoné Serrano Júnior e Danúbia Andrade da Silva Santos construída a solução do caso, faz-se uma releitura a partir da concepção significativa de dolo e culpa propugnada por Vives Antón e seus seguidores. Os réus foram acusados de cometimento de homicídios dolosos na direção de veículo automotor, porque, ao participarem de corrida ilegal em via pública (“pega”), em uma curva, com vistas à ultrapassagem, eles colidiram e passaram por cima de um terceiro veículo, um Fusca, que vinha na sua regular mão de direção, provocando a morte instantânea dos cinco ocupantes. Laudo pericial encartado nos autos aponta que, no momento do choque com Fusca, os acusados desenvolviam velocidade de 45 km/h, em seus carros, mas há testemunhos que indicam que eles estavam efetivamente participando de um “racha”. A forte colisão ocorreu em trecho extremamente sinuoso, razão pela qual a velocidade ali permitida era de 40 km/h. A Defesa argumenta que réus não tinham a intenção de colidir contra terceiros, pois se isso ocorresse também sofreriam risco de morte. Pela mesma razão, alega que eles não eram indiferentes às mortes das vítimas, pois isso implicaria serem também indiferentes às suas próprias mortes. Logo, não teriam consentido com os resultados lesivos, não havendo, assim, cometimento de crimes dolosos contra a vida. 3 OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO O recurso não foi provido pelo Supremo Tribunal Federal que decidiu pela manutenção da pronúncia do caso para julgamento pelo Tribunal do Júri. Entendeu-se que o dolo eventual de homicídios não poderia ser descartado ou julgado inadmissível na fase do iudicium accusationis, considerados os elementos de provas trazidos aos autos. Na ementa e na fundamentação do Acórdão, explicitou-se que a previsibilidade do resultado é elemento comum ao dolo eventual e à culpa consciente. Assim, a distinção entre essas modalidades de imputação deve ser feita com base na teoria do consentimento (ou da assunção), consoante a qual o dolo eventual exige que o agente consista em causar o resultado, além de considerá-lo como possível. Argumentou-se que a adoção da teoria do consentimento foi albergada pelo legislador brasileiro, consoante se percebe da inteligência da parte final do inc. I, do art. 18 do Código Penal: o dolo eventual ocorre naqueles casos em que o sujeito não quer diretamente a realização do tipo penal, mas a aceita como possível ou provável. Na expressão do dispositivo legal, age com dolo o agente que “assume o risco da produção do resultado”, demonstrando indiferença. Teoria do Delito 129 O julgado em tela faz referência à conhecida fórmula de Frank para balizar o juízo hipotético que leva à constatação do dolo eventual, asseverando-se que: “há dolo eventual quando o agente, revelando indiferença quanto ao resultado”, diz para si mesmo, “seja assim ou de outra maneira, suceda isto ou aquilo, em qualquer caso agirei”. Tal fórmula foi igualmente adotada no acórdão do Superior Tribunal de Justiça, objeto da insurgência, para concluir pela existência de aparência de crime doloso apta a levar o caso para julgamento popular. 4 PROBLEMATIZAÇÃO Para chegar-se à distinção entre dolo e culpa, é preciso passar por várias etapas na compreensão do caso, desde a própria questão probatória, até a afirmação da existência da responsabilidade e de qual é o elemento subjetivo que a orienta. 4.1 Pronúncia: exame aprofundado das provas, minimalismo linguístico A primeira explicação diz respeito à afirmação feita no Acórdão do STF de que o dolo eventual não poderia ser descartado na fase do iudicium accusationis, considerados os elementos de provas trazidos aos autos. Tal assertiva do Pretório Excelso não significa que não haja critérios seguros para diferenciar dolo eventual e culpa e consciente, mas sim de que o Direito brasileiro recomenda ao juiz que prolatar uma decisão de pronúncia que não se exceda na motivação do seu convencimento de modo a não influenciar demais os juízes naturais da causa, que são os cidadãos que integraram o Conselho de Sentença do Júri. É imprescindível observar que em uma decisão de pronúncia, de autorização para julgamento de um caso pelo Tribunal do Júri, muitos argumentos ficam implícitos. Tal característica repercute na qualidade do material usado nesta análise de caso. Considerando que o Conselho de Sentença decide de maneira imotivada e soberana, com possibilidade de recurso contra decisão manifestamente contrária à prova dos autos apenas uma vez (CPP, art. 593, § 3º), o escopo da fase do iudicium accusationis é barrar acusações que não sejam revestidas de justa causa; impedir que sejam levados a julgamento popular casos em que os elementos probatórios disponíveis nos autos não permitam construir racionalmente uma sentença condenatória com motivação legítima. Adquira já o seu exemplar! Teoria do Delito Organizador: Paulo César Busato ISBN: 978853623982-8 Número de Páginas: 368 R$ 89,90 * Preço sujeito à alteração sem aviso-prévio Encontre esta obra nas melhores livrarias ou faça seu pedido! (41) 3352-1200 - [email protected] www.jurua .com.br