UMA ABORDAGEM QUALITATIVA DA LITERATURA COM RELAÇÃO À
CULTURA ORGANIZACIONAL
Andréa Arnaut Vieira Martins1
RESUMO: O objetivo deste artigo de revisão foi efetuar uma abordagem qualitativa
da literatura com relação à cultura organizacional. Para isso, focou-se a base
conceitual e as características da cultura organizacional; a personalidade da
organização; a cultura organizacional e a liderança; a cultura organizacional na visão
de Hofstede e a ética nas organizações. Buscou-se tentar promover uma reflexão
sobre a importância de uma cultura organizacional mais próxima possível de uma
harmonia absoluta. E, em síntese, concluiu-se que, para isso, um dos focos iniciais
seria a partir do respeito individual e das comunicações abertas, de inter-relações
com qualidade por parte dos líderes. Acredita-se que, dessa maneira, o foco e a
visão da empresa possam ser transferidos e assimilados por todos os níveis
hierárquicos, ganhando todos. A empresa, pela produtividade e respeito dos
colaboradores, e estes, pela satisfação de estar contribuindo para os resultados e
saber em que nível, além de ter a sua auto-estima sempre em grau elevado.
Palavras-chave: cultura organizacional; personalidade; liderança; ética.
1 INTRODUÇÃO
A complexidade do mundo contemporâneo passou a exigir mudanças
estruturais nas organizações, e a qualidade de suas interconexões se tornaram mais
evidentes. Houve necessidade de muitas mudanças de foco, e o entendimento de
que ‘em time que está ganhando não se mexe’ se tornou um foco obsoleto, pois o
cenário global foi alterado. E para acompanhá-lo, a compreensão da ética nos
negócios se tornou a palavra de ordem, tanto de forma interna quanto à relativa ao
contexto externo. A competitividade se tornou relevante, os fornecedores se
aprimoraram tecnologicamente, os clientes ficaram mais exigentes, a sociedade civil
se mobilizou e o Estado continuou sua busca incessante por maiores tributos. Isso
tudo contribuiu para uma verdadeira revolução nas missões e filosofias das
empresas, e ficou patente a necessidade de maior valorização do público interno
para a obtenção dos resultados.
Segundo Morgan (1996), o curso da história delineou muitas variações nas
características sociais, nas visões do sentido da vida e ns estilos e filosofias
nacionais de organização e administração. As organizações têm sido vistas como
1
Mestre em Administração pela Faculdade Novos Horizontes e Especialista em Recursos Humanos
pelo Centro Universitário de Belo Horizonte.
coletividades às quais os empregados pertencem, ao invés de serem apenas locais
de trabalho que compreendem indivíduos distintos. O espírito colaborativo de uma
comunidade influencia na experiência de trabalho, existindo grande ênfase na
interdependência, nas preocupações compartilhadas e na ajuda mútua.
Por todo esse contexto, decidiu-se desenvolver esta pesquisa, no sentido de
aprofundamento de conceitos e a abordagem de novos focos a respeito das culturas
organizacionais.
1.1 Objetivos
Os objetivos desta pesquisa se constituíram na identificação de como a
literatura mundial tem voltado seu foco para os indivíduos nas organizações, e não
mais apenas para o sucesso econômico, e como a cultura organizacional, de forma
harmônica, pode ser considerada como ponto relevante de contribuição para esse
sucesso.
2 REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 A base conceitual e as características da Cultura Organizacional
Parece haver um amplo consenso de que cultura organizacional diz respeito a
um sistema de significados comuns aos membros de uma organização, distinguindoa das demais (Becker, 1982; Schein, 2004). Esse sistema de significados comuns é
um conjunto de características fundamentais valorizadas por uma empresa, no qual
Chatman e Jehn (1994) percebem estarem claras sete características básicas:

Inovação e ousadia – o grau em que os funcionários são incentivados a
serem inovadores e a correrem riscos;

Atenção ao detalhe – o grau em que se espera que os funcionários
demonstrem precisão, análise e atenção aos detalhes de suas atividades;

Busca de resultados – o grau em que a administração se concentra mais em
resultados ou efeitos do nas técnicas e processos utilizados para alcançar esses
resultados;

Concentração nas pessoas – o grau em que as decisões da administração
levam em consideração o efeito dos resultados sobre o pessoal da organização;

Orientação para a equipe – o grau em que as atividades de trabalho são
organizadas mais em torno das equipes do que em torno dos indivíduos;

Agressividade – o grau em que as pessoas são mais agressivas e
competitivas do que contemporizadoras;

Estabilidade – o grau em que as atividades organizacionais enfatizam a
manutenção do status quo em oposição ao crescimento.
A avaliação de uma organização por meio dessas sete características resulta
em um quadro complexo da cultura organizacional, base para as percepções
comuns que os membros de uma organização compartilham sobre “como as coisas
são feitas, sobre o modo como devem se comportar e sobre a própria organização”
(Robbins, 2003:288).
Entretanto, cabe observar que embora a cultura organizacional seja uma
percepção comum sustentada pelos membros que a compõem, estes são
indivíduos, e, dependendo de sua história de vida e de seu nível hierárquico, podem
ter posicionamentos diferentes a respeito do tema. Isso se deve ao fato de poder
haver subculturas espalhadas pelo ambiente, principalmente quando se trata de uma
grande empresa.
Os valores se constituem o coração da cultura organizacional. Quando se
pensa em valores compartilhados, tanto em culturas quanto em subculturas de um
todo fragmentado, encontram-se indivíduos como sujeitos concretos criadores de
valores.
Nesse
momento,
penetra-se
no
tema
dos
valores
pessoais
e
organizacionais, relacionado à compreensão do comportamento humano nas
empresas.
Para Gagliardi (1986) citado por Lozano (1999:175), “falar de cultura supõe
não apenas falar de valores, mas também do ethos da organização”. Já Pena (2004)
considera que a ética deva estar no sangue dos funcionários, ou seja, no dia-a-dia
da empresa.
Quando se fala em cultura organizacional, deve-se entendê-la como uma
cultura dominante, e é esta a distinção entre as empresas. As subculturas tendem a
se desenvolver em grandes organizações para contemplar problemas e situações
comuns ou experiências vividas pelos seus membros. Mas cabe notar que se as
empresas não possuíssem nenhuma cultura dominante e fossem constituídas
apenas de diversas subculturas, não haveria uma interpretação uniforme do que
seria um comportamento adequado ou inadequado. E “é o aspecto de significados
comuns da cultura que faz dela um poderoso dispositivo para orientar e moldar o
comportamento” (Robbins, 2003:289).
O comportamento dos indivíduos nas organizações é o resultado de vários
fatores, pessoais e organizacionais. A literatura aponta a possibilidade de ascensão
profissional e de benefício salarial como variáveis independentes (causas) do
compromisso organizacional (Pena, 1995). Por outro lado, a percepção do indivíduo
é fundamental para que haja compromisso. Além disso, quem se compromete é o
sujeito, a pessoa concreta. Para Schein (1968:32) “a percepção influencia os
motivos e necessidades, mas a experiência prévia também interfere na percepção
do sujeito”.
Por esse ponto de vista do indivíduo, pode-se considerar que a cultura
organizacional vai depender do nível de desenvolvimento da personalidade dos
participantes que formam a maioria dominante, mesmo que esta não reflita a
maioridade numérica. Do ponto de vista da empresa, pode-se considerar que a
cultura organizacional possa ser instrumento de legitimação dos interesses em
alcançar os resultados econômicos da empresa. Pena (2004) assinala que, portanto,
deve-se estar atento à variável psicológica dos participantes da organização e, ao
mesmo tempo, à sua variável cultural.
Conforme Schein (20042), os chefes imediatos freqüentemente frustram
expectativas
dos
subordinados
ou
agem
incompreensivelmente,
gerando
sentimentos contraditórios em relação àqueles considerados os líderes. Além disso,
outros
vivenciam
problemas
quando
tentam
mudar
o
comportamento
de
subordinados, pois encontram resistências, como se aquilo estivesse além da
compreensão individual ou grupal. O autor observa em companhias analisadas
(Digital Equipment Corporation, Ciba-Geigy Company, Armoco, Alpha Power) que,
em alguns departamentos, os indivíduos estão mais preocupados em lutas veladas
entre si do que em ter suas atividades realizadas. Por esse motivo, enquanto os
líderes tentam obter cada vez mais eficácia em face das pressões ambientais, os
funcionários, individualmente ou de forma grupal, insistem em se comportar de
maneira claramente ineficiente, freqüentemente ameaçando a sobrevivência da
organização. E percebe que o problema da intercomunicação é o motivo principal
para esse tipo de ocorrência.
2
Tradução livre.
Tem sido comum a diferenciação de culturas fortes e fracas (Kotter; Heskett,
1992). A justificativa para isso é que as culturas fortes possuem um impacto maior
sobre o comportamento do funcionário e produzem um efeito mais positivo sobre o
desempenho da organização (Collins; Porras, 1994). Em uma cultura forte, os
valores centrais da empresa são intensamente assumidos e compartilhados, e
quanto mais membros aceitarem os valores centrais e quanto maior seu
comprometimento com tais valores, mais forte é a cultura (Wiener, 1988).
Schein (20043) entende de forma diferente, alegando ser essa uma forma
superficial e incorreta de visualizar a cultura, além de refletir uma tendência perigosa
para avaliar culturas específicas em termos absolutos e sugerir serem essas culturas
corretas para todas as organizações. O autor assinala que o aspecto mais instigante
de cultura como um conceito é o conjunto de fenômenos abaixo da superfície, que é
poderoso em seus impactos, mas invisível, e a um grau inconsciente considerável.
Nesse sentido, cultura é para um grupo o que a personalidade ou caráter é para um
indivíduo. Pode-se ver o comportamento resultante, mas freqüentemente não se
podem ver as forças subliminares causadoras de determinados tipos de
comportamentos. Além disso, como o guia da personalidade e do caráter delimita o
comportamento das pessoas, assim o faz o guia da cultura, que delimita os
comportamentos de indivíduos ou de um grupo, com as normas compartilhadas que
são similares nesse grupo.
Isso cria uma personalidade organizacional.
2.2 A personalidade da organização
Como se viu, organizações dotadas de culturas fortes implicam em
dimensões culturais que acabam moldando suas características.
Companhias como a Microsoft e a Coca-Cola se orgulham da coragem para
correr riscos e da tolerância ao fracasso. A primeira gosta de pessoas que tenham
assumido riscos e fracassado (McMenamin, 1994). Seu presidente situa bem essa
cultura, declarando que o modo como as pessoas lidam com as coisas que não dão
certo é um indicador de como elas lidam com a mudança (Gates, 1995). Já a CocaCola transformou-se para ser ainda mais ousada. Seu presidente declarou ter
“perdido a competitividade por não tolerar erros”. Isso aconteceu quando do
3
Tradução livre.
lançamento da New Coke – o mais desastrado da história da companhia, levando
seu diretor executivo de marketing mundial a pedir demissão, tantas foram as
pressões. Sete anos mais tarde, o presidente entendeu que erros eram naturais,
“que só se tropeça quando se está em movimento” e o readmitiu, concedendo-lhe
uma promoção (Sellers, 1995:9).
As personalidades organizacionais atentas aos detalhes fazem da qualidade
seu tema motivador, e talvez o exemplo mais significativo seja o da Motorola, líder
mundial no alcance de qualidade (Robbins, 2003).
Algumas empresas obtêm sucesso concentrando-se em resultados como, por
exemplo, a TAM, em relação ao atendimento de clientes. Outras, entretanto, têm
alcançado sucesso visando seus processos internos, e entram nessa categoria as
companhias com grande ênfase na ética. Segundo Rogers (1994), a forte cultura
ética da Nynex – que inclui um detalhado Código de Ética Empresarial, treinamento
ético para todos os funcionários da organização e um departamento de cultura ética
– resultou em sua conquista do primeiro prêmio de ética empresarial mundial,
concedido pelo Bentley College.
Organizações voltadas para as pessoas, como a Hewlett-Packard (HP),
colocam seus funcionários no centro de suas culturas. A HP assume como
compromisso reconhecer e respeitar o valor pessoal de seus colaboradores e
permitir que participem do sucesso da companhia, e traz longa tradição de avanços
em sua política de pessoal. Em 1940, concedia participação nos lucros e em 1950,
havia concessão automática de ações. Reduziu ao mínimo as dispensas
temporárias, solicitando às divisões que contratassem pessoal da própria empresa
antes de procurarem no mercado, e oferecendo a todos os funcionários a opção de
terem salários e horários reduzidos para que ninguém perdesse o emprego. A HP foi
uma das organizações pioneiras a introduzir o horário flexível, e atualmente é líder
na criação de ambientes de trabalho favoráveis à família (Collins; Porras, 1994).
Tem-se percebido que um número crescente de empresas e unidades de
negócios está definindo suas culturas em torno do conceito de equipe. Escritórios
jurídicos organizam suas operações em torno de equipes, dividindo seus advogados
em equipes tributária, comercial, trabalhista e criminal.
Existem personalidades organizacionais agressivas. Um exemplo típico é o da
Microsoft, que é compreendida mais como portadora de cultura agressiva do que
ousada. A empresa e seu fundador são geralmente caracterizados como uma
síntese das melhores e das piores especificações do espírito empreendedor. A mídia
sempre tem material para a abordagem de como essa companhia combate seus
concorrentes, protege seus direitos e utiliza o sistema judiciário contra seus rivais
(Elmer-Dewitt, 1995). A Siemens é outra companhia cuja cultura está sendo
moldada pela agressividade. Produtora de itens desde aparelhos auditivos até
usinas de energia elétrica, a organização tem revolucionado suas práticas para
substituir sua
cultura
movida
pela
engenharia
por outra, agressivamente
empreendedora (Miller, 1995).
Algumas companhias definem sua cultura por uma ênfase predominante no
crescimento, e um exemplo clássico é o da Samsung (Glain, 1995). A empresa já é
o maior grupo da Coréia do Sul, com operações nos setores eletrônico, químico,
financeiro e de equipamentos pesados. Seu investimento apenas no setor
automobilístico, em uma joint-venture junto à Nissan, totalizou US$4,5 bi (quatro
bilhões e meio de dólares). Todos os seus funcionários estão sendo treinados na
cultura de crescimento da companhia. No Centro de Recursos Humanos da
Samsung, onde milhares de novos contratados passaram por treinamentos com um
mês de duração, os salões foram decorados com estandartes, proclamando o
compromisso da companhia de se tornar “a líder que será consagrada mundialmente
no século XXI” (Robbins, 2003:292).
Deve-se considerar, entretanto, que a personalidade de uma empresa se
fundamenta por meio de indivíduos especiais, os líderes, e quando se examina
proximamente a cultura e a liderança, percebe-se serem elas dois lados de uma
mesma moeda.
2.3 A cultura organizacional e a liderança
Considerando a cultura e a liderança como uma moeda, tem-se que, de um
lado, as normas culturais estabelecem como uma dada organização define sua
liderança, como, por exemplo, quem será promovido e quem obterá a atenção de
seus subordinados. De outro, pode-se questionar que a única coisa importante que
os líderes fazem é criar e administrar a cultura, e que seu único talento é sua
habilidade para compreender e trabalhar com a cultura. Se alguém desejar distinguir
liderança de gestão ou administração, pode considerar que a liderança cria e
modifica culturas, enquanto o gerenciamento age dentro da cultura. Não se quer
dizer com isso que cultura seja fácil de criar ou mudar, ou que líderes formais sejam
os únicos agentes determinantes de cultura. Pelo contrário, cultura se refere àqueles
elementos de um grupo ou de uma organização que são mais estáveis ou menos
maleáveis (Schein, 20044).
No modelo histórico mais conhecido, a liderança é um território de poucos
eleitos, como se fosse uma dádiva divina a um grupo seleto de pessoas. O único e
maior erro do modelo tradicional está relacionado às suposições sobre essa sua
origem. Particularmente, Kotter (1997:178) entende que “o modelo mais antigo está
quase esquecido em relação à força e potencial do aprendizado vitalício”, que
significa a vontade de buscar novos desafios e a vontade de ponderar honestamente
sobre os sucessos e falhas.
Os costumes, as tradições e a maneira geral de proceder existentes em uma
organização se devem, em grande parte, ao que ela fez antes e ao grau de sucesso
alcançado por meio de seus esforços. “Esse princípio leva à fonte última da cultura
de uma empresa: seus fundadores” (Schein, 1983:13). Estes, tradicionalmente,
exercem um impacto importante na cultura inicial de uma empresa, pois possuem
uma visão daquilo que a organização deve ser e não são restringidos por costumes
ou ideologias anteriores. O problema atual é que muitas empresas não mais
convivem com seus fundadores e têm se expandido por diversos ambientes
geográficos.
Sintetizando, a cultura é o resultado de um processo grupal complexo em
termos de aprendizagem, o qual é apenas parcialmente influenciado pelo
comportamento do líder. Entretanto, se a sobrevivência do grupo é ameaçada
porque elementos de sua cultura foram mal adaptados, é função das lideranças de
todos os níveis da organização reconhecer o fato e fazer alguma coisa sobre a
situação, e é exatamente o ponto de interseção de cultura e liderança (Schein,
20045).
Cultura organizacional também pode ser vista como um software da mente e,
neste aspecto, vai-se abordar o entendimento de Hofstede (2005).
4
5
Tradução livre.
Tradução livre.
2.4 A cultura organizacional na visão de Hofstede e Hofstede6
Segundo os autores, seu objetivo é motivar a reflexão de que, apesar das
diferenças de entendimento, sentimento e atitudes das pessoas em todo o mundo e
além da variedade de mentes serem enormes, existe uma estrutura nessa
diversidade que pode servir como uma base para uma compreensão mútua, ou seja,
mentes diferentes, mas problemas comuns vivenciados no dia-a-dia.
O comportamento de uma pessoa é apenas predeterminado por seus
programas mentais. Os homens e as mulheres possuem habilidades básicas para se
desviar desses programas e reagir de forma a serem novos, criativos, destrutivos ou
inesperados. O software mental apenas indica quais reações são similares ou
compreensíveis, dado o passado de cada um, pois os programas mentais variam a
partir do ambiente social adquirido pelas pessoas desde a sua infância. Para
Hofstede e Hofstede, um termo costumeiro para tal software é cultura. Como
definição, seria um “programa coletivo de mentes que distingue os membros de um
grupo ou de uma categoria de pessoas de outros membros ou grupos” (Hofstede;
Hofstede, 2005:4).
A cultura não é inata, mas aprendida, assimilada. Deriva mais do ambiente
social do que dos genes individuais. Nessa perspectiva, a cultura deveria ser
distinguida da natureza humana, por um lado, e pela personalidade individual, de
outro.
Tradicionalmente, os traços culturais eram atribuídos à hereditariedade pelos
filósofos e outros cientistas, porque estes não sabiam explicar a estabilidade
extraordinária das diferenças nos padrões culturais entre grupos humanos. Eles
subestimaram o impacto da aprendizagem de gerações anteriores e de
ensinamentos dos indivíduos às gerações futuras do que haviam aprendido
individualmente.
Estudar diversidades culturais entre grupos e sociedades pressupõe uma
posição estratégica neutra, uma posição de relativismo cultural. Este não implica em
ausência de normas para alguém e nem para uma sociedade. Deve-se pensar que
antes de se aplicar normas a uma pessoa, a um grupo ou a uma sociedade,
6
Todas as informações deste capítulo foram obtidas do capítulo 1 do livro Cultures and organizations:
software of the mind, de HOFSTEDE, Geert; HOFSTEDE, Gert Jan, publicado pela McGraw-Hill, New
York, em 2005 (tradução livre).
informações sobre a natureza das diferenças culturais, suas rotinas e suas
conseqüências devam ser consideradas. Essas diferenças culturais podem se
manifestar de diversas maneiras, e dos inúmeros termos usados para descrever as
manifestações de cultura, existem quatro que, conjuntamente, cobrem o conceito
total. São os símbolos, os heróis, os rituais e os valores (Fig. 1).
Valores
Rituais
Heróis
Símbolos
Práticas
FIGURA 1 – A ‘cebola’: manifestações de cultura em diferentes níveis de profundidade
Fonte: Hofstede; Hofstede, 2005:7.
Os símbolos constituem-se de palavras, figuras ou objetos, os quais carregam
um significado particular apenas reconhecido como tal por aqueles que partilham a
cultura. Novos símbolos podem ser desenvolvidos, os mais antigos podem
desaparecer e alguns de um grupo cultural geralmente são copiados regularmente
por outros. Por esta razão, os símbolos estão na superfície da ‘cebola’. Os heróis
são indivíduos vivos ou falecidos, reais ou imaginários, que possuem características
valorizadas em uma cultura e, dessa maneira, servem como modelos de
comportamento. Rituais são atividades coletivas, tecnicamente supérfluas para
atingir objetivos, mas que, em uma cultura, são considerados socialmente
essenciais. Rituais incluem o ‘discurso’, o modo de linguagem usada em textos e
nas conversas, nas interações diárias, bem como nas opiniões fornecidas entre
indivíduos ou grupos. Na Figura 1, os símbolos, heróis e rituais foram resumidos sob
o termo ‘práticas’, porque, nessa perspectiva, são visíveis aos observadores
externos. Seu significado cultural, entretanto, é invisível e reside – de forma precisa
e apenas – na maneira como essas práticas são interpretadas no interior dos
grupos. Os valores representam o cerne de uma cultura, e são adquiridos desde
cedo na vida dos indivíduos. De forma antagônica aos animais, quando de seu
nascimento, os seres humanos são equipados de forma incompleta para a vida.
Felizmente, a fisiologia humana proporciona um período receptivo de uns dez a doze
anos, no qual os indivíduos absorvem, inconscientemente, mas de forma ampla e
rápida, as informações necessárias de seu entorno. Isso inclui símbolos (como a
linguagem), heróis (os pais) e rituais (como os processos da higiene), além do mais
importante, os valores básicos. Depois desse período, os indivíduos gradualmente
se modificam para uma forma diferente e consciente de aprendizagem, visualizando,
primariamente, as novas práticas.
Pode-se entender, portanto, que cada grupo ou categoria de pessoas carrega
um conjunto de programas mentais comuns, o que constitui sua cultura. Mas cabe
observar que esses programas mentais e seus variados níveis de percepção não
são, necessariamente, harmônicos entre si. Por este motivo, programas mentais
conflitantes dentro das pessoas ou grupos promovem a dificuldade de antecipar
seus comportamentos em situações novas.
Como os valores, mais que as práticas, são elementos estáveis em uma
cultura, algumas pesquisas têm procurado medi-los, mas Hofstede e Hofstede
(2005) assinalam que inferir valores por meio de atos pessoais proporciona um
resultado ambíguo e sem fidedignidade. Na interpretação de posicionamentos de
pessoas a respeito de seus valores, torna-se relevante distinguir entre o que é
esperado, desejável (desirable), e o que é desejado (desired), ou seja, como as
pessoas pensam como o mundo deveria ser versus o que as pessoas desejam para
si mesmas. O desejável difere do desejado em relação à natureza das normas
envolvidas. Estas se constituem padrões de comportamentos existentes dentro de
um grupo ou categoria de pessoas. No caso do desejável, a norma é absoluta,
relativa ao conceito do que é eticamente correto. No caso do desejado, a norma é
estatística e indica as escolhas feitas pela maioria. O desejável se refere às
ideologias e o desejado às práticas objetivas.
Transpondo todos esses posicionamentos para as organizações, percebe-se
que a cultura tem sido um instigante estudo desde a década de 80. Naquela época,
a literatura popularizou a afirmação de que a excelência de uma organização estava
contida nas maneiras comuns de como seus membros aprendiam a pensar, sentir e
agir corporativamente. Entretanto, a velocidade do mundo contemporâneo
comprovou que isso teria graves conseqüências.
As culturas organizacionais, na realidade, constituem-se um fenômeno por si
só, e, em muitos aspectos, diferentes das culturas nacionais. Uma organização é um
sistema social de uma natureza diversa de um país, pois seus membros, de forma
geral, não cresceram nela. Ao contrário, esses membros tiveram como influência em
sua decisão de se juntar à organização apenas em relação a um envolvimento de
poucas horas de trabalho e durante um determinado período. As pesquisas
realizadas a respeito de culturas nacionais e suas dimensões provaram ser apenas
uma parte da compreensão das culturas organizacionais.
Hofstede e Hofstede (2005) concluem que durante a vida, as células do corpo
de qualquer indivíduo são substituídas por novas células de forma contínua. Alguém
com vinte anos de idade não possui o mesmo tipo de células de um recém-nascido.
Em senso físico restrito, pode-se dizer que os indivíduos não possuem identidade,
mas um conjunto seqüencial celular. Dessa maneira, os autores entendem que a
identidade das pessoas ocorre por meio de experiências de primeira mão, e isso
porque as células dividem os mesmos genes. Ao nível das sociedades, um
fenômeno análogo se apresenta. As sociedades possuem uma notável capacidade
de conservar sua identidade através de gerações de sucessivos membros e apesar
de diversas e numerosas forças de mudanças. E enquanto a mudança se espalha
sobre a superfície, as camadas mais profundas permanecem estáveis. Neste
contexto, a cultura nasce de suas cinzas, como fênix.
Pode-se questionar a composição dessas camadas profundas, e percebe-se
não existirem genes para fazer florescer uma cultura, porque esta é um livro não
escrito, com regras do jogo social transferidas aos novatos pelos membros e se
infiltrando em suas mentes. E essas regras não escritas, em uma organização,
constituem-se um desafio em relação aos princípios básicos da vida social humana.
Cabe lembrar que, como a cultura organizacional precisa de líderes para
processar sua implementação e moldar seu comportamento ético, as empresas
devem se orientar por três princípios: (i) o respeito pelos valores humanos
essenciais, que determina o limiar moral absoluto para todas as atividades de
negócios; (ii) o respeito pelas tradições locais; e (iii) as crenças em que o contexto é
importante nas decisões sobre o que é certo e errado (Donaldson, 2005).
Por este motivo, há que haver ética, tanto nos negócios quanto no ambiente
organizacional.
2.5 A ética nas organizações
O respeito às diferenças é prática ética de importância fundamental, e essa
ética gerencial difere entre as culturas. Poucas questões éticas possuem fácil
solução para os gerentes, mas suas ações devem ser norteadas por algumas
verdades inequívocas que, no conjunto, constituem o que Donaldson (2005:28)
chama de ‘valores humanos essenciais’. Estes são o direito à saúde, o direito ao
progresso econômico e à melhoria dos padrões de vida, e a reciprocidade – e
definem os padrões mínimos para todas as empresas. Esses valores devem ser o
ponto de partida, à medida que as empresas formulam e avaliam os padrões de
conduta ética em nível local e regional. As organizações precisam de orientações
muito mais específicas, e o autor sugere que o primeiro passo para desenvolvê-las
seja traduzir os valores humanos essenciais em valores empresariais básicos.
Entretanto, pode-se questionar como fazer isso.
Em artigo recente, Lozano (2003:50) aprofunda as diferenças entre a cultura e
a ética organizacional. Em sentido estrito, o autor pontua que cultura e ética não
significam a mesma coisa, mesmo que a partir de uma abordagem descritiva possa
sê-lo. O autor entende ser fato de que “o desenvolvimento de uma cultura
organizacional envolve aspectos da vida da empresa que possa ser compreendido
de um ponto de vista ético. Entretanto, isso é o mesmo que dizer que abordagens
éticas estejam ali explicitamente declaradas”7. O autor enfatiza que dentro de uma
mesma empresa existem, necessariamente, culturas fragmentadas, ou seja, grupos
separados e subculturas, além de perspectivas distintas do todo organizacional. Por
essa razão, por essas formas de cultura, há riscos e perigos.
7
Tradução livre.
No entendimento de Donaldson (2005:30),
As empresas podem respeitar a dignidade humana ao criarem e
sustentarem uma cultura organizacional em que os empregados, clientes e
fornecedores sejam tratados não como meios para a consecução de fins,
mas como pessoas cujos valores intrínsecos devem ser reconhecidos; e ao
gerarem produtos e serviços num ambiente de trabalho seguro.
Para uma empresa, valem as mesmas metas primárias que para as pessoas
individuais: a de sua existência, a de sua liberdade de ação e a de sua
solidariedade, esta entendida no sentido de cooperação. Por isto, a ética
organizacional, em todos os casos, apenas pode se referir àquela classe de ações e
medidas que podem ser harmonizadas com a garantia de existência da empresa no
mercado, ou as que a colocam em risco. A empresa precisa de liberdade de ação,
pois do contrário não teria condições de sobrevivência no mercado. Necessita de
cooperação de todos os que participam de seu processo econômico, porque, sem
esta cooperação, não poderia alcançar suas outras metas primárias. A organização
também está obrigada à cooperação ou à solidariedade para com as outras
pessoas,
pois
há
uma
exigência
global
contemporânea
no
sentido
da
responsabilidade social empresarial, e ela deve procurar buscar o bem comum. O
mundo de negócios reconhece não haver mais apenas a responsabilidade quanto
aos resultados financeiros (Leisinger, 2001).
Victor e Cullen (1988) assinalam que a cultura organizacional exerce uma
influência direta sobre o clima ético de uma empresa, e por essa razão, para
qualquer julgamento ético de uma organização, é importante não apenas a
consideração da ética individual dos colaboradores, mas também a sua cultura.
A ética empresarial exige que a cultura organizacional seja a expressão dos
valores assumidos e afirmados pela companhia. Isso significa fazer com que os
valores proclamados sejam efetivamente enraizados nas práticas e processos
administrativos. A empresa ética tem a ética enraizada na cultura e, naturalmente,
todas as áreas da organização devem incorporar os fundamentos e ações de caráter
ético (Lozano, 1999).
Ao estabelecer os tipos de vínculo com a organização, Etzioni (1974:37)
reconhece que indivíduos e organização são duas unidades distintas que se interrelacionam. A empresa usa mecanismos de controle com o propósito de adequar os
indivíduos às diretrizes organizacionais. A participação dos indivíduos, por sua vez,
se refere à orientação avaliativo-receptiva dos sujeitos com relação a um objeto,
caracterizada em termos de intensidade e direção.
Pode-se, dessa forma, se considerar que a cultura organizacional vai
depender do nível de desenvolvimento da personalidade dos participantes que
formam a maioria dominante, mesmo que esta não reflita a maioridade numérica. Do
ponto de vista da empresa, pode-se considerar que a cultura organizacional pode
ser instrumento de legitimação dos interesses em alcançar os resultados
econômicos da empresa. Pena (2004) assinala que, portanto, deve-se estar atento à
variável psicológica do participante da organização e, ao mesmo tempo, à sua
variável cultural.
3 METODOLOGIA
Os objetivos desta pesquisa se constituíram na identificação de como a
literatura mundial tem voltado seu foco para os indivíduos nas organizações, e não
mais apenas para o sucesso econômico, e como a cultura organizacional, de forma
harmônica, pode ser considerada um ponto relevante de contribuição para esse
sucesso.
Houve pesquisa exploratória, que visou proporcionar maior familiaridade com
o problema em estudo (Malhotra, 2001), pois sua finalidade consistiu em analisar o
conteúdo
da
literatura
para
se
obterem
parâmetros
de
experiências
e
posicionamentos mundiais pertinentes ao problema proposto.
Quanto à abordagem, a pesquisa foi qualitativa, a qual se preocupou em
analisar e interpretar aspectos mais profundos, descrevendo a complexidade do
comportamento humano. Esse tipo forneceu análise mais detalhada sobre as
investigações, hábitos, atitudes, e tendências de comportamento, dentre outras.
(Oliveira, 2004).
CONCLUSÕES
Embora de forma restrita, os objetivos desta pesquisa bibliográfica foram
atingidos. Percebeu-se que a qualidade de liderança, a competência profissional e o
contexto de eficiência podem legitimar as relações culturais dentro de uma empresa.
Além disso, que a ausência desses pressupostos ou a falta de alguns deles não é
apenas prejudicial e antieconômica, mas em longo prazo leva também à total
rejeição da inclusão ou da subordinação por parte dos colaboradores.
Objetivou-se abordar a cultura organizacional em um contexto amplo, com
posicionamentos recentes da literatura, para que se pudessem visualizar empresas
de forma diferenciada, tanto nos aspectos individuais das pessoas que as compõem
como no processo de um todo.
Observou-se serem inúmeros os desafios para se estabelecer e manter uma
cultura que promova qualidade de vida no trabalho e sucesso econômico para as
organizações.
Constatou-se que uma das maneiras mais fáceis de apreciar a natureza da
cultura de uma organização é observar o funcionamento do grupo laboral no dia-adia, em seu ambiente. As características se tornam evidentes quando se percebe o
padrão de interação entre os funcionários, o tipo de linguagem utilizada, os temas
das conversas e os tipos de rotina, enfim, a temperatura do clima.
E este pode ser compreendido como o termômetro de integração das culturas
organizacionais, entre as identidades dos funcionários e da organização, composto
pelo conjunto de percepções partilhadas pelos indivíduos em relação aos fatores
organizacionais formais e informais, e que compõem o ambiente de trabalho.
O intuito final da abordagem deste tema foi tentar promover uma reflexão
sobre a importância de uma cultura organizacional mais próxima possível de uma
harmonia absoluta. E, em síntese, concluiu-se que, para isso, um dos focos iniciais
seria a partir do respeito individual e das comunicações abertas, de inter-relações
com qualidade por parte dos líderes. Acredita-se que, dessa maneira, o foco e a
visão da empresa possam ser transferidos e assimilados para todos os níveis
hierárquicos, ganhando todos. A empresa, pela produtividade e respeito dos
colaboradores, e estes, pela satisfação de estar contribuindo para os resultados e
saber em que nível, além de ter a sua auto-estima em grau elevado.
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