FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E DE EMPRESAS MESTRADO PROFISSIONAL EM GESTÃO EMPRESARIAL FERNANDA DE OLIVEIRA SANTOS O IMPACTO DAS DIFERENÇAS CULTURAIS NAS FUSÕES E AQUISIÇÕES. Rio de Janeiro 2013 FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E DE EMPRESAS FERNANDA DE OLIVEIRA SANTOS O IMPACTO DAS DIFERENÇAS CULTURAIS NAS FUSÕES E AQUISIÇÕES Dissertação de Mestrado apresentada à Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getúlio Vargas. Área de concentração: Estudos Organizacionais Orientador: Prof.ª. Drª. Carmen Pires Migueles Rio de Janeiro 2013 Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Mario Henrique Simonsen/FGV Santos, Fernanda de Oliveira. O impacto das diferenças culturais nas fusões e aquisições / Fernanda de Oliveira Santos. – 2013. 81 f. Dissertação (mestrado) - Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas, Centro de Formação Acadêmica e Pesquisa. Orientadora: Carmen Pires Migueles. Inclui bibliografia. 1. Empresas – Fusão e incorporação. 2. Cultura organizacional. 3. Estudos interculturais. I. Migueles, Carmen Pires. II. Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas. Centro de Formação Acadêmica e Pesquisa. III. Título. CDD – 658.406 AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus, por me guiar nesta caminhada e não me deixar desistir em momentos de grande dificuldade que surgiram neste período. Agradeço ao meu amado marido, que sempre me incentivou incondicionalmente, foi extremamente companheiro e soube ser compreensivo em minhas ausências, quando estava imersa em leituras e reflexões acerca deste trabalho. Agradeço ainda à minha querida família, por todo apoio que me deram para que eu conseguisse realizar este sonho. Aos meus pais em especial, pela educação que me proporcionaram e que me permitiram chegar até aqui. Minha profunda gratidão à minha orientadora Carmen Migueles, pela parceria, suporte e esclarecimentos, tão fundamentais para que eu conseguisse desenvolver este trabalho. Por fim, expresso meus agradecimentos aos professores do mestrado, que elevaram meu senso crítico e me trouxeram os conhecimentos necessários para a produção deste trabalho. RESUMO A cultura é um conceito amplo e que traz consigo contextos históricos, valores e percepções partilhadas que, no âmbito social, influenciam as interações coletivas e institucionais. Desta forma, operações de fusão e aquisição, por mais que tenham particularmente uma essência econômica em sua origem, são diretamente impactadas por questões culturais, tendo em vista que estas são realizadas por pessoas, que aprendem a interagir e se expressar através de suas culturas. Este trabalho se propõe a fazer um levantamento teórico de como os autores entendem a influência da cultura nas operações de fusões e aquisições, de acordo com as bases teóricas da psicologia, antropologia e sociologia, propiciando ou limitando o alcance dos resultados desejados. Para compreender o cenário em que o conceito de cultura é investigado, também fizemos um levantamento das principais diferenças culturais levantadas em operações de fusão e aquisição, e que foram analisadas à luz dos conceitos de cultura abordados neste trabalho. Constatamos que, por não haver uma preocupação em se definir corretamente o objeto de pesquisa de cultura, os resultados acerca desta influência permanecem confusos e contraditórios. Com isso, torna-se difícil endereçar corretamente as perspectivas de ação no campo individual e coletivo. Palavras-chave: diferenças culturais, fusões e aquisições, integração, cultura. ABSTRACT Culture is a broad concept, which brings historical contexts, shared values and perceptions that, in the social environment, influence collective and institutional interactions. Thus, merger and acquisition, as much as having a particularly economic substance in its origin, operations are directly impacted by cultural issues, considering that these are conducted by ordinary people, who learn how to interact and express themselves through their cultures. This paper aims to make a theoretical survey of how the authors understand the influence of culture in mergers and acquisitions, according to the theoretical foundations of psychology, anthropology and sociology, providing or limiting the scope of the desired results. To understand the setting in which the concept of culture has been investigated, we also did a theoretical survey of the major cultural differences raised in mergers and acquisitions, which were analyzed in the light of the concepts of culture introduced in this paper. We realized that, by not having a concern in correctly defining the object of culture research, results about this influence remain confused and contradictory. With this, it becomes hard to properly address the prospects for action in individual and collective field. Keywords: cultural differences, mergers and acquisitions, integration, culture. 8 LISTA DE FIGURAS Figura 1 - níveis da cultura ................................................................................................................24 Figura 2 - camadas da cultura ............................................................................................................34 Figura 3 - matriz de integração cultural .............................................................................................52 Figura 4 - integração global versus autonomia local ..........................................................................53 Figura 5 - fatores de fusão e aquisição ...............................................................................................63 LISTA DE TABELAS Tabela 1 - dimensões culturais de Trompenaars .................................................................................30 Tabela 2 - consolidação das abordagens de cultura ............................................................................61 Tabela 3 - consolidação de artigos .....................................................................................................65 9 SUMÁRIO 1. 2. PROBLEMA ................................................................................................................ 10 1.1. INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 10 1.2. CONTEXTUALIZAÇÃO DO PROBLEMA ......................................................... 12 1.3. METODOLOGIA .................................................................................................. 15 1.4. OBJETIVOS .......................................................................................................... 16 1.5. OBJETIVOS INTERMEDIÁRIOS ........................................................................ 17 1.6. DELIMITAÇÃO DO ESTUDO ............................................................................. 18 1.7. APRESENTAÇÃO DA OBRA .............................................................................. 19 A COMPREENSÃO DO CONCEITO DE CULTURA ................................................. 21 2.1 CONCEITO DE CULTURA APLICADO À GESTÃO ......................................... 32 3. DIFERENÇAS CULTURAIS NAS FUSÕES E AQUISIÇÕES .................................... 46 4. CRÍTICAS AOS ESTUDOS DE DIFERENÇAS CULTURAIS ................................... 59 5. ANÁLISE DOS AUTORES ......................................................................................... 61 6. TRATAMENTO DOS ARTIGOS ................................................................................ 63 7. CONCLUSÃO .............................................................................................................. 72 8. REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 76 10 1. PROBLEMA 1.1. INTRODUÇÃO Quem trabalha em uma empresa privada pode, a qualquer momento, ser surpreendido pela notícia de que sua organização foi comprada por outra, e que agora fazem parte de um universo muito maior, em que vocês, juntos, conquistarão novos mercados, aumentarão o faturamento, terão muito mais possibilidades de crescimento profissional e se tornarão imbatíveis no mundo corporativo. Um sentimento de euforia acompanha muitas dúvidas após a divulgação de uma fusão ou aquisição. Afinal, qual será o esforço necessário para tudo aquilo se tornar realidade? De um lado, funcionários da empresa adquirida temem pela perda de autonomia e adequações que deverão fazer às suas estruturas para funcionarem dentro de novas diretrizes e, por outro lado, funcionários da empresa adquirente almejam tomar o controle da nova companhia, garantindo a replicação de sua “receita de sucesso”, afinal, se foram os investidores na operação, presume-se que seu modelo de negócios seja mais bem sucedido. Contudo, uma operação de fusão e aquisição (F&A) pode acontecer por inúmeras razões e, de forma alguma, existe necessariamente um fracasso implícito por parte da empresa adquirida. Este pressuposto pode, inclusive, ser um grande entrave no processo de integração entre as empresas fundidas, dificultando a obtenção de sinergias desejadas ao novo negócio e impactando negativamente nos retornos esperados pelos acionistas. Por isso é tão importante conhecer o objetivo de uma operação de F&A, a fim de se escolher o melhor modelo de integração operacional e cultural entre as partes. Para organizar o entendimento sobre esta questão, realizamos um levantamento bibliográfico que pudesse nos indicar como poderíamos evitar perdas de sinergia para o negócio, bem como minimizar o sofrimento humano decorrente deste tipo de operação, criando cooperação e engajamento. Quando observamos a junção de empresas localizadas geograficamente em países diferentes, temos um fator complicador: as diferenças de cultura nacional. Idiomas, formas de pensar, costumes diferentes podem despertar curiosidade, mas também dificultar a forma dos indivíduos se relacionarem, dadas suas crenças, valores e interpretações distintas de 11 hierarquia, meritocracia e poder, por exemplo. São expectativas e demonstrações de comportamentos não só diferentes, mas por vezes aparentemente contraditórios, e que exigirão um grande esforço de coordenação na entrega de uma única proposta de valor, em contextos tão diversificados. Vale ressaltar que este mesmo cenário pode ser encontrado, em escalas menores, em organizações dentro de um mesmo país, em Estados diferentes. Neste ponto, nos deparamos com influências das culturas nacionais, e também com as particularidades das culturas organizacionais, que refletirão maneiras específicas de atuar dentro de determinado segmento industrial e classe profissional. Por isso, faz-se necessária a busca pela adequada compreensão do conceito de cultura e como esta é utilizada para se inferir o seu impacto nas operações de fusão e aquisição. Ao vivenciar a aquisição de uma empresa brasileira por um grupo americano, pude observar que, se por um lado existe uma euforia pelo novo cenário de pertencimento a uma holding internacional, por outro também pode surgir um grande sentimento de incerteza devido a falta de definição de parâmetros. A incerteza gerada pela assimetria de informações se rebate, portanto no indivíduo através de um sentimento de insegurança, manifestado em comportamentos de medo e resistência. Desta forma, do ponto de vista do negócio, pude identificar algumas oportunidades de crescimento profissional, de carreiras internacionais e de novo posicionamento latentes, em função da aquisição de uma empresa por outra. Contudo, este tipo de operação também traz consigo ameaças ao seu resultado, como a dificuldade de integração, de captura de sinergia e de alinhamento global, por exemplo. Já do ponto de vista das pessoas que fazem parte destas organizações, observei grande insegurança em relação ao futuro, medo, resistências, ansiedades, mas também algumas adesões ao novo cenário. Ao escolher estudar a influência da cultura, decorrente da aquisição da empresa que eu trabalhava por um grupo americano, na formação de uma nova empresa, procurava encontrar mecanismos que permitissem uma melhor integração cultural entre as pessoas, minimizando as ameaças descritas acima. Contudo, percebi nos estudos realizados acerca deste tema, que não havia uma definição clara de objeto que permitisse estabelecer uma metodologia para intervir no problema. Acreditamos que, se o conceito de cultura não for avaliado à luz de um objeto de pesquisa observável e acessível, o seu entendimento já fica comprometido, distorcendo os resultados de 12 pesquisa que buscam a compreensão do real impacto da cultura nas relações entre as pessoas, bem como a efetividades das soluções propostas. 1.2. CONTEXTUALIZAÇÃO DO PROBLEMA As transformações socioeconômicas que temos presenciado desde a revolução industrial, vêm produzindo novas formas de produção e alterando a relação das empresas com o mercado. Até meados do século XX os princípios da administração científica desenvolvidos por Frederick Taylor - cuja base está na divisão do trabalho em tarefas e na separação entre concepção e execução - aumentaram exponencialmente a oferta de produtos e serviços, elevando a produtividade das indústrias em todos os segmentos. Contudo, este ganho em escala e aumento da oferta fez com que, cada vez mais, as empresas tenham que competir por preço e mercado. Capron e Priste (2002) e Camargos e Barbosa (2009) reforçam que as companhias necessitam agregar novos valores e funcionalidades aos produtos e serviços, seja para aumentar as vendas ou ao menos continuar a ter alguma participação no mercado. Em meio a esta imperativa busca por vantagem competitiva, autores como Barros (2001); Camargos e Barbosa (2009); relatam que as operações de fusões e aquisições vêm sendo adotadas no mundo todo como uma estratégia promissora de inúmeros ganhos: de escala, de redução de custos, de novos mercados, de acesso a novos conhecimentos, a matérias primas, recursos naturais, financeiros, tecnológicos e capital intelectual. De acordo com Straub (2007) as operações de fusão e aquisição são conceitualmente distintas. Este autor define que a aquisição é usualmente utilizada para tomada de controle através de uma oferta pública de aquisição, podendo ser feita de forma hostil ou amigável. Assim, uma aquisição pode ocorrer de duas formas: pela compra da maioria das ações da empresa-alvo, onde a adquirente assume todo o passivo e riscos futuros da adquirida; ou pela compra dos ativos líquidos da firma-alvo, podendo assim selecionar os ativos desejáveis e excluir os passivos de alto risco. Já as fusões se diferenciam das aquisições, por ocorrerem quando duas ou mais organizações juntam-se, e a organização resultante mantém a identidade de uma das companhias envolvidas. Straub sugere, portanto, que as fusões podem acontecer de duas 13 formas principais: por incorporação, por meio da qual os passivos e ativos de uma das firmas são transferidos para a outra, sendo a primeira extinta; ou por constituição, quando os ativos e passivos das firmas envolvidas no evento são transferidos para uma nova empresa, podendo as firmas originárias ser descontinuadas. Contudo, para efeitos de análise dos impactos culturais, concordaremos com a visão de Tanure (2007), de que ambas podem ser tratadas dentro de um mesmo contexto, pois, de acordo com a autora, o nome que a transação recebe depende principalmente das implicações fiscais e contábeis do negócio e das estratégias de relações com o mercado e de transição que a comunicação adota. Alcançar as vantagens competitivas esperadas por meio de fusões ou aquisições requer um esforço de compreensão das variáveis que o cercam, bem como de coordenação e integração dos ativos tangíveis e intangíveis que as organizações envolvidas possuem. Os desafios de integração são vistos em grande parte destes estudos como fatores moderadores dos sucessos ou fracassos das operações. Cabe antes esclarecermos que o termo integração tem origem na teoria de Fayol (1949), ao abordar cooperação e coordenação, sendo mais tarde definido por Lawrence e Lorsch (1967) como um processo de união de vários subsistemas, sejam nas atividades funcionais, nas estruturas, sistemas e /ou nas culturas das organizações, a fim de facilitar o funcionamento conjunto das empresas envolvidas. Portanto, uma integração pode se dar em diferentes planos: operacional, de tarefas, de sistemas de informação, de sistemas contábeis, de gestão e de cultura. Neste trabalho focaremos a integração de culturas por entendermos que esta influencia todos os aspectos de como uma organização lida com sua atividade principal, seus ambientes e suas operações internas (Schein, 2009). De acordo com levantamento feito por Gomes et al. (2013), o modelo de integração a ser utilizado pela empresa compradora para consolidar os diferentes recursos, dependerá dos objetivos norteadores da operação, do tamanho das empresas envolvidas, do tipo de indústria, das distâncias geográficas entre as unidades e de regulamentações locais. Isto significa que, dependendo do que a empresa adquirente desejar alcançar prioritariamente ao se juntar com outra empresa, bem como as demais variáveis circunstanciais, determinará se sua estratégia de integração privilegiará uma gestão mais ou menos inclusiva do corpo de funcionários e 14 gestores da empresa adquirida. O nível de profundidade do que será integrado também deverá ser determinado por estes objetivos. Ao considerarmos uma integração que envolve diferenças de culturas nacionais e organizacionais, devemos nos debruçar sobre os desafios decorrentes deste processo: como combater a síndrome do vencedor-perdedor (Cartwright e Cooper, 1994; Caldas e Tonelli, 2002;) onde os empregados são preparados para a mudança; como lidar com as diferenças de entendimento de determinados conceitos como mérito e hierarquia, por exemplo, (Barbosa, 2002); como conseguir o alinhamento de valores (Barros, 2001; Schein, 2009; Zago e Retour, 2013); como minimizar o impacto dos aspectos psicológicos na produtividade e como construir percepções partilhadas da realidade daquele grupo para não destruir valor, de forma que as atitudes de cooperação e de troca de conhecimento gerem a sinergia necessária para a prosperidade do negócio (Vala, 1995; Tanure et al., 2007). Para compreender melhor estes desafios, é necessário que retomemos as bases teóricas do conceito de cultura que possam explicar comportamentos sociais coletivos. Nossa intenção aqui não é simplesmente discutir o que é a cultura, mas entender como os autores a entendem que ela atua, ora limitando, ora propiciando o alcance dos objetivos organizacionais. Como Straub (2007) e Rotting, Reus e Tarba (2013) pontuam, há diversos indicadores que procuram traduzir os resultados de estudos de F&A: performance financeira, criação de valor, ganho de sinergia e índice de aceitação das pessoas envolvidas. Logo, a avaliação de um resultado bem ou mal sucedido de uma operação de fusão ou aquisição, dependerá do indicador utilizado na investigação. Mas estes, nem sempre ficam claros nos estudos realizados, o que já pode criar interpretações distorcidas do fenômeno. Além disso, observamos que a utilização de constructos com diferentes entendimentos e recortes epistemológicos distintos também são elementos que causam dificuldade na compreensão deste assunto, bem como a solução de proposições práticas. Stahl e Voight (2008) chamam a atenção para os resultados contraditórios e inconclusivos que os estudos sobre impactos culturais nas F&A têm sido apresentados e atribuem estas contradições ao fato de os pesquisadores estarem comparando objetos diferentes, sem fazer distinção entre os diferentes níveis de cultura (nacional e organizacional), as medidas de desempenho (medidas contábeis ou baseadas no mercado de ações, por exemplo) e as organizações estudadas (adquirentes ou adquiridas). 15 1.3. METODOLOGIA Este trabalho tem um caráter teórico por considerarmos que, embora existam diversas pesquisas empíricas acerca do tema, estas trazem resultados contraditórios que precisam ser mapeados, para melhor compreensão das relações de causalidade. Isto se faz necessário, pois observamos entendimentos diferentes do impacto do choque de cultura no desempenho de empresas que passam por fusões e aquisições. Desta forma, acreditamos ser fundamental darmos um passo atrás e explorarmos melhor uma formulação teórica adequada da questão, questionando sob quais abordagens epistemológicas o conceito de cultura tem sido considerado, a fim de endereçarmos corretamente as perspectivas de ação no campo individual e coletivo. Migueles (2004) enfatiza a relevância dos conceitos para ajudar-nos nos dados que vamos colher e que, por sua vez, nos indicarão como compreender as causas dos problemas e sua relação com outras questões pertinentes. Seguimos ainda a convicção de Bertero (2011), de que um ensaio teórico é uma forma legítima de produção de conhecimento. Para tanto, buscamos compreender como os autores que analisaram o tema dos sucessos e fracassos em fusões e aquisições descrevem os problemas gerados pelas diferenças culturais, a consequência destes problemas nas integrações de empresas que passaram por essas operações, fazer um levantamento das formas de abordagem do problema, como os autores selecionam seus objetos de análise e apresentam a relevância da escolha. Com isto, esperamos esclarecer como o recorte epistemológico utilizado no entendimento de cultura interfere na análise dos principais desafios relacionados às diferenças culturais, no contexto das operações de fusão e aquisição de empresas. Utilizaremos uma abordagem qualitativo-exploratória na tentativa de consolidar as diferentes visões sobre os problemas de cultura nas operações de F&A. Por conseguinte, conforme Bertero (2011) defende, um ensaio teórico não é respaldado por uma metodologia pré-determinada, a exemplo das investigações amparadas pela ciência positivista. Dito isto, contaremos essencialmente com as ideias, conhecimentos, comparação e análise dos trabalhos pesquisados, além de reflexões acumuladas acerca do tema escolhido. 16 1.4. OBJETIVOS Este trabalho busca compreender como os autores que analisaram o impacto da cultura nas fusões e aquisições, descrevem problemas gerados pelas diferenças culturais, a consequência destes problemas nas integrações de empresas que passaram por fusões e aquisições, fazer um levantamento das formas de abordagem do problema, como os autores selecionam seus objetos de análise e apresentam a relevância da escolha. Para isso, escolhemos analisar os artigos nas publicações de maior fator de impacto no mundo acadêmico, de acordo com a lista de top journals da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (EBAPE). Esta lista é formada a partir da sobreposição de três listas independentes de top journals em Administração (ERIM, Financial Times, UT Dallas). Foram identificados os periódicos citados em todas as três listas. Desta lista de vinte e dois journals, foram excluídos os journals hoje de menor valor estratégico para esta instituição (e.x., journals de contabilidade e produção) e incluído o journal de Administração Publica com maior IF (cinco anos). Contudo, ao verificarmos que os journals ranqueados na listagem final da EBAPE não trouxeram material suficiente para cumprirmos nosso levantamento, ampliamos nossa busca por artigos que tratassem do tema da influência da cultura especificamente em ambientes de fusão e aquisição em outros journals, de classificação até B2 pela academia. Ao final deste estudo pretendemos responder as seguintes questões: Qual o objeto utilizado nos estudos que investigam os problemas de cultura nas fusões e aquisições? Por que os estudos trazem resultados tão diferentes para a mesma questão? 17 1.5. OBJETIVOS INTERMEDIÁRIOS Ao observar de perto uma operação de aquisição e todas as transformações que esta trazia à empresa adquirida - dos artefatos mais visíveis como a mudança de layout, peças de marketing e troca de diretoria, às mais invisíveis, como a mudança de cultura – busquei compreender na literatura como lidar com este fenômeno e observei a imprecisão de constructos e conceitos que permeiam o tema. Por isso esse trabalho se propõe a realizar um estudo sobre as diferentes abordagens, para apreender como o objeto e suas relações são utilizados na proposta de intervenções práticas. Desta forma, para nos ajudar neste objetivo principal, temos os seguintes objetivos intermediários a investigar: Se há algum grau de consenso entre os autores em relação ao objeto proposto. Se os recortes epistemológicos das várias abordagens estão claros e dentro dos parâmetros de validação de alguma disciplina acadêmica. Se o objeto de analise é o mesmo para os diferentes autores. Se é verdade que a imprecisão sobre o objeto de estudo decorre ou é causado por abordagens de disciplinas diferentes (sem que pontes interdisciplinares tenham sido construídas), que podem dificultar o entendimento do assunto bem como a proposição de soluções práticas. Desta forma, a relevância deste estudo está em contribuir para uma orientação mais uniforme dos estudos de diferenças culturais em operações de fusão e aquisição e do entendimento dos diferentes resultados que estes trazem. 18 1.6. DELIMITAÇÃO DO ESTUDO Reconhecemos as limitações de um trabalho teórico, uma vez que “sua coerência e legitimação residem na coerência das elaborações do ensaísta” (Bertero, 2011, pg. 3). Em relação à literatura levantada, encontramos muitos artigos que tratam dos problemas de fusões e aquisições enfatizando os fatores estratégicos, os problemas culturais ou os fatores humanos. Contudo, neste estudo enfocaremos apenas os artigos que trouxeram os problemas culturais ou os fenômenos derivados dela como objeto de estudo principal, incorrendo no risco de limitarmos os fatores de insucesso destas operações em aspectos desta natureza, desconsiderando outras variáveis importantes na abrangência do problema. Outra limitação é a análise de artigos que realizaram seus estudos baseados, em sua grande maioria, em casos de empresas norte-americanas, traduzindo muito mais uma programação mental específica desta sociedade para lidar com as diferenças culturais. Por fim, é importante esclarecermos de antemão que, embora as formas de medição de retorno das F&A sejam de grande valor para ajudar-nos a entender as bases de comparação dos autores nos altos índices de fracasso nestas operações, neste estudo não será possível nos debruçarmos sobre estas medidas. 19 1.7. APRESENTAÇÃO DA OBRA Para compreendermos o recorte utilizado no conceito de cultura dos trabalhos em administração que buscam evidenciar o impacto das diferenças culturais nas F&A, precisamos fazer uma revisão dos autores que conceituam cultura, e como estes delimitam seu objeto de pesquisa. Em seguida, faremos um levantamento histórico de como o conceito de cultura foi sendo apropriado para o universo da administração, e elevado ao status de ativo intangível e estratégico nas empresas. Esta contextualização se faz importante para entendermos de que forma a cultura organizacional vem servindo aos propósitos de negócio, a ponto de interferir na performance de duas empresas de origens diferentes. No terceiro capítulo, percorreremos os principais desafios decorrentes de diferenças culturais nos cenários de F&A, levantados por dezenas de autores, cujos trabalhos foram publicados em journals de maior impacto, segundo listagem da EBAPE, mas não restritos a estes. Apresentaremos um panorama geral dos principais achados, onde muitos se concentram nas mesmas questões: grau de autonomia concedida à empresa adquirida e processo de integração sociocultural. Contudo, embora os estudos discorram sobre questões comuns, a escolha por bases teóricas e instrumentos de medição distintos, os leva a conclusões por vezes controversas. No quarto capítulo, exploramos as críticas mais relevantes levantadas pelos autores sobre a forma como os estudos de cultura em fusões e aquisições vêm sendo feitos, oferecendo ao leitor uma apreciação das variáveis que interferem na condução deste tipo de estudo e numa tentativa de explicar a divergência de resultados. No quinto capítulo utilizamos uma tipologia para analisar de que forma o trabalho dos principais teóricos que tratam do conceito de cultura, podem ser compreendidos para o impacto dessas diferenças de cultura em operações de fusão e aquisição. Para isso, organizamos o conceito de cultura que cada um apresentou em suas obras, o campo de conhecimento, o tipo de abordagem utilizado em suas pesquisas e a possível aplicabilidade de seus conceitos para o nosso problema pesquisado. No sexto capítulo, de forma semelhante ao anterior, utilizamos uma tipologia para analisar comparativamente os trabalhos acadêmicos pesquisados sobre impactos de cultura ou seus 20 fenômenos derivados no desempenho das fusões e aquisições. Para isto, começamos agrupando os artigos pelos tipos de fatores que estes privilegiam em sua abordagem. Em seguida, apresentamos um quadro comparativo, onde organizamos o objetivo dos autores, o conceito de cultura utilizado em seus trabalhos, os impactos reconhecidos por eles que a cultura causa nas fusões e aquisições e as ações necessárias propostas por estes autores, para minimizar ou solucionar estes impactos bem como os problemas que investigam. No último capítulo apresentamos nossas conclusões sobre o estudo, sintetizando a contribuição que cada abordagem de cultura pode propiciar aos estudos organizacionais, as limitações e possíveis melhorias nas formas de investigação das características de uma determinada cultura corporativa. Conferimos ao final a falta de uma relação de causalidade nos artigos pesquisados, que defina claramente o fenômeno, seus impactos, as consequências e possibilidades de solução. 21 2. A COMPREENSÃO DO CONCEITO DE CULTURA Cultura e suas implicações no âmbito social e organizacional é um tema que vem sendo explorado há bastante tempo, e parece ainda estar em construção. Segundo Barbosa (2002), do ponto de vista epistemológico, o epicentro do debate está em qual o conceito de cultura utilizado e o uso a que ele se destina na compreensão da realidade organizacional. Portanto, entender a organização como uma cultura é reconhecer o papel ativo dos indivíduos na construção da realidade organizacional e nas interpretações compartilhadas para suas experiências. Ao analisarmos os objetos de estudo dos trabalhos que envolvem as diferenças culturais em operações de F&A, percebemos que, por um lado, temos o recorte epistemológico da psicologia, a qual se utiliza de valores, crenças e pressupostos compartilhados por indivíduos como base central do entendimento da cultura e por outro lado, a possibilidade de compreender o fenômeno cultural à luz da semiótica, base da sociologia weberiana, e que explica a formação de valores dentro de um contexto cultural, criando suas distinções e trazendo um relativismo cultural. É importante observar que estas abordagens não são excludentes, ambas têm validade na compreensão da influência da cultura nas operações de fusões e aquisições, por suas contribuições singulares, mas devem ser vistas de forma separada, levando-se em conta suas idiossincrasias. Isto se faz necessário para se estruturar melhor as possibilidades de ação, uma vez que precisamos de uma definição de cultura operacionalizável em termos de pesquisa, para gerarmos conhecimento prático e formas de intervenção na administração das empresas. Laraia (1999) relembra que as diferenças de comportamento entre os povos já era observada e questionada desde Heródoto (historiador grego do século V a.c), o padre José de Anchieta e o filósofo Montaigne. A literatura aponta que o termo cultura surgiu inicialmente em 1871 como uma associação dos termos Kultur e Civilization feita por Edward Tylor, formando o termo inglês culture. O primeiro termo refere-se às realizações materiais de um povo; o segundo remonta aos aspectos espirituais de uma comunidade. Com isso, Tylor distancia a idéia de cultura como uma disposição inata, perpetuada biologicamente. Kessing (1974) consolidou diversas correntes conceituais de cultura, que descreveremos a seguir: 22 Cultura como sistema cognitivo: a cultura é definida nesta perspectiva como um sistema de conhecimentos, no mesmo domínio da linguagem, através de um evento observável. É um modelo de interpretação da realidade e consiste em tudo aquilo que alguém tem de conhecer ou acreditar para operar de maneira aceitável dentro de sua sociedade. O conceito privilegia assim o sistema cognitivo do ser humano, e não as suas manifestações exteriores. Cultura como sistema estrutural: esta vertente aborda a prática cultural com foco na descoberta sobre a “estruturação dos domínios culturais”, ou seja, a bagagem intelectual adquirida para a interpretação mútua dos indivíduos em relação a mito, arte, parentesco e linguagem. Esta é a abordagem utilizada pelo antropólogo LéviStrauss. Cultura como sistema simbólico: esta corrente define a cultura como sendo um sistema de significados e símbolos compartilhados. A “cultura deve ser considerada não um complexo de comportamentos concretos, mas um conjunto de mecanismos (...) para orientar o comportamento”. Geertz (1989) reforça a problemática do objeto de estudo da cultura pelo viés da psicologia, para a verificação de pressupostos coletivos, afirmando: Se o estudo científico da cultura se arrasta, e na maioria das vezes se atola num mero descritivismo, é porque o tema de seu assunto é esquivo, enganoso, em sua maior parte. O problema inicial de qualquer ciência – definir seu objeto de estudo de forma tal a torná-lo passível de uma análise – torna-se aqui extremamente difícil de resolver. (GEERTZ, 1989, p. 227) Já Weber parte das estruturas lógicas da ação a partir do entendimento que os sujeitos têm sobre o que estão fazendo, entendimento este que é partilhado subjetivamente, sem cair no domínio da psicologia (Weber, 2000, pág. 12). De acordo com Castro (2003), tanto o esforço de Max Weber, quanto o de Karl Marx e de Durkheim são esforços interpretativos, que buscam as causas do comportamento social em domínios que estão fora dos limites da consciência humana. Contudo, Weber entende que os indivíduos são os determinantes da sociedade, ou seja, as pessoas moldam as características de uma sociedade através de ações sociais. Assim, ele propõe uma espécie de sociologia compreensiva, que tenta entender a partir das ações dos indivíduos, o funcionamento social e assim propor mudanças (Weber, 2000, página 14). 23 Podemos dizer que a obra “Ética protestante e o espírito do capitalismo” de Max Weber foi fundamental na compreensão da noção de trabalho construída nas diferentes sociedades. Através das práticas religiosas, este sociólogo explora o eixo de responsabilidade moral, o objetivo da vida humana e como estas dimensões compõe o significado do trabalho, que perpetua nas práticas organizacionais e nas relações entre empregados e patrões, moldando em certa medida a cultura organizacional das companhias. A partir desta concepção social e não psicológica de compreensão da cultura, sociólogos e antropólogos se debruçaram sobre este conceito com um objeto de estudo mais delimitado e possível de ser pesquisado empiricamente. Já Hofstede (1990) contribuiu muito para os estudos de diferenças de cultura nacional, ao se debruçar na medição dessas diferenças, através de uma das maiores pesquisas de administração intercultural, envolvendo setenta e um países. Os questionários visavam trazer à tona valores pessoais sobre ambientes de trabalho, mas sem entrar na subjetividade individual dos sujeitos. Hofstede (1990) acreditava que a socialização das pessoas na família, na escola, e mais tarde, nas organizações, ajuda a desenvolver programas mentais por meio dos quais as pessoas reagem a desafios. Considerando que esses programas mentais refletem a cultura, controlada pela ocupação, educação, pela idade e outros fatores, os dados revelariam as culturas dos países corroboradas pelos questionários respondidos pelas subsidiárias da empresa de tecnologia IBM (onde trabalhavam os pesquisados). Desta forma, o autor define o termo cultura como “a programação coletiva da mente que distingue os membros de um grupo ou categoria de pessoas, em face de outro” (Hofstede, 2003, pg. 19). Dentro do conceito de programação mental, Hofstede reconhece que existem níveis individuais, coletivos e universais, conforme ilustrado na figura 1, a seguir. 24 Figura 1 - níveis da cultura Fonte: Adaptado de Hofstede, 2001. O nível individual justifica as diferenças entre as pessoas, formado pela personalidade e influenciados pelas experiências pessoais. Já o nível coletivo está relacionado às experiências e processos de aprendizagem compartilhados, que ocorrem de forma contínua e faz com que tenhamos ao longo da vida cada vez mais processos armazenados. Assim, os grupos que crescem e vivem por meio dos mesmos processos de aprendizagem, compartilham de uma mesma programação mental. É nesse nível, portanto, que se consegue diferenciar o jeito americano, brasileiro ou japonês de enxergar o mundo e de agir sobre ele. No nível universal, ele refere-se às características biológicas e genéticas do ser humano. Seria a nossa capacidade de sentir medo, raiva, alegria, tristeza etc. A cultura atuaria na forma de expressar estes sentimentos, trazendo características particulares em suas formas demonstração. Hofstede (2001) pontua a necessidade de distinguir claramente o nível individual e o nível da sociedade. A cultura nacional deve ser compreendida como um conjunto de reações prováveis de cidadãos que possuem uma programação mental comum, sem entrar nas reações individuais. Ou seja, não é necessário encontrar esses comportamentos na mesma pessoa, mas sim observá-los estatisticamente com mais frequência, na mesma sociedade. Por conseguinte, Hofstede também posiciona os valores como núcleo central da cultura. O autor define estes como a tendência a se preferir certo estado de coisas em face de outro. 25 E deixa claro que a maioria de nossos valores são inconscientes, podendo apenas ser deduzidos através da forma como as pessoas atuam perante as diversas circunstâncias. Para Hofstede, estes valores são formados através de um contexto histórico, são aprendidos e repassados pelas sociedades. Através da pesquisa supracitada, Hofstede chegou a cinco dimensões de cultura nacional, na comparação entre os países e a seis dimensões de cultura organizacional, que veremos mais adiante. As dimensões de cultura nacional consolidadas por Hofstede são: A distância hierárquica ou distância do poder – Esta dimensão expressa o grau em que os membros menos poderosos de uma sociedade aceitam e esperam que o poder seja distribuído de forma desigual. A questão fundamental aqui é a forma como uma sociedade lida com as desigualdades entre as pessoas. Pessoas em sociedades que exibem um alto grau de distância do poder aceitam uma ordem hierárquica em que todo mundo tem um lugar e que não precisa de justificação. Nos países e regiões com elevada distância, como América Latina, Portugal, Espanha, Ásia e África superiores e subordinados se consideram desiguais por natureza. Em sociedades com baixo grau de distância do poder, como Estados Unidos, Grã-Bretanha e países não latinos da Europa, as pessoas se esforçam para equalizar a distribuição de poder e demandam justificativas para as desigualdades. Grau de Individualismo (ou grau de coletivismo) – O individualismo é caracterizado pelo grau em que a identidade individual é definida com base nos objetivos e realizações pessoais, onde os indivíduos esperam cuidar apenas de si e de suas famílias. São exemplos de países individualistas Estados Unidos, Austrália, Grã-Bretanha, Canadá e Países Baixos. O coletivismo representa uma preferência por um quadro unido na sociedade, onde as pessoas tendem a colocar os interesses do grupo ou da sociedade em primeiro plano, esperando em troca receber lealdade. São exemplos de países coletivistas a Colômbia, Venezuela, Guatemala, o Paquistão e o Japão. Segundo Hofstede (2001), existe uma tendência de que países mais individualistas possuam menor distância hierárquica. Grau de masculinidade (ou de feminilidade) – Representam os extremos de uma dimensão. De um lado temos o alcance de objetivos e a ambição e do outro a harmonia interpessoal. Nas 26 sociedades mais masculinas, como Japão, Áustria, Venezuela e Suíça, espera-se que o homem seja mais forte e se interesse pelo sucesso material, enquanto nas sociedades mais femininas, há a preferência para a cooperação, a modéstia, cuidar dos mais frágeis e a busca pela qualidade de vida. A sociedade em geral é mais orientada para o consenso. Como exemplo de países mais feministas, podemos citar a Suécia, Dinamarca, Países Baixos e Noruega. O evitamento da incerteza – Reflete o grau de desconforto que as pessoas sentem perante os riscos e as incertezas. A dimensão de aversão à incerteza expressa o grau em que os membros de uma sociedade se sentem desconfortáveis com a incerteza e a ambiguidade. A questão fundamental aqui é a forma como uma sociedade lida com o fato de que o futuro nunca pode ser conhecido: devemos tentar controlar o futuro ou apenas deixar acontecer? Os países que apresentam forte aversão à incerteza são Grécia, Portugal, Japão e Uruguai e este sentimento é traduzido em estresse e necessidade de previsibilidade. Nos países com baixa aversão a incerteza, como Singapura, Dinamarca e Suécia, parece existir uma aversão emocional às regras formais. Alguns anos mais tarde, o autor identificou uma quinta dimensão sobre diferenças entre culturas nacionais, contrapondo orientação a longo-prazo e a curto-prazo. Hofstede atribuiu o fato de não ter identificado esta dimensão antes devido ao viés cultural de sua mente e de todos os outros investigadores, que partilhavam uma forma de pensar “ocidental”. Orientação de longo prazo versus curto prazo - A dimensão orientação de longo prazo pode ser interpretada como lidar com a busca da sociedade por virtude. A orientação de longo prazo também é conhecida como dinamismo confuciano e representa a aceitação da mudança, a perspectiva pragmática direcionada para o futuro. Como exemplo, podemos citar a China, Japão, Coréia do Sul, Brasil, Índia. A contribuição de Hofstede segue, portanto a linha funcionalista de pensamento, na qual o pressuposto é que as normas e os valores sociais forneçam a base para a sociedade e as organizações. Por esse motivo, seria plausível adotar uma postura universalista, que permita classificar todas as sociedades de acordo com o mesmo conjunto de características. Contudo, o próprio autor observa que as variações culturais internas dos países podem ser tão grandes – se não forem maiores – do que as variações culturais entre os países. O autor faz ainda uma adaptação de suas conclusões ao analisar o universo organizacional, que veremos mais adiante. 27 As críticas ao trabalho de Hofstede se concentram primeiro na limitação da amostra investigada, pertencente a uma única organização, podendo assim estar altamente influenciada pela cultura organizacional desta empresa – admitindo-se que exista uma influência desta nos valores e crenças dos indivíduos respondentes, que abordaremos com mais detalhes adiante. Outra crítica à utilização dos achados de Hofstede para se discutir o impacto das diferenças culturais, se refere à validade dos dados, em função do tempo em que foram coletados, na década de sessenta e setenta. Observamos ainda que grande parte destes estudos só consideram as quatro primeiras dimensões que este autor publicou e que, mais tarde, se mostraram incompletas e inconclusivas. A grande contribuição deste autor foi o levantamento das dimensões culturais para se estudar de forma comparativa culturas nacionais, na tentativa de compreendermos as diferentes lógicas que guiam formas específicas de se comportar bem como a necessidade de se considerar esse contexto histórico na adoção de práticas de gestão. Já Geertz (1989) propõe que a antropologia estude não as percepções idiossincráticas, mas os comportamentos, através do método etnográfico, tratando-os como ações simbólicas logicamente possíveis dentro de um contexto. Este antropólogo entende a cultura como um texto, em que se utiliza o método de descrição da realidade social, visando captar os aspectos simbólicos da cultura observada na experiência de campo. A língua consensa a maior parte do conteúdo da cultura e tem a função de ir transmiti-la pelos povos. Este autor define cultura como: “O conceito de cultura que defendo (...) é essencialmente semiótico. Acreditando, como Max Weber, que o homem é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essa teia e a sua análise (...) que são, portanto não como uma ciência experimental em busca de leis, mas como uma ciência interpretativa, à procura do significado (...) ” (Geertz, 1989, p.15). A contribuição de Geertz no campo da gestão pode ser entendida como a tentativa de trazer a compreensão do fenômeno cultural sob uma perspectiva mais concreta, focada na dinâmica da evolução cultural e no seu papel de estruturação da realidade percebida. Barbosa (1996) afirma que é através da rede de significados que se orientam as práticas cotidianas inerentes ao modelo de relações sociais entre os vários segmentos; as lógicas 28 contidas nas formas de se fazer negócios; as hierarquias formais e informais; as múltiplas políticas administrativas; a aplicação e contextualização das regras; as relações de poder; as estratégias políticas e as concepções de carreira. Outro autor que também fez valiosas contribuições para o estudo da cultura foi Trompenaars (1995). Para este autor, a cultura pode ser definida como um sistema comum de significados, que mostra o que se deve prestar atenção, como se deve agir e o que se deve valorizar. Trompenaars concebeu um esquema gráfico da cultura, em uma analogia com uma cebola, pelas suas diversas camadas. Assim, as camadas exteriores seriam os artefatos, semelhantes aos de Schein. As camadas intermediárias expressariam os valores daquela sociedade, como suas noções compiladas de bom versus mau, ou seus caminhos aceitáveis para alcançar recompensas. Já as camadas mais internas representariam as crenças de uma sociedade, e são as menos acessíveis a alguém não pertencente àquela cultura. Quando Trompenaars propõe suas sete dimensões culturais, ele procura resolver três dilemas básicos: relacionamento com os outros; controle do tempo e relação com o ambiente. Assim, ele chega às dimensões abaixo: Universalismo x Particularismo: Culturas universalistas criam regras para guiar o comportamento de seu povo e tal comportamento não está sujeito a exceções, principalmente àquelas fundamentadas em relações como laços familiares ou patronato. Já culturas particularistas valorizam mais as relações do que as normas e veem estas como uma direção geral sujeita a interpretações particulares, voltadas a respeitar mais o sentido geral da lei do que seu texto literal. Individualismo x Coletivismo: as características destas dimensões são bem semelhantes às de Hofstede, conforme descrito anteriormente. Culturas afetivas x Culturas neutras: em culturas afetivas as pessoas esperam demonstração de emoções e sentem-se confusas quando estas não são expressas, podendo interpretar como frieza quaisquer sinais mais contidos de emoções que sejam oferecidos por indivíduos pertencentes a culturas mais neutras. Culturas específicas x Culturas difusas: culturas específicas crescem compreendendo a realidade particionada. Assim, as pessoas pertencentes a estas culturas concentram-se em 29 fatos, contratos e evidências precisas. A vida privada é percebida como separada da pública e poucas alegações válidas para uma podem ser utilizadas para interpretar outra. Já as pessoas de culturas orientadas difusamente compreendem a realidade de forma holística, porque todas as partes estão relacionadas e a estrutura das relações pode ser ainda mais importante que os elementos formadores da realidade. Assim, as explicações tendem a ser dedutivas e é importante que as relações sejam cultivadas. A esfera pública tem menor dimensão quando comparada à esfera da vida privada, mas é de pouco significado, pois sem confiança e união os estrangeiros também não seriam aceitos. Realização x Atribuição: em uma cultura voltada para a realização, o status é conferido de acordo com o reconhecimento ao que é feito e os indivíduos devem se pôr à prova. Por outro lado, em sociedades orientadas para a atribuição, os indivíduos podem nascer com um status em virtude do sistema legal, da beleza ou da riqueza. Percepção de Tempo: culturas voltadas para o passado veneram os antepassados, apreciam experiências coletivas e, frequentemente, mantém uma concepção cíclica de tempo que requer a possibilidade de repetição de eventos, desvalorizando a sensação de urgência para tirar proveito das oportunidades, pois elas podem se repetir. Sociedades voltadas para o presente não atribuem muito significado ao passado ou ao futuro. A satisfação imediata tende a ser enfatizada. Em relação ao fluxo de tempo, Trompenaars faz uma subclassificação em sequenciais ou sincrônicas. As primeiras percebem o fluxo de tempo de forma linear, enfatizando o planejamento, os prazos finais e os compromissos. Um senso de urgência predomina porque um único espaço de tempo é o que as pessoas dispõem para executar uma tarefa. Já as culturas sincrônicas possuem uma percepção de tempo mais ampla, fornecendo um fundo sobre o qual várias tarefas podem ser feitas simultaneamente. Portanto, tempo não é um recurso exaurível, no sentido de que o trabalho de um indivíduo possa ser continuado por algum outro, enquanto cada indivíduo é livre para realocar suas tarefas quanto for necessário. Culturas sincrônicas podem ser mais adequadas para ambientes incertos, pois essa atitude em relação ao tempo permite mudar as atividades diante de imprevistos ou falhas, por exemplo. Os planos são menos importantes, pois assuntos não relacionados à tarefa podem ser realizados antes. Relação com a natureza: de acordo com Trompenaars, a atitude das pessoas com relação ao ambiente pode ser classificada por internalista ou externalista, de acordo com o local que as pessoas percebam que deva estar o controle. Culturas internalistas percebem a natureza como 30 controlável e sujeita à influência humana. Aqui, as pessoas acreditam que possam agir para tirar proveito de oportunidades ou para limitar sua exposição à natureza. Por outro lado, as culturas que percebem o local de controle situado além deles, as externalistas, percebem-se como parte da natureza e são propensas a buscar a harmonia com a natureza em lugar de se oporem a ela. Tabela 1 - dimensões culturais de Trompenaars Fonte: adaptação de Trompenaars, 1995. Trompenaars (1995) conclui que, o que devemos ter em mente ao transpor comparações internacionais para atitudes empresariais com base nas reações das pessoas ao ambiente é se estamos falando da mesma natureza. O fundamental aqui é perceber que os comportamentos para as diferentes sociedades se tornam inteligíveis por causa das formas comuns de se entender conceitos como poder e hierarquia, por exemplo, e as formas ou variações possíveis de relacionarem-se, ou posicionarem-se frente a elas. E que cultura não estuda comportamento, mas a lógica que o externaliza. Uma grande questão que também se coloca é o quanto a cultura nacional impacta no desempenho econômico de um país. DiMaggio (2003) sugere que a resposta mais objetiva, pela visão da teoria econômica é que a cultura nacional pode ter um grande impacto na economia se ajudar na redução dos custos de transição. Mas esta explicação esbarra em uma série de questões subjetivas, afinal, a manipulação moral da cultura fica delegada a 31 intermediários, aumentando de certa forma a possibilidade destes intermediários promoverem a cultura nacional de formas distorcidas. E assim, a cultura pode acabar servindo mais como um mecanismo monopolista de vantagem do que como mecanismos de custos de transação. DiMaggio inclusive alerta para os poucos estudos da cultura na teoria econômica, pois reconhece que esta influencia a economia em nível organizacional e individual. Nesse sentido, o autor interpreta que muitos comportamentos das empresas são irracionais por não responderem aos incentivos dos mercados apropriadamente. No nível individual, as atitudes refletem relacionamentos entre pessoas e atributos simbólicos de objetos concretos, sem uma relação necessária com as características técnicas dos próprios objetos. 32 2.1 CONCEITO DE CULTURA APLICADO À GESTÃO Nesta seção faremos um retrospecto da utilização do conceito de cultura pelas teorias de gestão, considerando as particularidades do ambiente organizacional. Assim, poderemos compreender melhor como a gestão da cultura foi sendo construída e entendida pelos gestores, refletindo inclusive nos processos de integração antes e pós F&A. Um dos precursores do conceito de cultura aplicado ao contexto organizacional foi Elliot Jacques (1953) na obra The changing culture of a factory. Na sua definição, cultura de empresa seria “o modo habitual de pensar e agir, que deve ser aprendido e aceito, mais ou menos compartilhado por todos os empregados da empresa”. A definição de Elliot Jaques, embora ampla, direciona a compreensão que veio a se estabelecer como a cultura de uma organização. Com a popularização e crescente uso deste conceito no início da década de oitenta, as culturas organizacionais ou de empresas ressaltaram que a excelência de uma organização estava na forma comum de pensar, sentir e agir de seus membros. O que caracteriza o conceito de cultura organizacional desse período é o seu uso como instrumento para a melhoria da organização mediante o aprimoramento de seus processos. Mas este conceito inicialmente não remete à antropologia, e suas ideias de valores são essencialmente morais e substantivas. A cultura, afirmava-se na época, remove em grande parte esse sentimento de incerteza, porque oferece estrutura, padrões e um sistema de valores com o qual operar em todas as situações (Barbosa, 2002). Kilmann, Saxton e Serpa (1985, pg.352) descrevem a cultura em termos de uma força física: “a cultura oferece significado, direção e mobilização - é a energia social que move a empresa (...) que flui nos compromissos compartilhados entre os membros do grupo”. A dimensão fundamental da cultura, de acordo com Kilmann, são as normas, pois é aqui que a cultura orienta. Mais precisamente, são as normas que regem o comportamento e as atitudes das pessoas na empresa, tendo um efeito poderoso sobre os requisitos para o seu sucesso - a qualidade, a eficiência, a confiabilidade do produto, atendimento ao cliente, inovação, trabalho duro, lealdade etc. Este é o núcleo da maioria dos textos norte-americanos sobre a cultura corporativa. Entretanto, esta definição parece um pouco restrita ao uso de normas. Porque a cultura, na verdade, indica a dimensão do significado, ou seja, o que está por trás e forma as normas, não 33 parecendo adequado descola-los de outros aspectos da organização. Isto porque, de acordo com Tanure (2007) entre outras coisas, as normas de trabalho estão provavelmente ligadas a uma variedade de condições deste local. Logo, o tipo de trabalho, os mecanismos de recompensa, perfil dos funcionários, idade, sexo, qualificações e interesses são, provavelmente, mais importantes na determinação dessas normas. Para Dyer Jr. (1986), as correntes que analisam a criação da cultura partem de três pontos: a) os fundadores e os líderes trazem consigo um conjunto de pressupostos, valores, perspectivas e artefatos para a organização e o impõe a seus empregados; b) uma cultura emerge com a interação dos membros da organização para resolver problemas relacionados com a integração interna e a adaptação externa; c) os membros individuais podem tornar-se criadores da cultura, por meio da solução de problemas individuais de identidade, controle, necessidades de aceitação, passando-a para as gerações seguintes. A definição mais utilizada sobre cultura nos trabalhos de administração é a do psicólogo Schein, que procurou explicar as diferenças de eficiência entre empresas americanas e japonesas. Este autor define cultura como: A cultura é o conjunto de pressupostos básicos inventados, descobertos ou desenvolvidos por um grupo na medida em que aprendeu a lidar com os problemas da adaptação externa e integração interna. (SCHEIN, 1985, p. 47) Para Schein (2009), a cultura é concebida proporcionalmente para um grupo assim como a personalidade ou caráter está para o indivíduo. Assim, à medida que nossa personalidade e caráter orientam e restringem nosso comportamento, a cultura também o faz, através de normas compartilhadas e assumidas neste grupo. Neste sentido, a cultura é entendida por Schein como intrínseca aos indivíduos, e opera em três camadas: artefatos, valores e crenças e pressupostos básicos. O nível mais superficial, dos artefatos, traz um problema, pois é baseado em símbolos, que por sua vez são ambíguos, e apenas podem ser interpretados à luz de sentimentos e experiências pessoais, não refletindo necessariamente o significado subjacente daquilo. O segundo nível, das crenças e valores, acaba por refletir as convicções de um líder, até que o grupo assuma alguma ação conjunta e seus componentes observem o resultado dessa ação, para validá-lo. Desta forma, apenas as crenças e valores que forem empiricamente testados na solução de um problema ou passarem por uma validação social, serão transformados em 34 suposições, que constituem o nível mais profundo da cultura. Neste terceiro nível, o grau de consenso resulta do sucesso repetido na implementação de certas crenças e valores, que orientarão o comportamento dos indivíduos, informando aos membros do grupo como perceber, refletir e sentir as coisas. Destarte, sua definição formal de cultura enfatiza as experiências de aprendizagem compartilhadas. Figura 2 - camadas da cultura Fonte: adaptação de E.H.Schein, 2009. Segundo Schein (2009), é nesse processo psicológico que a cultura tem seu poder final. Para ele, este mapa mental nos traz uma sensação de conforto e estabilidade, porque os compartilhamos com outras pessoas. Os membros de qualquer novo grupo trarão a aprendizagem cultural de seus grupos anteriores, de sua educação e da socialização em outras comunidades. Schein pesquisou as suposições culturais em diferentes tipos de organizações através da pesquisa clínica, onde, segundo ele, os dados vêm voluntariamente dos membros da organização, uma vez que o pesquisador está envolvido de alguma forma com a corporação e pode contribuir com a cooperação dos entrevistados. Ele diferencia neste ponto o método clínico do etnográfico: no modelo etnográfico de investigação o pesquisador não tem qualquer 35 intenção de mudar o sistema, ele deve deixa-lo tão intacto quanto possível (Schein, 2009, pg. 196). Schein faz ainda uma importante contribuição às práticas de gestão e compreensão dos problemas de cultura ao enfatizar o papel do líder no gerenciamento da cultura. Para o autor, a capacidade de perceber as limitações da cultura e desenvolvê-la adaptativamente, constitui a essência e o desafio final da liderança. Vala (1995) sugere que, ao se entender a cultura como um processo cognitivo dos membros de um grupo ou comunidade, as culturas e as representações sociais se transformam com os mesmos. Portanto, as expectativas, valores e crenças no interior de uma organização não são apenas resultado de uma atividade cognitiva individual, mas de uma rede de relações simbólicas interindividuais e intergrupais que os indivíduos estabelecem enquanto sistema social. Assim, no processo complexo de interação dos indivíduos às organizações, esses vão construindo um sistema de respostas que consideram estar de acordo com o contrato psicológico implícito. Fleury (1996a) analisa que, com sua proposta, Schein abre uma das vertentes mais promissoras para o estudo das organizações, balizando e propiciando o referencial teórico e metodológico para a maioria das pesquisas americanas e muitas europeias. Entretanto, sua linha de estudos assume os sistemas culturais apenas em sua capacidade de comunicação e expressão de uma visão consensual sobre a própria organização. A dimensão do poder, intrínseca aos sistemas simbólicos, e o seu papel de legitimação da ordem vigente e ocultamento das contradições, das relações de dominação não aparece de forma muito consistente em seus estudos, e foram mais bem exploradas por Pagès e seus colaboradores. Pagès (1987) desenvolve um olhar crítico acerca do papel da organização na vida dos indivíduos pela luz da psicologia, pois entende que as corporações utilizam-se das instâncias psíquicas destes últimos. Para este autor, a estratégia das empresas seria criar uma coparticipação que lhes permita substituir seu imaginário pelo da organização, o qual é veiculado pela cultura organizacional. Assim, uma empresa zelosa de sua cultura vai procurar obter adesão à sua missão e objetivos para o futuro. Nesse sentido, a organização faz a passagem de um projeto exterior (produtos, serviços, mercados, lucros) a um projeto interior a ser reproduzido (sonho, missão nobre). 36 O autor defende que a cultura de uma empresa se sustenta na identificação dos atores sociais com seus pares, com locais de socialização reconhecidos como tais e quando os membros de um grupo alcançam sua identidade comum, chegando ao ponto de assumirem como pessoal o interesse coletivo. “As culturas transmitidas precisam de um reconhecimento outorgado ou obtido nas relações de troca (...) o corolário desta proposição é que o indivíduo colabora ativamente com o poder da organização” (Pagès, 1987, pág. 40). Logo, ingressar em uma empresa implica em aderir a todo um sistema de valores, a uma filosofia e é esta adesão ideológica que incita as pessoas a cooperarem de forma incondicional ao cumprimento das metas corporativas, imersas em um sistema de dominação e alienação dos indivíduos. A cultura de uma empresa propõe um sistema de crenças e valores, uma moral de ação apropriada para conduzir os empregados à adesão. Estes valores são ofertados nos manuais, que por sua vez, são comparados pelo autor como uma escritura sagrada, ao concretizar um conjunto de práticas rituais utilizadas pela hierarquia da organização. A instauração de um sistema de valores, por sua vez, prorroga a codificação de práticas no plano das representações, tendo como principal função, a legitimação do sistema de regras. Este sistema de valores constitui desta forma, o quadro de referências no qual os indivíduos elaboram as representações do que foi vivido. É ele que fornece os princípios fundamentais segundo os quais os indivíduos orientam suas ações. (Pagès, 1987, pág. 75). Pagès considera, portanto que as empresas podem tornar-se espaços onde se opera uma procura quase ativa de identidade e identificação, assumindo uma função mediadora em um problema fundamentalmente ontológico, onde a cultura torna-se uma espécie de refúgio. Aktouf (1994) questiona como a cultura de uma empresa pode provocar adesão ao desempenho sustentado através de uma adesão prévia, que se quer supostamente espontânea e natural, a valores e a uma identidade totalmente pré-construídos e confiados a heróis semeadores (que seriam os líderes, segundo Schein) explicitamente investidos deste papel? (Aktouf, pág. 46). Pagès sugere que se os indivíduos aderem a este sistema de crenças com tanto entusiasmo, é porque encontram ali um conjunto de princípios nos quais podem acreditar, que lhes permite dar um sentido à sua existência. 37 Mas Aktouf acredita que a identificação ao trabalho só é possível com a superação da alienação, quando o trabalhador assume o ato de trabalhar, construindo sua história e a história da empresa. Neste contexto, cultura e identidade passam por uma transformação radical das relações de trabalho, onde as pessoas revisitam suas próprias escalas de valores. O autor reconhece, contudo, que esta abordagem está longe da corrente gerencial dominante de cultura organizacional. Para ele, cultura: “é algo muito vasto, inscrito profundamente nas estruturas sociais, na história, no inconsciente, na experiência vivida e na essência da coletividade humana, para ser tratada de maneira tão trivial como uma variável dependente cujos fatores e componentes podem ser isolados, medidos, tratados e construídos” (AKTOUF, 1994, pág. 47). O autor defende, portanto que cultura organizacional não deve ser reduzida a um mero instrumento de gerenciamento, numa visão estreitamente utilitarista, como se procura no pensamento gerencial, pois é, antes de tudo, um conjunto de práticas sociais materiais e imateriais. Ele critica ainda a corrente dominante tão distorcida da cultura organizacional como uma “mágica comunhão de todos, patrões e operários, dirigentes e dirigidos, em um mesmo e entusiástico movimento de sustentação da empresa e seus objetivos”. Outro ponto de reflexão que Aktouf faz é em relação à eficácia perseguida nos valores, atitudes e crenças expressos nas definições de cultura de empresas. Embora não esteja explícita em nenhuma das definições dos autores mais reconhecidos, Aktouf presume que se trate de uma rentabilidade monetária crescente, que pode eventualmente ignorar a qualidade e efeitos colaterais destes resultados (como o sofrimento psíquico advindo desta pressão por metas financeiras, por exemplo). Seguindo uma linha mais funcionalista do estudo de cultura organizacional, Hofstede (2001) define-a a partir do conceito de cultura nacional, como uma programação coletiva da mente que distingue os membros de uma organização das de outra. Para este autor, a diferença entre cultura nacional e organizacional reside no aspecto de que na primeira – a cultura nacional - a diferença entre os países é acentuada pelos valores; já na segunda – a cultura organizacional - as diferenças entre as empresas, independente de estarem no mesmo país ou não, estão mais na prática. 38 Desta forma, ao abordar a cultura organizacional, Hofstede desloca o núcleo deste constructo, sugerindo que as percepções partilhadas das práticas diárias devem ser consideradas a base para compreensão da cultura da organização, com menor participação relegada aos valores. É importante ressaltar que ele não desqualifica os valores dos fundadores e líderes. Reconhece que estes contribuem para a formação das culturas organizacionais, mas a forma como estes afetam seus membros faz-se através de práticas compartilhadas. As dimensões de cultura organizacional encontradas no estudo comparativo de vinte organizações dinamarquesas e holandesas, realizadas pelo IRIC e Hofstede e que diferenciam mais acentuadamente as práticas entre as empresas são: Orientada para processos (evitam-se riscos, gastos limitados de esforço e rotina claramente estabelecida) X orientada para resultados (conforto em situações não familiares, esforço máximo, desafios constantes). Opõem uma preocupação com meios a uma com objetivos. Orientada para o empregado (problemas pessoais são levados em conta, a organização se responsabiliza pelo bem-estar dos funcionários e decisões importantes são tomadas em grupo) X orientadas para a tarefa (pressão por resultado, não há demonstração explícita e empática por problemas pessoais dos empregados, decisões tomadas individualmente). Opõe a preocupação com o resultado à preocupação com as pessoas. Paroquial (empregados derivam sua identidade da organização – as normas da organização influenciam o comportamento em casa e na sociedade, empregados esperam que a empresa pense e se preocupe com seu futuro) X profissional (forte separação entre vida privada e profissional, emprego por competência profissional e empregados tem longa visão de futuro pessoal). Opõem a identidade com a empresa à identidade profissional. Controles frouxos (nem todos estão preocupados com custos, reuniões não tem agenda e horários rígidos, piadas sobre a organização ou o trabalho são frequentes) ou rígidos (forte consciência de custos, forte controle das agendas, horários e uso do tempo, e piadas são raras). Refere-se ao grau de estruturação interna. Normativa (orientadas para o mercado, com necessidade de seguir corretamente os procedimentos organizacionais) ou pragmática (ênfase na satisfação da necessidade do cliente dos clientes). 39 É importante destacar que as dimensões referentes a processos / resultados, paroquial /profissional, controle fraco / apertado ou normativa / pragmática se relacionam com o tipo de trabalho da organização e com o mercado em que opera. Já as dimensões empregado / tarefa e frouxo / rígido parecem ser menos limitadas pela tarefa e mercado e mais influenciadas por fatores históricos, tais como a filosofia dos fundadores e as crises recentes (Hofstede, 2003). Para Trompenaars (1995), a cultura organizacional seria formada não apenas pela tecnologia e mercado em que atua, mas também pelos valores compartilhados por seus empregados e líderes. Desta forma, ele sugere que as pessoas replicam e projetam seus modelos familiares ao fundar uma empresa. Existem assim, três aspectos fundamentais ao se avaliar uma cultura organizacional, pela lógica deste autor: a relação global entre a empresa e seus empregados; os sistemas hierárquicos de autoridade e as visões gerais dos empregados sobre missão, visão e objetivos das empresas, bem como sua participação em relação a estas metas. Michael Porter (2000) também traz uma visão funcionalista de cultura, mas sob um ponto de vista bem diferente. Ele enfatiza o papel da cultura no desenvolvimento econômico de uma nação, influenciando a prosperidade dos mercados. Para Porter, uma cultura econômica é definida por crenças, atitudes e valores que incidem sobre as atividades econômicas dos indivíduos, organizações e outras instituições. Porter reconhece a dificuldade de isolar o fenômeno cultural neste cenário, a fim de compreender claramente seu papel e utiliza características da cultura nacional para entender as características de um país que favoreceriam ou dificultariam a competitividade das empresas, e, por conseguinte, de uma nação. Este autor entende que, o país de origem ou aquele onde sua empresa tem sede, é que determina a competitividade. Logo, empresas que têm origem em economias e culturas mais competitivas levarão tal competitividade a outros países aonde venham operar. Contudo, é extremamente complexo definir os elementos que constituem competitividade, tendo em vista que estes irão variar de acordo com as condições de mercado. Outra questão que se coloca é o aspecto equívoco de julgamento, entrando em um universo de valores, onde algumas culturas seriam melhores que outras. Hofstede já defendia que uma das premissas básicas da cultura é 40 o seu relativismo cultural: “não existem parâmetros científicos que permitam considerar um grupo intrinsecamente superior ou inferior a outro”. (Hofstede, 2003, pg. 21). Tanto do ponto de vista da coordenação formal (mecanismos de governança corporativa) como da coordenação informal, a cultura é entendida por diversos autores, como um sistema de governança das empresas, responsável pela mediação entre os comportamentos dos indivíduos e a economia dos custos de coordenação. Desta forma, Kreps (1990) trata a cultura corporativa de acordo com as perspectivas da teoria econômica. Para ele, a cultura age como a “cola” que vai sustentar a reputação de uma empresa. Mas, para que haja um norte orientador dessa reputação, é preciso que os dirigentes da empresa estabeleçam e disseminem um princípio geral, com ampla aplicabilidade e simples o suficiente para ser compreendido e interpretado por todos, diante de circunstâncias não previstas. É o que na teoria dos jogos se chama de ponto focal. Diante disto, este autor interpreta a cultura corporativa como “os princípios inter-relacionados que a organização emprega e a forma como estes são comunicados pelos superiores aos inferiores hierárquicos, para que eles possam aplicá-los fielmente” (Kreps, 1990, pág. 93). Compreendemos assim, que o modelo predominante de se pensar a cultura organizacional, tanto entre administradores como acadêmicos, parece ser o de um produto que tem uma relação causal simples com resultados corporativos, dependendo das virtudes que agreguem à condução dos negócios ou das suas características disfuncionais, quando necessitaria ser compreendido em um sentido mais amplo de inspiração para as medidas de gestão (e não como as medidas por si mesmas). Barros e Rodrigues (2001) discutem as diferentes formas de se abordar a cultura na gestão de pessoas. De acordo com estes autores, existe a abordagem convergente, que considera que existe uma única forma melhor, globalizada de se administrar e organizar as pessoas, incorporando as melhores práticas funcionais e específicas, apesar das diferenças de contexto. Contudo, se estas práticas não forem adaptadas criticamente às condições do contexto de cada organização, pode levar a resultados diferentes dos esperados. Assim, esta abordagem restringe a conexão das práticas aos objetivos estratégicos da empresa. Os autores sustentam que a convergência ignora os argumentos sobre consistência e adequação, a despeito do fato de que as diferenças de contexto legal e cultural exigem algum tipo de reconfiguração das práticas, para que elas sejam eficazes. 41 Em contraponto a esta teoria da convergência, está a teoria da divergência, que vai para o extremo de relativizar tudo em função do contexto. A corrente divergente foi muito enfatizada nos anos setenta, impulsionada por estudos clássicos, como o de Hofstede, que demonstram o impacto da cultura de cada país na gestão, conforme vimos na seção anterior. Hofstede (2001, p. 374), chama atenção também para o fato de que “as ideias e teorias administrativas e organizacionais frequentemente são exportadas para outros países sem que se considerem os valores do contexto nos quais tais ideias foram desenvolvidas”. Em um momento em que a economia torna-se cada vez mais global e o impacto dos avanços da tecnologia da informação está mais presente, não acreditamos ser adequado ter uma visão limitada dos aspectos multiculturais, pois, evidentemente, as fronteiras da comunicação são cada vez menores. Portanto, olhar práticas de gestão pelo filtro da lógica ocidental (exclusiva) ou oriental (inclusiva), já se traduz por si mesmo um viés cultural. Como reação ao universalismo norte-americano, Weber et al. (1996) ressalta o surgimento de um fluxo enorme de pesquisas nos anos noventa, sobre a gestão de pessoas na Europa a partir dessa perspectiva contextual e institucional. Os pesquisadores europeus parecem ver com certa suspeita o modelo “norte-americano”, moldado pelo contexto institucional dos Estados Unidos. Discute-se nestes trabalhos a possibilidade de sua aplicação nos múltiplos e variados contextos institucionais da Europa. Cabe ressaltar que, para os antropólogos, a cultura é entendida como um contexto no qual as ações e os discursos tornam-se inteligíveis para aqueles que compartilham de suas práticas, diferentemente do entendimento dos administradores, para os quais a cultura é uma variável mensurável. A consequência de uma abordagem funcionalista, é que a cultura fica reduzida a aspectos limitados deste fenômeno (normas e valores) que são percebidos como diretamente relacionados à eficiência organizacional e à vantagem competitiva (Kilmann et al., 1985). Mas, esta abordagem acaba sendo amplamente aceita e utilizada pelo fato de os aspectos superficiais da cultura serem compatíveis com um pensamento mais pragmático, acessível a intervenções gerenciais. O problema, é que as normas não parecem ser a melhor fonte para a compreensão da cultura, uma vez que elas têm a função limitada de dizer apenas como as pessoas devem se comportar frente a determinadas situações. Mas a cultura tem uma influência muito mais complexa e extensa no pensamento, sentimento e lógica das decisões. 42 Para Barbosa (2002), para se abordar cultura organizacional, não é suficiente se falar de um conjunto de valores definidos pela alta gerência, pois estes são apenas uma parte da cultura. Segundo a autora, faz-se necessário dirigir o olhar para a organização de diferentes perspectivas e para as relações entre elas, pois aí é que residem as entranhas do poder e da política organizacional. Nesta medida, para que os valores saiam do campo da psique dos indivíduos, estes devem ser institucionalizados, de forma a serem entendidos e geridos como competências essenciais de uma organização. Segundo Prahalad e Hamel: As competências essenciais são os recursos intangíveis que, em relação aos concorrentes, são difíceis de serem imitados, em relação ao mercado e clientes são os recursos essenciais para que a empresa possa prover produtos/serviços diferenciados e, em relação ao processo de mudança e evolução da própria empresa, é o fator fundamental da maior flexibilidade, que permite a exploração de diferentes mercados (PRAHALAD, C. K e HAMEL, 1990). A expressão “competências essenciais” foi criada por estes autores para designar o aprendizado coletivo da organização, em especial como coordenar diversas habilidades de produção e integrar múltiplas linhas de tecnologia, permitindo a rápida adaptação dos negócios individuais às oportunidades de mudança. Esta visão coaduna com a posição de Hofstede, sobre a ênfase da cultura organizacional na percepção de práticas partilhadas. Uma competência específica de uma organização representa a soma do aprendizado, através da integração de todos os conjuntos e habilidades, tanto em nível pessoal quanto organizacional. Assim, Prahalad e Rasmawany (2000) defendem que uma habilidade, para ser considerada competência essencial, deve passar por três validações: 1. Valor percebido pelo cliente – uma competência essencial precisa oferecer uma contribuição decisiva para o valor percebido pelo cliente. As competências essenciais são habilidades que permitem à empresa oferecer um benefício fundamental ao cliente; 2. Diferenciação entre concorrentes – para ser qualificada como uma competência essencial, uma capacidade precisa ser competitivamente única. Não faz muito sentido definir uma competência como essencial se ela for onipresente ou puder ser facilmente copiada pelos concorrentes; 43 3. Capacidade de expansão – Ao definir as competências essenciais, os gerentes precisam empenhar-se arduamente em abstrair a configuração de um produto específico ao qual a competência está associada no momento, e imaginar como a competência poderia ser aplicada a um novo portfólio de produtos. Uma competência essencial o é realmente quando constitui a base para a entrada em novos mercados de produtos. Prahalad identifica ainda, que as competências essenciais só poderão ser construídas mediante um entendimento compartilhado de determinadas entregas de valor, como as necessidades de clientes de um segmento, por exemplo. Este entendimento compartilhado é necessário para que as organizações possam aglutinar conhecimentos e recursos em prol do mesmo objetivo. Zago e Retour (2013) procuram comprovar a relação entre culturas organizacionais e competências, que não parece muito clara para diversos autores. Eles começam ressaltando o papel da cultura organizacional como preponderante para as estratégias organizacionais, procurando entendê-la como um nível coletivo constitutivo da competência organizacional. Por conseguinte, estes autores compreendem as competências de uma organização como o resultado de um processo de escolhas específicas das pessoas que a compõem, cujos comportamentos são influenciados pela cultura organizacional, que suporta o sentimento do que é apropriado fazer no âmbito da organização. Logo, eles relacionam a cultura organizacional com as competências de uma empresa na medida em que a primeira atua como filtro perceptivo que influencia as escolhas e comportamentos da organização, podendo configurar-se como base de recurso organizacional que suportará ou não a competência demandada. Zago e Retour concluem, portanto que a competência de uma organização dependerá intrinsecamente da articulação de seus elementos com a cultura organizacional. Por esse motivo, Migueles (2008) argumenta que, quando uma empresa define uma proposta de valor para o mercado baseada em suas competências essenciais, isto passa a representar um norte estratégico para a construção e manutenção de ativos intangíveis, como a cultura organizacional. E esta funcionará como um mecanismo de coordenação informal de forma a corroborar a proposta de valor desejada, funcionando como um ciclo interdependente. Nos últimos anos, Barbosa percebeu que a cultura organizacional passou a ser analisada como um ativo estratégico que pode contribuir para a rentabilidade de longo prazo de uma organização. Contudo, é importante refletirmos que, embora a cultura organizacional tenha 44 uma ligação com o desempenho de uma corporação, esta não é tão clara e simples quanto parece ser, quando reduzimos este conceito a valores e normas. Isto esclarece em parte porque os estudos trazem proposições de como a cultura traz resultados tão distintos. Barney (1991) defende, pela teoria baseada em recursos da firma, que cultura organizacional e valores são considerados recursos intangíveis, desenvolvidos ao longo do tempo e que, junto com outros recursos melhoram a eficiência e a efetividade de uma organização. Contudo, estes recursos, só trarão tais benefícios, se forem explorados apropriadamente. Este autor compreende que a influência da cultura organizacional na performance de uma empresa reside na rede de relacionamentos construída entre os gerentes. Migueles (2008) concorda que a cultura deve ser vista como um ativo intangível, acrescentando que esta tem a função de promover uma coordenação flexível, através do papel da liderança. Para a autora, o papel do líder é criar um contexto capacitante favorável ao desenvolvimento organizacional e à inovação, diminuindo a assimetria de informações entre a gestão e os funcionários. O foco do papel da liderança então, ao contrário do que outros autores privilegiam, não é um papel reducionista de influência deste nas pessoas para se atingir determinados objetivos, mas de diminuir barreiras, proporcionar maior participação, definir processos que apoiem e orientem de forma coerente rotinas e hábitos, construir sentidos comuns que conciliem objetivos individuais e organizacionais além de viabilizar as condições necessárias para a criação de laços de confiança e cooperação. Assim, os funcionários poderão contribuir com inteligência competitiva na entrega de valor de produtos e serviços ao mercado. Nesta perspectiva, o corpo gerencial, pela visão baseada em recursos, seria mais um recurso humano intangível das organizações, que pelas suas caraterísticas particulares, pode contribuir de maneiras diferenciadas na execução da estratégia. Para Tanure (2007), a competência cross-cultural torna-se, cada vez mais, um atributo fundamental da gestão, transformando-se em um mais um dos parâmetros relevantes para a performance do negócio. Empresários, dirigentes e profissionais de recursos humanos debatem os caminhos possíveis da mudança cultural. Entretanto, as organizações somente renovam suas culturas por força da necessidade de transformações radicais do ponto de vista do negócio ou da gestão. Tanure cita que, entre os casos mais comuns, figuram os processos de fusão e aquisição, nos quais os valores centrais 45 das empresas adquiridas são, muitas vezes, profundamente alterados. Por outro lado, alguns desses movimentos podem ser caracterizados como ressignificação cultural – quando os valores continuam os mesmos, mas seu significado é modernizado, por exemplo, para fazer em face de mudanças sociais. Logo, do ponto de vista da cultura organizacional, Tanure aponta que os gestores vivem hoje o desafio de planejar e executar quase simultaneamente, aprendendo enquanto revisam conceitos e modelam novas estruturas. Como parte dessa aventura transformadora, precisam revalorizar e depurar o que é local, ao mesmo tempo em que filtram e assimilam o que é global. Os acadêmicos têm explorado a importância de se coordenar esforços para diminuir a resistência dos funcionários a esse processo de mudança, equilibrando interdependência com autonomia (Graebner, 2004) enquanto integram tarefas e pessoas. Desta forma, percebemos a tendência a focar a habilidade dos gestores em influenciar comportamentos, e que acaba tendo, nestes estudos, um papel fundamental na integração de pessoas e operações. Para esta autora, os gestores são grande parte da solução dos problemas de integração, pelo seu poder de influenciar e moldar as percepções de justiça dos seus subordinados, através das justificativas de suas práticas gerenciais (congruentes ou não com a estratégia da empresa, mas supostamente fazendo-se cumprir esta). Estas ações e discurso verbal dos gestores refletem o que Monin et al. (2013) denominam de criação de sentido sobre uma imagem organizacional. Os autores afirmam que a forma como os indivíduos processarão esta nova identidade da organização (pela ênfase nas diferenças ou na intenção de se construir uma identidade comum) será crucial na forma como eles irão responder, tanto emocionalmente quanto cognitivamente. 46 3. DIFERENÇAS CULTURAIS NAS FUSÕES E AQUISIÇÕES Para investigarmos as principais consequências das diferenças culturais nas operações de fusões e aquisições, fizemos uma pesquisa dos artigos que tratam do tema, bem como dos autores mais citados, com contribuições relevantes a este assunto. Assim, encontramos um artigo publicado recentemente por Gomes et al. (2013), cujos autores fizeram o levantamento dos fatores mais críticos destas operações nos journals de maior impacto, o “critical success factor through the mergers and acquisitions process: revealing pre-and-post M&A connections for improved performance”. O artigo dividiu os fatores críticos em dois períodos: antes e pós-fusão e trouxe a gestão de diferentes culturas, nacionais e organizacionais, como um dos fatores críticos pós-fusão / aquisição. A partir do levantamento feito por estes autores em relação a este fator crítico, buscamos os artigos relativos a este tema indicados por eles como base para nossa argumentação, mas não nos limitamos a estes. Os artigos pesquisados sugerem que as diferenças de culturas organizacionais e nacionais criam entraves importantes à integração sociocultural em F&A (por exemplo, Weber et al., 1996). A integração sociocultural refere-se à aculturação bem como a eficaz combinação de diferentes culturas organizacionais e nacionais. Estas, por sua vez, levam à criação de uma identidade organizacional comum e um senso de compromisso dos funcionários com as novas organizações (Shrivastava, 1986; Birkinshaw et al., 2000; Rottig et al., 2013). Stahl e Voight (2008) reforçam a ideia de que as diferenças culturais estão muito mais ligadas diretamente aos impactos no processo de integração sociocultural do que na realização de sinergia e criação de valor em longo prazo para os acionistas. As diferenças culturais são particularmente relevantes nas decisões de investimento em empresas de outros países, dados os altos custos de transação que estas envolvem, seja pela dificuldade de transferência de competências e habilidades, seja pela assimetria de informações daquele mercado, bem como o acesso à reputação da empresa-alvo. Entretanto, Schraeder e Self (2003) chamam atenção para o fato de que, apesar do amplo impacto que a cultura organizacional e suas diferenças exercem nas operações de fusão e aquisição, este item raramente é levado em consideração em uma due dilligence. 47 De forma geral, a literatura aponta que diferenças nas culturas organizacionais podem causar confrontos caracterizados por alto nível de stress, sintomas psicológicos e físicos (Buono e Bowditch, 1989; Malekzadeh e Nahavandi, 1990) devido às atitudes negativas, diferentes identidades corporativas e falta de confiança entre os empregados envolvidos, por conflitos de valores e crenças. Isto acaba levando frequentemente a demonstrações mais ou menos explícitas de sentimentos de suspeitas contra os empregados da outra organização (Cartwright e Cooper, 1994). Diferenças culturais de natureza organizacional, portanto, podem tornar-se um desafio na integração das organizações envolvidas. Estes problemas são intensificados em F&A cujas culturas nacionais são mais distantes, resultando não raro em um duplo choque cultural (Larsson e Risberg, 1998, p.45) por conta de questões de cunho patriótico e estereótipos. Diferenças de culturas no nível nacional não só podem levar a uma diminuição significativa no comprometimento dos trabalhadores envolvidos, mas também causar malentendidos entre os gerentes e os próprios funcionários (Cartwright e Cooper, 1994). Isto, por sua vez, impede frequentemente a um fluxo de comunicação adequado dentro das organizações envolvidas, coibindo também o desenvolvimento mútuo de relações de confiança e cooperação, incidindo inclusive em uma alta taxa de saída de gestores da alta administração da empresa adquirida (Krug e Aguilera, 2005). Para Gomes et al. (2013), fica claro que, se na fase pré F&A forem considerados adequação de estratégia e aspectos organizacionais (com foco para cultura organizacional e cultura nacional), a chance destas operações serem bem sucedidas aumenta substancialmente em relação às organizações que não consideram esses fatores. Concordam ainda que a assimetria de informações dos dois lados - adquirente e adquirido - é o ponto nevrálgico nas questões que envolvem atitudes de cooperação e construção de laços de confiança, interferindo diretamente nos processos de integração. Curiosamente, as distâncias culturais tendem a ser assumidas em diversos estudos, como constantes ao longo do tempo. Contudo, as culturas certamente mudam com a evolução tecnológica, social e das economias de mercados. Com o intercâmbio de pessoas entre as empresas e à medida que estas aprendem mais sobre outros mercados, a distância cultural tende a diminuir. Logo, as diferenças culturais não devem ser entendidas como um aspecto fatalista. 48 Segundo Schraeder e Self, R. (2003), os aspectos de cultura organizacional que são mais relevantes em operações de F&A são: orientação das pessoas, atitudes em relação à inovação, serviço ao cliente, crescimento e lealdade das pessoas. Estas diretrizes nos levam a crer que estes autores concentraram-se mais na comparação de práticas entre as organizações do que seus valores, conforme orientação de Hofstede. Os autores ressaltam ainda que a cultura organizacional não depende apenas dos valores e personalidade dos líderes daquela corporação, mas uma reação interna às circunstâncias externas. É consenso entre os autores que pesquisaram o tema, que em uma operação de F&A, os dirigentes que não conseguem administrar de forma eficiente as diferenças culturais, acabam gerando consequências negativas para suas corporações, como a destruição de sua base de conhecimento em função do aumento do turnover, especialmente nos cargos de gestão, além da ruptura das rotinas das organizações. Appelbaum, Roberts e Shapiro (2009) contrapõem que a inadequação de culturas não trará necessariamente como consequência o fracasso das aquisições, apenas que será necessário um esforço maior de integração. Shenkar (2001) reflete que a suposição de que as diferenças culturais produzem uma falta de ajuste entre as organizações, funcionando como um obstáculo para as transações de F&A deve ser questionável. Isto porque, para ele, nem sempre um hiato cultural deve ser considerado crítico para o desempenho. Afinal, as diferenças culturais podem ser complementares e, portanto, terem um efeito positivo sinérgico sobre as operações realizadas. Para corroborar este pensamento, ele exemplifica como algumas dimensões culturais opostas levantadas por Hofstede podem funcionar de forma complementar. Exemplo: a cooperação global, que exige tanto uma preocupação com o desempenho (característica típica da dimensão masculina) como uma preocupação com os relacionamentos (característica típica de uma cultura voltada para a dimensão feminina). Vermeulen e Barkema (2001) utilizaram as dimensões de cultura nacional mapeadas por Hofstede para avaliar o impacto das diferenças culturais na probabilidade de entrada de uma empresa em outro país. Os autores constataram que as dimensões que mais interferem nesta decisão de internacionalização são orientação de longo prazo versus curto prazo e evitamento da incerteza. As demais dimensões têm seu impacto, mas podem ser mais facilmente administradas por acordos explícitos de gerenciamento. 49 Nos artigos pesquisados, vemos que alguns autores abordam apenas a cultura organizacional como referencial para as comparações das diferenças, outros ampliam a análise ao considerar as diferenças de cultura nacional, e outros não especificam a que tipo de cultura estão baseando seus estudos. Weber, Shenkar e Raveh (1996a) propõem que a cultura corporativa pode modificar o comportamento e as crenças associadas com a cultura nacional, especialmente nas fusões internacionais. Já Schneider (1988) identifica que a cultura nacional pode desempenhar um papel mais forte em face a uma cultura corporativa. Assim, as pressões para os grupos se conformarem no processo de aculturação podem criar a necessidade de reafirmarem sua autonomia e identidade, fomentando um conflito cultural. Vaara et al. (2012) sugerem fortemente que fatores organizacionais e nacionais não devem ser agrupados e tratados como uma coisa única, como frequentemente nos deparamos nos estudos. Isto porque suas pesquisas evidenciaram que as diferenças de cultura nacional e organizacional têm impactos diferentes nos processos de transferência de conhecimento e nos conflitos sociais. Vaara acrescenta ainda que as diferenças de cultura nacional parecem ter um efeito menor nas aquisições internacionais do que se presume. A respeito desta influência, Arikan (2004, pág. 246) considera que as questões relativas às diferenças de cultura nacional poderão se sobrepor às diferenças de culturas corporativas nos países em que o contexto institucional exerce mais influência nas práticas de negócios (por exemplo, o governo, regulamentações de mercado, valores e ideologia daquela sociedade). Nestes casos, as culturas nacionais e corporativas terão uma correlação mais alta, com menor diferença entre elas. E Hofstede (2001), deixa claro que existe uma diferença de natureza entre as culturas nacional e organizacional. Assim, este autor faz uma distinção de objetos da cultura nacional e organizacional, onde o primeiro tem como núcleo central os valores (ou seja, as sociedades são comparadas pela proximidade ou diferença de valores desejáveis que apresentam), enquanto as culturas organizacionais têm como núcleo suas práticas. Portanto, as culturas de empresas da mesma região geográfica (ou não) se distinguiriam não pelos valores que o grupo carrega, mas pelas percepções partilhadas das práticas diárias. Assim, usar o termo cultura para ambas pode ser enganoso. Esta visão contrapõe diversas definições de cultura organizacional – especialmente as formuladas por norte-americanos – que se pautam na premissa de valores compartilhados. Hofstede supõe que a literatura de 50 gestão americana não faça a distinção entre os valores dos fundadores e líderes importantes e os valores dos membros da organização, pelo seu contexto histórico. Desta forma, os artigos muitas vezes apresentam resultados de pesquisa contraditórios a respeito do impacto das diferenças culturais no desempenho das fusões e aquisições. Alguns autores mostram que as diferenças culturais são benéficas, pela troca de práticas diferenciadas (Morosini et al., 1998; Björkman et al., 2007), outros defendem que ela é negativa, pois dificulta a comunicação e interação entre as pessoas (Buono e Bowditch, 1989; Weber et al., 1996). Vaara (2012) considera que estes resultados são ambíguos, por conta da complexa relação entre as diferenças de cultura organizacional e nacional e o desempenho das F&A. Ou seja, ainda é preciso explorar melhor de que forma essas diferenças podem beneficiar essas operações de mercado. Além disso, o uso de medidas de distância de cultural nacional tem sido criticado em pesquisa de negócios internacionais (Shenkar, 2001). Stahl e Voight apontam que as diferenças de cultura nacional são geralmente mensuradas através de indicadores de Kogut e Singh (1988), que foram elaborados com base nas dimensões de Hofstede. Outros utilizam escalas desenvolvidas pelos próprios pesquisadores. Já os estudos focados nas diferenças de cultura organizacional usualmente investigam as características da cultura através da compatibilidade de valores dos gestores de alto escalão ou examinam comparativamente as características gerais de duas corporações, tomando como base seus valores organizacionais. Percebemos que a maioria dos estudos investigam apenas as diferenças de cultura nacional, exceto os que tratam de fusões e aquisições domésticas, cujas empresas têm a mesma nacionalidade. Neste caso, a cultura organizacional é o objeto de estudo para análise do impacto das diferenças culturais nas operações. Kogut e Singh (1988) ressaltam ainda que as diferenças culturais podem influenciar de duas formas: uma pela distância entre os países, outra pelas atitudes apresentadas em aversão à incerteza. Ambas as perspectivas são encontradas nos diversos estudos analisados. Outros autores têm focado seus estudos nos processos de aculturação em si (Malekzadeh, e Nahavandi, 1990; Haspeslagh e Jemison, 1991). A ideia destes últimos foi estudar como a 51 congruência entre os modos preferenciais de aculturação das empresas que passaram por uma fusão ou aquisição afeta o processo de integração. Ao conhecermos as diversas tentativas de se lidar com as diferenças culturais, constatamos que o cerne da questão envolve sempre o conceito de autonomia. O nível de autonomia tem sido comparado à força de uma cultura. Por exemplo, nas empresas onde o nível de autonomia está baixo, suas culturas parecem estar sob ameaça de extinção. Nestas situações, é comum o aparecimento de comportamentos negativos, em função de estados psicológicos de insegurança e hostilidade (Buono e Bowditch 1989). O conceito de autonomia neste contexto engloba a integridade da empresa adquirida em termos de preservação de culturas e capacidades. Qualquer redução na autonomia parece levar a uma percepção de erosão destes ativos, aumentando o potencial de conflito e, proporcionalmente inverso, a redução dos potenciais benefícios sinérgicos. Seguindo esta linha, encontramos um dos modelos pioneiros de abordagem de integração cultural, levando em consideração o nível de autonomia das empresas adquirente e adquirida e a necessidade de integração estratégica, para criação de sinergia. Haspelasgh e Jemison (1991) combinaram as duas dimensões da independência estratégica e autonomia para criarem uma matriz de contingência. Esta matriz sugere que há três estilos distintos de se fazer uma integração sociocultural, com base na necessidade para criar valor através da partilha e transferência de recursos (interdependência estratégica) e a necessidade para manter a independência da empresa adquirida: Simbiose (quando é concedida alta autonomia e interdependência estratégica à empresa adquirida); Preservação (quando é concedida grande autonomia, mas baixa interdependência estratégica) e Absorção (quando se observa autonomia baixa e alta interdependência estratégica na empresa adquirida). Tanure (2003) propõe uma amplitude desta matriz, englobando cinco tipos de integração, que variam conforme os níveis de mudança desejados tanto na empresa adquirente como na adquirida. 52 Figura 3 - matriz de integração cultural Fonte: adaptação de Mirvis e Marks. Managing the Merger: making it works, 1994. Quando o nível de mudança desejado na empresa adquirida é alto e o nível de mudança na empresa adquirente é baixo, comumente ocorre a assimilação cultural, onde a empresa adquirida conforma-se à cultura da adquirente, absorvendo grande parte das práticas da sua nova matriz. Quando o nível de mudança desejado em ambos os lados é alto, ocorre a transformação cultural, onde se espera que as duas empresas encontrem modos novos de operar. Já quando o nível de mudança esperado em ambas as empresas é intermediário, o modelo que mais se adequa é o de mescla, em que se presume haver uma soma dos elementos e práticas culturais dos dois lados. Quando o modelo de integração escolhido é o de pluralidade, a empresa adquirida mantém sua independência, com autonomia cultural. Este modelo pode ser mais conveniente para as empresas que estão geograficamente mais distantes e com grandes diferenças culturais, em que a compradora ainda não domina as características particulares daquela sociedade e mercados. Por fim, em casos mais raros, quando a compradora entra neste tipo de operação para absorver completamente as competências e práticas de outra organização que considera mais bem sucedida no mercado, temos o movimento reverso, onde a empresa adquirida dita os termos do acordo. Tanure (2003) observa que o modelo de aculturação parece mais fácil de ser posto em prática em operações domésticas do que em operações internacionais, em função de fatores como nacionalismo, identidade cultural, contexto histórico bem diferente, estereótipos e 53 preconceito. Estes fatores implicam em um esforço maior para abrir mão de suas características próprias em prol de outras. Evans et al. (1989) alerta para a necessidade de compreendermos que os benefícios de uma autonomia local versus os benefícios de uma integração global irão variar de acordo com as funções organizacionais dentro da companhia. Isto porque, algumas áreas estão mais expostas e pressionadas por forças globais, como a área de controladoria e finanças, por exemplo, que não raro precisa seguir padrões contábeis de sua matriz. Na figura a seguir, o autor sugere uma hierarquia gráfica por áreas que, de acordo com os benefícios de integração global ou autonomia local, as áreas se beneficiariam mais com um ou outro modelo de gestão. Figura 4 - integração global versus autonomia local Fonte: adaptação de Paul Evans 54 A conclusão destes autores é de que o mais importante não é o modelo adotado, mas a concordância das duas partes sobre as práticas a serem seguidas. Assim, a discordância em relação a forma de integração cultural que será executada é que proporcionaria o conflito cultural, e não necessariamente as idiossincrasias de cada cultura. Já Barki e Pinsonneault (2005) defendem que o tipo de integração sociocultural escolhido determinará os benefícios possíveis de serem alcançados nas operações de F&A: aumento de receita, de vendas, redução de custos ou aumento do nível de qualidade do serviço / produto. Os tipos de integração referidos por estes autores estão no nível interno ou externo, operacional ou funcional. A partir da argumentação de Porter (1985) sobre o aumento da vantagem competitiva através da sinergia de integração de dois negócios como motivação principal para a ocorrência de fusões e aquisições, Weber (1996b) tomou a sinergia como variável central na relação entre autonomia, choque de cultura e resultados financeiros. Ele parte da hipótese de que a falta de autonomia pode trazer problemas de comunicação, atitudes de resistência, percepção negativa da operação, choques culturais pela imposição da cultura alheia e isso afetar os processos de integração e consequentemente o resultado financeiro das operações. Weber, Shenkar e Raveh (1996a) concluíram, contudo, que as diferenças culturais não podem ser associadas diretamente à performance financeira. Outro resultado observado por eles é que a integração pode gerar conflitos, especialmente na comunicação e isso ser percebido como choque de cultura, mas se essa retirada de autonomia gerar ganhos sinérgicos com a redução de custos, por exemplo, esta redução de autonomia acaba sendo justificável em termos de resultados financeiros. Com isso, estes autores entendem que as F&A podem ser bem sucedidas financeiramente, apesar das diferenças culturais, pelo seu potencial de sinergia, o que não exclui os seus efeitos destrutivos, especialmente no setor bancário (onde se concentrou sua pesquisa), que se refletem na efetividade do processo de integração. Os autores fazem uma ressalva importante de que esses resultados foram extraídos de casos ocorridos nos EUA, cujas conclusões podem mudar em função dos países, admitindo que a cultura nacional possa ter influência sobre essas operações. Em termos de recomendação prática, Weber, Shenkar e Raveh propõem que o controle de objetivos e decisões na empresa adquirida por parte da adquirente é necessário, que não 55 causará necessariamente prejuízos e argumenta que a perda de autonomia pode ser uma condição importante para se conseguir a sinergia desejada. Estas recomendações podem ter menores implicações se considerarmos as indústrias de manufatura, que por sua natureza têm um menor nível de serviço e capital intelectual do que as indústrias de serviços. Mas, é possível também que a retirada de autonomia em F&A de organizações que não sejam correlatas não tenha o mesmo efeito positivo, em função do menor potencial sinérgico. Contudo, é importante destacarmos que estes achados de Weber, Shenkar e Raveh estão baseados na premissa de que a cultura manifestada pelos líderes representa a cultura da empresa pelo poder e influência para os demais níveis. Slangen (2006) admite que essas diferenças só serão impactantes numa F&A, dependendo do nível de integração que as empresas adotarem. Desta forma, se a integração for limitada, ou seja, a adquirida mantiver autonomia sobre sua gestão e a adquirente explorar só as competências e recursos que forem adequados à sua realidade, a integração tem mais chances de dar certo e, consequentemente, o retorno dos ganhos esperados neste tipo de operação. O autor atribui, portanto uma interação problemática aos sentimentos de stress, incerteza, desconforto e hostilidade que os empregados da empresa adquirida vivenciam. Embora Slangen não esclareça a origem destes sentimentos, encontramos na literatura, alguns autores, como Caldas e Tonelli (2002) e Buono & Bowditch (1989) de que a assimetria de informação e a perda de autonomia são o motor propulsor do surgimento destes sentimentos, e, portanto, a causa primeira desta dificuldade de interação. Feijó (1995) inclusive compara este processo ao de um transplante de órgãos, pois “há uma constante ameaça de rejeição, sendo que nos ‘transplantes empresariais’ a taxa de sucesso é infinitamente menor”. O autor constata que na nova empresa frequentemente surgem subgrupos informais, cujo objetivo não é a criação de uma nova cultura, mas sim a tentativa de fazer sobreviver o que existia na situação anterior. Além desta contradição em relação a causa e efeito dos sintomas psicológicos, encontramos dois outros pontos divergentes ao de Slangen, que exploraremos em detalhes a seguir: em primeiro lugar, conforme mencionamos anteriormente, Morosini, Shane, & Singh (1998) defendem que as integrações entre empresas com largas diferenças culturais devem ser vistas como uma vantagem e não um risco à integração, tendo em vista a possibilidade de 56 acesso a modelos mentais, práticas e mercados distintos, que fomentariam a inovação e a capacidade de absorção de melhores formas de se fazer negócio. Björkman, Stahl e Vaara (2007) acrescentam que, em termos de perspectivas de aprendizagem organizacional, estas diferenças culturais e as possibilidades de acesso a novos conhecimentos, constituem uma oportunidade para aumentar os potenciais de aprendizagem destas empresas e para superar as estruturas organizacionais rígidas e inertes. Stahl e Voight (2008) complementam que, mesmo que as práticas de uma empresa não sejam diretamente assimiladas pela outra, o acesso a novas competências por si só já impulsiona o desenvolvimento de novos conhecimentos. Assim, para alguns destes autores, empresas com maior distância cultural, se realizarem uma integração bem sucedida, tenderão a revelar um maior desempenho do que as empresas que estão dentro de um mesmo contexto cultural. Mas Björkman, Stahl e Vaara e Stahl e Voight, fazem uma ressalva de que esta diferença cultural deve ser moderada, pois se as culturas forem diametralmente opostas, implicarão em práticas de gestão contraditórias, como o compartilhamento ou centralização de conhecimento, por exemplo. Ainda assim, podemos inferir que exista uma relação positiva entre a integração sociocultural e F&A, moderada pela extensão das diferenças culturais. Neste cenário, pelo que os autores constataram, as empresas não devem limitar o nível de integração entre suas adquiridas, mas cuidar apenas para que a forma como esta é feita seja respeitosa, participativa e com um intenso trabalho de comunicação, a fim de reduzir as assimetrias de informação. E caberia aos gestores incentivar uma postura de tolerância às diferenças, a diversidade e o encorajamento a troca. Entretanto, esta parece uma solução reducionista e pouco abrangente da complexidade do problema, uma vez que a postura de liberdade de expressão, respeito à individualidade e papel da liderança traduz o entendimento deste conceito sob a ótica cultural anglo-saxã, as quais estão inseridos os autores que fazem estas recomendações práticas. O que significa que não funcionará necessariamente da mesma forma, tão pouco trará os mesmos resultados, quando aplicada em sociedades com entendimentos diferentes destes conceitos. Em segundo lugar, é questionável o retorno bem sucedido de uma organização que adota uma postura de apenas explorar as competências e recursos da adquirida, sem uma relação de troca. Capron e Pistre (2002) constataram que as empresas adquirentes não obtinham resultados extraordinários quando recebiam apenas os recursos das empresas adquiridas, mas 57 poderiam, ao contrário, obter esses ganhos quando transferiam seus próprios recursos para as empresas compradas. Outros autores como Graebner (2004), Barki e Pinsonneault (2005), Yu et al. (2005) reforçam a posição de que fatores soft de diferença ou compatibilidades culturais não são a causa em si dos fracassos em F&A, mas um processo de integração mal conduzido. Stahl e Voight concluem seu estudo alertando para o fato de que a questão central não é se as diferenças culturais fazem diferença em uma F&A, mas como elas afetam o processo de integração, e o que deve ser feito para gerenciar este processo efetivamente. Caldas e Tonelli (2002) estudaram, através da análise de representações de desenhos feitos por empregados de empresas adquiridas, que em processos de fusão e aquisição estes percebem e sentem a ocorrência de fortes lutas de poder entre os grupos envolvidos, em geral com riscos e perdas significativas para todos; que estas uniões que decorrem de fusões e aquisições mostram sinais de crueldade e dominação, onde muitas vezes as pessoas são forçadas a conviver intimamente com aquele a quem sempre se aprendeu a odiar, aquele que era, até pouco tempo atrás, o principal adversário. E, em última análise, os autores comparam que, enquanto as organizações discursam sobre casamento, as pessoas podem sentir-se forçadas a “dormir com o inimigo”. Já Camargos e Barbosa (2009) destacam o papel dos executivos nos processos de F&A, pois estes têm a responsabilidade inicial de identificar as empresas a serem adquiridas, passando pela análise minuciosa das condições envolvidas no acordo até a gestão do processo de integração. Erros de análise ou condução do processo, por negligência ou circunstâncias não previsíveis podem ocasionar o insucesso da operação e prejuízo aos acionistas. Outro fator que pode influenciar negativamente os executivos nessas etapas é o conflito de interesses existente nas corporações, entre os objetivos deles e os dos acionistas. Este ponto é tratado na economia dos mercados, pela teoria das agências. Esta teoria procura explicar ainda a alocação de recursos feita pelos gerentes, pelo princípio dos custos de transação envolvidos em um processo de integração, justificando assim suas decisões pela minimização destes custos. Na opinião de Kogut e Singh (1988), é metodologicamente benéfico distinguir entre custos de transação que são independentes do país de origem e aqueles que são determinados por fatores culturais de uma empresa. 58 Embora coerente, esta teoria esbarra no que Simon (1947) chamou de limitação da racionalidade, onde aspectos cognitivos da natureza humana influenciam nas tomadas de decisão. E os executivos das empresas que passam por fusões ou aquisições têm atuação decisiva na condução do processo, na medida em que devem estabelecer regras, metas, objetivos e resultados esperados do processo. 59 4. CRÍTICAS AOS ESTUDOS DE DIFERENÇAS CULTURAIS Alguns autores mostram que as diferenças culturais começaram a ser tratadas pela ótica da distância cultural física. Mas logo essa visão foi refutada, pois se compreendeu sem grandes dificuldades, que a distância física é por demais limitada para explicar tudo que este conceito de distância cultural envolve. Embora se utilize amplamente o conceito de distância cultural com o embasamento teórico de medidas mais objetivas de dados nacionais, faz-se necessário estuda-lo com medidas cognitivas mais amplas, que levem em consideração a subjetividade do tema. Rotting, Reus e Tarba (2013) sugerem que isso possa ser feito através de relatos de expatriados, por exemplo, de diferenças semióticas na linguagem, de nível de desenvolvimento do mercado, de tamanho das companhias. Ou seja, devem-se considerar também como medidas outros aspectos que envolvem o constructo de diferença cultural, não se restringindo às dimensões culturais encontradas por Hofstede. Além disso, os estudos baseados exclusivamente nas dimensões de Hofstede acabam levando o mesmo tipo de crítica da teoria em sua validade. Portanto, as dimensões de Trompenaars podem ser uma alternativa na validação destes estudos. Outra crítica é sobre os estudos que se utilizam do conceito de congruência cultural de forma equívoca para explicar essa influência nas F&A, visto que esta não significa necessariamente similaridade, ela pode ser conseguida pela complementaridade de culturas diferentes, como rebate Weber (1996b). Gomes et al. (2013) e Rotting, Reus e Tarba (2013) advertem para os diversos constructos que são usados nestes trabalhos ao investigar a influência da cultura nas operações de F&A. Muitos são ambíguos, confusos e redundantes. Ex. choque cultural, gap cultural, compatibilidade de culturas etc. A necessidade de consolidação de alguns conceitos parece emergente, visto que alguns são usados de forma separada, mas têm o mesmo significado. Também é necessária a separação de conceitos que têm uma distinção conceitual, mas são tratados como semelhantes (ex. compatibilidade cultural e adequação cultural). Além disso, não parece muito clara a relação entre alguns constructos pesquisados a outros associados ao tema principal. Algumas vezes faz-se uma menção da relação ou influência de uns sobre os outros, mas não se aprofunda na justificativa dessas relações. 60 Muitos estudos estão limitados a um determinado contexto, dificultando a capacidade de generalização ou utilização daqueles achados a situações mais amplas e, consequentemente ao impacto das culturas em F&A. É necessário um esforço de combinação dos contextos com as recomendações gerais. Rotting, Reus e Tarba (2013) percebem ainda que os estudos de influência de cultura se utilizam de medidas subjetivas ou objetivas, mas raramente se utilizam das duas de forma complementar. A coleta de dados subjetiva parte de crenças dos pesquisados, como por exemplo, a crença compartilhada de que diferenças culturais geram problemas dessa ordem. Assim, em seus relatos, os responsáveis tenderão a enfatizar esses aspectos negativos e até mesmo correlacioná-los institivamente em suas avaliações. Essa subjetividade é reforçada ainda pelos próprios entrevistadores, que em geral, montam seus questionários já baseados nessa premissa de diferenças culturais ou apresentam as características singulares de cada cultura em termos comparativos das mesmas dimensões. Os estudos que utilizaram medidas subjetivas, em geral, mostraram um efeito negativo das diferenças culturais nas F&A, exceto o de Weber, Shenkar e Raveh (1996), que não chegaram a falar o contrário, mas sugerem que as diferenças culturais podem diminuir a eficácia dos processos de integração, mas não o desempenho das operações em si, diretamente. Em compensação, estudos que utilizam medidas objetivas tiveram resultados mistos (mais variáveis influenciando provavelmente as relações de causa e efeito). A maioria deles não encontrou efeitos negativos diretos. A exceção nessa leva avaliada de estudos com medidas objetivas foi o de Morosini e Björkman et al., que defendem os efeitos benéficos das diferenças culturais na criação de valor, pela incorporação e troca de conhecimento, com novas rotinas e melhores práticas. Por fim, alguns autores recomendam que se leve em consideração uma investigação mais minuciosa do pressuposto da influência da cultura nas F&A, visto que, nem todas as empresas que passam por essas operações passam por integração. Às vezes o nível de integração, seja pela estratégia ou abrangência dentro das áreas, não justifica a investigação da influência da cultura. 61 5. ANÁLISE DOS AUTORES A seguir faremos uma consolidação dos principais autores abordados nos dois primeiros capítulos, a fim de criarmos uma tipologia que nos permitisse encontrar uma abordagem para resolvermos o problema de choque de cultura em fusões. Tabela 2 - consolidação das abordagens de cultura Conceito de cultura Campo do conhecimen to Abordagem Aplicabilida de para o problema Weber Uma lógica simbólica subjetiva no sentido não psicológic o do termo Geertz Um conceito semiótico representado por teias de significado em fluxo Hofstede Programação coletiva da mente que distingue os membros de um grupo ou categoria de pessoas, em face de outro. Schein Conjunto de pressupostos básicos compartilhados por um grupo para lidar com adaptação externa e integração interna. Trompenaars Sistema comum de significados que orienta como se deve agir. Pagès Sistema de crenças, valores e moral de ação apropriada para conduzir os empregados à adesão. Sociologia Antropologia Antropologia Psicologia Antropologia Psicologia Qualitativa Qualitativa Quantitativa Qualitativa Quantitativa Qualitativa Propõe apenas uma forma de investigação da cultura, mas não de atuação prática em choques de cultura. Cria dimensões de comparação para análise e reflexão, mas não propõe uma metodologia de solução das diferenças. Reconhece o problema e suas complexidades, mas não cria uma abordagem de tratamento do problema. Não estabelece um eixo de causalidade. Aproxima-se de uma aplicação prática, mas não gera uma metodologia. Não se propõe a tratar o problema. Foco na crítica à relação psíquica das organizações com os indivíduos. Não propõe. Como podemos ver, Geertz, Hofstede e Trompenaars veem a cultura como um fenômeno antropológico, mas por uma ótica um pouco distante do indivíduo, não cobrindo os sofrimentos psíquicos destes, decorrentes dos choques de cultura. Weber e Geertz trazem um conceito claro de cultura: é uma teia de significados em fluxo. Contudo, não se debruçam sobre o problema de sofrimento das pessoas, não apresentam uma abordagem que permita investigar isso. Importante destacar ainda que Weber e Geertz não estão preocupados com o fenômeno organizacional, suas propostas são de um olhar amplo para a cultura, dentro de um contexto social maior. 62 Já Hofstede utiliza uma abordagem da antropologia, na qual se propõe a fazer um diagnóstico de forma macro, das dimensões de cultura de acordo com problemas fundamentais que permeiam todas as sociedades (ou organizações, no caso da teoria de cultura organizacional) comparando as suas diferentes respostas para estas questões. Entretanto, estas dimensões não esgotam o fenômeno, pois ainda assim este macro mapa mostra-se insuficiente para pensarmos em como aplica-lo na solução de um problema de choque de cultura. Hofstede não parece propor uma possibilidade integrativa entre investigação e intervenção. Por sua vez, Schein esclarece que pressupostos básicos são valores inegociáveis em uma organização, mas sem explicitar a natureza destes pressupostos (seriam de natureza lógica, de natureza cognitiva?). Desta forma, sua definição de cultura na prática pode se limitar a descrições de valores e comportamentos dentro das corporações, sem, contudo atuar na construção conjunta de significados. Para este autor, o líder é o responsável pelo gerenciamento da cultura, contudo não há uma proposta clara de como ele deve fazer este alinhamento. E quando se trata de cenários de fusão e aquisição, em que temos lideranças das duas partes, com seus próprios valores e imersas em contextos históricos distintos, pode ser ainda mais temeroso conferir exclusivamente aos líderes tamanha responsabilidade para a solução dos choques de cultura. Em relação ao trabalho de Pagès, percebemos que não há uma preocupação em propor uma metodologia de gestão da cultura organizacional. Seu foco é analisar a relação das organizações com os indivíduos que estão envolvidos diretamente com estas em uma espécie de prisão psíquica. Sua teoria contribui para a reflexão do papel das organizações como instâncias provedoras de significado para os indivíduos, jogando luz sobre a possível causa de sentimentos de insegurança e inferioridade que percebemos surgirem no momento de fusão ou aquisição de duas empresas, embora o autor não explore diretamente esta questão. 63 6. TRATAMENTO DOS ARTIGOS A literatura que trata do tema tem procurado explicar o paradoxo entre o crescimento das operações de fusões e aquisições no mundo inteiro versus suas altas taxas de fracasso (Malekzadeh e Nahavandi, 1990; Schraeder e Self, 2003; Brannen e Peterson, 2008; Gomes et. al, 2013). Para isso, os autores costumam abordar partes específicas do problema, a partir de suas consequências na performance das empresas. Desta forma, encontrei artigos que focavam os problemas relacionados à estratégia do negócio e à geração de valor, outros que se debruçavam sobre os impactos nas pessoas envolvidas ou ainda os choques de cultura e seus efeitos na transferência de conhecimento, bem como nos níveis de colaboração e engajamento dos indivíduos. Há artigos que tratam diretamente do impacto das diferenças de cultura e outros que analisam fenômenos derivados da cultura, como integração e autonomia, por exemplo. Para facilitar a compreensão dos diferentes enfoques vistos nos artigos visitados, procuramos agrupá-los graficamente em três tipos de fatores, de acordo com o objetivo de investigação dos autores, conforme figura abaixo. Figura 5 - fatores de fusão e aquisição Fonte: compilação do autor 64 Os artigos que abordam o problema por fatores estratégicos, priorizam o a discussão sobre decisões de quais modelos de integração as empresas devem adotar (com maior autonomia ou controle sobre as empresas adquiridas), formas de ganho de sinergia e o impacto dessas variáveis na performance financeira destas operações (Shrivastava, 1986; Capron e Priste, 2002; Graebner, 2004). Já nos artigos agrupados em fatores humanos, os autores optam por se aprofundar nas questões subjetivas dos indivíduos, que surgem frequentemente diante de falta de informação, da indefinição de parâmetros, da perda de autonomia e da perda de identidade cultural característicos de muitas fusões ou aquisições, especialmente antes e durante o período de integração (Buono e Bowditch, 1989; Cartwright e Cooper, 1994; Caldas e Tonelli, 2002;). Neste cenário, não raro encontramos a formação de percepções negativas do processo, manifestadas pelos empregados através de sentimentos de insegurança. Desta forma, os autores buscam correlacionar comportamentos de resistência e seus impactos nas atitudes de cooperação, confiança e comprometimento. Encontramos ainda artigos que abordam de forma mais direta o impacto da cultura nas F&A, seja esta nacional ou organizacional e os agrupamos em fatores culturais. Aqui vale ressaltar que os artigos agrupados nas categorias fatores estratégicos e fatores humanos também consideram os fenômenos derivados da cultura, contudo, não utilizam de forma tão direta o conceito de cultura em seus trabalhos. Os artigos agrupados na categoria fatores culturais se destacam pela atenção especial que os autores dedicam às diferenças de cultura nacional e/ou organizacional entre as empresas e como estas interferem no sucesso das integrações socioculturais, na aceitação das diferentes práticas e valores defendidos (Björkman et al., 2007; Appelbaum et al. 2009). Há artigos que se aprofundam no choque de cultura nacional em função das operações de F&A realizadas por organizações sediadas em países distantes (aqui não nos referimos necessariamente à distância física, mas distância cultural) e outros que se esforçam para compreender melhor a influência da cultura organizacional na criação de identidades corporativas, na transferência de conhecimento, no alinhamento de propostas de valor para o mercado e nos conflitos sociais (Kought e Singh, 1988; Morosini, Shane e Singh, 1998; Vaara et al., 2012). 65 Fizemos uma separação no esquema gráfico entre cultura nacional e corporativa, pois alguns autores (Rotting, 2007; Stahl e Voight, 2008) defendem que estas devem ser vistas como fenômenos distintos, com diferentes implicações. A performance financeira foi destacada como o objetivo maior de qualquer fusão ou aquisição, e por isso mesmo considerada em todos os artigos. Entretanto, sentimos a necessidade de enfatizar também sua correlação com sinergia e integração, uma vez que este indicador aparece nos textos como norteador destes conceitos. A seguir apresentaremos uma consolidação dos vinte principais artigos levantados acerca do impacto da cultura nas fusões e aquisições ou de derivados diretos da cultura, como autonomia e integração. Importante ressaltar que privilegiamos os artigos publicados nos journals de maior impacto, segundo listagem divulgada pela EBAPE em 2013, mas ampliamos a consulta a outros journals, em função da insuficiência de material relevante nas revistas de maior prestígio acadêmico. Tabela 3 - consolidação de artigos Artigo Journal Objetivo do autor Giving sense to and making sense of justice in a postmerger integration Academy of Management Journal Elucidar o papel das normas de justiça na pósintegração, definindo seu curso e como os grupos lidam com isso. Cultural differences, convergences and crossvergence as explanations of knowledge transfer in international acquisitions Journal of international business studies Esclarecer como as diferenças de cultura nacional e organizacional e suas estratégias de integração favorecem a transferência de conhecimento pela troca de práticas e rotinas diferenciadas. Conceito de cultura Impacto da cultura na F&A Não apresenta Não apresenta Utilizam apenas as dimensões culturais de Hofstede como referencial para analisar distâncias culturais. As diferenças culturais devem ser vistas como complementares, onde as trocas de práticas e repertórios aumentando o potencial de transferência de conhecimento. Ações necessárias propostas Tomar decisões que favoreçam tanto aspectos qualitativos como equitativos na alocação de recursos e responsabilidades, de acordo com o momento da integração. Os autores propõem a redução das diferenças de cultura nacional e a criação de uma nova cultura organizacional, mas se limitam a indicar um intenso trabalho de comunicação por parte das lideranças, treinamento e campanhas de identidade cultural para lidar com as diferenças. 66 Artigo Merging without alienating: interventions promoting crosscultural organizational integration and their limitations National culture distance and initial foreign acquisition performance: the moderating effect of integration Mars-Venus marriages: culture and cross-border M&A Journal Journal of international business studies Journal of World Business Journal of International Business Studies Objetivo do autor Conceito de cultura Impacto da cultura na F&A Ações necessárias propostas Discutir os efeitos que a alienação (separação de quem executa e quem concebe, planeja um trabalho) pode trazer, reduzindo o comprometimento e engajamento em determinados perfis profissionais. Cultura é apresentada como um sistema de comportamentos, valores e significados compartilhados. Faz referência ao autor Fine (1984) e Geertz (1973) A transferência de tecnologia e o compartilhamento de conhecimento podem ficar comprometidos por esses impactos no nível individual, já que reduzirá o engajamento das pessoas. A atuação dos líderes na promoção de um intercâmbio cultural integrativo. Também propõem um modelo para o desenvolvimento de medidas para investigação da alienação cultural dos grupos. As diferenças culturais têm alto impacto nas integrações mais amplas, que são impostas e menor impacto nas integrações mais restritas. As empresas adquiridas devem ter autonomia para utilizarem apenas os recursos da matriz que forem compatíveis com suas realidades; promover intercâmbios culturais para que os empregados se familiarizem com os costumes e práticas do outro lado. Validar a hipótese de que o impacto da distância de cultura nacional na F&A depende do nível de integração imposto. Demonstrar que as empresas com maiores distância de cultura nacional tendem a ter melhor performance no longo prazo, pela alta sinergia e conhecimento de mercado global que podem acessar. Não apresenta Utilizam o conceito de Hofstede: Programação coletiva da mente que distingue os membros de um grupo ou categoria de pessoas, em face de outro. Compradores de países com estrutura de poder mais rígidas se saem melhor quando compram empresas localizadas em países com estrutura de poder menos rígida e compradores provenientes de sociedades mais individualistas se saem melhor quando adquirem empresas imersas em uma sociedade mais coletivista. Mas divergências nas atitudes de aversão à incerteza têm um impacto negativo na performance de longo prazo. Apenas recomenda que as empresas compradoras prefiram adquirir companhias com maiores diferenças culturais, mas não propõe soluções para os conflitos que venham a surgir. 67 Artigo Cultural distance revisited: towards a more rigorous conceptualization measurement of cultural differences Do cultural differences matter in M&A? A tentative model and examination. What differences in the cultural backgrounds of partners are detrimental for international joint ventures? Cultural strategies in M&A: investigating ten case studies Journal Journal of International Business Studies Organizational Science Journal of International Business Studies Journal of Executive Education Objetivo do autor Apresentar uma revisão crítica da distância cultural, delinear seus pressupostos ocultos e discutir suas propriedades teóricas e metodológicas. Avaliar o impacto das diferenças culturais em sinergia, integração e criação de valor. Conceito de cultura Não apresenta Não apresenta Investigar quais diferenças de cultura nacional impactam negativamente nas operações de F&A. Utilizam o conceito de Hofstede: Programação coletiva da mente que distingue os membros de um grupo ou categoria de pessoas, em face de outro. Investigar o impacto da falta de adequação cultural entre duas empresas no sucesso de uma F&A. Não apresenta uma definição clara de cultura, mas enfatiza que este conceito não deve ser confundido com valores, uma vez que remete a estabilidade, identidade e tradições de uma organização. Impacto da cultura na F&A F&A realizadas por empresas mais distante culturalmente têm maior custo de transação, por conta da assimetria de informação. Isso influencia na opção por um controle maior ou menor. As diferenças culturais afetam a integração sociocultural, a sinergia e o valor para o acionista de formas diferentes e às vezes até opostas ao desejado. As duas dimensões que o artigo apresenta que influenciam mais diretamente na sobrevivência de uma joint venture são evitação da incerteza e orientação em longo prazo. Ações necessárias propostas Melhoria dos índices de mensuração da distância cultural, a inclusão de medidas cognitivas, considerar a variável distância cultural também como variável dependente e considerar o potencial de sinergia das diferenças culturais. Trabalhar em um processo de integração sociocultural. Mas não estabelece de que forma, nem como lidar com as diferenças culturais. A falta de adequação cultural não gerará necessariamente fracasso numa F&A, apenas que será necessário um esforço maior de integração entre as empresas. Propõem que se trabalhe na comunicação e na avaliação das culturas, para investigar o potencial de adequação para um efetivo planejamento do processo de integração. Não apresenta soluções para o problema, apenas se deteve a investigar as dimensões que pareciam interferir mais na relação entre os membros das duas empresas. 68 Artigo Journal Objetivo do(s) autor(es) Fazer uma revisão das razões subjacentes da cultura organizacional ser um fator importante no sucesso das F&A. Enhancing the success of mergers and acquisitions: an organizational culture perspective Management Decision Fusões e aquisições de empresas brasileiras: criação de valor e sinergias operacionais Revista Eletrônica de Administração (RAE) Investigar o impacto das F&A no desempenho operacional e ações do mercado, além da relação entre variáveis econômicas que indicam criação de valor e sinergia operacional. Critical Success Factors through the mergers and acquisitions process: revealing pre-and post-M&A connections for improved performance Thunderbird International Business Review Investigar as relações dinâmicas e diferentes perspectivas que estão envolvidas em uma F&A. Corporate cultural fit and performance in M&A Human Relations Investigar a relação entre diferenças culturais e outros fatores humanos (como comprometimento e autonomia) na efetividade do processo de integração e na performance financeira. Conceito de cultura Utiliza o conceito de cultura organizacional de Schein e Buono (1985) e Gordon (1991), que têm abordagens semelhantes entre si. Não apresenta Não apresenta Utiliza a definição de Schein. Impacto da cultura na F&A A cultura organizacional impacta no estabelecimento de relacionamentos, de laços de confiança e no processo de integração. Não relaciona diretamente cultura a estas operações. Enfatiza o papel dos executivos na condução da operação e definição das estratégias de integração. Pelo levantamento de literatura que faz encontra que a cultura pode impactar positiva ou negativamente nos processos de integração, no compartilhamento de conhecimento e na criação de sinergia. Os autores não apresentam suas próprias conclusões acerca deste tema. As diferenças culturais não afetam diretamente a performance financeira de longo prazo. A integração pode até impactar na falta de autonomia e comprometimento, mas ainda assim trazer ganhos sinérgicos. Ações necessárias propostas Propõem que se dediquem mais esforços na avaliação de compatibilidade cultural entre as empresas, que se trabalhe amplamente na comunicação de objetivos e que a liderança faça o alinhamento de expectativas e papéis. Que os executivos façam um processo de due diligencie cuidadoso e definição de objetivos da aquisição, mas não oferece nenhuma solução para os problemas que podem surgir no meio do caminho. Que os autores delimitem melhor o conceito de seus objetos e ampliem as medidas de avaliação em seus estudos. Que se abra mão da autonomia em prol de uma integração que extraia os benefícios financeiros da sinergia de negócios. 69 Artigo The role of cultural compatibility in successful organizational marriage The impact of organizational and national cultural differences on social conflict and knowledge transfer in international acquisitions Top management turnover in related M&A's: an additional test of the theory of relative standing Journal Academy of Executive Management Journal of Management Studies Journal of Management Objetivo do(s) autor(es) Examinar o papel da compatibilidade cultural na determinação de resultados de risco. Elucidar os efeitos do impacto das diferenças de cultura nacional e organizacional nas aquisições internacionais. Fazer um levantamento da percepção dos líderes da empresa adquirida sobre a operação de F&A. Conceito de cultura Define este conceito como o conjunto de símbolos, valores, ideologias e pressupostos, que operam de forma inconsciente para guiar o comportamento das pessoas. Não apresenta. Partem da definição de cultura organizacional como crenças e pressupostos compartilhados pelo time, semelhante ao conceito de Schein. Impacto da cultura na F&A O sucesso da integração depende da percepção compartilhada de que a outra cultura tem características atrativas que valem a pena ser preservadas. Ações necessárias propostas Que se trabalhe em um processo de mudança de cultura atento ao contexto, objetivos específicos e o processo mais adequado para aquela situação. A cultura nacional tem menos peso do que se assume na performance das F&A, atribuindo mais peso às culturas organizacionais. As diferenças de culturas organizacionais podem potencializar os conflitos sociais, ao passo que as diferenças. De cultura nacional não têm influência nisso. E as diferenças de cultura nacional podem atrapalhar mais na transferência de conhecimento do que as diferenças de cultura organizacional, em função da diferença de idioma e estilos de comunicação. O sentimento de não pertencimento estimularia a saída destes executivos. O clima de préaquisição parece afetar a taxa de turnover apenas dos níveis mais seniores de executivos. Que se faça uma separação na investigação dos impactos de cultura organizacional e nacional, pois estes são constructos diferentes, com implicações distintas. Não há uma proposta de solução para os impactos observados. Os autores recomendam a participação conjunta dos executivos das duas partes nos processos de integração, mas não apresentam uma solução para os conflitos de cultura ou valores. 70 Artigo A Model of organizational integration, implementation effort and Performance Journal Organization Science Objetivo do(s) autor(es) Investigar como funciona o processo de integração organizacional. Conceito de cultura Não apresenta. Momentum and serendipity: how acquired Leaders create value in the integration of technology firms Strategic Management Journal Investigar o papel dos gestores nos processos de integração Organizing for innovation: Managing the coordinationautonomy dilemma in Technology acquisitions Academy Management of Journal Investigar o dilema autonomia versus coordenação nos processos de inovação Não apresenta Learning through acquisitions Academy Management of Journal Investigar como a exploração de conhecimento de uma empresa adquirida pode expandir a base de conhecimentos de outra e diminuir a inércia no seu processo produtivo. Não apresenta Não apresenta Impacto da cultura na F&A O artigo não trata diretamente do impacto da cultura, apenas de uma integração mal feita na condução dos negócios. Não foram demonstrados impactos diretos da cultura, mas sim de fatores derivados desta. Os gestores da empresa adquirida criam valor ao mitigar potenciais conflitos entre autonomia e integração. Não apresenta. Apenas menciona que os aspectos culturais favorecem ou não as práticas de inovação em uma organização. Não foi explorado em profundidade o impacto da cultura, apenas mencionando que este pode ser um fator de dificuldade nas integrações pelas necessidades de ajustes e conciliações. Ações necessárias propostas Ressaltam os benefícios advindos de uma integração, mas não propõem soluções para os problemas que se apresentam no decurso deste processo. Que os gestores criem mecanismos e possibilidades de participação de seus funcionários nas decisões e novas tarefas. Não foram apontadas soluções para os conflitos de cultura. Os autores consideram que a autonomia não deve ser removida ao custo de perderem as possibilidades de criatividade e adaptação às demandas locais. Não foram apresentadas propostas para lidar com as diferenças culturais. Neste levantamento, procuramos localizar uma teoria que abordasse de que forma um processo de fusão e aquisição pode gerar sinergia para o negócio, resolvendo o sofrimento das pessoas, ganhando maior cooperação e evitando as perdas mencionadas por diversos autores neste trabalho. Os artigos que discutem as ameaças ao sucesso das operações de F&A não conseguem chegar à essência do problema, visto que tratam quase que exclusivamente de suas 71 consequências e seus impactos para o negócio, mas de uma forma um pouco difusa, sem propor de fato uma abordagem analítica, a fim de criarmos uma hierarquia de causalidade. Nas obras dos grandes teóricos sobre cultura também não há a proposição de uma metodologia ou ferramenta que facilite uma fusão ou aquisição. Os teóricos não explicitam o objeto que está em questão na análise destas operações e como podemos produzir uma interculturalidade, necessária a esta junção de empresas. Esta parece uma questão secundária em seus trabalhos. Desta forma, podemos concluir, através deste levantamento, que nos artigos mais relevantes sobre o tema não aparece uma relação de causalidade, que defina claramente o fenômeno, seus impactos, as consequências e possibilidades de solução. 72 7. CONCLUSÃO A literatura nos mostra que o conceito de cultura é compreendido por diferentes perspectivas, as quais se utilizam de objetos de pesquisa distintos. Desta forma, cada conceito se propõe a investigar o impacto das diferenças culturais nas operações de fusão e aquisição de acordo com seus objetos de análise. Compreender as diferenças no modo de pensar, sentir e agir das pessoas é fundamental para pensarmos em soluções viáveis em larga escala. Pela perspectiva da psicologia, a cultura é apresentada como um conjunto de pressupostos coletivos que o indivíduo interioriza, processa cognitivamente de acordo com sua subjetividade e os projeta no mundo, através da manifestação de comportamentos, que em muitos sentidos, terão uma lógica partilhada na sociedade. Desta forma, como Pagès bem coloca, a organização procurará sacralizar determinados procedimentos e práticas através de rituais de socialização, para reproduzir um universo simbólico que a legitime como referência identitária na vida dos indivíduos. Por isso a cultura organizacional, pelas lentes da psicologia, pode ser entendida como um conjunto de valores que ordena as práticas internas e externas daqueles indivíduos e, por outro lado, pode funcionar também como um instrumento de prisão psíquica dentro das corporações, como refletem alguns autores. A definição de cultura sob o guarda-chuva da psicologia atribui ainda ao líder o poder de afetar a forma como as relações entre os indivíduos se estabelecem dentro da empresa. Ou seja, esses valores e crenças pessoais, quando tomados coletivamente para a empresa, passam a ser vistos como eixo principal da cultura da organização, pois são as referências fundamentais em relação às quais todos os outros comportamentos tenderão a se definir no contexto da empresa. A psicologia também dispõe de um arcabouço teórico para auxiliar o indivíduo a lidar com os sentimentos de insegurança e incerteza diante das diferenças culturais. E como entender reações particulares dos indivíduos neste cenário. Já a antropologia procura compreender as fronteiras simbólicas da cultura, mas sem a característica de cognição empregada pela psicologia. Os antropólogos focam seus esforços em construir teias explicativas que permitam apreender os elementos simbólicos nas organizações. Na antropologia, a dimensão simbólica é concebida como capaz de integrar todos os aspectos da vida social. 73 O objeto de análise está na estrutura, que permite atribuir significado a acertas ações e em função das quais os indivíduos interagem. Nessa interação social dos indivíduos é que são elaborados seus próprios modos de pensar, sentir e seus valores. Portanto, a análise antropológica pode partir do pressuposto de que todos os componentes da estrutura e dos processos organizacionais têm um aspecto semiótico, compondo uma gramática simbólica. Geertz, no entanto, faz esta abordagem semiótica, dentro de uma perspectiva interna, na qual busca entender como as pessoas de determinado local pensam, percebem e categorizam o mundo (emic). Já Hofstede têm uma compreensão sistêmica de cultura, se utilizando de uma perspectiva externa, procurando estabelecer dimensões comparativas, de caráter mais amplo, por considerar que as pessoas de um determinado grupo estão envolvidas demais em sua realidade para interpretar suas culturas de forma imparcial (ethic). Assim, Migueles (2003) sintetiza que cultura, na visão da antropologia, não é sinônima de sentimentos, valores ou crenças partilhados, mas formas públicas de perceber a realidade em termos dos quais esses valores e crenças individuais podem ser compreendidos. Por isso, gerentes, executivos e administradores devem assumir uma postura de intérpretes da realidade, buscando relacionar o mundo interno com o externo, traduzir os múltiplos códigos em operação, contextualizar as ações e os interlocutores, utilizando a postura etnográfica (observação participante) como método de análise. Desta forma, devemos compreender o comportamento e as atitudes na prática gerencial, como resultado da influência de uma rede simbólica própria de cada nação. Por outro lado, a sociologia tem uma preocupação com a articulação dos valores e crenças no curso da interação social, fixando contextos de atuação e que, em muitos sentidos, embasou os trabalhos dos antropólogos como Geertz e Hofstede. Do ponto de vista da compreensão de cultura pela teoria da economia e da teoria geral de gestão, estas ditam, de acordo com os significados que criam para os diversos recursos que a sociedade dispõe, de que forma os indivíduos devem se organizar para produzir e prosperar no sistema econômico escolhido. Nesta medida, o conceito de cultura nesta perspectiva distanciase um pouco da visão puramente antropológica. A busca pela compreensão das características culturais de cada sociedade tem por objetivo compreender e aperfeiçoar a relação entre os agentes (numa perspectiva mercadológica), além 74 de reduzir a assimetria de informação, para sustentação de um mecanismo de governança bem sucedido. Os autores desta corrente entendem que subestimar o papel das forças sociais e culturais na atividade econômica, é desconsiderar o papel destes elementos condicionantes e contingenciais das organizações. Com isso, atenta-se ao fato que as pessoas não agem apenas de forma racional, na busca de maximização de resultados e/ou lucros, mas também por questões subjetivas e intrínsecas, que nem sempre coadunarão com os pressupostos primeiros da economia dos custos de transação – oportunismo e racionalidade limitada. Como Migueles (2003) alerta, há tantos conceitos quanto seus usos necessários para eles, e nenhum deles jamais será o conceito verdadeiro, em termos absolutos. O conceito delimita o recorte da realidade que produzimos para conhecê-la. Acreditamos que os gestores podem se beneficiar muito mais da literatura de cultura organizacional se esta se propuser a orientar a discussão de práticas que estes podem efetivamente influenciar, como manifestações específicas da cultura, a criação e manutenção de procedimentos e normas para situações que vivenciam naquele mercado e a gestão de incentivos condizentes com os valores daquele grupo. Para isso, é necessário que utilizemos um objeto de estudo acessível ao nos debruçarmos sobre o conceito de cultura, sob o risco de induzirmos a uma intervenção superficial dos gestores na imposição de novos valores, que, como bem vimos, são consequência de um processo de socialização e aprendizagem iniciados na nossa formação. Assim, a cultura como instrumento operacionalizável de gestão deve ser compreendida à luz dos fenômenos sociais, onde se pode trabalhar na construção de significados coletivos e na adoção de práticas orientadas a uma racionalização da entrega de valor e sinergia desejados em um processo de fusão e aquisição. Prova disso é que, embora os acadêmicos venham destacando os problemas de integração resultantes das diferenças de cultura nacionais e organizacionais, as soluções propostas para minimizar o impacto destas diferenças têm se limitado a melhoria de comunicação, aceitação das diferenças e criação de uma identidade comum. Contudo, ao abordarmos a necessidade de criar e manter uma comunicação fluida entre as duas partes, devemos ter em mente que a linguagem está imbuída de significados e símbolos próprios de cada cultura. Comunicar estes símbolos por si só não garantirá o alinhamento dos envolvidos na proposta de valor que as 75 companhias desejam construir e entregar ao mercado. A base da comunicação consiste no entendimento comum de determinados conceitos. Além disso, os autores não abordam de maneira clara e objetiva o papel da liderança e as questões relativas a poder e hierarquia, e como estas influenciam os processos de integração, bem como uma possível relação de causalidade entre poder e diferenças de cultura. Outro ponto a se considerar é a análise das culturas organizacionais apenas aplicando questionários / entrevistas a alta direção das empresas. Esta parece ser uma medida extremamente frágil, visto que não garante o conhecimento daquela cultura. A ideologia destes grupos pode ser apenas uma das formas de expressão de uma cultura organizacional, mas não a única. Investigar a missão, visão e valores dos gestores resultam apenas em descrições superficiais da cultura. O trabalho de investigação da cultura organizacional pode perder o foco se, erroneamente, tomamos os valores e crenças expressos pelo topo da organização, como sinônimos de cultura organizacional. Em si mesmos esses elementos são apenas representações individuais. Por isso, faz-se necessário o desenvolvimento de estudos e instrumentos que meçam a cultura de uma organização compatível com seu recorte metodológico. Por fim, percebemos com este estudo, que faltam trabalhos acadêmicos que permitam produzir uma metodologia de interculturalidade numa fusão e aquisição, a fim se resolver os problemas decorrentes de choques culturais e processos de integração. Parece existir uma lacuna na literatura a esse respeito. Não encontramos neste estudo uma abordagem que nos possibilite, de forma objetiva, responder a pergunta original sobre que abordagem teórica e metodológica poderíamos usar para compreender melhor a questão do choque de cultura em F&A. Concluímos que o objeto cultura não está definido de forma objetiva e aplicável ao fenômeno organizacional. 76 8. REFERÊNCIAS AKTOUF, O. O simbolismo e a cultura de empresa: dos abusos conceituais às lições empíricas. Tradução de Maria Helena C.V. Trylinski. In: CHANLAT, J.F. (Org.) O indivíduo na organização, dimensões esquecidas. V.2. São Paulo: Atlas, 1994. APPELBAUM, S.H; ROBERTS, J.; SHAPIRO, B.T. Cultural strategies in M&As: Investigating ten case studies. Journal of Executive Education, 8(1) (2009). pp. 33–58. ARIKAN, A. M. Cross-border mergers and acquisitions: What have we learned? In: PUNNETT, B. J.; Shenkar, O. (Eds.), Handbook for international management research (Vol.2). Ann Arbor, MI: The University of Michigan Press, 2004. BARBOSA, L. Cultura e empresas. Rio de janeiro: Jorge Zahar Ed., 2002. ____________. Cultura administrativa: uma nova perspectiva das relações entre antropologia e administração. 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