FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS
ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E DE EMPRESAS
MESTRADO PROFISSIONAL EM GESTÃO EMPRESARIAL
FERNANDA DE OLIVEIRA SANTOS
O IMPACTO DAS DIFERENÇAS CULTURAIS NAS FUSÕES E
AQUISIÇÕES.
Rio de Janeiro
2013
FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS
ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E DE EMPRESAS
FERNANDA DE OLIVEIRA SANTOS
O IMPACTO DAS DIFERENÇAS CULTURAIS NAS FUSÕES E AQUISIÇÕES
Dissertação de Mestrado apresentada à Escola
Brasileira de Administração Pública e de
Empresas da Fundação Getúlio Vargas.
Área de concentração: Estudos Organizacionais
Orientador: Prof.ª. Drª. Carmen Pires Migueles
Rio de Janeiro
2013
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Mario Henrique Simonsen/FGV
Santos, Fernanda de Oliveira.
O impacto das diferenças culturais nas fusões e aquisições / Fernanda de
Oliveira Santos. – 2013.
81 f.
Dissertação (mestrado) - Escola Brasileira de Administração Pública e de
Empresas, Centro de Formação Acadêmica e Pesquisa.
Orientadora: Carmen Pires Migueles.
Inclui bibliografia.
1. Empresas – Fusão e incorporação. 2. Cultura organizacional. 3. Estudos
interculturais. I. Migueles, Carmen Pires. II. Escola Brasileira de Administração
Pública e de Empresas. Centro de Formação Acadêmica e Pesquisa. III. Título.
CDD – 658.406
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus, por me guiar nesta caminhada e não me deixar desistir em
momentos de grande dificuldade que surgiram neste período.
Agradeço ao meu amado marido, que sempre me incentivou incondicionalmente,
foi extremamente companheiro e soube ser compreensivo em minhas ausências, quando
estava imersa em leituras e reflexões acerca deste trabalho.
Agradeço ainda à minha querida família, por todo apoio que me deram para que
eu conseguisse realizar este sonho. Aos meus pais em especial, pela educação que me
proporcionaram e que me permitiram chegar até aqui.
Minha profunda gratidão à minha orientadora Carmen Migueles, pela parceria,
suporte e esclarecimentos, tão fundamentais para que eu conseguisse desenvolver este
trabalho.
Por fim, expresso meus agradecimentos aos professores do mestrado, que
elevaram meu senso crítico e me trouxeram os conhecimentos necessários para a
produção deste trabalho.
RESUMO
A cultura é um conceito amplo e que traz consigo contextos históricos, valores e
percepções partilhadas que, no âmbito social, influenciam as interações coletivas e
institucionais. Desta forma, operações de fusão e aquisição, por mais que tenham
particularmente uma essência econômica em sua origem, são diretamente impactadas
por questões culturais, tendo em vista que estas são realizadas por pessoas, que
aprendem a interagir e se expressar através de suas culturas.
Este trabalho se propõe a fazer um levantamento teórico de como os autores entendem a
influência da cultura nas operações de fusões e aquisições, de acordo com as bases
teóricas da psicologia, antropologia e sociologia, propiciando ou limitando o alcance
dos resultados desejados.
Para compreender o cenário em que o conceito de cultura é investigado, também
fizemos um levantamento das principais diferenças culturais levantadas em operações
de fusão e aquisição, e que foram analisadas à luz dos conceitos de cultura abordados
neste trabalho.
Constatamos que, por não haver uma preocupação em se definir corretamente o objeto
de pesquisa de cultura, os resultados acerca desta influência permanecem confusos e
contraditórios. Com isso, torna-se difícil endereçar corretamente as perspectivas de ação
no campo individual e coletivo.
Palavras-chave: diferenças culturais, fusões e aquisições, integração, cultura.
ABSTRACT
Culture is a broad concept, which brings historical contexts, shared values and perceptions
that, in the social environment, influence collective and institutional interactions. Thus,
merger and acquisition, as much as having a particularly economic substance in its origin,
operations are directly impacted by cultural issues, considering that these are conducted by
ordinary people, who learn how to interact and express themselves through their cultures.
This paper aims to make a theoretical survey of how the authors understand the influence of
culture in mergers and acquisitions, according to the theoretical foundations of psychology,
anthropology and sociology, providing or limiting the scope of the desired results.
To understand the setting in which the concept of culture has been investigated, we also did a
theoretical survey of the major cultural differences raised in mergers and acquisitions, which
were analyzed in the light of the concepts of culture introduced in this paper.
We realized that, by not having a concern in correctly defining the object of culture research,
results about this influence remain confused and contradictory. With this, it becomes hard to
properly address the prospects for action in individual and collective field.
Keywords: cultural differences, mergers and acquisitions, integration, culture.
8
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - níveis da cultura ................................................................................................................24
Figura 2 - camadas da cultura ............................................................................................................34
Figura 3 - matriz de integração cultural .............................................................................................52
Figura 4 - integração global versus autonomia local ..........................................................................53
Figura 5 - fatores de fusão e aquisição ...............................................................................................63
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - dimensões culturais de Trompenaars .................................................................................30
Tabela 2 - consolidação das abordagens de cultura ............................................................................61
Tabela 3 - consolidação de artigos .....................................................................................................65
9
SUMÁRIO
1.
2.
PROBLEMA ................................................................................................................ 10
1.1.
INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 10
1.2.
CONTEXTUALIZAÇÃO DO PROBLEMA ......................................................... 12
1.3.
METODOLOGIA .................................................................................................. 15
1.4.
OBJETIVOS .......................................................................................................... 16
1.5.
OBJETIVOS INTERMEDIÁRIOS ........................................................................ 17
1.6.
DELIMITAÇÃO DO ESTUDO ............................................................................. 18
1.7.
APRESENTAÇÃO DA OBRA .............................................................................. 19
A COMPREENSÃO DO CONCEITO DE CULTURA ................................................. 21
2.1
CONCEITO DE CULTURA APLICADO À GESTÃO ......................................... 32
3.
DIFERENÇAS CULTURAIS NAS FUSÕES E AQUISIÇÕES .................................... 46
4.
CRÍTICAS AOS ESTUDOS DE DIFERENÇAS CULTURAIS ................................... 59
5.
ANÁLISE DOS AUTORES ......................................................................................... 61
6.
TRATAMENTO DOS ARTIGOS ................................................................................ 63
7.
CONCLUSÃO .............................................................................................................. 72
8.
REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 76
10
1. PROBLEMA
1.1. INTRODUÇÃO
Quem trabalha em uma empresa privada pode, a qualquer momento, ser surpreendido pela
notícia de que sua organização foi comprada por outra, e que agora fazem parte de um
universo muito maior, em que vocês, juntos, conquistarão novos mercados, aumentarão o
faturamento, terão muito mais possibilidades de crescimento profissional e se tornarão
imbatíveis no mundo corporativo.
Um sentimento de euforia acompanha muitas dúvidas após a divulgação de uma fusão ou
aquisição. Afinal, qual será o esforço necessário para tudo aquilo se tornar realidade? De um
lado, funcionários da empresa adquirida temem pela perda de autonomia e adequações que
deverão fazer às suas estruturas para funcionarem dentro de novas diretrizes e, por outro lado,
funcionários da empresa adquirente almejam tomar o controle da nova companhia, garantindo
a replicação de sua “receita de sucesso”, afinal, se foram os investidores na operação,
presume-se que seu modelo de negócios seja mais bem sucedido.
Contudo, uma operação de fusão e aquisição (F&A) pode acontecer por inúmeras razões
e, de forma alguma, existe necessariamente um fracasso implícito por parte da empresa
adquirida. Este pressuposto pode, inclusive, ser um grande entrave no processo de integração
entre as empresas fundidas, dificultando a obtenção de sinergias desejadas ao novo negócio e
impactando negativamente nos retornos esperados pelos acionistas. Por isso é tão importante
conhecer o objetivo de uma operação de F&A, a fim de se escolher o melhor modelo de
integração operacional e cultural entre as partes.
Para organizar o entendimento sobre esta questão, realizamos um levantamento
bibliográfico que pudesse nos indicar como poderíamos evitar perdas de sinergia para o
negócio, bem como minimizar o sofrimento humano decorrente deste tipo de operação,
criando cooperação e engajamento.
Quando observamos a junção de empresas localizadas geograficamente em países
diferentes, temos um fator complicador: as diferenças de cultura nacional. Idiomas, formas de
pensar, costumes diferentes podem despertar curiosidade, mas também dificultar a forma dos
indivíduos se relacionarem, dadas suas crenças, valores e interpretações distintas de
11
hierarquia, meritocracia e poder, por exemplo. São expectativas e demonstrações de
comportamentos não só diferentes, mas por vezes aparentemente contraditórios, e que
exigirão um grande esforço de coordenação na entrega de uma única proposta de valor, em
contextos tão diversificados. Vale ressaltar que este mesmo cenário pode ser encontrado, em
escalas menores, em organizações dentro de um mesmo país, em Estados diferentes.
Neste ponto, nos deparamos com influências das culturas nacionais, e também com as
particularidades das culturas organizacionais, que refletirão maneiras específicas de atuar
dentro de determinado segmento industrial e classe profissional. Por isso, faz-se necessária a
busca pela adequada compreensão do conceito de cultura e como esta é utilizada para se
inferir o seu impacto nas operações de fusão e aquisição.
Ao vivenciar a aquisição de uma empresa brasileira por um grupo americano, pude
observar que, se por um lado existe uma euforia pelo novo cenário de pertencimento a uma
holding internacional, por outro também pode surgir um grande sentimento de incerteza
devido a falta de definição de parâmetros. A incerteza gerada pela assimetria de informações
se rebate, portanto no indivíduo através de um sentimento de insegurança, manifestado em
comportamentos de medo e resistência.
Desta forma, do ponto de vista do negócio, pude identificar algumas oportunidades de
crescimento profissional, de carreiras internacionais e de novo posicionamento latentes, em
função da aquisição de uma empresa por outra. Contudo, este tipo de operação também traz
consigo ameaças ao seu resultado, como a dificuldade de integração, de captura de sinergia e
de alinhamento global, por exemplo. Já do ponto de vista das pessoas que fazem parte destas
organizações, observei grande insegurança em relação ao futuro, medo, resistências,
ansiedades, mas também algumas adesões ao novo cenário.
Ao escolher estudar a influência da cultura, decorrente da aquisição da empresa que eu
trabalhava por um grupo americano, na formação de uma nova empresa, procurava encontrar
mecanismos que permitissem uma melhor integração cultural entre as pessoas, minimizando
as ameaças descritas acima. Contudo, percebi nos estudos realizados acerca deste tema, que
não havia uma definição clara de objeto que permitisse estabelecer uma metodologia para
intervir no problema.
Acreditamos que, se o conceito de cultura não for avaliado à luz de um objeto de pesquisa
observável e acessível, o seu entendimento já fica comprometido, distorcendo os resultados de
12
pesquisa que buscam a compreensão do real impacto da cultura nas relações entre as pessoas,
bem como a efetividades das soluções propostas.
1.2. CONTEXTUALIZAÇÃO DO PROBLEMA
As transformações socioeconômicas que temos presenciado desde a revolução industrial,
vêm produzindo novas formas de produção e alterando a relação das empresas com o
mercado. Até meados do século XX os princípios da administração científica desenvolvidos
por Frederick Taylor - cuja base está na divisão do trabalho em tarefas e na separação entre
concepção e execução - aumentaram exponencialmente a oferta de produtos e serviços,
elevando a produtividade das indústrias em todos os segmentos. Contudo, este ganho em
escala e aumento da oferta fez com que, cada vez mais, as empresas tenham que competir por
preço e mercado.
Capron e Priste (2002) e Camargos e Barbosa (2009) reforçam que as companhias
necessitam agregar novos valores e funcionalidades aos produtos e serviços, seja para
aumentar as vendas ou ao menos continuar a ter alguma participação no mercado.
Em meio a esta imperativa busca por vantagem competitiva, autores como Barros (2001);
Camargos e Barbosa (2009); relatam que as operações de fusões e aquisições vêm sendo
adotadas no mundo todo como uma estratégia promissora de inúmeros ganhos: de escala, de
redução de custos, de novos mercados, de acesso a novos conhecimentos, a matérias primas,
recursos naturais, financeiros, tecnológicos e capital intelectual.
De acordo com Straub (2007) as operações de fusão e aquisição são conceitualmente
distintas. Este autor define que a aquisição é usualmente utilizada para tomada de controle
através de uma oferta pública de aquisição, podendo ser feita de forma hostil ou amigável.
Assim, uma aquisição pode ocorrer de duas formas: pela compra da maioria das ações da
empresa-alvo, onde a adquirente assume todo o passivo e riscos futuros da adquirida; ou pela
compra dos ativos líquidos da firma-alvo, podendo assim selecionar os ativos desejáveis e
excluir os passivos de alto risco.
Já as fusões se diferenciam das aquisições, por ocorrerem quando duas ou mais
organizações juntam-se, e a organização resultante mantém a identidade de uma das
companhias envolvidas. Straub sugere, portanto, que as fusões podem acontecer de duas
13
formas principais: por incorporação, por meio da qual os passivos e ativos de uma das firmas
são transferidos para a outra, sendo a primeira extinta; ou por constituição, quando os ativos e
passivos das firmas envolvidas no evento são transferidos para uma nova empresa, podendo
as firmas originárias ser descontinuadas.
Contudo, para efeitos de análise dos impactos culturais, concordaremos com a visão de
Tanure (2007), de que ambas podem ser tratadas dentro de um mesmo contexto, pois, de
acordo com a autora, o nome que a transação recebe depende principalmente das implicações
fiscais e contábeis do negócio e das estratégias de relações com o mercado e de transição que
a comunicação adota.
Alcançar as vantagens competitivas esperadas por meio de fusões ou aquisições requer
um esforço de compreensão das variáveis que o cercam, bem como de coordenação e
integração dos ativos tangíveis e intangíveis que as organizações envolvidas possuem.
Os desafios de integração são vistos em grande parte destes estudos como fatores
moderadores dos sucessos ou fracassos das operações. Cabe antes esclarecermos que o termo
integração tem origem na teoria de Fayol (1949), ao abordar cooperação e coordenação, sendo
mais tarde definido por Lawrence e Lorsch (1967) como um processo de união de vários
subsistemas, sejam nas atividades funcionais, nas estruturas, sistemas e /ou nas culturas das
organizações, a fim de facilitar o funcionamento conjunto das empresas envolvidas. Portanto,
uma integração pode se dar em diferentes planos: operacional, de tarefas, de sistemas de
informação, de sistemas contábeis, de gestão e de cultura. Neste trabalho focaremos a
integração de culturas por entendermos que esta influencia todos os aspectos de como uma
organização lida com sua atividade principal, seus ambientes e suas operações internas
(Schein, 2009).
De acordo com levantamento feito por Gomes et al. (2013), o modelo de integração a
ser utilizado pela empresa compradora para consolidar os diferentes recursos, dependerá dos
objetivos norteadores da operação, do tamanho das empresas envolvidas, do tipo de indústria,
das distâncias geográficas entre as unidades e de regulamentações locais. Isto significa que,
dependendo do que a empresa adquirente desejar alcançar prioritariamente ao se juntar com
outra empresa, bem como as demais variáveis circunstanciais, determinará se sua estratégia de
integração privilegiará uma gestão mais ou menos inclusiva do corpo de funcionários e
14
gestores da empresa adquirida. O nível de profundidade do que será integrado também deverá
ser determinado por estes objetivos.
Ao considerarmos uma integração que envolve diferenças de culturas nacionais e
organizacionais, devemos nos debruçar sobre os desafios decorrentes deste processo: como
combater a síndrome do vencedor-perdedor (Cartwright e Cooper, 1994; Caldas e Tonelli,
2002;) onde os empregados são preparados para a mudança; como lidar com as diferenças de
entendimento de determinados conceitos como mérito e hierarquia, por exemplo, (Barbosa,
2002); como conseguir o alinhamento de valores (Barros, 2001; Schein, 2009; Zago e Retour,
2013); como minimizar o impacto dos aspectos psicológicos na produtividade e como
construir percepções partilhadas da realidade daquele grupo para não destruir valor, de forma
que as atitudes de cooperação e de troca de conhecimento gerem a sinergia necessária para a
prosperidade do negócio (Vala, 1995; Tanure et al., 2007).
Para compreender melhor estes desafios, é necessário que retomemos as bases teóricas
do conceito de cultura que possam explicar comportamentos sociais coletivos. Nossa intenção
aqui não é simplesmente discutir o que é a cultura, mas entender como os autores a entendem
que ela atua, ora limitando, ora propiciando o alcance dos objetivos organizacionais.
Como Straub (2007) e Rotting, Reus e Tarba (2013) pontuam, há diversos indicadores
que procuram traduzir os resultados de estudos de F&A: performance financeira, criação de
valor, ganho de sinergia e índice de aceitação das pessoas envolvidas. Logo, a avaliação de
um resultado bem ou mal sucedido de uma operação de fusão ou aquisição, dependerá do
indicador utilizado na investigação. Mas estes, nem sempre ficam claros nos estudos
realizados, o que já pode criar interpretações distorcidas do fenômeno.
Além disso, observamos que a utilização de constructos com diferentes entendimentos
e recortes epistemológicos distintos também são elementos que causam dificuldade na
compreensão deste assunto, bem como a solução de proposições práticas.
Stahl e Voight (2008) chamam a atenção para os resultados contraditórios e
inconclusivos que os estudos sobre impactos culturais nas F&A têm sido apresentados e
atribuem estas contradições ao fato de os pesquisadores estarem comparando objetos
diferentes, sem fazer distinção entre os diferentes níveis de cultura (nacional e
organizacional), as medidas de desempenho (medidas contábeis ou baseadas no mercado de
ações, por exemplo) e as organizações estudadas (adquirentes ou adquiridas).
15
1.3. METODOLOGIA
Este trabalho tem um caráter teórico por considerarmos que, embora existam diversas
pesquisas empíricas acerca do tema, estas trazem resultados contraditórios que precisam ser
mapeados, para melhor compreensão das relações de causalidade. Isto se faz necessário, pois
observamos entendimentos diferentes do impacto do choque de cultura no desempenho de
empresas que passam por fusões e aquisições.
Desta forma, acreditamos ser fundamental darmos um passo atrás e explorarmos melhor
uma formulação teórica adequada da questão, questionando sob quais abordagens
epistemológicas o conceito de cultura tem sido considerado, a fim de endereçarmos
corretamente as perspectivas de ação no campo individual e coletivo. Migueles (2004)
enfatiza a relevância dos conceitos para ajudar-nos nos dados que vamos colher e que, por sua
vez, nos indicarão como compreender as causas dos problemas e sua relação com outras
questões pertinentes. Seguimos ainda a convicção de Bertero (2011), de que um ensaio teórico
é uma forma legítima de produção de conhecimento.
Para tanto, buscamos compreender como os autores que analisaram o tema dos sucessos e
fracassos em fusões e aquisições descrevem os problemas gerados pelas diferenças culturais, a
consequência destes problemas nas integrações de empresas que passaram por essas
operações, fazer um levantamento das formas de abordagem do problema, como os autores
selecionam seus objetos de análise e apresentam a relevância da escolha. Com isto, esperamos
esclarecer como o recorte epistemológico utilizado no entendimento de cultura interfere na
análise dos principais desafios relacionados às diferenças culturais, no contexto das operações
de fusão e aquisição de empresas.
Utilizaremos uma abordagem qualitativo-exploratória na tentativa de consolidar as
diferentes visões sobre os problemas de cultura nas operações de F&A. Por conseguinte,
conforme Bertero (2011) defende, um ensaio teórico não é respaldado por uma metodologia
pré-determinada, a exemplo das investigações amparadas pela ciência positivista. Dito isto,
contaremos essencialmente com as ideias, conhecimentos, comparação e análise dos trabalhos
pesquisados, além de reflexões acumuladas acerca do tema escolhido.
16
1.4. OBJETIVOS
Este trabalho busca compreender como os autores que analisaram o impacto da cultura
nas fusões e aquisições, descrevem problemas gerados pelas diferenças culturais, a
consequência destes problemas nas integrações de empresas que passaram por fusões e
aquisições, fazer um levantamento das formas de abordagem do problema, como os autores
selecionam seus objetos de análise e apresentam a relevância da escolha.
Para isso, escolhemos analisar os artigos nas publicações de maior fator de impacto no
mundo acadêmico, de acordo com a lista de top journals da Escola Brasileira de
Administração Pública e de Empresas (EBAPE). Esta lista é formada a partir da sobreposição
de três listas independentes de top journals em Administração (ERIM, Financial Times, UT
Dallas). Foram identificados os periódicos citados em todas as três listas. Desta lista de vinte
e dois journals, foram excluídos os journals hoje de menor valor estratégico para esta
instituição (e.x., journals de contabilidade e produção) e incluído o journal de Administração
Publica com maior IF (cinco anos). Contudo, ao verificarmos que os journals ranqueados na
listagem final da EBAPE não trouxeram material suficiente para cumprirmos nosso
levantamento, ampliamos nossa busca por artigos que tratassem do tema da influência da
cultura especificamente em ambientes de fusão e aquisição em outros journals, de
classificação até B2 pela academia.
Ao final deste estudo pretendemos responder as seguintes questões: Qual o objeto
utilizado nos estudos que investigam os problemas de cultura nas fusões e aquisições? Por que
os estudos trazem resultados tão diferentes para a mesma questão?
17
1.5. OBJETIVOS INTERMEDIÁRIOS
Ao observar de perto uma operação de aquisição e todas as transformações que esta trazia
à empresa adquirida - dos artefatos mais visíveis como a mudança de layout, peças de
marketing e troca de diretoria, às mais invisíveis, como a mudança de cultura – busquei
compreender na literatura como lidar com este fenômeno e observei a imprecisão de
constructos e conceitos que permeiam o tema. Por isso esse trabalho se propõe a realizar um
estudo sobre as diferentes abordagens, para apreender como o objeto e suas relações são
utilizados na proposta de intervenções práticas. Desta forma, para nos ajudar neste objetivo
principal, temos os seguintes objetivos intermediários a investigar:

Se há algum grau de consenso entre os autores em relação ao objeto proposto.

Se os recortes epistemológicos das várias abordagens estão claros e dentro dos parâmetros
de validação de alguma disciplina acadêmica.

Se o objeto de analise é o mesmo para os diferentes autores.

Se é verdade que a imprecisão sobre o objeto de estudo decorre ou é causado por
abordagens de disciplinas diferentes (sem que pontes interdisciplinares tenham sido
construídas), que podem dificultar o entendimento do assunto bem como a proposição de
soluções práticas.
Desta forma, a relevância deste estudo está em contribuir para uma orientação mais
uniforme dos estudos de diferenças culturais em operações de fusão e aquisição e do
entendimento dos diferentes resultados que estes trazem.
18
1.6. DELIMITAÇÃO DO ESTUDO
Reconhecemos as limitações de um trabalho teórico, uma vez que “sua coerência e
legitimação residem na coerência das elaborações do ensaísta” (Bertero, 2011, pg. 3). Em
relação à literatura levantada, encontramos muitos artigos que tratam dos problemas de fusões
e aquisições enfatizando os fatores estratégicos, os problemas culturais ou os fatores
humanos. Contudo, neste estudo enfocaremos apenas os artigos que trouxeram os problemas
culturais ou os fenômenos derivados dela como objeto de estudo principal, incorrendo no
risco de limitarmos os fatores de insucesso destas operações em aspectos desta natureza,
desconsiderando outras variáveis importantes na abrangência do problema.
Outra limitação é a análise de artigos que realizaram seus estudos baseados, em sua
grande maioria, em casos de empresas norte-americanas, traduzindo muito mais uma
programação mental específica desta sociedade para lidar com as diferenças culturais.
Por fim, é importante esclarecermos de antemão que, embora as formas de medição de
retorno das F&A sejam de grande valor para ajudar-nos a entender as bases de comparação
dos autores nos altos índices de fracasso nestas operações, neste estudo não será possível nos
debruçarmos sobre estas medidas.
19
1.7. APRESENTAÇÃO DA OBRA
Para compreendermos o recorte utilizado no conceito de cultura dos trabalhos em
administração que buscam evidenciar o impacto das diferenças culturais nas F&A, precisamos
fazer uma revisão dos autores que conceituam cultura, e como estes delimitam seu objeto de
pesquisa.
Em seguida, faremos um levantamento histórico de como o conceito de cultura foi sendo
apropriado para o universo da administração, e elevado ao status de ativo intangível e estratégico
nas empresas. Esta contextualização se faz importante para entendermos de que forma a cultura
organizacional vem servindo aos propósitos de negócio, a ponto de interferir na performance de
duas empresas de origens diferentes.
No terceiro capítulo, percorreremos os principais desafios decorrentes de diferenças culturais
nos cenários de F&A, levantados por dezenas de autores, cujos trabalhos foram publicados em
journals de maior impacto, segundo listagem da EBAPE, mas não restritos a estes.
Apresentaremos um panorama geral dos principais achados, onde muitos se concentram nas
mesmas questões: grau de autonomia concedida à empresa adquirida e processo de integração
sociocultural. Contudo, embora os estudos discorram sobre questões comuns, a escolha por bases
teóricas e instrumentos de medição distintos, os leva a conclusões por vezes controversas.
No quarto capítulo, exploramos as críticas mais relevantes levantadas pelos autores sobre a
forma como os estudos de cultura em fusões e aquisições vêm sendo feitos, oferecendo ao leitor
uma apreciação das variáveis que interferem na condução deste tipo de estudo e numa tentativa
de explicar a divergência de resultados.
No quinto capítulo utilizamos uma tipologia para analisar de que forma o trabalho dos
principais teóricos que tratam do conceito de cultura, podem ser compreendidos para o impacto
dessas diferenças de cultura em operações de fusão e aquisição. Para isso, organizamos o conceito
de cultura que cada um apresentou em suas obras, o campo de conhecimento, o tipo de
abordagem utilizado em suas pesquisas e a possível aplicabilidade de seus conceitos para o nosso
problema pesquisado.
No sexto capítulo, de forma semelhante ao anterior, utilizamos uma tipologia para analisar
comparativamente os trabalhos acadêmicos pesquisados sobre impactos de cultura ou seus
20
fenômenos derivados no desempenho das fusões e aquisições. Para isto, começamos agrupando
os artigos pelos tipos de fatores que estes privilegiam em sua abordagem. Em seguida,
apresentamos um quadro comparativo, onde organizamos o objetivo dos autores, o conceito de
cultura utilizado em seus trabalhos, os impactos reconhecidos por eles que a cultura causa nas
fusões e aquisições e as ações necessárias propostas por estes autores, para minimizar ou
solucionar estes impactos bem como os problemas que investigam.
No último capítulo apresentamos nossas conclusões sobre o estudo, sintetizando a
contribuição que cada abordagem de cultura pode propiciar aos estudos organizacionais, as
limitações e possíveis melhorias nas formas de investigação das características de uma
determinada cultura corporativa. Conferimos ao final a falta de uma relação de causalidade nos
artigos pesquisados, que defina claramente o fenômeno, seus impactos, as consequências e
possibilidades de solução.
21
2. A COMPREENSÃO DO CONCEITO DE CULTURA
Cultura e suas implicações no âmbito social e organizacional é um tema que vem sendo
explorado há bastante tempo, e parece ainda estar em construção. Segundo Barbosa (2002),
do ponto de vista epistemológico, o epicentro do debate está em qual o conceito de cultura
utilizado e o uso a que ele se destina na compreensão da realidade organizacional. Portanto,
entender a organização como uma cultura é reconhecer o papel ativo dos indivíduos na
construção da realidade organizacional e nas interpretações compartilhadas para suas
experiências.
Ao analisarmos os objetos de estudo dos trabalhos que envolvem as diferenças culturais
em operações de F&A, percebemos que, por um lado, temos o recorte epistemológico da
psicologia, a qual se utiliza de valores, crenças e pressupostos compartilhados por indivíduos
como base central do entendimento da cultura e por outro lado, a possibilidade de
compreender o fenômeno cultural à luz da semiótica, base da sociologia weberiana, e que
explica a formação de valores dentro de um contexto cultural, criando suas distinções e
trazendo um relativismo cultural.
É importante observar que estas abordagens não são excludentes, ambas têm validade na
compreensão da influência da cultura nas operações de fusões e aquisições, por suas
contribuições singulares, mas devem ser vistas de forma separada, levando-se em conta suas
idiossincrasias. Isto se faz necessário para se estruturar melhor as possibilidades de ação, uma
vez que precisamos de uma definição de cultura operacionalizável em termos de pesquisa,
para gerarmos conhecimento prático e formas de intervenção na administração das empresas.
Laraia (1999) relembra que as diferenças de comportamento entre os povos já era
observada e questionada desde Heródoto (historiador grego do século V a.c), o padre José de
Anchieta e o filósofo Montaigne.
A literatura aponta que o termo cultura surgiu inicialmente em 1871 como uma associação
dos termos Kultur e Civilization feita por Edward Tylor, formando o termo inglês culture. O
primeiro termo refere-se às realizações materiais de um povo; o segundo remonta aos aspectos
espirituais de uma comunidade. Com isso, Tylor distancia a idéia de cultura como uma
disposição inata, perpetuada biologicamente.
Kessing (1974) consolidou diversas correntes conceituais de cultura, que descreveremos a
seguir:
22

Cultura como sistema cognitivo: a cultura é definida nesta perspectiva como um
sistema de conhecimentos, no mesmo domínio da linguagem, através de um evento
observável. É um modelo de interpretação da realidade e consiste em tudo aquilo que
alguém tem de conhecer ou acreditar para operar de maneira aceitável dentro de sua
sociedade. O conceito privilegia assim o sistema cognitivo do ser humano, e não as
suas manifestações exteriores.

Cultura como sistema estrutural: esta vertente aborda a prática cultural com foco na
descoberta sobre a “estruturação dos domínios culturais”, ou seja, a bagagem
intelectual adquirida para a interpretação mútua dos indivíduos em relação a mito,
arte, parentesco e linguagem. Esta é a abordagem utilizada pelo antropólogo LéviStrauss.

Cultura como sistema simbólico: esta corrente define a cultura como sendo um
sistema de significados e símbolos compartilhados. A “cultura deve ser considerada
não um complexo de comportamentos concretos, mas um conjunto de mecanismos
(...) para orientar o comportamento”.
Geertz (1989) reforça a problemática do objeto de estudo da cultura pelo viés da
psicologia, para a verificação de pressupostos coletivos, afirmando:
Se o estudo científico da cultura se arrasta, e na maioria das vezes se atola
num mero descritivismo, é porque o tema de seu assunto é esquivo,
enganoso, em sua maior parte. O problema inicial de qualquer ciência –
definir seu objeto de estudo de forma tal a torná-lo passível de uma análise –
torna-se aqui extremamente difícil de resolver. (GEERTZ, 1989, p. 227)
Já Weber parte das estruturas lógicas da ação a partir do entendimento que os sujeitos têm
sobre o que estão fazendo, entendimento este que é partilhado subjetivamente, sem cair no
domínio da psicologia (Weber, 2000, pág. 12).
De acordo com Castro (2003), tanto o esforço de Max Weber, quanto o de Karl Marx e de
Durkheim são esforços interpretativos, que buscam as causas do comportamento social em
domínios que estão fora dos limites da consciência humana. Contudo, Weber entende que os
indivíduos são os determinantes da sociedade, ou seja, as pessoas moldam as características
de uma sociedade através de ações sociais. Assim, ele propõe uma espécie de sociologia
compreensiva, que tenta entender a partir das ações dos indivíduos, o funcionamento social e
assim propor mudanças (Weber, 2000, página 14).
23
Podemos dizer que a obra “Ética protestante e o espírito do capitalismo” de Max Weber
foi fundamental na compreensão da noção de trabalho construída nas diferentes sociedades.
Através das práticas religiosas, este sociólogo explora o eixo de responsabilidade moral, o
objetivo da vida humana e como estas dimensões compõe o significado do trabalho, que
perpetua nas práticas organizacionais e nas relações entre empregados e patrões, moldando
em certa medida a cultura organizacional das companhias.
A partir desta concepção social e não psicológica de compreensão da cultura, sociólogos e
antropólogos se debruçaram sobre este conceito com um objeto de estudo mais delimitado e
possível de ser pesquisado empiricamente.
Já Hofstede (1990) contribuiu muito para os estudos de diferenças de cultura nacional, ao
se debruçar na medição dessas diferenças, através de uma das maiores pesquisas de
administração intercultural, envolvendo setenta e um países. Os questionários visavam trazer
à tona valores pessoais sobre ambientes de trabalho, mas sem entrar na subjetividade
individual dos sujeitos.
Hofstede (1990) acreditava que a socialização das pessoas na família, na escola, e mais
tarde, nas organizações, ajuda a desenvolver programas mentais por meio dos quais as pessoas
reagem a desafios. Considerando que esses programas mentais refletem a cultura, controlada
pela ocupação, educação, pela idade e outros fatores, os dados revelariam as culturas dos
países corroboradas pelos questionários respondidos pelas subsidiárias da empresa de
tecnologia IBM (onde trabalhavam os pesquisados).
Desta forma, o autor define o termo cultura como “a programação coletiva da mente que
distingue os membros de um grupo ou categoria de pessoas, em face de outro” (Hofstede,
2003, pg. 19).
Dentro do conceito de programação mental, Hofstede reconhece que existem níveis
individuais, coletivos e universais, conforme ilustrado na figura 1, a seguir.
24
Figura 1 - níveis da cultura
Fonte: Adaptado de Hofstede, 2001.
O nível individual justifica as diferenças entre as pessoas, formado pela personalidade e
influenciados pelas experiências pessoais.
Já o nível coletivo está relacionado às experiências e processos de aprendizagem
compartilhados, que ocorrem de forma contínua e faz com que tenhamos ao longo da vida
cada vez mais processos armazenados. Assim, os grupos que crescem e vivem por meio dos
mesmos processos de aprendizagem, compartilham de uma mesma programação mental. É
nesse nível, portanto, que se consegue diferenciar o jeito americano, brasileiro ou japonês de
enxergar o mundo e de agir sobre ele.
No nível universal, ele refere-se às características biológicas e genéticas do ser humano.
Seria a nossa capacidade de sentir medo, raiva, alegria, tristeza etc. A cultura atuaria na forma
de expressar estes sentimentos, trazendo características particulares em suas formas
demonstração.
Hofstede (2001) pontua a necessidade de distinguir claramente o nível individual e o nível
da sociedade. A cultura nacional deve ser compreendida como um conjunto de reações
prováveis de cidadãos que possuem uma programação mental comum, sem entrar nas reações
individuais. Ou seja, não é necessário encontrar esses comportamentos na mesma pessoa, mas
sim observá-los estatisticamente com mais frequência, na mesma sociedade.
Por conseguinte, Hofstede também posiciona os valores como núcleo central da cultura. O
autor define estes como a tendência a se preferir certo estado de coisas em face de outro.
25
E deixa claro que a maioria de nossos valores são inconscientes, podendo apenas ser
deduzidos através da forma como as pessoas atuam perante as diversas circunstâncias. Para
Hofstede, estes valores são formados através de um contexto histórico, são aprendidos e
repassados pelas sociedades.
Através da pesquisa supracitada, Hofstede chegou a cinco dimensões de cultura nacional,
na comparação entre os países e a seis dimensões de cultura organizacional, que veremos mais
adiante.
As dimensões de cultura nacional consolidadas por Hofstede são:
A distância hierárquica ou distância do poder – Esta dimensão expressa o grau em que os
membros menos poderosos de uma sociedade aceitam e esperam que o poder seja distribuído
de forma desigual. A questão fundamental aqui é a forma como uma sociedade lida com as
desigualdades entre as pessoas. Pessoas em sociedades que exibem um alto grau de distância
do poder aceitam uma ordem hierárquica em que todo mundo tem um lugar e que não precisa
de justificação. Nos países e regiões com elevada distância, como América Latina, Portugal,
Espanha, Ásia e África superiores e subordinados se consideram desiguais por natureza. Em
sociedades com baixo grau de distância do poder, como Estados Unidos, Grã-Bretanha e
países não latinos da Europa, as pessoas se esforçam para equalizar a distribuição de poder e
demandam justificativas para as desigualdades.
Grau de Individualismo (ou grau de coletivismo) – O individualismo é caracterizado pelo grau
em que a identidade individual é definida com base nos objetivos e realizações pessoais, onde
os indivíduos esperam cuidar apenas de si e de suas famílias. São exemplos de países
individualistas Estados Unidos, Austrália, Grã-Bretanha, Canadá e Países Baixos. O
coletivismo representa uma preferência por um quadro unido na sociedade, onde as pessoas
tendem a colocar os interesses do grupo ou da sociedade em primeiro plano, esperando em
troca receber lealdade. São exemplos de países coletivistas a Colômbia, Venezuela,
Guatemala, o Paquistão e o Japão.
Segundo Hofstede (2001), existe uma tendência de que países mais individualistas
possuam menor distância hierárquica.
Grau de masculinidade (ou de feminilidade) – Representam os extremos de uma dimensão.
De um lado temos o alcance de objetivos e a ambição e do outro a harmonia interpessoal. Nas
26
sociedades mais masculinas, como Japão, Áustria, Venezuela e Suíça, espera-se que o homem
seja mais forte e se interesse pelo sucesso material, enquanto nas sociedades mais femininas,
há a preferência para a cooperação, a modéstia, cuidar dos mais frágeis e a busca pela
qualidade de vida. A sociedade em geral é mais orientada para o consenso. Como exemplo de
países mais feministas, podemos citar a Suécia, Dinamarca, Países Baixos e Noruega.
O evitamento da incerteza – Reflete o grau de desconforto que as pessoas sentem perante os
riscos e as incertezas. A dimensão de aversão à incerteza expressa o grau em que os membros
de uma sociedade se sentem desconfortáveis com a incerteza e a ambiguidade. A questão
fundamental aqui é a forma como uma sociedade lida com o fato de que o futuro nunca pode
ser conhecido: devemos tentar controlar o futuro ou apenas deixar acontecer? Os países que
apresentam forte aversão à incerteza são Grécia, Portugal, Japão e Uruguai e este sentimento é
traduzido em estresse e necessidade de previsibilidade. Nos países com baixa aversão a
incerteza, como Singapura, Dinamarca e Suécia, parece existir uma aversão emocional às
regras formais.
Alguns anos mais tarde, o autor identificou uma quinta dimensão sobre diferenças entre
culturas nacionais, contrapondo orientação a longo-prazo e a curto-prazo. Hofstede atribuiu o
fato de não ter identificado esta dimensão antes devido ao viés cultural de sua mente e de
todos os outros investigadores, que partilhavam uma forma de pensar “ocidental”.
Orientação de longo prazo versus curto prazo - A dimensão orientação de longo prazo pode
ser interpretada como lidar com a busca da sociedade por virtude. A orientação de longo
prazo também é conhecida como dinamismo confuciano e representa a aceitação da mudança,
a perspectiva pragmática direcionada para o futuro. Como exemplo, podemos citar a China,
Japão, Coréia do Sul, Brasil, Índia.
A contribuição de Hofstede segue, portanto a linha funcionalista de pensamento, na qual o
pressuposto é que as normas e os valores sociais forneçam a base para a sociedade e as
organizações. Por esse motivo, seria plausível adotar uma postura universalista, que permita
classificar todas as sociedades de acordo com o mesmo conjunto de características.
Contudo, o próprio autor observa que as variações culturais internas dos países podem ser
tão grandes – se não forem maiores – do que as variações culturais entre os países. O autor faz
ainda uma adaptação de suas conclusões ao analisar o universo organizacional, que veremos
mais adiante.
27
As críticas ao trabalho de Hofstede se concentram primeiro na limitação da amostra
investigada, pertencente a uma única organização, podendo assim estar altamente influenciada
pela cultura organizacional desta empresa – admitindo-se que exista uma influência desta nos
valores e crenças dos indivíduos respondentes, que abordaremos com mais detalhes adiante.
Outra crítica à utilização dos achados de Hofstede para se discutir o impacto das
diferenças culturais, se refere à validade dos dados, em função do tempo em que foram
coletados, na década de sessenta e setenta. Observamos ainda que grande parte destes estudos
só consideram as quatro primeiras dimensões que este autor publicou e que, mais tarde, se
mostraram incompletas e inconclusivas.
A grande contribuição deste autor foi o levantamento das dimensões culturais para se
estudar de forma comparativa culturas nacionais, na tentativa de compreendermos as
diferentes lógicas que guiam formas específicas de se comportar bem como a necessidade de
se considerar esse contexto histórico na adoção de práticas de gestão.
Já Geertz (1989) propõe que a antropologia estude não as percepções idiossincráticas, mas
os comportamentos, através do método etnográfico, tratando-os como ações simbólicas
logicamente possíveis dentro de um contexto. Este antropólogo entende a cultura como um
texto, em que se utiliza o método de descrição da realidade social, visando captar os aspectos
simbólicos da cultura observada na experiência de campo. A língua consensa a maior parte do
conteúdo da cultura e tem a função de ir transmiti-la pelos povos.
Este autor define cultura como:
“O conceito de cultura que defendo (...) é essencialmente semiótico.
Acreditando, como Max Weber, que o homem é um animal amarrado a teias
de significados que ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essa teia
e a sua análise (...) que são, portanto não como uma ciência experimental em
busca de leis, mas como uma ciência interpretativa, à procura do significado
(...) ” (Geertz, 1989, p.15).
A contribuição de Geertz no campo da gestão pode ser entendida como a tentativa de
trazer a compreensão do fenômeno cultural sob uma perspectiva mais concreta, focada na
dinâmica da evolução cultural e no seu papel de estruturação da realidade percebida.
Barbosa (1996) afirma que é através da rede de significados que se orientam as práticas
cotidianas inerentes ao modelo de relações sociais entre os vários segmentos; as lógicas
28
contidas nas formas de se fazer negócios; as hierarquias formais e informais; as múltiplas
políticas administrativas; a aplicação e contextualização das regras; as relações de poder; as
estratégias políticas e as concepções de carreira.
Outro autor que também fez valiosas contribuições para o estudo da cultura foi
Trompenaars (1995). Para este autor, a cultura pode ser definida como um sistema comum de
significados, que mostra o que se deve prestar atenção, como se deve agir e o que se deve
valorizar.
Trompenaars concebeu um esquema gráfico da cultura, em uma analogia com uma cebola,
pelas suas diversas camadas. Assim, as camadas exteriores seriam os artefatos, semelhantes
aos de Schein. As camadas intermediárias expressariam os valores daquela sociedade, como
suas noções compiladas de bom versus mau, ou seus caminhos aceitáveis para alcançar
recompensas. Já as camadas mais internas representariam as crenças de uma sociedade, e são
as menos acessíveis a alguém não pertencente àquela cultura.
Quando Trompenaars propõe suas sete dimensões culturais, ele procura resolver três
dilemas básicos: relacionamento com os outros; controle do tempo e relação com o ambiente.
Assim, ele chega às dimensões abaixo:
Universalismo x Particularismo: Culturas universalistas criam regras para guiar o
comportamento de seu povo e tal comportamento não está sujeito a exceções, principalmente
àquelas fundamentadas em relações como laços familiares ou patronato. Já culturas
particularistas valorizam mais as relações do que as normas e veem estas como uma direção
geral sujeita a interpretações particulares, voltadas a respeitar mais o sentido geral da lei do
que seu texto literal.
Individualismo x Coletivismo: as características destas dimensões são bem semelhantes às de
Hofstede, conforme descrito anteriormente.
Culturas afetivas x Culturas neutras: em culturas afetivas as pessoas esperam demonstração de
emoções e sentem-se confusas quando estas não são expressas, podendo interpretar como
frieza quaisquer sinais mais contidos de emoções que sejam oferecidos por indivíduos
pertencentes a culturas mais neutras.
Culturas específicas x Culturas difusas: culturas específicas crescem compreendendo a
realidade particionada. Assim, as pessoas pertencentes a estas culturas concentram-se em
29
fatos, contratos e evidências precisas. A vida privada é percebida como separada da pública e
poucas alegações válidas para uma podem ser utilizadas para interpretar outra. Já as pessoas
de culturas orientadas difusamente compreendem a realidade de forma holística, porque todas
as partes estão relacionadas e a estrutura das relações pode ser ainda mais importante que os
elementos formadores da realidade. Assim, as explicações tendem a ser dedutivas e é
importante que as relações sejam cultivadas. A esfera pública tem menor dimensão quando
comparada à esfera da vida privada, mas é de pouco significado, pois sem confiança e união
os estrangeiros também não seriam aceitos.
Realização x Atribuição: em uma cultura voltada para a realização, o status é conferido de
acordo com o reconhecimento ao que é feito e os indivíduos devem se pôr à prova. Por outro
lado, em sociedades orientadas para a atribuição, os indivíduos podem nascer com um status
em virtude do sistema legal, da beleza ou da riqueza.
Percepção de Tempo: culturas voltadas para o passado veneram os antepassados, apreciam
experiências coletivas e, frequentemente, mantém uma concepção cíclica de tempo que requer
a possibilidade de repetição de eventos, desvalorizando a sensação de urgência para tirar
proveito das oportunidades, pois elas podem se repetir. Sociedades voltadas para o presente
não atribuem muito significado ao passado ou ao futuro. A satisfação imediata tende a ser
enfatizada. Em relação ao fluxo de tempo, Trompenaars faz uma subclassificação em
sequenciais ou sincrônicas. As primeiras percebem o fluxo de tempo de forma linear,
enfatizando o planejamento, os prazos finais e os compromissos. Um senso de urgência
predomina porque um único espaço de tempo é o que as pessoas dispõem para executar uma
tarefa. Já as culturas sincrônicas possuem uma percepção de tempo mais ampla, fornecendo
um fundo sobre o qual várias tarefas podem ser feitas simultaneamente. Portanto, tempo não é
um recurso exaurível, no sentido de que o trabalho de um indivíduo possa ser continuado por
algum outro, enquanto cada indivíduo é livre para realocar suas tarefas quanto for necessário.
Culturas sincrônicas podem ser mais adequadas para ambientes incertos, pois essa atitude em
relação ao tempo permite mudar as atividades diante de imprevistos ou falhas, por exemplo.
Os planos são menos importantes, pois assuntos não relacionados à tarefa podem ser
realizados antes.
Relação com a natureza: de acordo com Trompenaars, a atitude das pessoas com relação ao
ambiente pode ser classificada por internalista ou externalista, de acordo com o local que as
pessoas percebam que deva estar o controle. Culturas internalistas percebem a natureza como
30
controlável e sujeita à influência humana. Aqui, as pessoas acreditam que possam agir para
tirar proveito de oportunidades ou para limitar sua exposição à natureza. Por outro lado, as
culturas que percebem o local de controle situado além deles, as externalistas, percebem-se
como parte da natureza e são propensas a buscar a harmonia com a natureza em lugar de se
oporem a ela.
Tabela 1 - dimensões culturais de Trompenaars
Fonte: adaptação de Trompenaars, 1995.
Trompenaars (1995) conclui que, o que devemos ter em mente ao transpor comparações
internacionais para atitudes empresariais com base nas reações das pessoas ao ambiente é se
estamos falando da mesma natureza.
O fundamental aqui é perceber que os comportamentos para as diferentes sociedades se
tornam inteligíveis por causa das formas comuns de se entender conceitos como poder e
hierarquia, por exemplo, e as formas ou variações possíveis de relacionarem-se, ou
posicionarem-se frente a elas. E que cultura não estuda comportamento, mas a lógica que o
externaliza.
Uma grande questão que também se coloca é o quanto a cultura nacional impacta no
desempenho econômico de um país. DiMaggio (2003) sugere que a resposta mais objetiva,
pela visão da teoria econômica é que a cultura nacional pode ter um grande impacto na
economia se ajudar na redução dos custos de transição. Mas esta explicação esbarra em uma
série de questões subjetivas, afinal, a manipulação moral da cultura fica delegada a
31
intermediários, aumentando de certa forma a possibilidade destes intermediários promoverem
a cultura nacional de formas distorcidas. E assim, a cultura pode acabar servindo mais como
um mecanismo monopolista de vantagem do que como mecanismos de custos de transação.
DiMaggio inclusive alerta para os poucos estudos da cultura na teoria econômica, pois
reconhece que esta influencia a economia em nível organizacional e individual. Nesse sentido,
o autor interpreta que muitos comportamentos das empresas são irracionais por não
responderem aos incentivos dos mercados apropriadamente. No nível individual, as atitudes
refletem relacionamentos entre pessoas e atributos simbólicos de objetos concretos, sem uma
relação necessária com as características técnicas dos próprios objetos.
32
2.1 CONCEITO DE CULTURA APLICADO À GESTÃO
Nesta seção faremos um retrospecto da utilização do conceito de cultura pelas teorias de
gestão, considerando as particularidades do ambiente organizacional. Assim, poderemos
compreender melhor como a gestão da cultura foi sendo construída e entendida pelos
gestores, refletindo inclusive nos processos de integração antes e pós F&A.
Um dos precursores do conceito de cultura aplicado ao contexto organizacional foi Elliot
Jacques (1953) na obra The changing culture of a factory. Na sua definição, cultura de
empresa seria “o modo habitual de pensar e agir, que deve ser aprendido e aceito, mais ou
menos compartilhado por todos os empregados da empresa”. A definição de Elliot Jaques,
embora ampla, direciona a compreensão que veio a se estabelecer como a cultura de uma
organização.
Com a popularização e crescente uso deste conceito no início da década de oitenta, as
culturas organizacionais ou de empresas ressaltaram que a excelência de uma organização
estava na forma comum de pensar, sentir e agir de seus membros. O que caracteriza o
conceito de cultura organizacional desse período é o seu uso como instrumento para a
melhoria da organização mediante o aprimoramento de seus processos. Mas este conceito
inicialmente não remete à antropologia, e suas ideias de valores são essencialmente morais e
substantivas. A cultura, afirmava-se na época, remove em grande parte esse sentimento de
incerteza, porque oferece estrutura, padrões e um sistema de valores com o qual operar em
todas as situações (Barbosa, 2002).
Kilmann, Saxton e Serpa (1985, pg.352) descrevem a cultura em termos de uma força
física: “a cultura oferece significado, direção e mobilização - é a energia social que move a
empresa (...) que flui nos compromissos compartilhados entre os membros do grupo”. A
dimensão fundamental da cultura, de acordo com Kilmann, são as normas, pois é aqui que a
cultura orienta. Mais precisamente, são as normas que regem o comportamento e as atitudes
das pessoas na empresa, tendo um efeito poderoso sobre os requisitos para o seu sucesso - a
qualidade, a eficiência, a confiabilidade do produto, atendimento ao cliente, inovação,
trabalho duro, lealdade etc. Este é o núcleo da maioria dos textos norte-americanos sobre a
cultura corporativa.
Entretanto, esta definição parece um pouco restrita ao uso de normas. Porque a cultura, na
verdade, indica a dimensão do significado, ou seja, o que está por trás e forma as normas, não
33
parecendo adequado descola-los de outros aspectos da organização. Isto porque, de acordo
com Tanure (2007) entre outras coisas, as normas de trabalho estão provavelmente ligadas a
uma variedade de condições deste local. Logo, o tipo de trabalho, os mecanismos de
recompensa, perfil dos funcionários, idade, sexo, qualificações e interesses são,
provavelmente, mais importantes na determinação dessas normas.
Para Dyer Jr. (1986), as correntes que analisam a criação da cultura partem de três pontos:
a) os fundadores e os líderes trazem consigo um conjunto de pressupostos, valores,
perspectivas e artefatos para a organização e o impõe a seus empregados; b) uma cultura
emerge com a interação dos membros da organização para resolver problemas relacionados
com a integração interna e a adaptação externa; c) os membros individuais podem tornar-se
criadores da cultura, por meio da solução de problemas individuais de identidade, controle,
necessidades de aceitação, passando-a para as gerações seguintes.
A definição mais utilizada sobre cultura nos trabalhos de administração é a do psicólogo
Schein, que procurou explicar as diferenças de eficiência entre empresas americanas e
japonesas. Este autor define cultura como:
A cultura é o conjunto de pressupostos básicos inventados, descobertos ou
desenvolvidos por um grupo na medida em que aprendeu a lidar com os
problemas da adaptação externa e integração interna. (SCHEIN, 1985, p. 47)
Para Schein (2009), a cultura é concebida proporcionalmente para um grupo assim como a
personalidade ou caráter está para o indivíduo. Assim, à medida que nossa personalidade e
caráter orientam e restringem nosso comportamento, a cultura também o faz, através de
normas compartilhadas e assumidas neste grupo. Neste sentido, a cultura é entendida por
Schein como intrínseca aos indivíduos, e opera em três camadas: artefatos, valores e crenças e
pressupostos básicos.
O nível mais superficial, dos artefatos, traz um problema, pois é baseado em símbolos,
que por sua vez são ambíguos, e apenas podem ser interpretados à luz de sentimentos e
experiências pessoais, não refletindo necessariamente o significado subjacente daquilo. O
segundo nível, das crenças e valores, acaba por refletir as convicções de um líder, até que o
grupo assuma alguma ação conjunta e seus componentes observem o resultado dessa ação,
para validá-lo. Desta forma, apenas as crenças e valores que forem empiricamente testados na
solução de um problema ou passarem por uma validação social, serão transformados em
34
suposições, que constituem o nível mais profundo da cultura. Neste terceiro nível, o grau de
consenso resulta do sucesso repetido na implementação de certas crenças e valores, que
orientarão o comportamento dos indivíduos, informando aos membros do grupo como
perceber, refletir e sentir as coisas. Destarte, sua definição formal de cultura enfatiza as
experiências de aprendizagem compartilhadas.
Figura 2 - camadas da cultura
Fonte: adaptação de E.H.Schein, 2009.
Segundo Schein (2009), é nesse processo psicológico que a cultura tem seu poder final.
Para ele, este mapa mental nos traz uma sensação de conforto e estabilidade, porque os
compartilhamos com outras pessoas. Os membros de qualquer novo grupo trarão a
aprendizagem cultural de seus grupos anteriores, de sua educação e da socialização em outras
comunidades.
Schein pesquisou as suposições culturais em diferentes tipos de organizações através da
pesquisa clínica, onde, segundo ele, os dados vêm voluntariamente dos membros da
organização, uma vez que o pesquisador está envolvido de alguma forma com a corporação e
pode contribuir com a cooperação dos entrevistados. Ele diferencia neste ponto o método
clínico do etnográfico: no modelo etnográfico de investigação o pesquisador não tem qualquer
35
intenção de mudar o sistema, ele deve deixa-lo tão intacto quanto possível (Schein, 2009, pg.
196).
Schein faz ainda uma importante contribuição às práticas de gestão e compreensão dos
problemas de cultura ao enfatizar o papel do líder no gerenciamento da cultura. Para o autor, a
capacidade de perceber as limitações da cultura e desenvolvê-la adaptativamente, constitui a
essência e o desafio final da liderança.
Vala (1995) sugere que, ao se entender a cultura como um processo cognitivo dos
membros de um grupo ou comunidade, as culturas e as representações sociais se transformam
com os mesmos. Portanto, as expectativas, valores e crenças no interior de uma organização
não são apenas resultado de uma atividade cognitiva individual, mas de uma rede de relações
simbólicas interindividuais e intergrupais que os indivíduos estabelecem enquanto sistema
social. Assim, no processo complexo de interação dos indivíduos às organizações, esses vão
construindo um sistema de respostas que consideram estar de acordo com o contrato
psicológico implícito.
Fleury (1996a) analisa que, com sua proposta, Schein abre uma das vertentes mais
promissoras para o estudo das organizações, balizando e propiciando o referencial teórico e
metodológico para a maioria das pesquisas americanas e muitas europeias. Entretanto, sua
linha de estudos assume os sistemas culturais apenas em sua capacidade de comunicação e
expressão de uma visão consensual sobre a própria organização. A dimensão do poder,
intrínseca aos sistemas simbólicos, e o seu papel de legitimação da ordem vigente e
ocultamento das contradições, das relações de dominação não aparece de forma muito
consistente em seus estudos, e foram mais bem exploradas por Pagès e seus colaboradores.
Pagès (1987) desenvolve um olhar crítico acerca do papel da organização na vida dos
indivíduos pela luz da psicologia, pois entende que as corporações utilizam-se das instâncias
psíquicas destes últimos. Para este autor, a estratégia das empresas seria criar uma
coparticipação que lhes permita substituir seu imaginário pelo da organização, o qual é
veiculado pela cultura organizacional. Assim, uma empresa zelosa de sua cultura vai procurar
obter adesão à sua missão e objetivos para o futuro. Nesse sentido, a organização faz a
passagem de um projeto exterior (produtos, serviços, mercados, lucros) a um projeto interior a
ser reproduzido (sonho, missão nobre).
36
O autor defende que a cultura de uma empresa se sustenta na identificação dos atores
sociais com seus pares, com locais de socialização reconhecidos como tais e quando os
membros de um grupo alcançam sua identidade comum, chegando ao ponto de assumirem
como pessoal o interesse coletivo. “As culturas transmitidas precisam de um reconhecimento
outorgado ou obtido nas relações de troca (...) o corolário desta proposição é que o indivíduo
colabora ativamente com o poder da organização” (Pagès, 1987, pág. 40).
Logo, ingressar em uma empresa implica em aderir a todo um sistema de valores, a uma
filosofia e é esta adesão ideológica que incita as pessoas a cooperarem de forma incondicional
ao cumprimento das metas corporativas, imersas em um sistema de dominação e alienação
dos indivíduos.
A cultura de uma empresa propõe um sistema de crenças e valores, uma moral de ação
apropriada para conduzir os empregados à adesão. Estes valores são ofertados nos manuais,
que por sua vez, são comparados pelo autor como uma escritura sagrada, ao concretizar um
conjunto de práticas rituais utilizadas pela hierarquia da organização. A instauração de um
sistema de valores, por sua vez, prorroga a codificação de práticas no plano das
representações, tendo como principal função, a legitimação do sistema de regras. Este sistema
de valores constitui desta forma, o quadro de referências no qual os indivíduos elaboram as
representações do que foi vivido. É ele que fornece os princípios fundamentais segundo os
quais os indivíduos orientam suas ações. (Pagès, 1987, pág. 75).
Pagès considera, portanto que as empresas podem tornar-se espaços onde se opera uma
procura quase ativa de identidade e identificação, assumindo uma função mediadora em um
problema fundamentalmente ontológico, onde a cultura torna-se uma espécie de refúgio.
Aktouf (1994) questiona como a cultura de uma empresa pode provocar adesão ao
desempenho sustentado através de uma adesão prévia, que se quer supostamente espontânea e
natural, a valores e a uma identidade totalmente pré-construídos e confiados a heróis
semeadores (que seriam os líderes, segundo Schein) explicitamente investidos deste papel?
(Aktouf, pág. 46).
Pagès sugere que se os indivíduos aderem a este sistema de crenças com tanto entusiasmo,
é porque encontram ali um conjunto de princípios nos quais podem acreditar, que lhes permite
dar um sentido à sua existência.
37
Mas Aktouf acredita que a identificação ao trabalho só é possível com a superação da
alienação, quando o trabalhador assume o ato de trabalhar, construindo sua história e a
história da empresa. Neste contexto, cultura e identidade passam por uma transformação
radical das relações de trabalho, onde as pessoas revisitam suas próprias escalas de valores. O
autor reconhece, contudo, que esta abordagem está longe da corrente gerencial dominante de
cultura organizacional. Para ele, cultura:
“é algo muito vasto, inscrito profundamente nas estruturas sociais, na
história, no inconsciente, na experiência vivida e na essência da coletividade
humana, para ser tratada de maneira tão trivial como uma variável
dependente cujos fatores e componentes podem ser isolados, medidos,
tratados e construídos” (AKTOUF, 1994, pág. 47).
O autor defende, portanto que cultura organizacional não deve ser reduzida a um mero
instrumento de gerenciamento, numa visão estreitamente utilitarista, como se procura no
pensamento gerencial, pois é, antes de tudo, um conjunto de práticas sociais materiais e
imateriais. Ele critica ainda a corrente dominante tão distorcida da cultura organizacional
como uma “mágica comunhão de todos, patrões e operários, dirigentes e dirigidos, em um
mesmo e entusiástico movimento de sustentação da empresa e seus objetivos”.
Outro ponto de reflexão que Aktouf faz é em relação à eficácia perseguida nos valores,
atitudes e crenças expressos nas definições de cultura de empresas. Embora não esteja
explícita em nenhuma das definições dos autores mais reconhecidos, Aktouf presume que se
trate de uma rentabilidade monetária crescente, que pode eventualmente ignorar a qualidade e
efeitos colaterais destes resultados (como o sofrimento psíquico advindo desta pressão por
metas financeiras, por exemplo).
Seguindo uma linha mais funcionalista do estudo de cultura organizacional, Hofstede
(2001) define-a a partir do conceito de cultura nacional, como uma programação coletiva da
mente que distingue os membros de uma organização das de outra. Para este autor, a diferença
entre cultura nacional e organizacional reside no aspecto de que na primeira – a cultura
nacional - a diferença entre os países é acentuada pelos valores; já na segunda – a cultura
organizacional - as diferenças entre as empresas, independente de estarem no mesmo país ou
não, estão mais na prática.
38
Desta forma, ao abordar a cultura organizacional, Hofstede desloca o núcleo deste
constructo, sugerindo que as percepções partilhadas das práticas diárias devem ser
consideradas a base para compreensão da cultura da organização, com menor participação
relegada aos valores. É importante ressaltar que ele não desqualifica os valores dos
fundadores e líderes. Reconhece que estes contribuem para a formação das culturas
organizacionais, mas a forma como estes afetam seus membros faz-se através de práticas
compartilhadas.
As dimensões de cultura organizacional encontradas no estudo comparativo de vinte
organizações dinamarquesas e holandesas, realizadas pelo IRIC e Hofstede e que diferenciam
mais acentuadamente as práticas entre as empresas são:

Orientada para processos (evitam-se riscos, gastos limitados de esforço e rotina
claramente estabelecida) X orientada para resultados (conforto em situações não
familiares, esforço máximo, desafios constantes). Opõem uma preocupação com
meios a uma com objetivos.

Orientada para o empregado (problemas pessoais são levados em conta, a organização
se responsabiliza pelo bem-estar dos funcionários e decisões importantes são tomadas
em grupo) X orientadas para a tarefa (pressão por resultado, não há demonstração
explícita e empática por problemas pessoais dos empregados, decisões tomadas
individualmente). Opõe a preocupação com o resultado à preocupação com as pessoas.

Paroquial (empregados derivam sua identidade da organização – as normas da
organização influenciam o comportamento em casa e na sociedade, empregados
esperam que a empresa pense e se preocupe com seu futuro) X profissional (forte
separação entre vida privada e profissional, emprego por competência profissional e
empregados tem longa visão de futuro pessoal). Opõem a identidade com a empresa à
identidade profissional.

Controles frouxos (nem todos estão preocupados com custos, reuniões não tem agenda
e horários rígidos, piadas sobre a organização ou o trabalho são frequentes) ou rígidos
(forte consciência de custos, forte controle das agendas, horários e uso do tempo, e
piadas são raras). Refere-se ao grau de estruturação interna.

Normativa (orientadas para o mercado, com necessidade de seguir corretamente os
procedimentos organizacionais) ou pragmática (ênfase na satisfação da necessidade do
cliente dos clientes).
39
É importante destacar que as dimensões referentes a processos / resultados, paroquial
/profissional, controle fraco / apertado ou normativa / pragmática se relacionam com o tipo de
trabalho da organização e com o mercado em que opera. Já as dimensões empregado / tarefa e
frouxo / rígido parecem ser menos limitadas pela tarefa e mercado e mais influenciadas por
fatores históricos, tais como a filosofia dos fundadores e as crises recentes (Hofstede, 2003).
Para Trompenaars (1995), a cultura organizacional seria formada não apenas pela
tecnologia e mercado em que atua, mas também pelos valores compartilhados por seus
empregados e líderes. Desta forma, ele sugere que as pessoas replicam e projetam seus
modelos familiares ao fundar uma empresa. Existem assim, três aspectos fundamentais ao se
avaliar uma cultura organizacional, pela lógica deste autor: a relação global entre a empresa e
seus empregados; os sistemas hierárquicos de autoridade e as visões gerais dos empregados
sobre missão, visão e objetivos das empresas, bem como sua participação em relação a estas
metas.
Michael Porter (2000) também traz uma visão funcionalista de cultura, mas sob um ponto
de vista bem diferente. Ele enfatiza o papel da cultura no desenvolvimento econômico de uma
nação, influenciando a prosperidade dos mercados. Para Porter, uma cultura econômica é
definida por crenças, atitudes e valores que incidem sobre as atividades econômicas dos
indivíduos, organizações e outras instituições.
Porter reconhece a dificuldade de isolar o fenômeno cultural neste cenário, a fim de
compreender claramente seu papel e utiliza características da cultura nacional para entender
as características de um país que favoreceriam ou dificultariam a competitividade das
empresas, e, por conseguinte, de uma nação.
Este autor entende que, o país de origem ou aquele onde sua empresa tem sede, é que
determina a competitividade. Logo, empresas que têm origem em economias e culturas mais
competitivas levarão tal competitividade a outros países aonde venham operar. Contudo, é
extremamente complexo definir os elementos que constituem competitividade, tendo em vista
que estes irão variar de acordo com as condições de mercado. Outra questão que se coloca é o
aspecto equívoco de julgamento, entrando em um universo de valores, onde algumas culturas
seriam melhores que outras. Hofstede já defendia que uma das premissas básicas da cultura é
40
o seu relativismo cultural: “não existem parâmetros científicos que permitam considerar um
grupo intrinsecamente superior ou inferior a outro”. (Hofstede, 2003, pg. 21).
Tanto do ponto de vista da coordenação formal (mecanismos de governança corporativa)
como da coordenação informal, a cultura é entendida por diversos autores, como um sistema
de governança das empresas, responsável pela mediação entre os comportamentos dos
indivíduos e a economia dos custos de coordenação.
Desta forma, Kreps (1990) trata a cultura corporativa de acordo com as perspectivas da
teoria econômica. Para ele, a cultura age como a “cola” que vai sustentar a reputação de uma
empresa. Mas, para que haja um norte orientador dessa reputação, é preciso que os dirigentes
da empresa estabeleçam e disseminem um princípio geral, com ampla aplicabilidade e simples
o suficiente para ser compreendido e interpretado por todos, diante de circunstâncias não
previstas. É o que na teoria dos jogos se chama de ponto focal. Diante disto, este autor
interpreta a cultura corporativa como “os princípios inter-relacionados que a organização
emprega e a forma como estes são comunicados pelos superiores aos inferiores hierárquicos,
para que eles possam aplicá-los fielmente” (Kreps, 1990, pág. 93).
Compreendemos assim, que o
modelo predominante de se pensar a cultura
organizacional, tanto entre administradores como acadêmicos, parece ser o de um produto que
tem uma relação causal simples com resultados corporativos, dependendo das virtudes que
agreguem à condução dos negócios ou das suas características disfuncionais, quando
necessitaria ser compreendido em um sentido mais amplo de inspiração para as medidas de
gestão (e não como as medidas por si mesmas).
Barros e Rodrigues (2001) discutem as diferentes formas de se abordar a cultura na gestão
de pessoas. De acordo com estes autores, existe a abordagem convergente, que considera que
existe uma única forma melhor, globalizada de se administrar e organizar as pessoas,
incorporando as melhores práticas funcionais e específicas, apesar das diferenças de contexto.
Contudo, se estas práticas não forem adaptadas criticamente às condições do contexto de cada
organização, pode levar a resultados diferentes dos esperados. Assim, esta abordagem
restringe a conexão das práticas aos objetivos estratégicos da empresa.
Os autores sustentam que a convergência ignora os argumentos sobre consistência e
adequação, a despeito do fato de que as diferenças de contexto legal e cultural exigem algum
tipo de reconfiguração das práticas, para que elas sejam eficazes.
41
Em contraponto a esta teoria da convergência, está a teoria da divergência, que vai para o
extremo de relativizar tudo em função do contexto. A corrente divergente foi muito enfatizada
nos anos setenta, impulsionada por estudos clássicos, como o de Hofstede, que demonstram o
impacto da cultura de cada país na gestão, conforme vimos na seção anterior. Hofstede (2001,
p. 374), chama atenção também para o fato de que “as ideias e teorias administrativas e
organizacionais frequentemente são exportadas para outros países sem que se considerem os
valores do contexto nos quais tais ideias foram desenvolvidas”.
Em um momento em que a economia torna-se cada vez mais global e o impacto dos
avanços da tecnologia da informação está mais presente, não acreditamos ser adequado ter
uma visão limitada dos aspectos multiculturais, pois, evidentemente, as fronteiras da
comunicação são cada vez menores. Portanto, olhar práticas de gestão pelo filtro da lógica
ocidental (exclusiva) ou oriental (inclusiva), já se traduz por si mesmo um viés cultural.
Como reação ao universalismo norte-americano, Weber et al. (1996) ressalta o surgimento
de um fluxo enorme de pesquisas nos anos noventa, sobre a gestão de pessoas na Europa a
partir dessa perspectiva contextual e institucional. Os pesquisadores europeus parecem ver
com certa suspeita o modelo “norte-americano”, moldado pelo contexto institucional dos
Estados Unidos. Discute-se nestes trabalhos a possibilidade de sua aplicação nos múltiplos e
variados contextos institucionais da Europa.
Cabe ressaltar que, para os antropólogos, a cultura é entendida como um contexto no qual
as ações e os discursos tornam-se inteligíveis para aqueles que compartilham de suas práticas,
diferentemente do entendimento dos administradores, para os quais a cultura é uma variável
mensurável.
A consequência de uma abordagem funcionalista, é que a cultura fica reduzida a aspectos
limitados deste fenômeno (normas e valores) que são percebidos como diretamente
relacionados à eficiência organizacional e à vantagem competitiva (Kilmann et al., 1985).
Mas, esta abordagem acaba sendo amplamente aceita e utilizada pelo fato de os aspectos
superficiais da cultura serem compatíveis com um pensamento mais pragmático, acessível a
intervenções gerenciais. O problema, é que as normas não parecem ser a melhor fonte para a
compreensão da cultura, uma vez que elas têm a função limitada de dizer apenas como as
pessoas devem se comportar frente a determinadas situações. Mas a cultura tem uma
influência muito mais complexa e extensa no pensamento, sentimento e lógica das decisões.
42
Para Barbosa (2002), para se abordar cultura organizacional, não é suficiente se falar de
um conjunto de valores definidos pela alta gerência, pois estes são apenas uma parte da
cultura. Segundo a autora, faz-se necessário dirigir o olhar para a organização de diferentes
perspectivas e para as relações entre elas, pois aí é que residem as entranhas do poder e da
política organizacional.
Nesta medida, para que os valores saiam do campo da psique dos indivíduos, estes devem
ser institucionalizados, de forma a serem entendidos e geridos como competências essenciais
de uma organização.
Segundo Prahalad e Hamel:
As competências essenciais são os recursos intangíveis que, em relação
aos concorrentes, são difíceis de serem imitados, em relação ao mercado e
clientes são os recursos essenciais para que a empresa possa prover
produtos/serviços diferenciados e, em relação ao processo de mudança e
evolução da própria empresa, é o fator fundamental da maior flexibilidade,
que permite a exploração de diferentes mercados (PRAHALAD, C. K e
HAMEL, 1990).
A expressão “competências essenciais” foi criada por estes autores para designar o
aprendizado coletivo da organização, em especial como coordenar diversas habilidades de
produção e integrar múltiplas linhas de tecnologia, permitindo a rápida adaptação
dos negócios individuais às oportunidades de mudança. Esta visão coaduna com a posição de
Hofstede, sobre a ênfase da cultura organizacional na percepção de práticas partilhadas.
Uma competência específica de uma organização representa a soma do aprendizado,
através da integração de todos os conjuntos e habilidades, tanto em nível pessoal quanto
organizacional. Assim, Prahalad e Rasmawany (2000) defendem que uma habilidade, para ser
considerada competência essencial, deve passar por três validações:
1. Valor percebido pelo cliente – uma competência essencial precisa oferecer uma
contribuição decisiva para o valor percebido pelo cliente. As competências essenciais são
habilidades que permitem à empresa oferecer um benefício fundamental ao cliente;
2. Diferenciação entre concorrentes – para ser qualificada como uma competência
essencial, uma capacidade precisa ser competitivamente única. Não faz muito sentido definir
uma competência como essencial se ela for onipresente ou puder ser facilmente copiada
pelos concorrentes;
43
3. Capacidade de expansão – Ao definir as competências essenciais, os gerentes
precisam empenhar-se arduamente em abstrair a configuração de um produto específico ao
qual a competência está associada no momento, e imaginar como a competência poderia
ser aplicada a um novo portfólio de produtos. Uma competência essencial o é realmente
quando constitui a base para a entrada em novos mercados de produtos.
Prahalad identifica ainda, que as competências essenciais só poderão ser construídas
mediante um entendimento compartilhado de determinadas entregas de valor, como as
necessidades de clientes de um segmento, por exemplo. Este entendimento compartilhado é
necessário para que as organizações possam aglutinar conhecimentos e recursos em prol do
mesmo objetivo.
Zago e Retour (2013) procuram comprovar a relação entre culturas organizacionais e
competências, que não parece muito clara para diversos autores. Eles começam ressaltando o
papel da cultura organizacional como preponderante para as estratégias organizacionais,
procurando entendê-la como um nível coletivo constitutivo da competência organizacional.
Por conseguinte, estes autores compreendem as competências de uma organização como o
resultado de um processo de escolhas específicas das pessoas que a compõem, cujos
comportamentos são influenciados pela cultura organizacional, que suporta o sentimento do
que é apropriado fazer no âmbito da organização. Logo, eles relacionam a cultura
organizacional com as competências de uma empresa na medida em que a primeira atua como
filtro perceptivo que influencia as escolhas e comportamentos da organização, podendo
configurar-se como base de recurso organizacional que suportará ou não a competência
demandada. Zago e Retour concluem, portanto que a competência de uma organização
dependerá intrinsecamente da articulação de seus elementos com a cultura organizacional.
Por esse motivo, Migueles (2008) argumenta que, quando uma empresa define uma
proposta de valor para o mercado baseada em suas competências essenciais, isto passa a
representar um norte estratégico para a construção e manutenção de ativos intangíveis, como a
cultura organizacional. E esta funcionará como um mecanismo de coordenação informal de
forma a corroborar a proposta de valor desejada, funcionando como um ciclo interdependente.
Nos últimos anos, Barbosa percebeu que a cultura organizacional passou a ser analisada
como um ativo estratégico que pode contribuir para a rentabilidade de longo prazo de uma
organização. Contudo, é importante refletirmos que, embora a cultura organizacional tenha
44
uma ligação com o desempenho de uma corporação, esta não é tão clara e simples quanto
parece ser, quando reduzimos este conceito a valores e normas. Isto esclarece em parte porque
os estudos trazem proposições de como a cultura traz resultados tão distintos.
Barney (1991) defende, pela teoria baseada em recursos da firma, que cultura
organizacional e valores são considerados recursos intangíveis, desenvolvidos ao longo do
tempo e que, junto com outros recursos melhoram a eficiência e a efetividade de uma
organização. Contudo, estes recursos, só trarão tais benefícios, se forem explorados
apropriadamente. Este autor compreende que a influência da cultura organizacional na
performance de uma empresa reside na rede de relacionamentos construída entre os gerentes.
Migueles (2008) concorda que a cultura deve ser vista como um ativo intangível,
acrescentando que esta tem a função de promover uma coordenação flexível, através do papel
da liderança. Para a autora, o papel do líder é criar um contexto capacitante favorável ao
desenvolvimento organizacional e à inovação, diminuindo a assimetria de informações entre a
gestão e os funcionários. O foco do papel da liderança então, ao contrário do que outros
autores privilegiam, não é um papel reducionista de influência deste nas pessoas para se
atingir determinados objetivos, mas de diminuir barreiras, proporcionar maior participação,
definir processos que apoiem e orientem de forma coerente rotinas e hábitos, construir
sentidos comuns que conciliem objetivos individuais e organizacionais além de viabilizar as
condições necessárias para a criação de laços de confiança e cooperação. Assim, os
funcionários poderão contribuir com inteligência competitiva na entrega de valor de produtos
e serviços ao mercado.
Nesta perspectiva, o corpo gerencial, pela visão baseada em recursos, seria mais um
recurso humano intangível das organizações, que pelas suas caraterísticas particulares, pode
contribuir de maneiras diferenciadas na execução da estratégia.
Para Tanure (2007), a competência cross-cultural torna-se, cada vez mais, um atributo
fundamental da gestão, transformando-se em um mais um dos parâmetros relevantes para a
performance do negócio. Empresários, dirigentes e profissionais de recursos humanos
debatem os caminhos possíveis da mudança cultural.
Entretanto, as organizações somente renovam suas culturas por força da necessidade de
transformações radicais do ponto de vista do negócio ou da gestão. Tanure cita que, entre os
casos mais comuns, figuram os processos de fusão e aquisição, nos quais os valores centrais
45
das empresas adquiridas são, muitas vezes, profundamente alterados. Por outro lado, alguns
desses movimentos podem ser caracterizados como ressignificação cultural – quando os
valores continuam os mesmos, mas seu significado é modernizado, por exemplo, para fazer
em face de mudanças sociais.
Logo, do ponto de vista da cultura organizacional, Tanure aponta que os gestores vivem
hoje o desafio de planejar e executar quase simultaneamente, aprendendo enquanto revisam
conceitos e modelam novas estruturas. Como parte dessa aventura transformadora, precisam
revalorizar e depurar o que é local, ao mesmo tempo em que filtram e assimilam o que é
global.
Os acadêmicos têm explorado a importância de se coordenar esforços para diminuir a
resistência dos funcionários a esse processo de mudança, equilibrando interdependência com
autonomia (Graebner, 2004) enquanto integram tarefas e pessoas. Desta forma, percebemos a
tendência a focar a habilidade dos gestores em influenciar comportamentos, e que acaba
tendo, nestes estudos, um papel fundamental na integração de pessoas e operações. Para esta
autora, os gestores são grande parte da solução dos problemas de integração, pelo seu poder
de influenciar e moldar as percepções de justiça dos seus subordinados, através das
justificativas de suas práticas gerenciais (congruentes ou não com a estratégia da empresa,
mas supostamente fazendo-se cumprir esta).
Estas ações e discurso verbal dos gestores refletem o que Monin et al. (2013) denominam
de criação de sentido sobre uma imagem organizacional. Os autores afirmam que a forma
como os indivíduos processarão esta nova identidade da organização (pela ênfase nas
diferenças ou na intenção de se construir uma identidade comum) será crucial na forma como
eles irão responder, tanto emocionalmente quanto cognitivamente.
46
3. DIFERENÇAS CULTURAIS NAS FUSÕES E AQUISIÇÕES
Para investigarmos as principais consequências das diferenças culturais nas operações de
fusões e aquisições, fizemos uma pesquisa dos artigos que tratam do tema, bem como dos
autores mais citados, com contribuições relevantes a este assunto. Assim, encontramos um
artigo publicado recentemente por Gomes et al. (2013), cujos autores fizeram o levantamento
dos fatores mais críticos destas operações nos journals de maior impacto, o “critical success
factor through the mergers and acquisitions process: revealing pre-and-post M&A
connections for improved performance”. O artigo dividiu os fatores críticos em dois períodos:
antes e pós-fusão e trouxe a gestão de diferentes culturas, nacionais e organizacionais, como
um dos fatores críticos pós-fusão / aquisição.
A partir do levantamento feito por estes autores em relação a este fator crítico, buscamos
os artigos relativos a este tema indicados por eles como base para nossa argumentação, mas
não nos limitamos a estes.
Os artigos pesquisados sugerem que as diferenças de culturas organizacionais e nacionais
criam entraves importantes à integração sociocultural em F&A (por exemplo, Weber et al.,
1996). A integração sociocultural refere-se à aculturação bem como a eficaz combinação de
diferentes culturas organizacionais e nacionais. Estas, por sua vez, levam à criação de uma
identidade organizacional comum e um senso de compromisso dos funcionários com as novas
organizações (Shrivastava, 1986; Birkinshaw et al., 2000; Rottig et al., 2013). Stahl e Voight
(2008) reforçam a ideia de que as diferenças culturais estão muito mais ligadas diretamente
aos impactos no processo de integração sociocultural do que na realização de sinergia e
criação de valor em longo prazo para os acionistas.
As diferenças culturais são particularmente relevantes nas decisões de investimento em
empresas de outros países, dados os altos custos de transação que estas envolvem, seja pela
dificuldade de transferência de competências e habilidades, seja pela assimetria de
informações daquele mercado, bem como o acesso à reputação da empresa-alvo.
Entretanto, Schraeder e Self (2003) chamam atenção para o fato de que, apesar do amplo
impacto que a cultura organizacional e suas diferenças exercem nas operações de fusão e
aquisição, este item raramente é levado em consideração em uma due dilligence.
47
De forma geral, a literatura aponta que diferenças nas culturas organizacionais podem
causar confrontos caracterizados por alto nível de stress, sintomas psicológicos e físicos
(Buono e Bowditch, 1989; Malekzadeh e Nahavandi, 1990) devido às atitudes negativas,
diferentes identidades corporativas e falta de confiança entre os empregados envolvidos, por
conflitos de valores e crenças. Isto acaba levando frequentemente a demonstrações mais ou
menos explícitas de sentimentos de suspeitas contra os empregados da outra organização
(Cartwright e Cooper, 1994). Diferenças culturais de natureza organizacional, portanto,
podem tornar-se um desafio na integração das organizações envolvidas. Estes problemas são
intensificados em F&A cujas culturas nacionais são mais distantes, resultando não raro em um
duplo choque cultural (Larsson e Risberg, 1998, p.45) por conta de questões de cunho
patriótico e estereótipos.
Diferenças de culturas no nível nacional não só podem levar a uma diminuição
significativa no comprometimento dos trabalhadores envolvidos, mas também causar malentendidos entre os gerentes e os próprios funcionários (Cartwright e Cooper, 1994). Isto, por
sua vez, impede frequentemente a um fluxo de comunicação adequado dentro das
organizações envolvidas, coibindo também o desenvolvimento mútuo de relações de
confiança e cooperação, incidindo inclusive em uma alta taxa de saída de gestores da alta
administração da empresa adquirida (Krug e Aguilera, 2005).
Para Gomes et al. (2013), fica claro que, se na fase pré F&A forem considerados
adequação de estratégia e aspectos organizacionais (com foco para cultura organizacional e
cultura nacional), a chance destas operações serem bem sucedidas aumenta substancialmente
em relação às organizações que não consideram esses fatores. Concordam ainda que a
assimetria de informações dos dois lados - adquirente e adquirido - é o ponto nevrálgico nas
questões que envolvem atitudes de cooperação e construção de laços de confiança,
interferindo diretamente nos processos de integração.
Curiosamente, as distâncias culturais tendem a ser assumidas em diversos estudos, como
constantes ao longo do tempo. Contudo, as culturas certamente mudam com a evolução
tecnológica, social e das economias de mercados. Com o intercâmbio de pessoas entre as
empresas e à medida que estas aprendem mais sobre outros mercados, a distância cultural
tende a diminuir. Logo, as diferenças culturais não devem ser entendidas como um aspecto
fatalista.
48
Segundo Schraeder e Self, R. (2003), os aspectos de cultura organizacional que são mais
relevantes em operações de F&A são: orientação das pessoas, atitudes em relação à inovação,
serviço ao cliente, crescimento e lealdade das pessoas. Estas diretrizes nos levam a crer que
estes autores concentraram-se mais na comparação de práticas entre as organizações do que
seus valores, conforme orientação de Hofstede. Os autores ressaltam ainda que a cultura
organizacional não depende apenas dos valores e personalidade dos líderes daquela
corporação, mas uma reação interna às circunstâncias externas.
É consenso entre os autores que pesquisaram o tema, que em uma operação de F&A, os
dirigentes que não conseguem administrar de forma eficiente as diferenças culturais, acabam
gerando consequências negativas para suas corporações, como a destruição de sua base de
conhecimento em função do aumento do turnover, especialmente nos cargos de gestão, além
da ruptura das rotinas das organizações. Appelbaum, Roberts e Shapiro (2009) contrapõem
que a inadequação de culturas não trará necessariamente como consequência o fracasso das
aquisições, apenas que será necessário um esforço maior de integração.
Shenkar (2001) reflete que a suposição de que as diferenças culturais produzem uma falta
de ajuste entre as organizações, funcionando como um obstáculo para as transações de F&A
deve ser questionável. Isto porque, para ele, nem sempre um hiato cultural deve ser
considerado crítico para o desempenho. Afinal, as diferenças culturais podem ser
complementares e, portanto, terem um efeito positivo sinérgico sobre as operações realizadas.
Para corroborar este pensamento, ele exemplifica como algumas dimensões culturais opostas
levantadas por Hofstede podem funcionar de forma complementar. Exemplo: a cooperação
global, que exige tanto uma preocupação com o desempenho (característica típica da
dimensão masculina) como uma preocupação com os relacionamentos (característica típica de
uma cultura voltada para a dimensão feminina).
Vermeulen e Barkema (2001) utilizaram as dimensões de cultura nacional mapeadas por
Hofstede para avaliar o impacto das diferenças culturais na probabilidade de entrada de uma
empresa em outro país. Os autores constataram que as dimensões que mais interferem nesta
decisão de internacionalização são orientação de longo prazo versus curto prazo e evitamento
da incerteza. As demais dimensões têm seu impacto, mas podem ser mais facilmente
administradas por acordos explícitos de gerenciamento.
49
Nos artigos pesquisados, vemos que alguns autores abordam apenas a cultura
organizacional como referencial para as comparações das diferenças, outros ampliam a
análise ao considerar as diferenças de cultura nacional, e outros não especificam a que tipo de
cultura estão baseando seus estudos. Weber, Shenkar e Raveh (1996a) propõem que a cultura
corporativa pode modificar o comportamento e as crenças associadas com a cultura nacional,
especialmente nas fusões internacionais. Já Schneider (1988) identifica que a cultura nacional
pode desempenhar um papel mais forte em face a uma cultura corporativa. Assim, as pressões
para os grupos se conformarem no processo de aculturação podem criar a necessidade de
reafirmarem sua autonomia e identidade, fomentando um conflito cultural.
Vaara et al. (2012) sugerem fortemente que fatores organizacionais e nacionais não devem
ser agrupados e tratados como uma coisa única, como frequentemente nos deparamos nos
estudos. Isto porque suas pesquisas evidenciaram que as diferenças de cultura nacional e
organizacional têm impactos diferentes nos processos de transferência de conhecimento e nos
conflitos sociais. Vaara acrescenta ainda que as diferenças de cultura nacional parecem ter um
efeito menor nas aquisições internacionais do que se presume.
A respeito desta influência, Arikan (2004, pág. 246) considera que as questões relativas às
diferenças de cultura nacional poderão se sobrepor às diferenças de culturas corporativas nos
países em que o contexto institucional exerce mais influência nas práticas de negócios (por
exemplo, o governo, regulamentações de mercado, valores e ideologia daquela sociedade).
Nestes casos, as culturas nacionais e corporativas terão uma correlação mais alta, com menor
diferença entre elas.
E Hofstede (2001), deixa claro que existe uma diferença de natureza entre as culturas
nacional e organizacional. Assim, este autor faz uma distinção de objetos da cultura nacional
e organizacional, onde o primeiro tem como núcleo central os valores (ou seja, as sociedades
são comparadas pela proximidade ou diferença de valores desejáveis que apresentam),
enquanto as culturas organizacionais têm como núcleo suas práticas.
Portanto, as culturas de empresas da mesma região geográfica (ou não) se distinguiriam
não pelos valores que o grupo carrega, mas pelas percepções partilhadas das práticas diárias.
Assim, usar o termo cultura para ambas pode ser enganoso. Esta visão contrapõe diversas
definições de cultura organizacional – especialmente as formuladas por norte-americanos –
que se pautam na premissa de valores compartilhados. Hofstede supõe que a literatura de
50
gestão americana não faça a distinção entre os valores dos fundadores e líderes importantes e
os valores dos membros da organização, pelo seu contexto histórico.
Desta forma, os artigos muitas vezes apresentam resultados de pesquisa contraditórios a
respeito do impacto das diferenças culturais no desempenho das fusões e aquisições. Alguns
autores mostram que as diferenças culturais são benéficas, pela troca de práticas diferenciadas
(Morosini et al., 1998; Björkman et al., 2007), outros defendem que ela é negativa, pois
dificulta a comunicação e interação entre as pessoas (Buono e Bowditch, 1989; Weber et al.,
1996). Vaara (2012) considera que estes resultados são ambíguos, por conta da complexa
relação entre as diferenças de cultura organizacional e nacional e o desempenho das F&A. Ou
seja, ainda é preciso explorar melhor de que forma essas diferenças podem beneficiar essas
operações de mercado.
Além disso, o uso de medidas de distância de cultural nacional tem sido criticado em
pesquisa de negócios internacionais (Shenkar, 2001). Stahl e Voight apontam que as
diferenças de cultura nacional são geralmente mensuradas através de indicadores de Kogut e
Singh (1988), que foram elaborados com base nas dimensões de Hofstede. Outros utilizam
escalas desenvolvidas pelos próprios pesquisadores.
Já os estudos focados nas diferenças de cultura organizacional usualmente investigam as
características da cultura através da compatibilidade de valores dos gestores de alto escalão ou
examinam comparativamente as características gerais de duas corporações, tomando como
base seus valores organizacionais.
Percebemos que a maioria dos estudos investigam apenas as diferenças de cultura
nacional, exceto os que tratam de fusões e aquisições domésticas, cujas empresas têm a
mesma nacionalidade. Neste caso, a cultura organizacional é o objeto de estudo para análise
do impacto das diferenças culturais nas operações.
Kogut e Singh (1988) ressaltam ainda que as diferenças culturais podem influenciar de
duas formas: uma pela distância entre os países, outra pelas atitudes apresentadas em aversão
à incerteza. Ambas as perspectivas são encontradas nos diversos estudos analisados.
Outros autores têm focado seus estudos nos processos de aculturação em si (Malekzadeh,
e Nahavandi, 1990; Haspeslagh e Jemison, 1991). A ideia destes últimos foi estudar como a
51
congruência entre os modos preferenciais de aculturação das empresas que passaram por uma
fusão ou aquisição afeta o processo de integração.
Ao conhecermos as diversas tentativas de se lidar com as diferenças culturais,
constatamos que o cerne da questão envolve sempre o conceito de autonomia. O nível de
autonomia tem sido comparado à força de uma cultura. Por exemplo, nas empresas onde o
nível de autonomia está baixo, suas culturas parecem estar sob ameaça de extinção. Nestas
situações, é comum o aparecimento de comportamentos negativos, em função de estados
psicológicos de insegurança e hostilidade (Buono e Bowditch 1989).
O conceito de autonomia neste contexto engloba a integridade da empresa adquirida em
termos de preservação de culturas e capacidades. Qualquer redução na autonomia parece levar
a uma percepção de erosão destes ativos, aumentando o potencial de conflito e,
proporcionalmente inverso, a redução dos potenciais benefícios sinérgicos.
Seguindo esta linha, encontramos um dos modelos pioneiros de abordagem de integração
cultural, levando em consideração o nível de autonomia das empresas adquirente e adquirida e
a necessidade de integração estratégica, para criação de sinergia. Haspelasgh e Jemison
(1991) combinaram as duas dimensões da independência estratégica e autonomia para criarem
uma matriz de contingência. Esta matriz sugere que há três estilos distintos de se fazer uma
integração sociocultural, com base na necessidade para criar valor através da partilha e
transferência de recursos (interdependência estratégica) e a necessidade para manter a
independência da empresa adquirida: Simbiose (quando é concedida alta autonomia e
interdependência estratégica à empresa adquirida); Preservação (quando é concedida grande
autonomia, mas baixa interdependência estratégica) e Absorção (quando se observa
autonomia baixa e alta interdependência estratégica na empresa adquirida).
Tanure (2003) propõe uma amplitude desta matriz, englobando cinco tipos de integração,
que variam conforme os níveis de mudança desejados tanto na empresa adquirente como na
adquirida.
52
Figura 3 - matriz de integração cultural
Fonte: adaptação de Mirvis e Marks. Managing the Merger: making it works, 1994.
Quando o nível de mudança desejado na empresa adquirida é alto e o nível de mudança na
empresa adquirente é baixo, comumente ocorre a assimilação cultural, onde a empresa
adquirida conforma-se à cultura da adquirente, absorvendo grande parte das práticas da sua
nova matriz. Quando o nível de mudança desejado em ambos os lados é alto, ocorre a
transformação cultural, onde se espera que as duas empresas encontrem modos novos de
operar. Já quando o nível de mudança esperado em ambas as empresas é intermediário, o
modelo que mais se adequa é o de mescla, em que se presume haver uma soma dos elementos
e práticas culturais dos dois lados. Quando o modelo de integração escolhido é o de
pluralidade, a empresa adquirida mantém sua independência, com autonomia cultural. Este
modelo pode ser mais conveniente para as empresas que estão geograficamente mais distantes
e com grandes diferenças culturais, em que a compradora ainda não domina as características
particulares daquela sociedade e mercados. Por fim, em casos mais raros, quando a
compradora entra neste tipo de operação para absorver completamente as competências e
práticas de outra organização que considera mais bem sucedida no mercado, temos o
movimento reverso, onde a empresa adquirida dita os termos do acordo.
Tanure (2003) observa que o modelo de aculturação parece mais fácil de ser posto em
prática em operações domésticas do que em operações internacionais, em função de fatores
como nacionalismo, identidade cultural, contexto histórico bem diferente, estereótipos e
53
preconceito. Estes fatores implicam em um esforço maior para abrir mão de suas
características próprias em prol de outras.
Evans et al. (1989) alerta para a necessidade de compreendermos que os benefícios de
uma autonomia local versus os benefícios de uma integração global irão variar de acordo com
as funções organizacionais dentro da companhia. Isto porque, algumas áreas estão mais
expostas e pressionadas por forças globais, como a área de controladoria e finanças, por
exemplo, que não raro precisa seguir padrões contábeis de sua matriz.
Na figura a seguir, o autor sugere uma hierarquia gráfica por áreas que, de acordo com os
benefícios de integração global ou autonomia local, as áreas se beneficiariam mais com um ou
outro modelo de gestão.
Figura 4 - integração global versus autonomia local
Fonte: adaptação de Paul Evans
54
A conclusão destes autores é de que o mais importante não é o modelo adotado, mas a
concordância das duas partes sobre as práticas a serem seguidas. Assim, a discordância em
relação a forma de integração cultural que será executada é que proporcionaria o conflito
cultural, e não necessariamente as idiossincrasias de cada cultura.
Já Barki e Pinsonneault (2005) defendem que o tipo de integração sociocultural escolhido
determinará os benefícios possíveis de serem alcançados nas operações de F&A: aumento de
receita, de vendas, redução de custos ou aumento do nível de qualidade do serviço / produto.
Os tipos de integração referidos por estes autores estão no nível interno ou externo,
operacional ou funcional.
A partir da argumentação de Porter (1985) sobre o aumento da vantagem competitiva
através da sinergia de integração de dois negócios como motivação principal para a ocorrência
de fusões e aquisições, Weber (1996b) tomou a sinergia como variável central na relação
entre autonomia, choque de cultura e resultados financeiros. Ele parte da hipótese de que a
falta de autonomia pode trazer problemas de comunicação, atitudes de resistência, percepção
negativa da operação, choques culturais pela imposição da cultura alheia e isso afetar os
processos de integração e consequentemente o resultado financeiro das operações.
Weber, Shenkar e Raveh (1996a) concluíram, contudo, que as diferenças culturais não
podem ser associadas diretamente à performance financeira. Outro resultado observado por
eles é que a integração pode gerar conflitos, especialmente na comunicação e isso ser
percebido como choque de cultura, mas se essa retirada de autonomia gerar ganhos sinérgicos
com a redução de custos, por exemplo, esta redução de autonomia acaba sendo justificável em
termos de resultados financeiros. Com isso, estes autores entendem que as F&A podem ser
bem sucedidas financeiramente, apesar das diferenças culturais, pelo seu potencial de
sinergia, o que não exclui os seus efeitos destrutivos, especialmente no setor bancário (onde
se concentrou sua pesquisa), que se refletem na efetividade do processo de integração.
Os autores fazem uma ressalva importante de que esses resultados foram extraídos de
casos ocorridos nos EUA, cujas conclusões podem mudar em função dos países, admitindo
que a cultura nacional possa ter influência sobre essas operações.
Em termos de recomendação prática, Weber, Shenkar e Raveh propõem que o controle de
objetivos e decisões na empresa adquirida por parte da adquirente é necessário, que não
55
causará necessariamente prejuízos e argumenta que a perda de autonomia pode ser uma
condição importante para se conseguir a sinergia desejada. Estas recomendações podem ter
menores implicações se considerarmos as indústrias de manufatura, que por sua natureza têm
um menor nível de serviço e capital intelectual do que as indústrias de serviços. Mas, é
possível também que a retirada de autonomia em F&A de organizações que não sejam
correlatas não tenha o mesmo efeito positivo, em função do menor potencial sinérgico.
Contudo, é importante destacarmos que estes achados de Weber, Shenkar e Raveh estão
baseados na premissa de que a cultura manifestada pelos líderes representa a cultura da
empresa pelo poder e influência para os demais níveis.
Slangen (2006) admite que essas diferenças só serão impactantes numa F&A, dependendo
do nível de integração que as empresas adotarem. Desta forma, se a integração for limitada,
ou seja, a adquirida mantiver autonomia sobre sua gestão e a adquirente explorar só as
competências e recursos que forem adequados à sua realidade, a integração tem mais chances
de dar certo e, consequentemente, o retorno dos ganhos esperados neste tipo de operação. O
autor atribui, portanto uma interação problemática aos sentimentos de stress, incerteza,
desconforto e hostilidade que os empregados da empresa adquirida vivenciam. Embora
Slangen não esclareça a origem destes sentimentos, encontramos na literatura, alguns autores,
como Caldas e Tonelli (2002) e Buono & Bowditch (1989) de que a assimetria de informação
e a perda de autonomia são o motor propulsor do surgimento destes sentimentos, e, portanto, a
causa primeira desta dificuldade de interação.
Feijó (1995) inclusive compara este processo ao de um transplante de órgãos, pois “há
uma constante ameaça de rejeição, sendo que nos ‘transplantes empresariais’ a taxa de
sucesso é infinitamente menor”. O autor constata que na nova empresa frequentemente
surgem subgrupos informais, cujo objetivo não é a criação de uma nova cultura, mas sim a
tentativa de fazer sobreviver o que existia na situação anterior.
Além desta contradição em relação a causa e efeito dos sintomas psicológicos,
encontramos dois outros pontos divergentes ao de Slangen, que exploraremos em detalhes a
seguir: em primeiro lugar, conforme mencionamos anteriormente, Morosini, Shane, & Singh
(1998) defendem que as integrações entre empresas com largas diferenças culturais devem ser
vistas como uma vantagem e não um risco à integração, tendo em vista a possibilidade de
56
acesso a modelos mentais, práticas e mercados distintos, que fomentariam a inovação e a
capacidade de absorção de melhores formas de se fazer negócio.
Björkman, Stahl e Vaara (2007) acrescentam que, em termos de perspectivas de
aprendizagem organizacional, estas diferenças culturais e as possibilidades de acesso a novos
conhecimentos, constituem uma oportunidade para aumentar os potenciais de aprendizagem
destas empresas e para superar as estruturas organizacionais rígidas e inertes. Stahl e Voight
(2008) complementam que, mesmo que as práticas de uma empresa não sejam diretamente
assimiladas pela outra, o acesso a novas competências por si só já impulsiona o
desenvolvimento de novos conhecimentos. Assim, para alguns destes autores, empresas com
maior distância cultural, se realizarem uma integração bem sucedida, tenderão a revelar um
maior desempenho do que as empresas que estão dentro de um mesmo contexto cultural. Mas
Björkman, Stahl e Vaara e Stahl e Voight, fazem uma ressalva de que esta diferença cultural
deve ser moderada, pois se as culturas forem diametralmente opostas, implicarão em práticas
de gestão contraditórias, como o compartilhamento ou centralização de conhecimento, por
exemplo. Ainda assim, podemos inferir que exista uma relação positiva entre a integração
sociocultural e F&A, moderada pela extensão das diferenças culturais.
Neste cenário, pelo que os autores constataram, as empresas não devem limitar o nível de
integração entre suas adquiridas, mas cuidar apenas para que a forma como esta é feita seja
respeitosa, participativa e com um intenso trabalho de comunicação, a fim de reduzir as
assimetrias de informação. E caberia aos gestores incentivar uma postura de tolerância às
diferenças, a diversidade e o encorajamento a troca.
Entretanto, esta parece uma solução reducionista e pouco abrangente da complexidade do
problema, uma vez que a postura de liberdade de expressão, respeito à individualidade e papel
da liderança traduz o entendimento deste conceito sob a ótica cultural anglo-saxã, as quais
estão inseridos os autores que fazem estas recomendações práticas. O que significa que não
funcionará necessariamente da mesma forma, tão pouco trará os mesmos resultados, quando
aplicada em sociedades com entendimentos diferentes destes conceitos.
Em segundo lugar, é questionável o retorno bem sucedido de uma organização que adota
uma postura de apenas explorar as competências e recursos da adquirida, sem uma relação de
troca. Capron e Pistre (2002) constataram que as empresas adquirentes não obtinham
resultados extraordinários quando recebiam apenas os recursos das empresas adquiridas, mas
57
poderiam, ao contrário, obter esses ganhos quando transferiam seus próprios recursos para as
empresas compradas.
Outros autores como Graebner (2004), Barki e Pinsonneault (2005), Yu et al. (2005)
reforçam a posição de que fatores soft de diferença ou compatibilidades culturais não são a
causa em si dos fracassos em F&A, mas um processo de integração mal conduzido. Stahl e
Voight concluem seu estudo alertando para o fato de que a questão central não é se as
diferenças culturais fazem diferença em uma F&A, mas como elas afetam o processo de
integração, e o que deve ser feito para gerenciar este processo efetivamente.
Caldas e Tonelli (2002) estudaram, através da análise de representações de desenhos
feitos por empregados de empresas adquiridas, que em processos de fusão e aquisição estes
percebem e sentem a ocorrência de fortes lutas de poder entre os grupos envolvidos, em geral
com riscos e perdas significativas para todos; que estas uniões que decorrem de fusões e
aquisições mostram sinais de crueldade e dominação, onde muitas vezes as pessoas são
forçadas a conviver intimamente com aquele a quem sempre se aprendeu a odiar, aquele que
era, até pouco tempo atrás, o principal adversário. E, em última análise, os autores comparam
que, enquanto as organizações discursam sobre casamento, as pessoas podem sentir-se
forçadas a “dormir com o inimigo”.
Já Camargos e Barbosa (2009) destacam o papel dos executivos nos processos de F&A,
pois estes têm a responsabilidade inicial de identificar as empresas a serem adquiridas,
passando pela análise minuciosa das condições envolvidas no acordo até a gestão do processo
de integração. Erros de análise ou condução do processo, por negligência ou circunstâncias
não previsíveis podem ocasionar o insucesso da operação e prejuízo aos acionistas. Outro
fator que pode influenciar negativamente os executivos nessas etapas é o conflito de interesses
existente nas corporações, entre os objetivos deles e os dos acionistas. Este ponto é tratado na
economia dos mercados, pela teoria das agências. Esta teoria procura explicar ainda a
alocação de recursos feita pelos gerentes, pelo princípio dos custos de transação envolvidos
em um processo de integração, justificando assim suas decisões pela minimização destes
custos.
Na opinião de Kogut e Singh (1988), é metodologicamente benéfico distinguir entre
custos de transação que são independentes do país de origem e aqueles que são determinados
por fatores culturais de uma empresa.
58
Embora coerente, esta teoria esbarra no que Simon (1947) chamou de limitação da
racionalidade, onde aspectos cognitivos da natureza humana influenciam nas tomadas de
decisão. E os executivos das empresas que passam por fusões ou aquisições têm atuação
decisiva na condução do processo, na medida em que devem estabelecer regras, metas,
objetivos e resultados esperados do processo.
59
4. CRÍTICAS AOS ESTUDOS DE DIFERENÇAS CULTURAIS
Alguns autores mostram que as diferenças culturais começaram a ser tratadas pela ótica da
distância cultural física. Mas logo essa visão foi refutada, pois se compreendeu sem grandes
dificuldades, que a distância física é por demais limitada para explicar tudo que este conceito
de distância cultural envolve.
Embora se utilize amplamente o conceito de distância cultural com o embasamento
teórico de medidas mais objetivas de dados nacionais, faz-se necessário estuda-lo com
medidas cognitivas mais amplas, que levem em consideração a subjetividade do tema.
Rotting, Reus e Tarba (2013) sugerem que isso possa ser feito através de relatos de
expatriados, por exemplo, de diferenças semióticas na linguagem, de nível de
desenvolvimento do mercado, de tamanho das companhias. Ou seja, devem-se considerar
também como medidas outros aspectos que envolvem o constructo de diferença cultural, não
se restringindo às dimensões culturais encontradas por Hofstede. Além disso, os estudos
baseados exclusivamente nas dimensões de Hofstede acabam levando o mesmo tipo de crítica
da teoria em sua validade. Portanto, as dimensões de Trompenaars podem ser uma alternativa
na validação destes estudos.
Outra crítica é sobre os estudos que se utilizam do conceito de congruência cultural de
forma equívoca para explicar essa influência nas F&A, visto que esta não significa
necessariamente similaridade, ela pode ser conseguida pela complementaridade de culturas
diferentes, como rebate Weber (1996b).
Gomes et al. (2013)
e Rotting, Reus e Tarba (2013) advertem para os
diversos
constructos que são usados nestes trabalhos ao investigar a influência da cultura nas operações
de F&A. Muitos são ambíguos, confusos e redundantes. Ex. choque cultural, gap cultural,
compatibilidade de culturas etc. A necessidade de consolidação de alguns conceitos parece
emergente, visto que alguns são usados de forma separada, mas têm o mesmo significado.
Também é necessária a separação de conceitos que têm uma distinção conceitual, mas são
tratados como semelhantes (ex. compatibilidade cultural e adequação cultural).
Além disso, não parece muito clara a relação entre alguns constructos pesquisados a
outros associados ao tema principal. Algumas vezes faz-se uma menção da relação ou
influência de uns sobre os outros, mas não se aprofunda na justificativa dessas relações.
60
Muitos estudos estão limitados a um determinado contexto, dificultando a capacidade de
generalização ou utilização daqueles achados a situações mais amplas e, consequentemente ao
impacto das culturas em F&A. É necessário um esforço de combinação dos contextos com as
recomendações gerais.
Rotting, Reus e Tarba (2013) percebem ainda que os estudos de influência de cultura se
utilizam de medidas subjetivas ou objetivas, mas raramente se utilizam das duas de forma
complementar. A coleta de dados subjetiva parte de crenças dos pesquisados, como por
exemplo, a crença compartilhada de que diferenças culturais geram problemas dessa ordem.
Assim, em seus relatos, os responsáveis tenderão a enfatizar esses aspectos negativos e até
mesmo correlacioná-los institivamente em suas avaliações. Essa subjetividade é reforçada
ainda pelos próprios entrevistadores, que em geral, montam seus questionários já baseados
nessa premissa de diferenças culturais ou apresentam as características singulares de cada
cultura em termos comparativos das mesmas dimensões.
Os estudos que utilizaram medidas subjetivas, em geral, mostraram um efeito negativo das
diferenças culturais nas F&A, exceto o de Weber, Shenkar e Raveh (1996), que não chegaram
a falar o contrário, mas sugerem que as diferenças culturais podem diminuir a eficácia dos
processos de integração, mas não o desempenho das operações em si, diretamente.
Em compensação, estudos que utilizam medidas objetivas tiveram resultados mistos (mais
variáveis influenciando provavelmente as relações de causa e efeito). A maioria deles não
encontrou efeitos negativos diretos. A exceção nessa leva avaliada de estudos com medidas
objetivas foi o de Morosini e Björkman et al., que defendem os efeitos benéficos das
diferenças culturais na criação de valor, pela incorporação e troca de conhecimento, com
novas rotinas e melhores práticas.
Por fim, alguns autores recomendam que se leve em consideração uma investigação mais
minuciosa do pressuposto da influência da cultura nas F&A, visto que, nem todas as empresas
que passam por essas operações passam por integração. Às vezes o nível de integração, seja
pela estratégia ou abrangência dentro das áreas, não justifica a investigação da influência da
cultura.
61
5. ANÁLISE DOS AUTORES
A seguir faremos uma consolidação dos principais autores abordados nos dois primeiros
capítulos, a fim de criarmos uma tipologia que nos permitisse encontrar uma abordagem para
resolvermos o problema de choque de cultura em fusões.
Tabela 2 - consolidação das abordagens de cultura
Conceito de
cultura
Campo do
conhecimen
to
Abordagem
Aplicabilida
de para o
problema
Weber
Uma
lógica
simbólica
subjetiva
no sentido
não
psicológic
o do termo
Geertz
Um conceito
semiótico
representado
por teias de
significado em
fluxo
Hofstede
Programação
coletiva da
mente que
distingue os
membros de um
grupo ou
categoria de
pessoas, em face
de outro.
Schein
Conjunto de
pressupostos
básicos
compartilhados
por um grupo
para lidar com
adaptação
externa e
integração
interna.
Trompenaars
Sistema
comum de
significados
que orienta
como se deve
agir.
Pagès
Sistema de
crenças,
valores e
moral de ação
apropriada
para conduzir
os empregados
à adesão.
Sociologia
Antropologia
Antropologia
Psicologia
Antropologia
Psicologia
Qualitativa
Qualitativa
Quantitativa
Qualitativa
Quantitativa
Qualitativa
Propõe apenas
uma forma de
investigação
da cultura,
mas não de
atuação
prática em
choques de
cultura.
Cria dimensões
de comparação
para análise e
reflexão, mas
não propõe uma
metodologia de
solução das
diferenças.
Reconhece o
problema e suas
complexidades,
mas não cria
uma abordagem
de tratamento
do problema.
Não estabelece
um eixo de
causalidade.
Aproxima-se
de uma
aplicação
prática, mas
não gera uma
metodologia.
Não se propõe
a tratar o
problema.
Foco na crítica
à relação
psíquica das
organizações
com os
indivíduos.
Não
propõe.
Como podemos ver, Geertz, Hofstede e Trompenaars veem a cultura como um fenômeno
antropológico, mas por uma ótica um pouco distante do indivíduo, não cobrindo os
sofrimentos psíquicos destes, decorrentes dos choques de cultura.
Weber e Geertz trazem um conceito claro de cultura: é uma teia de significados em fluxo.
Contudo, não se debruçam sobre o problema de sofrimento das pessoas, não apresentam uma
abordagem que permita investigar isso.
Importante destacar ainda que Weber e Geertz não estão preocupados com o fenômeno
organizacional, suas propostas são de um olhar amplo para a cultura, dentro de um contexto
social maior.
62
Já Hofstede utiliza uma abordagem da antropologia, na qual se propõe a fazer um
diagnóstico de forma macro, das dimensões de cultura de acordo com problemas
fundamentais que permeiam todas as sociedades (ou organizações, no caso da teoria de
cultura organizacional) comparando as suas diferentes respostas para estas questões.
Entretanto, estas dimensões não esgotam o fenômeno, pois ainda assim este macro mapa
mostra-se insuficiente para pensarmos em como aplica-lo na solução de um problema de
choque de cultura. Hofstede não parece propor uma possibilidade integrativa entre
investigação e intervenção.
Por sua vez, Schein esclarece que pressupostos básicos são valores inegociáveis em uma
organização, mas sem explicitar a natureza destes pressupostos (seriam de natureza lógica, de
natureza cognitiva?). Desta forma, sua definição de cultura na prática pode se limitar a
descrições de valores e comportamentos dentro das corporações, sem, contudo atuar na
construção conjunta de significados.
Para este autor, o líder é o responsável pelo gerenciamento da cultura, contudo não há uma
proposta clara de como ele deve fazer este alinhamento. E quando se trata de cenários de
fusão e aquisição, em que temos lideranças das duas partes, com seus próprios valores e
imersas em contextos históricos distintos, pode ser ainda mais temeroso conferir
exclusivamente aos líderes tamanha responsabilidade para a solução dos choques de cultura.
Em relação ao trabalho de Pagès, percebemos que não há uma preocupação em propor
uma metodologia de gestão da cultura organizacional. Seu foco é analisar a relação das
organizações com os indivíduos que estão envolvidos diretamente com estas em uma espécie
de prisão psíquica. Sua teoria contribui para a reflexão do papel das organizações como
instâncias provedoras de significado para os indivíduos, jogando luz sobre a possível causa de
sentimentos de insegurança e inferioridade que percebemos surgirem no momento de fusão ou
aquisição de duas empresas, embora o autor não explore diretamente esta questão.
63
6. TRATAMENTO DOS ARTIGOS
A literatura que trata do tema tem procurado explicar o paradoxo entre o crescimento das
operações de fusões e aquisições no mundo inteiro versus suas altas taxas de fracasso
(Malekzadeh e Nahavandi, 1990; Schraeder e Self, 2003; Brannen e Peterson, 2008; Gomes
et. al, 2013).
Para isso, os autores costumam abordar partes específicas do problema, a partir de suas
consequências na performance das empresas. Desta forma, encontrei artigos que focavam os
problemas relacionados à estratégia do negócio e à geração de valor, outros que se
debruçavam sobre os impactos nas pessoas envolvidas ou ainda os choques de cultura e seus
efeitos na transferência de conhecimento, bem como nos níveis de colaboração e engajamento
dos indivíduos. Há artigos que tratam diretamente do impacto das diferenças de cultura e
outros que analisam fenômenos derivados da cultura, como integração e autonomia, por
exemplo.
Para facilitar a compreensão dos diferentes enfoques vistos nos artigos visitados,
procuramos agrupá-los graficamente em três tipos de fatores, de acordo com o objetivo de
investigação dos autores, conforme figura abaixo.
Figura 5 - fatores de fusão e aquisição
Fonte: compilação do autor
64
Os artigos que abordam o problema por fatores estratégicos, priorizam o a discussão
sobre decisões de quais modelos de integração as empresas devem adotar (com maior
autonomia ou controle sobre as empresas adquiridas), formas de ganho de sinergia e o
impacto dessas variáveis na performance financeira destas operações (Shrivastava, 1986;
Capron e Priste, 2002; Graebner, 2004).
Já nos artigos agrupados em fatores humanos, os autores optam por se aprofundar nas
questões subjetivas dos indivíduos, que surgem frequentemente diante de falta de informação,
da indefinição de parâmetros, da perda de autonomia e da perda de identidade cultural
característicos de muitas fusões ou aquisições, especialmente antes e durante o período de
integração (Buono e Bowditch, 1989; Cartwright e Cooper, 1994; Caldas e Tonelli, 2002;).
Neste cenário, não raro encontramos a formação de percepções negativas do processo,
manifestadas pelos empregados através de sentimentos de insegurança. Desta forma, os
autores buscam correlacionar comportamentos de resistência e seus impactos nas atitudes de
cooperação, confiança e comprometimento.
Encontramos ainda artigos que abordam de forma mais direta o impacto da cultura nas
F&A, seja esta nacional ou organizacional e os agrupamos em fatores culturais. Aqui vale
ressaltar que os artigos agrupados nas categorias fatores estratégicos e fatores humanos
também consideram os fenômenos derivados da cultura, contudo, não utilizam de forma tão
direta o conceito de cultura em seus trabalhos.
Os artigos agrupados na categoria fatores culturais se destacam pela atenção especial que
os autores dedicam às diferenças de cultura nacional e/ou organizacional entre as empresas e
como estas interferem no sucesso das integrações socioculturais, na aceitação das diferentes
práticas e valores defendidos (Björkman et al., 2007; Appelbaum et al. 2009). Há artigos que
se aprofundam no choque de cultura nacional em função das operações de F&A realizadas por
organizações sediadas em países distantes (aqui não nos referimos necessariamente à distância
física, mas distância cultural) e outros que se esforçam para compreender melhor a influência
da cultura organizacional na criação de identidades corporativas, na transferência de
conhecimento, no alinhamento de propostas de valor para o mercado e nos conflitos sociais
(Kought e Singh, 1988; Morosini, Shane e Singh, 1998; Vaara et al., 2012).
65
Fizemos uma separação no esquema gráfico entre cultura nacional e corporativa, pois
alguns autores (Rotting, 2007; Stahl e Voight, 2008) defendem que estas devem ser vistas
como fenômenos distintos, com diferentes implicações.
A performance financeira foi destacada como o objetivo maior de qualquer fusão ou
aquisição, e por isso mesmo considerada em todos os artigos. Entretanto, sentimos a
necessidade de enfatizar também sua correlação com sinergia e integração, uma vez que este
indicador aparece nos textos como norteador destes conceitos.
A seguir apresentaremos uma consolidação dos vinte principais artigos levantados acerca
do impacto da cultura nas fusões e aquisições ou de derivados diretos da cultura, como
autonomia e integração. Importante ressaltar que privilegiamos os artigos publicados nos
journals de maior impacto, segundo listagem divulgada pela EBAPE em 2013, mas
ampliamos a consulta a outros journals, em função da insuficiência de material relevante nas
revistas de maior prestígio acadêmico.
Tabela 3 - consolidação de artigos
Artigo
Journal
Objetivo do autor
Giving sense to and
making sense of
justice in a postmerger
integration
Academy of
Management
Journal
Elucidar o papel
das normas de
justiça na pósintegração,
definindo seu
curso e como os
grupos lidam com
isso.
Cultural differences,
convergences and
crossvergence as
explanations of
knowledge transfer in
international
acquisitions
Journal of
international
business
studies
Esclarecer como
as diferenças de
cultura nacional e
organizacional e
suas estratégias de
integração
favorecem a
transferência de
conhecimento pela
troca de práticas e
rotinas
diferenciadas.
Conceito de
cultura
Impacto da
cultura na F&A
Não apresenta
Não apresenta
Utilizam apenas
as dimensões
culturais de
Hofstede como
referencial para
analisar
distâncias
culturais.
As diferenças
culturais devem
ser vistas como
complementares,
onde as trocas de
práticas e
repertórios
aumentando o
potencial de
transferência de
conhecimento.
Ações necessárias
propostas
Tomar decisões que
favoreçam tanto
aspectos qualitativos
como equitativos na
alocação de recursos
e responsabilidades,
de acordo com o
momento da
integração.
Os autores propõem a
redução das
diferenças de cultura
nacional e a criação
de uma nova cultura
organizacional, mas
se limitam a indicar
um intenso trabalho
de comunicação por
parte das lideranças,
treinamento e
campanhas de
identidade cultural
para lidar com as
diferenças.
66
Artigo
Merging without
alienating:
interventions
promoting crosscultural
organizational
integration and their
limitations
National culture
distance and initial
foreign acquisition
performance: the
moderating effect of
integration
Mars-Venus
marriages: culture
and cross-border
M&A
Journal
Journal of
international
business
studies
Journal of
World
Business
Journal of
International
Business
Studies
Objetivo do autor
Conceito de
cultura
Impacto da
cultura na F&A
Ações necessárias
propostas
Discutir os efeitos
que a alienação
(separação de
quem executa e
quem concebe,
planeja um
trabalho) pode
trazer, reduzindo o
comprometimento
e engajamento em
determinados
perfis
profissionais.
Cultura é
apresentada
como um
sistema de
comportamentos,
valores e
significados
compartilhados.
Faz referência ao
autor Fine
(1984) e Geertz
(1973)
A transferência
de tecnologia e o
compartilhamento
de conhecimento
podem ficar
comprometidos
por esses
impactos no nível
individual, já que
reduzirá o
engajamento das
pessoas.
A atuação dos
líderes na promoção
de um intercâmbio
cultural integrativo.
Também propõem
um modelo para o
desenvolvimento de
medidas para
investigação da
alienação cultural
dos grupos.
As diferenças
culturais têm alto
impacto nas
integrações mais
amplas, que são
impostas e menor
impacto nas
integrações mais
restritas.
As empresas
adquiridas devem ter
autonomia para
utilizarem apenas os
recursos da matriz
que forem
compatíveis com
suas realidades;
promover
intercâmbios
culturais para que os
empregados se
familiarizem com os
costumes e práticas
do outro lado.
Validar a hipótese
de que o impacto
da distância de
cultura nacional na
F&A depende do
nível de integração
imposto.
Demonstrar que as
empresas com
maiores distância
de cultura nacional
tendem a ter
melhor
performance no
longo prazo, pela
alta sinergia e
conhecimento de
mercado global
que podem
acessar.
Não apresenta
Utilizam o
conceito de
Hofstede:
Programação
coletiva da
mente que
distingue os
membros de um
grupo ou
categoria de
pessoas, em face
de outro.
Compradores de
países com
estrutura de poder
mais rígidas se
saem melhor
quando compram
empresas
localizadas em
países com
estrutura de poder
menos rígida e
compradores
provenientes de
sociedades mais
individualistas se
saem melhor
quando adquirem
empresas imersas
em uma
sociedade mais
coletivista. Mas
divergências nas
atitudes de
aversão à
incerteza têm um
impacto negativo
na performance
de longo prazo.
Apenas recomenda
que as empresas
compradoras
prefiram adquirir
companhias com
maiores diferenças
culturais, mas não
propõe soluções para
os conflitos que
venham a surgir.
67
Artigo
Cultural distance
revisited: towards a
more rigorous
conceptualization
measurement of
cultural differences
Do cultural
differences matter in
M&A? A tentative
model and
examination.
What differences in
the cultural
backgrounds of
partners are
detrimental for
international joint
ventures?
Cultural strategies in
M&A: investigating
ten case studies
Journal
Journal of
International
Business
Studies
Organizational
Science
Journal of
International
Business
Studies
Journal of
Executive
Education
Objetivo do autor
Apresentar uma
revisão crítica da
distância cultural,
delinear seus
pressupostos
ocultos e discutir
suas propriedades
teóricas e
metodológicas.
Avaliar o impacto
das diferenças
culturais em
sinergia,
integração e
criação de valor.
Conceito de
cultura
Não apresenta
Não apresenta
Investigar quais
diferenças de
cultura nacional
impactam
negativamente nas
operações de
F&A.
Utilizam o
conceito de
Hofstede:
Programação
coletiva da
mente que
distingue os
membros de um
grupo ou
categoria de
pessoas, em face
de outro.
Investigar o
impacto da falta de
adequação cultural
entre duas
empresas no
sucesso de uma
F&A.
Não apresenta
uma definição
clara de cultura,
mas enfatiza que
este conceito não
deve ser
confundido com
valores, uma vez
que remete a
estabilidade,
identidade e
tradições de uma
organização.
Impacto da
cultura na F&A
F&A realizadas
por empresas
mais distante
culturalmente têm
maior custo de
transação, por
conta da
assimetria de
informação. Isso
influencia na
opção por um
controle maior ou
menor.
As diferenças
culturais afetam a
integração
sociocultural, a
sinergia e o valor
para o acionista
de formas
diferentes e às
vezes até opostas
ao desejado.
As duas
dimensões que o
artigo apresenta
que influenciam
mais diretamente
na sobrevivência
de uma joint
venture são
evitação da
incerteza e
orientação em
longo prazo.
Ações necessárias
propostas
Melhoria dos índices
de mensuração da
distância cultural, a
inclusão de medidas
cognitivas,
considerar a variável
distância cultural
também como
variável dependente
e considerar o
potencial de sinergia
das diferenças
culturais.
Trabalhar em um
processo de
integração
sociocultural. Mas
não estabelece de
que forma, nem
como lidar com as
diferenças culturais.
A falta de
adequação
cultural não
gerará
necessariamente
fracasso numa
F&A, apenas que
será necessário
um esforço maior
de integração
entre as
empresas.
Propõem que se
trabalhe na
comunicação e na
avaliação das
culturas, para
investigar o
potencial de
adequação para um
efetivo planejamento
do processo de
integração.
Não apresenta
soluções para o
problema, apenas se
deteve a investigar
as dimensões que
pareciam interferir
mais na relação entre
os membros das duas
empresas.
68
Artigo
Journal
Objetivo do(s)
autor(es)
Fazer uma revisão
das razões
subjacentes da
cultura
organizacional ser
um fator
importante no
sucesso das F&A.
Enhancing the
success of mergers
and acquisitions: an
organizational culture
perspective
Management
Decision
Fusões e aquisições
de empresas
brasileiras: criação de
valor e sinergias
operacionais
Revista
Eletrônica de
Administração
(RAE)
Investigar o
impacto das F&A
no desempenho
operacional e
ações do mercado,
além da relação
entre variáveis
econômicas que
indicam criação
de valor e sinergia
operacional.
Critical Success
Factors through the
mergers and
acquisitions process:
revealing pre-and
post-M&A
connections for
improved
performance
Thunderbird
International
Business
Review
Investigar as
relações
dinâmicas e
diferentes
perspectivas que
estão envolvidas
em uma F&A.
Corporate cultural fit
and performance in
M&A
Human
Relations
Investigar a
relação entre
diferenças
culturais e outros
fatores humanos
(como
comprometimento
e autonomia) na
efetividade do
processo de
integração e na
performance
financeira.
Conceito de
cultura
Utiliza o
conceito de
cultura
organizacional
de Schein e
Buono (1985) e
Gordon (1991),
que têm
abordagens
semelhantes
entre si.
Não apresenta
Não apresenta
Utiliza a
definição de
Schein.
Impacto da
cultura na F&A
A cultura
organizacional
impacta no
estabelecimento
de
relacionamentos,
de laços de
confiança e no
processo de
integração.
Não relaciona
diretamente
cultura a estas
operações.
Enfatiza o papel
dos executivos na
condução da
operação e
definição das
estratégias de
integração.
Pelo levantamento
de literatura que
faz encontra que a
cultura pode
impactar positiva
ou negativamente
nos processos de
integração, no
compartilhamento
de conhecimento e
na criação de
sinergia. Os
autores não
apresentam suas
próprias
conclusões acerca
deste tema.
As diferenças
culturais não
afetam
diretamente a
performance
financeira de
longo prazo. A
integração pode
até impactar na
falta de autonomia
e
comprometimento,
mas ainda assim
trazer ganhos
sinérgicos.
Ações necessárias
propostas
Propõem que se
dediquem mais
esforços na
avaliação de
compatibilidade
cultural entre as
empresas, que se
trabalhe amplamente
na comunicação de
objetivos e que a
liderança faça o
alinhamento de
expectativas e
papéis.
Que os executivos
façam um processo
de due diligencie
cuidadoso e
definição de
objetivos da
aquisição, mas não
oferece nenhuma
solução para os
problemas que
podem surgir no
meio do caminho.
Que os autores
delimitem melhor o
conceito de seus
objetos e ampliem
as medidas de
avaliação em seus
estudos.
Que se abra mão da
autonomia em prol
de uma integração
que extraia os
benefícios
financeiros da
sinergia de negócios.
69
Artigo
The role of cultural
compatibility in
successful
organizational
marriage
The impact of
organizational and
national cultural
differences on social
conflict and
knowledge transfer in
international
acquisitions
Top management
turnover in related
M&A's: an additional
test of the theory of
relative standing
Journal
Academy of
Executive
Management
Journal of
Management
Studies
Journal of
Management
Objetivo do(s)
autor(es)
Examinar o papel
da
compatibilidade
cultural na
determinação de
resultados de
risco.
Elucidar os efeitos
do impacto das
diferenças de
cultura nacional e
organizacional nas
aquisições
internacionais.
Fazer um
levantamento da
percepção dos
líderes da empresa
adquirida sobre a
operação de F&A.
Conceito de
cultura
Define este
conceito como o
conjunto de
símbolos,
valores,
ideologias e
pressupostos,
que operam de
forma
inconsciente
para guiar o
comportamento
das pessoas.
Não apresenta.
Partem da
definição de
cultura
organizacional
como crenças e
pressupostos
compartilhados
pelo time,
semelhante ao
conceito de
Schein.
Impacto da
cultura na F&A
O sucesso da
integração
depende da
percepção
compartilhada de
que a outra cultura
tem características
atrativas que
valem a pena ser
preservadas.
Ações necessárias
propostas
Que se trabalhe em
um processo de
mudança de cultura
atento ao contexto,
objetivos específicos
e o processo mais
adequado para
aquela situação.
A cultura nacional
tem menos peso
do que se assume
na performance
das F&A,
atribuindo mais
peso às culturas
organizacionais.
As diferenças de
culturas
organizacionais
podem
potencializar os
conflitos sociais,
ao passo que as
diferenças. De
cultura nacional
não têm influência
nisso. E as
diferenças de
cultura nacional
podem atrapalhar
mais na
transferência de
conhecimento do
que as diferenças
de cultura
organizacional,
em função da
diferença de
idioma e estilos de
comunicação.
O sentimento de
não pertencimento
estimularia a saída
destes executivos.
O clima de préaquisição parece
afetar a taxa de
turnover apenas
dos níveis mais
seniores de
executivos.
Que se faça uma
separação na
investigação dos
impactos de cultura
organizacional e
nacional, pois estes
são constructos
diferentes, com
implicações
distintas. Não há
uma proposta de
solução para os
impactos
observados.
Os autores
recomendam a
participação
conjunta dos
executivos das duas
partes nos processos
de integração, mas
não apresentam uma
solução para os
conflitos de cultura
ou valores.
70
Artigo
A Model of
organizational
integration,
implementation effort
and Performance
Journal
Organization
Science
Objetivo do(s)
autor(es)
Investigar como
funciona o
processo de
integração
organizacional.
Conceito de
cultura
Não apresenta.
Momentum and
serendipity: how
acquired
Leaders create value
in the integration
of technology firms
Strategic
Management
Journal
Investigar o papel
dos gestores nos
processos de
integração
Organizing for
innovation:
Managing the
coordinationautonomy dilemma in
Technology
acquisitions
Academy
Management
of Journal
Investigar o
dilema autonomia
versus
coordenação nos
processos de
inovação
Não apresenta
Learning through
acquisitions
Academy
Management
of Journal
Investigar como a
exploração de
conhecimento de
uma empresa
adquirida pode
expandir a base de
conhecimentos de
outra e diminuir a
inércia no seu
processo
produtivo.
Não apresenta
Não apresenta
Impacto da
cultura na F&A
O artigo não trata
diretamente do
impacto da
cultura, apenas de
uma integração
mal feita na
condução dos
negócios.
Não foram
demonstrados
impactos diretos
da cultura, mas
sim de fatores
derivados desta.
Os gestores da
empresa adquirida
criam valor ao
mitigar potenciais
conflitos entre
autonomia e
integração.
Não apresenta.
Apenas menciona
que os aspectos
culturais
favorecem ou não
as práticas de
inovação em uma
organização.
Não foi explorado
em profundidade o
impacto da
cultura, apenas
mencionando que
este pode ser um
fator de
dificuldade nas
integrações pelas
necessidades de
ajustes e
conciliações.
Ações necessárias
propostas
Ressaltam os
benefícios advindos
de uma integração,
mas não propõem
soluções para os
problemas que se
apresentam no
decurso deste
processo.
Que os gestores
criem mecanismos e
possibilidades de
participação de seus
funcionários nas
decisões e novas
tarefas. Não foram
apontadas soluções
para os conflitos de
cultura.
Os autores
consideram que a
autonomia não deve
ser removida ao
custo de perderem as
possibilidades de
criatividade e
adaptação às
demandas locais.
Não foram
apresentadas
propostas para lidar
com as diferenças
culturais.
Neste levantamento, procuramos localizar uma teoria que abordasse de que forma um
processo de fusão e aquisição pode gerar sinergia para o negócio, resolvendo o sofrimento das
pessoas, ganhando maior cooperação e evitando as perdas mencionadas por diversos autores
neste trabalho.
Os artigos que discutem as ameaças ao sucesso das operações de F&A não conseguem
chegar à essência do problema, visto que tratam quase que exclusivamente de suas
71
consequências e seus impactos para o negócio, mas de uma forma um pouco difusa, sem
propor de fato uma abordagem analítica, a fim de criarmos uma hierarquia de causalidade.
Nas obras dos grandes teóricos sobre cultura também não há a proposição de uma
metodologia ou ferramenta que facilite uma fusão ou aquisição. Os teóricos não explicitam o
objeto que está em questão na análise destas operações e como podemos produzir uma
interculturalidade, necessária a esta junção de empresas. Esta parece uma questão secundária
em seus trabalhos. Desta forma, podemos concluir, através deste levantamento, que nos
artigos mais relevantes sobre o tema não aparece uma relação de causalidade, que defina
claramente o fenômeno, seus impactos, as consequências e possibilidades de solução.
72
7. CONCLUSÃO
A literatura nos mostra que o conceito de cultura é compreendido por diferentes
perspectivas, as quais se utilizam de objetos de pesquisa distintos. Desta forma, cada conceito
se propõe a investigar o impacto das diferenças culturais nas operações de fusão e aquisição
de acordo com seus objetos de análise. Compreender as diferenças no modo de pensar, sentir
e agir das pessoas é fundamental para pensarmos em soluções viáveis em larga escala.
Pela perspectiva da psicologia, a cultura é apresentada como um conjunto de pressupostos
coletivos que o indivíduo interioriza, processa cognitivamente de acordo com sua
subjetividade e os projeta no mundo, através da manifestação de comportamentos, que em
muitos sentidos, terão uma lógica partilhada na sociedade. Desta forma, como Pagès bem
coloca, a organização procurará sacralizar determinados procedimentos e práticas através de
rituais de socialização, para reproduzir um universo simbólico que a legitime como referência
identitária na vida dos indivíduos. Por isso a cultura organizacional, pelas lentes da
psicologia, pode ser entendida como um conjunto de valores que ordena as práticas internas e
externas daqueles indivíduos e, por outro lado, pode funcionar também como um instrumento
de prisão psíquica dentro das corporações, como refletem alguns autores.
A definição de cultura sob o guarda-chuva da psicologia atribui ainda ao líder o poder de
afetar a forma como as relações entre os indivíduos se estabelecem dentro da empresa. Ou
seja, esses valores e crenças pessoais, quando tomados coletivamente para a empresa, passam
a ser vistos como eixo principal da cultura da organização, pois são as referências
fundamentais em relação às quais todos os outros comportamentos tenderão a se definir no
contexto da empresa.
A psicologia também dispõe de um arcabouço teórico para auxiliar o indivíduo a lidar
com os sentimentos de insegurança e incerteza diante das diferenças culturais. E como
entender reações particulares dos indivíduos neste cenário.
Já a antropologia procura compreender as fronteiras simbólicas da cultura, mas sem a
característica de cognição empregada pela psicologia. Os antropólogos focam seus esforços
em construir teias explicativas que permitam apreender os elementos simbólicos nas
organizações. Na antropologia, a dimensão simbólica é concebida como capaz de integrar
todos os aspectos da vida social.
73
O objeto de análise está na estrutura, que permite atribuir significado a acertas ações e em
função das quais os indivíduos interagem. Nessa interação social dos indivíduos é que são
elaborados seus próprios modos de pensar, sentir e seus valores. Portanto, a análise
antropológica pode partir do pressuposto de que todos os componentes da estrutura e dos
processos organizacionais têm um aspecto semiótico, compondo uma gramática simbólica.
Geertz, no entanto, faz esta abordagem semiótica, dentro de uma perspectiva interna, na
qual busca entender como as pessoas de determinado local pensam, percebem e categorizam o
mundo (emic). Já Hofstede têm uma compreensão sistêmica de cultura, se utilizando de uma
perspectiva externa, procurando estabelecer dimensões comparativas, de caráter mais amplo,
por considerar que as pessoas de um determinado grupo estão envolvidas demais em sua
realidade para interpretar suas culturas de forma imparcial (ethic).
Assim, Migueles (2003) sintetiza que cultura, na visão da antropologia, não é sinônima de
sentimentos, valores ou crenças partilhados, mas formas públicas de perceber a realidade em
termos dos quais esses valores e crenças individuais podem ser compreendidos.
Por isso, gerentes, executivos e administradores devem assumir uma postura de intérpretes
da realidade, buscando relacionar o mundo interno com o externo, traduzir os múltiplos
códigos em operação, contextualizar as ações e os interlocutores, utilizando a postura
etnográfica (observação participante) como método de análise. Desta forma, devemos
compreender o comportamento e as atitudes na prática gerencial, como resultado da influência
de uma rede simbólica própria de cada nação.
Por outro lado, a sociologia tem uma preocupação com a articulação dos valores e crenças
no curso da interação social, fixando contextos de atuação e que, em muitos sentidos,
embasou os trabalhos dos antropólogos como Geertz e Hofstede.
Do ponto de vista da compreensão de cultura pela teoria da economia e da teoria geral de
gestão, estas ditam, de acordo com os significados que criam para os diversos recursos que a
sociedade dispõe, de que forma os indivíduos devem se organizar para produzir e prosperar no
sistema econômico escolhido. Nesta medida, o conceito de cultura nesta perspectiva distanciase um pouco da visão puramente antropológica.
A busca pela compreensão das características culturais de cada sociedade tem por objetivo
compreender e aperfeiçoar a relação entre os agentes (numa perspectiva mercadológica), além
74
de reduzir a assimetria de informação, para sustentação de um mecanismo de governança bem
sucedido. Os autores desta corrente entendem que subestimar o papel das forças sociais e
culturais na atividade econômica, é desconsiderar o papel destes elementos condicionantes e
contingenciais das organizações. Com isso, atenta-se ao fato que as pessoas não agem apenas
de forma racional, na busca de maximização de resultados e/ou lucros, mas também por
questões subjetivas e intrínsecas, que nem sempre coadunarão com os pressupostos primeiros
da economia dos custos de transação – oportunismo e racionalidade limitada.
Como Migueles (2003) alerta, há tantos conceitos quanto seus usos necessários para eles,
e nenhum deles jamais será o conceito verdadeiro, em termos absolutos. O conceito delimita o
recorte da realidade que produzimos para conhecê-la.
Acreditamos que os gestores podem se beneficiar muito mais da literatura de cultura
organizacional se esta se propuser a orientar a discussão de práticas que estes podem
efetivamente influenciar, como manifestações específicas da cultura, a criação e manutenção
de procedimentos e normas para situações que vivenciam naquele mercado e a gestão de
incentivos condizentes com os valores daquele grupo.
Para isso, é necessário que utilizemos um objeto de estudo acessível ao nos debruçarmos
sobre o conceito de cultura, sob o risco de induzirmos a uma intervenção superficial dos
gestores na imposição de novos valores, que, como bem vimos, são consequência de um
processo de socialização e aprendizagem iniciados na nossa formação.
Assim, a cultura como instrumento operacionalizável de gestão deve ser compreendida à
luz dos fenômenos sociais, onde se pode trabalhar na construção de significados coletivos e
na adoção de práticas orientadas a uma racionalização da entrega de valor e sinergia desejados
em um processo de fusão e aquisição.
Prova disso é que, embora os acadêmicos venham destacando os problemas de integração
resultantes das diferenças de cultura nacionais e organizacionais, as soluções propostas para
minimizar o impacto destas diferenças têm se limitado a melhoria de comunicação, aceitação
das diferenças e criação de uma identidade comum. Contudo, ao abordarmos a necessidade de
criar e manter uma comunicação fluida entre as duas partes, devemos ter em mente que a
linguagem está imbuída de significados e símbolos próprios de cada cultura. Comunicar estes
símbolos por si só não garantirá o alinhamento dos envolvidos na proposta de valor que as
75
companhias desejam construir e entregar ao mercado. A base da comunicação consiste no
entendimento comum de determinados conceitos.
Além disso, os autores não abordam de maneira clara e objetiva o papel da liderança e as
questões relativas a poder e hierarquia, e como estas influenciam os processos de integração,
bem como uma possível relação de causalidade entre poder e diferenças de cultura.
Outro ponto a se considerar é a análise das culturas organizacionais apenas aplicando
questionários / entrevistas a alta direção das empresas. Esta parece ser uma medida
extremamente frágil, visto que não garante o conhecimento daquela cultura. A ideologia
destes grupos pode ser apenas uma das formas de expressão de uma cultura organizacional,
mas não a única. Investigar a missão, visão e valores dos gestores resultam apenas em
descrições superficiais da cultura. O trabalho de investigação da cultura organizacional pode
perder o foco se, erroneamente, tomamos os valores e crenças expressos pelo topo da
organização, como sinônimos de cultura organizacional. Em si mesmos esses elementos são
apenas representações individuais. Por isso, faz-se necessário o desenvolvimento de estudos e
instrumentos que meçam a cultura de uma organização compatível com seu recorte
metodológico.
Por fim, percebemos com este estudo, que faltam trabalhos acadêmicos que permitam
produzir uma metodologia de interculturalidade numa fusão e aquisição, a fim se resolver os
problemas decorrentes de choques culturais e processos de integração. Parece existir uma
lacuna na literatura a esse respeito.
Não encontramos neste estudo uma abordagem que nos possibilite, de forma objetiva,
responder a pergunta original sobre que abordagem teórica e metodológica poderíamos usar
para compreender melhor a questão do choque de cultura em F&A. Concluímos que o objeto
cultura não está definido de forma objetiva e aplicável ao fenômeno organizacional.
76
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FERNANDA DE OLIVEIRA SANTOS O IMPACTO DAS