A influência da cultura nacional nos negócios e o papel da comunicação no
estímulo à cultura de inovação
Leila Gasparindo1
Resumo
Os mais recentes estudos globais, o Relatório de Competitividade Global para 2013-2104,
elaborado pelo Fórum Mundial Econômico, e o GII - Relatório de Inovação Global - The
Global Innovation Index Report (GII 2013), apontam para a importância da cultura no
processo de inovação. Esse artigo traz uma reflexão inicial sobre os desafios e os impactos da
cultura de inovação em relação à cultura nacional e como os elementos da cultura influem na
forma de administrar. Trata de apontar a importância do processo de comunicação, segundo
os princípios da comunicação excelente de Grunig (1992) e dos relacionamentos a partir da
teoria da Tríplice Hélice desenvolvida por Etzkowitz (2009). A metodologia usada faz uma
correlação entre distância de poder e cultura de inovação ao comparar os rankings dos países
de maior competitividade e capacidade de inovação, usando o IDH – índice de Distância
Hierárquica (HOFSTEDE, 1991). Finalmente, para alargar as fronteiras existentes, aponta
para o fato de que o paradigma da gestão comportamental de relações públicas é a forma mais
adequada de estímulo a cultura da inovação nos ecossistemas existentes no país.
Palavras-Chave:
1
Leila Gasparindo. Mestranda do PPGCOM – Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da ECA-USP,
Especialista em Gestão de Comunicação Organizacional e Relações Públicas pela ECA/USP e graduada em Comunicação
Social – Jornalismo pela PUC-SP. Sócia-fundadora da Trama Comunicação e co-autora das obras Marketing para
Incubadoras: o que de bom está acontecendo, Anprotec: Sebrae, 2006 e Faces do Empreendorismo Inovador, Coleção Inova,
Vol. III, do Sistema FIEP – Federação da Indústria do Paraná, 2008.
Relações públicas; inovação; cultura organizacional, comunicação organizacional.
The influence of national culture in business and the role of communication
in stimulating innovation culture
Full Article
Leila Gasparindo2
Abstract
The recent global studies, the Global Competitiveness Report for 2013-2104, prepared by the
World Economic Forum, and GII - Global Innovation Report - The Global Innovation Index
Report (GII 2013), point to the importance of culture in the innovation process. This paper
presents an initial discussion of the challenges and impacts of innovation culture in relation to
national culture and how elements of culture influence the way of managing. Comes to
pointing out the importance of the communication process according to the principles of
excellent communication Grunig (1992) and relationships from the theory of the Triple Helix
developed by Etzkowitz (2009). The methodology used is a correlation between power
distance culture of innovation and to compare the rankings of countries for greater
competitiveness and innovation capacity, using the HDI - Distance Hierarchical index
(Hofstede, 1991). Finally, to extend the existing boundaries, points to the fact that the
behavioral paradigm of public relations management is the most appropriate way to stimulate
a culture of innovation in existing ecosystems in the country.
Keywords:
Public relations; innovation; organizational culture, organizational communication.
Introdução
2
Leila Gasparindo. Master in course PPGCOM – Program Post-Graduate in Science Communication at ECA-USP,
Management Specialist Organizational Communication and Public Relations from the ECA / USP and graduated
in Social Communication - Journalism at PUC-SP. Founding partner of Trama Communication and co-author of
Marketing for Incubator works: what good is happening, Anprotec: Sebrae, 2006 and faces Innovative
Entrepreneurship, Innovation Collection, Vol III, the FIEP - Federation of Industries of Paraná , 2008
.
No mercado global a inovação tem sido cada vez mais reconhecida como um dos
principais propulsores de desenvolvimento econômico e de transformações sociais e culturais
resultando no aumento da competitividade de empresas e países. Entretanto, apesar do ímpeto
empreendedor, a América Latina e o Brasil ainda estão distantes de conseguir boa
performance na área da inovação. A novidade é que os últimos estudos globais, como o
Relatório de Competitividade Global para 2013-21043, elaborado pelo Fórum Mundial
Econômico e o GII - Relatório de Inovação Global - The Global Innovation Index Report (GII
2013)4 apontam para a importância da cultura no processo de inovação.
De acordo com o Relatório de Competitividade Global para 2013-2104, a América Latina,
apesar do crescimento econômico, apresenta estagnação geral de seu desempenho competitivo
no índice de Competitividade Global (Global Competitiveness Index – GCI). No ranking dos
148 países analisados, o Brasil ocupa a 56º posição em 2013, oito posições abaixo em relação
ao ano anterior.
No Índice de Inovação Global - The Global Innovation Index 2013 (GII 2013) o Brasil
ocupa o 64º lugar no ranking mundial e é o 8º colocado na América Latina e Caribe, depois de
Chile (46º), Uruguai (52º), Argentina (56º) e México (63º). Esse estudo destaca a importância
da cultura no processo de inovação e analisa 142 países, dividindo-os em dois grupos: líderes
de inovação e aprendizes. O GII 2013 mostra um padrão marcante de estabilidade entre as
nações mais inovadoras e conclui que o sucesso da inovação leva ao surgimento de um círculo
virtuoso: uma vez que investimento atrai investimento, talento atrai talento e inovação gera
mais inovação. O GII 2013 indica que muitas estratégias de inovação têm sido focadas em
tentar replicar sucessos anteriores em outros lugares, como o Vale do Silício, na Califórnia.
Mas o estudo faz um apontamento crítico: o fomento à inovação local requer estratégias que
devem estar enraizadas nas vantagens comparativas locais, assim como no contexto e cultura
da região onde são desenvolvidas as inovações.
Em uma perspectiva na qual a cultura é entendida como resultado da invenção social
que é transmitida e aprendida mediante o processo de comunicação e aprendizado (Tanure,
1996), os mecanismos comunicacionais voltados à promoção da cultura da inovação são
3
Divulgado em 3/9/2013, o Relatório Global de Competitividade tem como base os dados do Índice de
Competitividade Global, desenvolvido para o Fórum Econômico Mundial. No Brasil, faz parceria com a
Fundação Dom Cabral e o Movimento Brasil Competitivo. São analisados em 148 países, 12 quesitos básicos,
entre eles a capacidade de inovação. Documento na íntegra, disponível em:
http://www3.weforum.org/docs/WEF_GlobalCompetitivenessReport_2013-14.pdf
4
O estudo completo The Global Innovation Index Report 2013 foi divulgado em 1º de julho de 2013 e é
realizado anualmente pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), Instituto Insead e
Universidade Cornell. Pode ser acessado no link: http://www.globalinnovationindex.org/content.asx?page=giifull-report-2013
determinantes para impulsionar o empreendedorismo e a competitividade de organizações e
países. Assim, discutir o estímulo à cultura de inovação no Brasil passa por reconhecer o
papel estratégico da comunicação e das relações públicas, como estratégias de gestão de
relacionamentos para ambientes de inovação.
O presente artigo está estruturado da seguinte forma: apresenta uma reflexão inicial
sobre os desafios e os impactos interculturais da cultura da inovação em relação à cultura
nacional e à forma brasileira de administrar. Baseia-se nos pressupostos teóricos da Hélice
Tríplice (Etzkowitz, 2000) como uma espiral para estimular a inovação e no paradigma da
gestão comportamental de relações públicas (Grunig, 1992) como forma de administrar
relacionamentos em ambientes de inovação. Em seguida, relaciona as características da
cultura de inovação com as da cultura nacional e os princípios da Comunicação Excelente
(Grunig, 1992). Por fim, compara os rankings dos 16 países de maior competitividade e de
maior capacidade de inovação, usando o IDH – índice de Distância Hierárquica (Hofstede,
1991). O texto encerra-se com as considerações finais apontando correlações entre a forma
como o poder é administrado e a maior ou menor capacidade de inovação, e indicando a
adoção de princípios da comunicação excelente como forma de estímulo a cultura da
inovação.
2. Revisão Teórica
A inovação e a teoria da Tríplice Hélice
O conceito de inovação tem evoluído e seu escopo ampliado, como pode ser observado
nas várias versões do Manual de Oslo.5 A mais recente definição preconiza que inovação é a
implantação de uma melhoria significativa ou desenvolvimento de novos produtos (bens ou
serviços), um novo processo, um novo método de marketing ou uma nova configuração
organizacional nas práticas dos negócios, local de trabalho ou relações externas (GII, 2012).
Uma das mais importantes teorias ligadas ao tema da inovação é a Hélice Tríplice,
baseada na interação entre universidade-empresa-governo como estratégia para a evolução
das inovações na sociedade do conhecimento (Etzkowitz, 2000). Foi denominada de “ímpeto
empreendedor” pela academia ou de “ciência empreendedora”, porque advém das pesquisas
5
Foi editada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCqDE), em 1990, a primeira edição
do Manual de Oslo - Proposta de Diretrizes para Coleta e Interpretação de Dados sobre Inovação Tecnológica, que
tem o objetivo de orientar e padronizar conceitos, metodologias e construção de estatísticas e indicadores de pesquisa de
P&D de países industrializados. A Finep é responsável pela edição em português. Atualmente na 3 a edição. Disponível em:
http://download.finep.gov.br/imprensa/manual_de_oslo.pdf
nas universidades, de capital humano qualificado e gera a aplicação mercadológica dos
resultados de pesquisa. A conexão entre universidade, empresa e governo demanda uma
gestão estratégica dos relacionamentos entre os três setores de forma a inspirar os públicos
para a cooperação e a criação de espaços de consenso (Aranha, 2008). Esses espaços de
consenso podem ser encontrados nos parques tecnológicos e as incubadoras, que são
ambientes planejados para apoiar e promover o empreendedorismo e o desenvolvimento de
negócios, a fim de inseri-los posteriormente no mercado (Anprotec, 2010).6
Os mecanismos comunicacionais e estímulos voltados à promoção da cultura
empreendedora as redes de atores locais são fatores que contribuem para o sucesso do
empreendedorismo (Caporali e Volker, 2004).
Estudos de casos realizados por Gomes,
Plonski e Salermo (2007) mostraram que modelos de negócios de empresas inovadoras
podem ser alterados durante o desenvolvimento do produto em decorrência de informações
que surgem. Aranha (2009) indica que as relações públicas, como campo especializado em
gestão de relacionamentos, são essenciais para ajudar nos referidos processos de mudanças.
Princípios de Comunicação Excelente
Resultado da pesquisa Excellence Study, coordenada por Grunig (1992), a
comunicação excelente é o processo que ajuda a organização a alcançar seus objetivos. É
composta por três elementos: a “expertise” dos profissionais do departamento de
comunicação, o conhecimento dos demais gestores da organização sobre a importância do
processo de comunicação e, por último a cultura participativa mediante a descentralização do
poder, a equidade de gêneros, o trabalho em equipe e a análise das vulnerabilidades. A
comunicação excelente materializa-se por meio dos dez princípios da Teoria Geral de
Relações Públicas: 1. Envolvimento de Relações Públicas na administração e gestão
estratégica; 2. Participação direta de Relações Públicas com a alta administração/CEO; 3.
Função integrada de Relações Públicas; 4. Relações Públicas como função administrativa,
separada de outros departamentos; 5. Departamento de Relações Públicas coordenado por um
gestor e não por um técnico; 6. Uso do modelo simétrico de Relações Públicas; 7. Uso do
sistema simétrico de comunicação interna; 8. Profundo conhecimento do papel de gestor e de
Relações Públicas simétricas; 9. Diversidade em todos papéis desempenhados; 10. Contexto
organizacional participativo para a excelência da comunicação.
6
Relatório técnico publicado pela Anprotec e o MCTi (2011) aponta que no Brasil existem aproximadamente 384
incubadoras em funcionamento e apoiando 3.764 empresas, sendo que 2.509 empreendimentos já graduaram
Mais adiante, Grunig e Kim (2011) mostraram que, enquanto no paradigma simbólicointerpretativo as relações públicas têm a função de proteger a organização do ambiente
externo influenciando a percepção dos públicos sobre a organização e usando conceitos de
imagem e reputação para reforçar seus objetivos, o paradigma da gestão estratégica está
embasado nos referidos princípios da Teoria Geral de Relações Públicas (Grunig, 1992).
Utilizando os princípios de Grunig (1992), Ferrari (2000) realizou um estudo sobre o
comportamento das relações públicas em empresas brasileiras e chilenas e constatou que os
modelos de comunicação praticados são influenciados pelos modelos de gestão e pela cultura
organizacional. Também ficou evidente que, dependendo da intensidade das vulnerabilidades
no ambiente, a comunicação das empresas pode ser mais estratégica ou mais tática. Ferrari
(2000) também observou que, quanto mais autoritário era o modelo de gestão, menos
estratégica era a comunicação e mais difícil uma resposta diante das vulnerabilidades.
Observou-se que a gestão mais participativa permitia que os profissionais de comunicação
atuassem de maneira mais proativa nas decisões das organizações e adotassem práticas
simétricas.
Proposições teóricas das relações públicas excelentes
Estudo anterior realizado por Grunig (1992) sugeriu que o contexto organizacional
interno pode cultivar ou impedir a gestão da comunicação excelente. Para analisá-lo, a Teoria
de Excelência aponta cinco proposições teóricas presentes em organizações que praticam as
relações públicas excelentes: (1) cultura organizacional participativa ao invés de autoritária;
(2) sistema simétrico de comunicação interna; (3) estruturas orgânicas ao invés de mecânicas;
(4) programas que igualam as oportunidades para homens e mulheres, e minorias; (5) alta
satisfação no trabalho entre os funcionários. A conclusão foi sintetizada por Grunig ao afirmar
que:
Os resultados da nossa pesquisa demonstraram conclusivamente que relações
públicas excelentes serão bem-sucedidas em uma organização com estrutura
orgânica, cultura participativa e sistema simétrico de comunicação e na qual
existam oportunidades para mulheres e minorias raciais e étnicas [...]. Nossos
dados demonstraram que, quando a função de relações públicas era habilitada a
implantar programas simétricos de comunicação interna, o resultado era uma
cultura mais participativa e uma maior satisfação do funcionário com a
organização. (Grunig, 2009, p.62)
A estrutura orgânica permite aos funcionários da organização participar das tomadas de
decisões contando, portanto, com um processo decisório não centralizado na alta direção.
Grunig (2009) evidenciou que a comunicação simétrica não ocorre em organizações com
estrutura centralizada, hierárquica e de cultura autoritária.
Cultura de inovação
Godoy e Peçanha (2009) analisaram cultura organizacional e processo de inovação e,
segundo os autores, a cultura da inovação conta com muitos estudos empíricos recentes,
(Mavondo; Farrel, 2003; Martins; Terblanche, 2003; Solomon; Winslow; Tarabishy, 2002;
Stringer, 2000; e Ahmed, 1998) que mostram que organizações inovadoras têm certas
características culturais distintas das demais. Entre as características da cultura de inovação
estão: a comunicação clara e aberta, o encorajamento da expressão de opiniões e o
compartilhamento de conhecimentos. Todos indicadores apontam que a comunicação
simétrica, segundo Grunig (1992) é mais adequada para os ambientes de inovação.
A pesquisa realizada por Ferrari (2000) dimensionou a vulnerabilidade em duas
instâncias: a externa, que são que são riscos, ameaças e impactos provocados por agentes do
entorno, mudanças sociais, econômicas, políticas e tecnológicas; e a interna, que pode ter sua
origem na falta de processos planejados, propiciando o surgimento de conflitos e da falta de
harmonia nos relacionamentos, com eventuais impactos para a organização. Um importante
impacto interno que pode ser gerado em organizações é o choque entre os valores da cultura
da inovação e os da cultura organizacional brasileira, calcada em centralização de poder e
autoridade hierárquica, questão que também foi levantada por Ferrari (2000) ao analisar a
influência dos valores organizacionais na definição dos modelos de comunicação e
relacionamento.
A cultura nacional como um dos pilares da cultura organizacional
Na definição de Hofstede (1991), um dos mais reconhecidos autores no estudo da
cultura organizacional, cultura é uma programação mental, que diferencia um grupo de outros
e é partilhada coletivamente. “É resultado de processos de aprendizagem adquiridos desde a
infância e em diversos ambientes sociais que encontramos no decurso da vida (Hofstede,
1991, p. 18). Para o autor, esses diferentes níveis de programação correspondem a diferentes
níveis de cultura, advindas de diferentes origens: da nacionalidade, da regionalidade e/ou do
nível étnico e/ou religioso e/ou linguístico; da geração a qual pertence, da origem social, da
escolaridade e da profissão exercida, da organização ou empresa a qual o trabalhador está
associado, entre outras. Assim, é possível considerar que a cultura da inovação diferencia um
grupo específico de profissionais dedicados à pesquisa, ao conhecimento científico e
tecnológico.
Hofstede (2003) mostra que as diferenças culturais são manifestadas por quatro
camadas: símbolos, heróis, rituais e, no centro estão os valores. Empresas que hoje são
referência mundial em inovação, como Apple, Microsoft, Facebook e Google ajudaram a
construir uma cultura da inovação ao disseminar a história de seus empreendedores como
heróis de uma nova geração, que ocupam as telas de cinema e inspiram empreendedores de
todo o mundo.
Impacto de valores centrais
Schein (1983, 1986) preconiza a cultura organizacional dividida em três camadas: a)
premissas básicas, composta por valores fundamentais, pensamentos e sentimentos; b) normas
e valores, composto pelas aspirações e a visão de certo e errado de um grupo: c) artefatos e
produtos, que são os comportamentos visíveis construídos por histórias, mitos, heróis, lendas,
símbolos, ritos e rituais. É nessa terceira camada que estão os elementos mais perceptíveis que
inspiram uma legião de empreendedores de todo o mundo e os ligam à cultura da inovação.
Além dos artefatos mais visíveis, para inovar é imprescindível o compartilhamento de
valores e pressupostos relacionados à inovação. Esses são, na verdade, o centro e a essência
da cultura da inovação. Propósitos como a importância do trabalho ser desafiante e a garantia
de reconhecimento são, na verdade alguns dos valores centrais compartilhados por pessoas
inovadoras.
Em busca de competitividade, muitas empresas buscam implantar uma cultura de
inovação em seu ambiente e Tanure (1996, p. 16) justifica de maneira precisa quando afirma
que “a cultura é o resultado de uma invenção social, ou seja, uma estrutura de significados
socialmente estabelecida, e traz, pois, o germe, se não da negação, pelo menos de sua
transformação, dando-lhe a possibilidade de mudança ao longo do tempo”. Segundo a autora,
a mudança cultural na organização acontece do ponto de vista do negócio ou da gestão. “A
cultura brasileira, com suas características e especificidades, impacta o modelo de gestão das
empresas” (Tanure, 2010, p. 15) e, consequentemente, traz desafios para aqueles que desejam
estimular a cultura da inovação no país ou em uma empresa específica.
As dimensões propostas por Hofstede
Para analisar a influência da cultura nacional em relação a cultura organizacional,
Hofstede realizou uma investigação empírica da presença da IBM em mais de 60 países
(1980, 1991, 2001), com base em análise estatística realizada com trabalhadores ocupando
postos de trabalhos idênticos nos diferentes países. Segundo o estudo, as culturas nacionais
diferem em cinco dimensões: a) modo de enfrentar a desigualdade e a relação com a
autoridade e poder, ou seja, a distância hierárquica; b) relação do indivíduo e o grupo; c)
diferenças entre os papéis sociais masculino/feminino; d) grau de tolerância ao desconhecido
na forma de gerir a incerteza; e) orientação de curto versus longo prazo.
Depois de três décadas Tanure (2010) usou como base os dados e dimensões de
Hofstede e realizou uma comparação da gestão brasileira com América Latina, Estados
Unidos, Europa e Ásia. Nesse estudo mais atual, o índice de distância de poder ficou
inalterado, migrando de 69 pontos para 75, demonstrando que “a hierarquia e a concentração
de poder continuam como fortes dimensões na sociedade brasileira” (Tanure, 2010, p. 42).
Essa característica da gestão brasileira de distância de poder e de centralização decisória
confronta com alguns valores centrais da cultura da inovação, que aprova o encorajamento da
autonomia do indivíduo com a consequente descentralização de processos decisórios.
Segundo Tanure (2010), nos países com baixa distância hierárquica na relação entre líder e
liderado existe uma abordagem mais igualitária. “Várias pesquisas demonstram que os
Estados Unidos têm baixo índice de distância de poder. Os americanos são mais
individualistas e rejeitam a autoridade excessiva” (Tanure, 2010, p. 35). Como outros países
da América Latina, o Brasil apresenta alto índice de distância hierárquica e,
consequentemente, maior aceitação da distribuição desigual de poder e da desigualdade social
(Tanure, 2010, p. 33). Além disso, a relação do indivíduo com o grupo é baseada em afeição,
demonstração de emoções e sentimentos, mas, em função da grande importância dada às
relações pessoais, o brasileiro apresenta dificuldade para administrar conflitos abertamente.
O novo estudo de Tanure (2010) mostra que o brasileiro tem grande capacidade de lidar
com as incertezas, refletida na característica do ‘jeitinho brasileiro’ que reúne flexibilidade,
adaptabilidade e criatividade. Esse conjunto de características é bastante favorável a uma
cultura da inovação, uma vez que reforça a facilidade de orientação ao mercado (Tanure,
1996). Pesquisa desenvolvida com 2,5 mil executivos brasileiros que tinha como objetivo
identificar o modelo brasileiro de administrar (Tanure, 1990) demonstrou que a concentração
de poder e o personalismo por parte da liderança, além da postura de expectador e de evitar
conflito por parte do liderado dão forma a uma relação baseada na lealdade às pessoas e na
ambiguidade Esse conjunto de características contrasta com a cultura de inovação, que é
constituída por pessoas mais tolerantes ao risco, à ambivalência e ao conflito. O brasileiro por
sua vez busca evitar o conflito e prefere não se indispor com os superiores e iguais.
A cultura da inovação se baseia na autonomia, enquanto que nos modelos da gestão
brasileira há forte relação de dependência, “faltando ao liderado assumir um papel mais ativo
no grupo e os dirigentes acreditarem na capacidade dos colaboradores, numa atitude
educativa”, como afirma Tanure (2010, p. 112). O Quadro 1 apresenta uma comparação entre
as características da cultura nacional e as da cultura de inovação e as teorias apresentadas o
que nos permite constatar que a forma como o poder é administrado, de forma centralizada ou
descentralizada, pode garantir autonomia ou maior dependência com os liderados, além de
interferir na maior ou menor capacidade de inovação.
DIMENSÕES
CULTURAIS
CULTURA NACIONAL
CULTURA DA INOVAÇÃO
RELAÇÕES PÚBLICAS
EXCELENTES
Distância hierárquica,
Relação com autoridade,
forma de aceitar a
desigualdade
Gestão autoritária
Alta distância hierárquica
Gestão participativa
Baixa distância hierárquica
Cultura participativa
Estrutura mecânica
Centralização de poder
Baixa participação nos
processos decisórios
Estrutura orgânica
Descentralização de poder
Encorajamento da autonomia
Estrutura orgânica
Descentralização de poder
Participação na tomada de
decisão
Coletivismo
Valoriza o relacionamento
Demonstração de emoções e
sentimentos
Meritocracia
Reconhecimento a esforços e
conquistas
Trabalho desafiante
Alta satisfação no trabalho
entre funcionários
Comportamento personalista
(rede de amigos/parentes)
Postura paternalista – líder
Postura de telespectador –
liderado
Relação de interdependência
líder-liderado
Comportamento empreendedor
Encorajamento da autonomia
Comprometimento e
envolvimento
Relação de apoio entre líderliderado
Grau de controle da
incerteza, Grau de
tolerância perante o
desconhecido; formas de
gerir a incerteza; controle
das emoções;
Baixo nível de controle de
incerteza; capacidade de
lidar com a incerteza;
flexibilidade; adaptabilidade,
criatividade; baixa tolerância
ao conflito
Tolerância ao risco e
ambiguidade
Tolerância ao conflito
Administração de conflitos
internos e externos;
Identifica a necessidade e
busca a mudança de
comportamento da empresa
para se adaptar ao ambiente;
Grau de
masculinidade/feminilidad
e, diferenças entre os
papéis masculino e
feminino
Valores mais femininos
Multiculturalidade
Multiculturalismo e
interfuncionalidade, as pessoas
com ideias pertencem a todos os
níveis hierárquicos e diferentes
funções
Força de trabalho
diversificada, igualdade de
trabalho entre homens,
mulheres e minorias
Coletivismo x
Individualismo
Comunicação
Baixa participação nos
processos decisórios
Comunicação clara, aberta,
expressão de opiniões; objetivos
claros, definidos e
compartilhados
Sistema simétrico de
comunicação interna
Fonte: Hofstede (1991)
Fonte: Hofstede, Tanure
(2011)
Fonte: Godoy, Peçanha, (2009)
Kotler (2011)
Fonte: Grunig, Ferrari e
França (2011 – 2º edição
Quadro 1 – Fonte: as autoras
3. Estudo comparativo
Conforme exposto na introdução, esse estudo trata dos desafios comunicacionais para
melhorar o estímulo à cultura de inovação no Brasil e, consequentemente reforçar a
importância da gestão da comunicação e dos relacionamentos para promover uma cultura
favorável à inovação nas empresas brasileiras. Grunig (2009) evidenciou que a comunicação
simétrica não ocorre em organizações com estrutura centralizada, hierárquica e de cultura
autoritária, sendo a Teoria da Comunicação Excelente mais bem-sucedida em organizações
com estrutura orgânica, tomadas de decisões descentralizadas e gestão participativa.
Assim, nosso estudo usou o índice de distância hierárquica (IDH) de Hofstede para
averiguar se há uma correlação entre a distância hierárquica e a prática da cultura de inovação
presente nos países de maior índice de competitividade e de capacidade de inovação. Foram
analisados os 16 países considerados mais competitivos e inovadores segundo o índice de
Competitividade Global (Global Competitiveness Index – GCI) do Relatório de
Competitividade Global para 2013-2104, elaborado pelo Fórum Mundial Econômico e o
Índice de Inovação Global – The Global Innovation Index 2013.
No ranking baseado no índice de competitividade Global são analisados 148 países.
No topo está Suíça (1º), seguido por Singapura (2º), Finlândia (3º), Alemanha (4º) e EUA (5º),
Suécia (6º), Hong Kong (7º), Países Baixos (8º), Japão (9º) e Reino Unido (10º), Noruega
(11º), Taiwan-China (12º), Qatar (13º), Canadá (14º), Dinamarca (15º) e Áustria (16º).
No ranking baseado no índice de Inovação Global – The Global Innovation Index 2013
foram analisados 142 países, que estão divididos em dois grupos: líderes de inovação e
aprendizes. No ranking do GII 20013 no topo da lista de inovadores mundiais deste ano,
estão: Suíça (1º), Suécia (2º), Reino Unido (3º), Holanda (4º), Estados Unidos (5º), Finlândia
(6º), Hong Kong (7º), Cingapura (8º), Dinamarca (9º), Irlanda (10º), Canadá (11º),
Luxemburgo (12º), Islândia (13º), Israel (14º), Alemanha (15º) e Noruega (16º). O Quadro 2
mostra que quanto menor a distância hierárquica, mais presente e melhor aplicada é a
capacidade de inovação dos países analisados.
Países mais competitivos e inovadores X menor índice de Distância Hierárquica
Ranking IDH
Índice de Menor Distância
Hierárquica
(Hofstede, 1991)
Áustria
Israel
Dinamarca
Nova Zelândia
Irlanda
Suécia
Noruega
Finlândia
Suíça
Grã-Bretanha
Alemanha
Costa Rica
Austrália
Holanda
Canadá
EUA
Ranking Índice de
Competitividade Global
2013/14
Ranking – Índice de inovação
Global –
GII 2013
Suíça
Singapura
Finlândia
Alemanha
EUA
Suécia
Hong Kong
Países Baixos
Japão
Reino Unido
Noruega
Taiwan, China
Qatar
Canadá
Dinamarca
Áustria
Suíça
Suécia
Reino Unido
Holanda
EUA
Finlândia
Hong Kong
Singapura
Dinamarca
Irlanda
Canadá
Luxemburgo
Islândia
Israel
Alemanha
Noruega
Quadro 2 - Fonte: desenvolvido pelas pesquisadoras
4. Considerações Finais
Neste artigo desenvolvemos um pressuposto que trata de mostrar que a menor
distância hierárquica nos países pode ser um grande impulsor para a inovação e criatividade.
Em uma comparação preliminar entre os rankings dos 16 países de maior competitividade e
de maior capacidade de inovação, usando o IDH – índice de Distância Hierárquica (Hofstede,
1991), mostrou que os 13 países de menor índice de distância hierárquica, portanto de menor
centralização de poder (Hofstede, 1991, p. 41) são também os países mais inovadores e
competitivos como pode-se verificar no quadro 2. São eles: Áustria, Dinamarca, Israel,
Irlanda, Suécia, Noruega, Finlândia, Holanda, Suíça, Grã-Bretanha (Reino Unido), Alemanha,
Canadá e EUA.
Outra comparação realizada foi entre as características da cultura nacional e as da
cultura de inovação que nos permitiu correlacionar que quando o poder é administrado de
forma mais descentralizada, gerando mais autonomia nos liderados, pratica-se mais a
comunicação mais aberta e também estabelece-se mais facilmente a cultura inovação, e
portanto, amplia-se a capacidade de inovação. Ou seja, menos autoridade gera mais espaço
para inovação. Assim como quando poder é centralizado, gerando maior dependência dos
liderados, reduz a capacidade de inovação.
Assim, com base no pressuposto de Hofstede (1991) consideramos que os princípios
da Teoria da Comunicação Excelente (Grunig, 2009) são mais praticados nas organizações
com estrutura orgânica, nas quais as tomadas de decisões são descentralizadas e a gestão
estratégica é participativa e, portanto, mais indicada para promover a cultura de inovação.
Em nossa comparação preliminar entre os dois principais rankings mundiais que
medem a competitividade e a capacidade de inovação dos países, é possível constatar que 12
dos 16 países citados estão presentes em ambos os rankings, apesar de ocuparem posições
diferentes. Ou seja, há um grupo de 12 países que estão presentes entre os 16 mais
competitivos e os 16 mais inovadores do mundo. Os países presentes nos dois rankings, em
posições similares ou diferentes, são: Suíça, Singapura, Suécia, Finlândia, Reino Unido,
Alemanha, EUA, Hong Kong, Holanda, Noruega, Canadá e Dinamarca.
O referido estudo demonstra que os países considerados mais inovadores e competitivos
são aqueles nos quais a cultura da inovação está mais presente e que contam com menor
distância hierárquica. Como é possível constatar no quadro 1, a cultura de inovação inclui
características como comunicação clara e aberta, o encorajamento da expressão de opiniões e
o compartilhamento de conhecimentos. Assim, observa-se que a comunicação simétrica de
mão-dupla é mais adequada e até mesmo essencial para os ambientes de inovação como
forma de estimular a cultura de inovação. E que as relações públicas, como atividade de
consultoria de gestão de relacionamentos é essencial para ajudar os processos de mudanças
gerados pela inovação.
Observa-se no quadro 1, que os valores da cultura da inovação se contrastam com algumas
características da cultura organizacional brasileira, ainda calcada na centralização de poder e
na autoridade hierárquica. A cultura de inovação pregoa menos autoridade hierárquica e mais
autonomia aos liderados, estando mais alinhada aos novos paradigmas comunicacionais que
se baseiam em simetria, colaboração e interatividade.
Os princípios da comunicação excelente de Grunig (1992) são mais efetivos em culturas
participativas e, portanto mais indicados para estimular os relacionamentos gerados com base
na teoria da Tríplice Hélice desenvolvida por Etzkowitz (2009) e motivar a cultura de
inovação.
Naturalmente, o caráter exploratório do presente estudo não permite generalizações,
ou tem o intuito de concluir sobre o potencial ou não de inovação brasileiro, especialmente se
considerarmos os diversos outros fatores que podem ser considerados como motivos que
possam impactar a capacidade de inovação de um país. Nosso objetivo maior é identificar
como
a
comunicação
transformacionais.
pode
viabilizar
a
implantação
bem-sucedida
de
projetos
Finalmente, é preciso considerar a complexidade e ambiguidade dos sistemas
culturais. A dificuldade para o desenvolvimento da inovação em empresas já constituídas não
se pode revelar a não ser mediante um processo longo de observação e análise. Naturalmente,
entre os traços culturais apresentados pelos inúmeros estudos já realizados (Hosftede, Tanure)
esse estudo restringiu-se ao apontamento marcante da nossa cultura nacional, assim como de
outros países da América Latina, que é o alto índice de distância hierárquica.
Assim, os ecossistemas e habitats de inovação são excelentes lócus de
empreendimentos para o desenvolvimento de startups, uma vez que estas necessitam de mais
autonomia para se desenvolver, o que é menos comum encontrar em ambientes
organizacionais convencionais no Brasil. Além disso, os ambientes de inovação são ricos
espaços para a troca de experiências e conhecimento entre empreendedores, que podem ser
ainda mais potencializados por meio de um sistema interno de comunicação, baseado nos
princípios da comunicação excelente.
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