UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SANTA CRUZ (UESC) DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE NÚCLEO DE SAÚDE COLETIVA PROCESSO DE TRABALHO DO AGENTE COMUNITÁRIO DE SAÚDE: ANALISANDO PRODUÇÃO DO CUIDADO NO PROGRAMA SAÚDE DA FAMÍLIA [1] Vitória Solange Coelho Ferreira [2] , Túlio Batista Franco [3], Cristina Setenta Andrade [4], Soraya Dantas Santiago dos Anjos [5], Maria da Conceição Filgueiras de Araújo [6], Douglas Henrique Crispim [7], e Hania Silva Bidu [8], e Juliana Ferreira de Almeida [9],. INTRODUÇÃO Diversos estudos realizados sobre a organização do trabalho no âmbito do PACS/PSF (Bertonicini, 2000; Sousa, 2001; Solla, 1996 Soares, 2000; Fertomani, 2003; Costa et al, 2000; Souza, 2000; Silva, 2002; Franco et at, 2004, Franco & Merhy, 2003, Solla, 1996) indicam a existência de diversos pontos positivos relacionados à proposta que podem levar a uma ruptura na lógica taylorista de organização e gestão do trabalho e do saber biomédico centrado no biológico e na clínica restritiva, quanto aos problemas relacionados às condições do trabalho . Partindo desses pressupostos nos propomos a realizar este trabalho como forma de contribuir com o conhecimento acerca dos processos e tecnologias de trabalho em saúde envolvidos na produção de cuidado a indivíduos, famílias e coletividades acompanhadas pelo ACS no PSF. O presente estudo tem como foco o processo de trabalho do ACS enquanto analisador da produção do cuidado integral à saúde. Pretendemos com ele responder as seguintes questões: como vem sendo operado o processo de trabalho do ACS em uma Unidade Saúde da Família (USF) no município de Itabuna-Bahia? Quais as tecnologias de trabalho utilizadas na produção do cuidado pelo ACS?, O ACS faz educação em saúde?, Utiliza os conhecimentos básicos de vigilância?, Cuida se responsabilizando com as pessoas?. A resposta a essas questões requer uma análise dos processos de trabalho operado pelos ACS na produção do cuidado no PSF, bem como uma investigação acerca das tecnologias de trabalho mais utilizadas no desenvolvimento de sua prática e dos seus possíveis nós críticos em situações concretas. OBJETIVO GERAL Analisar o processo de trabalho do Agente Comunitário de Saúde (ACS) em uma Unidade Saúde da Família de Itabuna-Bahia; ESPECÍFICOS Descrever as tecnologias de trabalho em saúde, utilizados na produção do cuidado pelo Agente Comunitário de Saúde (ACS); Descrever os fatores que determinam o cuidado ou descuidado aos usuários no processo de trabalho do ACS; Verificar a eficácia do processo de trabalho em saúde do Agente Comunitário de Saúde (ACS) na produção do cuidado. REFERENCIAL TEÓRICO E CONCEITUAL Processo de Trabalho em Saúde O processo de trabalho em saúde é um processo relacional, produzido através do trabalho vivo em ato, a partir do encontro entre duas pessoas onde se estabelece um jogo de expectativas e produções criando espaços de intersubjetividade expressos através de escutas, falas, empatias e interpretações (Merhy, 1998). Quando o abordamos não estamos nos referindo apenas ao conjunto de máquinas e equipamentos que são usadas nas ações de intervenções assistenciais (tecnologia duras), mas ao conhecimento bem estruturado sobre a forma de saberes e práticas profissionais (tecnologias leve-duras) bem como a produção de espaços relacionais (tecnologias leves) de atuação da clinica ampliada onde todos participam direta ou indiretamente na produção do cuidado (Merhy, 1998). Sua realização envolve operar um trabalho morto expresso por uma lógica instrumental, resultado de um trabalho humano anterior que foi incorporado como uma cristalização do trabalho vivo em morto já instituído e um trabalho vivo expresso pelo trabalho humano em ato, um trabalho criador instituinte, lugar próprio das tecnologias leves (Merhy, 1997; Franco, 2003). Refletir sobre esses processos requer assumir toda complexidade do modo de produzir e atuar em saúde e exige um reordenamento das relações entre trabalhadores-usuários através de um movimento combinado de singularização da atenção e publicização da gestão organizacional e do processo produtivo em saúde (Merhy, 1998). Processo de Trabalho do Agente Comunitário de Saúde (ACS) Tradicionalmente, os ACSs têm assumido diferentes atividades na produção de atos em saúde (Merhy, 1998) utilizando os seus saberes e práticas na produção do cuidado em diferentes sistemas e contextos. Enquanto operador do cuidado em sua dimensão fluída utiliza recursos tecnológicos centrado no trabalho vivo em ato produzindo um compromisso permanente com a tarefa de acolher, responsabilizar, resolver, e autonomizar o usuário.em seu modo de andar a vida. Na realização de seu trabalho cotidiano os ACSs desenvolvem diversas atividades que visam fortalecer o vínculo com a família tais como: propiciar atenção à saúde o mais próximo do contexto domiciliar, realizar visitas domiciliares, estimular a organização comunitária, promover reuniões de grupo e autonomizar os sujeitos para enfrentar os problemas de saúde. Para Merhy (2003) operar um modelo cujo sentido está orientado para as necessidades do usuário significa desconstruir um trabalho produtor de cuidado centrado na produção de procedimentos para um outro mais relacional e acolhedor onde trabalhadores e usuários enquanto sujeitos desejantes sejam protagonistas de um novo modo de fazer saúde (Franco e Merhy, 2005). Nessa perspectiva os ACSs assumem de forma privilegiada a posição estratégica no sentido de produzir encontros positivos entre as lógicas do agir tecnológico e as lógicas dos usuários, individuais e coletivos através da criação de vínculo afetivos e efetivos. A Produção do Cuidado pelo ACS A noção de cuidado não deve ser apreendida apenas como um nível de atenção do sistema de saúde ou como mais um procedimento técnico simplificado, mas como uma ação integral que tem significados e sentidos voltados para compreensão de saúde como direito de ser. Refere-se ao tratar, respeitar, acolher e atender o ser humano em seu sofrimento. Ao nos reportarmos a ação integral estamos entendendo-a como o “entre-relações” de pessoas, como efeitos e repercussões de interações positivas entre usuários, profissionais e instituições, que são traduzidas como tratamento digno e respeitoso, com qualidade, acolhimento e vínculo (Pinheiro & Guizardi, 2004). A família representa sujeito ativo no processo de produção do cuidado em saúde, com representações e estratégias peculiares de subjetivação que os profissionais não devem desconsideradas, caso a entendamos como uma dimensão redentora da presença humana nos modelos assistências voltadas para promoção do bem-estar. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS COELHO FERREIRA. V. S. Intersetorialidade em saúde: um estudo de caso. Instituto de Saúde Coletiva (ISC) da Universidade federal da Bahia, 2000. (Dissertação de Mestrado). FRANCO, T. B et al, A Produção do Cuidado na Rede Básica de Atenção a Saúde. UESC/FAPESB, 2004; FRANCO, T. B. Processos de Trabalho e Transição Tecnológica na Saúde: um olhar a partir do sistema cartão nacional de saúde. Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas, 2003. (Tese de Doutorado). FRANCO, T. B. Fluxograma Descritor e Projetos Terapêuticos para Análise dos serviços de Saúde, em apoio ao Planejamento: o caso de Luz (MG). In: O trabalho em saúde: olhando e experienciando o SUS no cotidiano. Hucitec, 2003. TRAJETÓRIA METODOLÓGICA Trata-se de uma investigação qualitativa (Minayo, 1996) que tem como estratégia de pesquisa o estudo de caso (Yin, 1991; Coelho Ferreira, 2000 apud Valney & Kalusny). Foi realizado no município de Itabuna-Bahia, em uma Unidade Saúde da Família de 2004-2005, que se encontra na Gestão Plena do Sistema Municipal de Saúde desde 2001. Para analisar o processo de trabalho do ACSs e os fatores que condicionam o cuidado e/ou descuidado, foram utilizados quatro níveis de analises: trabalho dos ACS, acessibilidade dos usuários, integralidade do cuidado a gestante e ao hipertenso e as dimensões analítica da organização e produção do cuidado proposta por Merhy (1998) a fim de estabelecer um conjunto de evidências que possibilitassem responder as questões do estudo tendo como referência os objetivos . O referencial teórico escolhido para abordar essas categorias foi desenvolvido, a partir de Merhy (1997, 2003), Franco (20003; 2004), Franco & Merhy (2005) Pinheiro & Guizardi (2004) e Yin (1994). Teve como instrumentos de coleta e fontes de informação a entrevista semi-estruturada realizada com dois ACSs a observação direta, a análise documental e o Fluxograma Descritor e o Projeto Terapêutico como instrumentos analisadores do fluxo assistencial e das tecnologias do cuidado. Após ordenamento, seleção e leitura dos documentos procedeu-se a análise do material empírico que teve como base os elementos teóricos do estudo e a articulação entre as dimensões analíticas e os instrumentos analisadores estabelecidas a priori, a fim de estabelecer um conjunto de evidências que possibilitassem responder as questões do estudo tendo como referência analisar a produção do cuidado, o fluxo assistencial e as tecnologias mais utilizadas para produzir atos de saúde. RESULTADOS E DISCUSSÃO a)Trabalho do ACS e a Organização dos Serviços No discurso dos entrevistados apreende-se que as condições na organização do trabalho em que os ACS estão inseridos, em alguns momentos, interferem em seu trabalho enquanto mediador, entre usuários e equipe, e de tradutor entre saberes e práticas científica e popular. […], Olha as vacinas, lembra o dia do pré-natal […].me explique isso assim. Aí eu explico … pego o panfleto […].Visto que insuficiência de recursos físicos, humanos e materiais, estrutura física inadequada da USF, a, a centralidade do saber biomédico e a normatividade e caráter prescritivo do saber operante levam a alienação, insegurança, baixa auto-estima e insatisfação dificultando iniciativas criativas que altere o modo de fazer saúde. A ausência de suporte aos ACS no desenvolvimento das atividades tem sido, muitas vezes, responsável pelas relações conflituosas com a população e a própria equipe. A necessidade do instrumental técnico expresso em capacitações para exercício do seu papel aponta para o conflito existente entre desejo de ampliar sua competência técnica qualificando suas ações de educação e os valores, experiências e conhecimentos de sua cultura. b)Trabalho do ACS e a Produção do Cuidado b.1) Tecnologias de trabalho Analisando as práticas e os discursos presentes na realização cotidiana das atividades dos ACS, evidencia-se a utilização de todo o arsenal de tecnologias tradicionais para produção do cuidado acrescido de uma predominância maior dos aspectos relacionais que envolvem a visita domiciliar como nucleadoras das ações de promoção à saúde e prevenção de doenças e educação em saúde (in)formal. Importa ressaltar, que atividades tais como estimular a organização comunitária, promover a reunião de grupos e desenvolver ações intersetoriais são pouco ou não são realizadas fato que chama tendo em a necessidade de autonomizar os sujeitos em seu modo de andar a vida. Como pode ser visto nos fragmentos dos discursos, a seguir: […] Faço as visitas domiciliares chego de manhã e … bom dia! … tem algum problema, quer falar alguma coisa, quer me perguntar alguma coisa relacionada ao posto.[…], não deixar as pessoas que vem da rua pegar a criança, lavar as mãos […] se os pontos já caiu , se não ta inflamado […]. No entanto, o fato de compartilhar o mesmo contexto sócio-cultural e lingüístico das pessoas tem facilitado, na maioria das vezes, o estabelecimento de espaços acolhedores de escuta, vínculos, responsabilidade que contribuem na implementação das ações de educação em saúde e na adesão as recomendações médicas. . […] as vezes fica difícil a gente chegar assim nas casas dos outros e … vai lavar os pratos, isso aqui ta cheio de moscas […] a gente fica com um pouco de vergonha, de receio […]. Assim podemos dizer que ao realizar o seu trabalho os ACSs utilizam extensivamente as tecnologias leves na produção do cuidado, seguidas da utilização das leves-duras como podemos observar nessas falas: […] a gente observa a corzinha do bebê pra ver se ta amarelo pálido, […] ensina a mãe que tem tomar aquele solzinho da manhã, […] .Observa-se que seu processo de trabalho tem como principal insumo o conhecimento adquirido e a relação que estabelece com a sua clientela no território e domicílio, realizando um cuidado, centrado no trabalho vivo em ato, governando ele mesmo suas ações, o que indica que o que move sua função cuidadora é a sua própria vontade em fazê-la de tal modo, isto é, sua subjetividade (Franco, et al, 2004). b.2. Fatores que Determinam o Cuidado e/ou Descuidado Tendo como base a articulação entre o Fluxograma Descritor, Rede de Petição e Compromisso e o Projeto Terapêutico foi possível identificar a interrupção da linha do cuidado referente ao acesso, a oferta e ao acolhimento dos serviços na USF e suas conexões com outros níveis de atenção, bem como os ruídos existentes nas relações trabalhadores x usuários. As falas dos agentes apontam para dificuldades relacionadas ao acesso restritivo em virtude da grande demanda e a composição “mínima” da equipe […] se a equipe é pequena e a população e grande, não vai ficar faltando atendimento?vai […]. A oferta do serviço é estruturada de acordo um cardápio pactuado que prevê algumas liberdades de ação em casos de urgência e emergência […] é assim cada dia da semana tem um agendamento porque tem o cronograma […], se vier de fora e for uma coisa urgente, que a pessoa ta passando mal … atende né […]. No tocante ao acolhimento apesar de não está estruturado existem espaços de escuta […] o pessoal que trabalha aqui atender, acolher todo mundo… nunca deixa ir embora sem dar uma resposta […]. Entretanto a fala seguinte mostra que a organização do cuidado continua centrada no modelo biomédico com ênfase na consulta medica e de enfermagem e centrada em procedimentos […]. Se a pessoa vem hoje e não tem ficha a enfermeira manda marcar para o outro dia com o médico é a mesma coisa […] Às vezes tem uns que vem aqui ah porque eu queria um exame assim de sangue. A grande dificuldade relacionada à referência esta no acesso o que tem condicionado aparecimentos de ruídos nas relação equipe x usuários. Estes problemas interferem na credibilidade do ACS frente à comunidade. FRANCO, T. B.; MERHY, E.E. A Produção Imaginário da e O processo de Trabalho em Saúde. (mimeo), 2005. MINAYO, M. C., DIELIA, J. C. R. & SVITONE, E. Programa de Agentes de Saúde do Ceará. Fortaleza. UNICEF, 1990. MERHY, E.E. Em busca do tempo perdido: a micropolítica do trabalho vivo em saúde. In: MERHY, E. E. & ONOCKO, R. (Org.) Práxis Em Salud: um desafio para lo público. Buenos Aires: Lugar Editorial & São Paulo: Hucitec, 1997. MERHY, E.E. A perda da dimensão cuidadora na produção da saúde: uma discussão do modelo assistencial e da intervenção no seu modo de trabalhar a assistência. In: CAMPOS, C. et al. Sistema Único de Saúde em Belo Horizonte: reescrevendo o público. BH: Xamã/VM Ed. , 1998. MERHY, E.E.; FRANCO, T. B et al. O trabalho em saúde: olhando e experienciando o SUS no cotidiano. Hucitec, 2003. PINHEIRO, R. & GUIZARDI, F. Cuidado e Integralidade: por uma Genealogia de Saberes e práticas no Cotidiano. In: Pinheiro, Rosani & Mattos, Ruben Araújo de (Org.). Cuidado: as Fronteiras da Integralidade. Rio de Janeiro: Hucitec, 2004. Yin, R. Case Study Research, Design an Methods. Second Edition. Ann Arbor, Michigan. Health Administration. Press. 1991. [1] O presente trabalho é um subproduto da pesquisa intitulado “A produção do cuidado na rede básica de atenção à andamento, do saúde”, em fase de GP em Organização dos Serviços de Saúde do Núcleo de Saúde Coletiva da Universidade Estadual de Santa Cruz, [2] Profª Ms UESC e pesquisadora. E-mail [email protected], [3] Profº Dr. Universidade Federal Fluminense, pesquisador visitante, coordenador geral da pesquisa. [email protected] , [4] Profª Dr UESC, pesquisadora e coordenadora local do grupo de pesquisa. [email protected], [5] e [6] Profª Ms UESC e pesquisadora. [email protected], [7] e [8] Bolsista do curso de medicina, [9] Bolsista de Enfermagem. [email protected] b.3)Eficácia do processo de trabalho dos ACS Diversos estudos realizados apontam a redução de alguns agravos e doenças em função da atuação do ACS. As entrevistam revelam que estes sujeitos atribuem ao seu fazer a adesão da população às promotoras de saúde. […] têm muitas famílias que, pelo que agente passa eles vão fazendo aos poucos, não é uma mudança repentina, rápida, mais eles vão fazendo aos poucos, conforme o que agente vai passando. […] CONSIDERAÇÕES FINAIS Os ACSs assumem de forma privilegiada a posição estratégica no sentido de produzir encontros positivos entre as lógicas do agir tecnológico e as lógicas relacionais através da criação de vínculo afetivos e efetivos e espaços acolhedores de escuta, falas, responsabilização e cuidado. Assim as análises das dimensões da organização e da produção do cuidado apontam que os mesmos operam um processo de trabalho voltado para o campo das necessidades das pessoas centrado no trabalho vivo em ato utilizando as tecnologias leves e leves-duras para produção do cuidado em seu intercâmbio com a comunidade.