REGRAS DE CONCORRÊNCIA Noções básicas sobre a aplicabilidade dos Artigos 4.º LC e 81.º TCE 3.ª aula - 26 de Setembro de 2008 Maria João Melícias Plano da 3.ª aula: 1. Riscos para as empresas em caso de violação das regras de concorrência 2. Requisitos de aplicabilidade dos Artigos 4.º/1 LC e 81.º/ n.º 1 TCE 3. Os sujeitos do Dto da Concorrência: noção de empresa 4. As decisões de associações de empresas 5. Conceito de acordo na acepção do direito da concorrência 1. Identificação dos riscos a) Coimas severas: Artigo 43.º LC – Máximo de 10% do volume de negócios anual da empresa; nacional ou mundial (CE) – 20% em caso de cúmulo de infracções (RGCO) – Sanção pecuniária compulsória b) Inibição de participação em concursos públicos 1. Identificação dos riscos Ten highest cartel fines per case (since 1969) Year Case name Amount in €*) 2007 elevators and escalators 992.312.200 2001 vitamins 790.515.000 2007 gas insulated switchgear 750.712.500 2006 synthetic rubber 519.050.000 2007 flat glass 486.900.000 2002 plasterboard 458.520.000 2006 hydrogen peroxide and perborate 388.128.000 2006 methacrylates 344.562.500 2007 hard haberdashery: fasteners 328.644.000 2006 fittings 314.760.000 1. Identificação dos riscos Ten highest cartel fines per undertaking (since 1969) Year Empresa Processo Amount in €* 2007 ThyssenKrupp elevators 479.669.850 2001 F. Hoffmann-La Roche AG vitamins 462.000.000 2007 Siemens AG gas insulated switchgear 396.562.500 2006 Eni SpA synthetic rubber 272.250.000 2002 Lafarge SA Plasterboard 249.600.000 2001 BASF AG Vitamins 236.845.000 2007 Otis elevators 224.932.950 2007 Heineken NV Dutch beer 219.275.000 2006 Arkema SA Methacrylates 219.131.250 2006 Solvay SA / NV hydrogen peroxide 167.062.000 1. Identificação dos riscos (cnt) c) Acções de indemnização: – – – Ac. Courage v. Crehan (2001): desencorajam acordos anticoncorrenciais; contribuem para manutenção de concorrência efectiva na Comunidade; Ac. Manfredi (2006) O recente Livro Branco da CE d) Nulidade de acordos: artigos 4.º/2 e 81.º/2 1. Identificação dos riscos (cont.) e) Publicidade negativa. f) Responsabilidade penal? g) Responsabilidade pessoal dos administradores: – Artigo. 47.º, n.º 3 LC h) Responsabilidade disciplinar dos colaboradores. 2. Requisitos de aplicação dos Arts 4.º LC e 81.º TCE Artigo 4.º- Práticas proibidas Artigo 81.o 1 - São proibidos os acordos entre 1 - São incompatíveis com o mercado empresas, as decisões de comum e proibidos todos os associações de empresas e as acordos entre empresas, todas as práticas concertadas entre decisões de associações de empresas, qualquer que seja a forma empresas e todas as práticas que revistam, que tenham por concertadas que sejam susceptíveis objecto ou como efeito impedir, de afectar o comércio entre os falsear ou restringir de forma Estados-Membros e que tenham por sensível a concorrência no todo ou objectivo ou efeito impedir, em parte do mercado nacional, restringir ou falsear a concorrência nomeadamente os que se traduzam no mercado comum, designadamente em: (...) as que consistam em: (...) 2. Requisitos de aplicação dos Arts 4.º LC e 81.º TCE i. Que o comportamento em causa seja adoptado por empresas (requisito geral); ii. Que se consubstancie num acordo, prática concertada ou decisão de uma associação de empresas; iii. Que tenha por objecto ou efeito impedir, falsear ou restringir a concorrência no mercado; iv. Que restrinja de forma sensível ou de minimis a concorrência + v. Art. 81.º: afectação do comércio intra-comunitário (cfr. Comunicação da CE que interpreta este requisito) 3. Os sujeitos do Dto da concorrência: as empresas • Dispositivo central : Artigo 2.º/1 LC - 1.º critério: – Qualquer entidade que exerça uma actividade económica, independentemente do seu estatuto jurídico e do seu modo de financiamento (Ac. Höfner e Helser (1991). – Actividade económica: oferta de bens ou serviços num mercado (Ac. 118/85 Comissão/Itália); • Conceito económico e não jurídico • Mesmo sem fins lucrativos (cfr. lapso no Artigo 2.º LC) 3. Os sujeitos do Dto da concorrência: as empresas Excepções: o que NÃO são empresas ? • Ac. Poucet Pistre (1993): Missão de natureza exclusivamente social governada pelo princípio da solidariedade que, pela sua natureza, regras a que está sujeita e objecto, é alheia às trocas económicas; Exercício de prerrogativas de poder público (≠ actividade interesse público) • • NOTA: Uma entidade pode ser empresa para certos efeitos, mas escapar às regras de concorrência noutros aspectos da sua actividade 3. Os sujeitos do Dto da concorrência: as empresas Quais das seguintes entidades são empresas na acepção da LC e TCE? Ou seja, quais delas são abrangidas pelas regras de concorrência e podem ser sancionadas pela AdC ou CE? 3. Os sujeitos do Dto da concorrência: as empresas • Uma empresa pública, v.g. os CTT? • v. Art. 1º LC • • • • • Uma cooperativa agrícola? Uma agência pública de emprego? Uma instituição de ensino? Um hospital público? Uma organização religiosa? 3. Os sujeitos do Dto da concorrência: as empresas • Pode um indivíduo, i.e. uma pessoa singular, por ex. uma cantora de ópera, ser uma empresa na acepção das regras de concorrência? E um profissional liberal, por ex. um médico ou advogado? • • • Ac. Wouters (2002): os advogados oferecem, contra remuneração, serviços de assistência jurídica; assumem os riscos financeiros correspondentes ao exercício das suas actividades, i.e. exercem uma actividade económica Uma Ordem profissional é uma associação de empresas 3. Os sujeitos do Dto da concorrência: as empresas • A Direcção-Geral de Contribuições e Impostos? • O Estado? • Trabalhadores e Uniões Sindicais? • Nota: A CE até à data nunca sancionou indivíduos. 3. Os sujeitos do Dto da concorrência: as empresas • Empresa como unidade económica: doutrina da enterprise entity - o Artigo 2.º/2 LC • 2.º critério: autonomia de decisão ou autonomia económica • Consequência: duas ou mais sociedades juridicamente distintas podem ser uma única empresa, na acepção das regras de concorrência 3. Os sujeitos do Dto da concorrência: as empresas Relevância deste conceito de empresa: • Em sede de aplicação de coimas? • Em sede de imputabilidade de uma infracção à casa-mãe Vs subsidiária: • • A jurisprudência comunitária ≠ jurisprudência nacional (Tribunal do Comércio – cartel do sal) Outras consequências. (ii) Para que um comportamento seja proibido à luz do Artigo 4.º ou 81.º é preciso que se consubstancie num acordo, prática concertada ou decisão de associação de empresas; – Sobreposição destes conceitos – Servem antes para distinguir colusão (abrangida pelos Arts 4.º e 81.º) vs conduta independente (escapa ao âmbito destes artigos): it takes two to tango… 4. Decisões de associações de empresas As associações sectoriais de indústria ou comércio enquanto veículo privilegiado para a adopção de comportamentos anticoncorrenciais: “As pessoas do mesmo negócio raramente se encontram, mesmo para prazer e diversão, mas quando conversam acabam sempre numa conspiração contra o público ou numa qualquer maquinação para subir os preços.” Adam Smith (1776) 4. Decisões de associações de empresas • • • Um comportamento anticoncorrencial adoptado sob a égide de uma associação tanto pode ser um acordo/prática concertada como uma decisão de associação de empresas. Integram este último conceito: os estatutos de uma associação, circulares, regulamentos, recomendações associativas, etc.; Problema: quando susceptíveis de limitar a liberdade comercial dos seus membros, i.e. que possam ter impacto na conduta das empresas no mercado. • “expressão fiel da vontade da associação de coordenar o comportamento dos seus membros no mercado em causa” (Decisão da CE, FENEX, de 5.06.1996); 4. Decisões de associações de empresas A fixação por parte de uma Ordem profissional de tabelas de honorários a respeitar pelos seus membros pode ser uma “decisão de associação de empresas” proibida? 5. O conceito de acordo • • • Conteúdo lato na noção: qualquer forma de cooperação por mais informal que seja, oral ou escrita, voluntária ou vinculativa, expressa ou tácita; Basta que as empresas em causa tenham manifestado a sua vontade comum de se comportarem no mercado de uma forma determinada - Ac. Bayer “Adalat” (1996). Requisito básico: existência de um concurso de vontades acerca de um plano de acção. 5. O conceito de acordo • Mera participação em reuniões anticoncorrenciais; • • • • • Obrigação de distanciamento; Inversão do ónus da prova; Infracção de perigo abstracto: mesmo que o acordo não seja cumprido na prática por uma empresa, esta pode ser responsabilizada; Intenção subjectiva das partes é praticamente irrelevante; Acordo sob pressão ou sob coacção 5. O conceito de acordo Tipos de Acordos: • Acordos horizontais: entre empresas que se situam ao mesmo nível do mercado (concorrentes); • Acordos verticais: entre empresas que operam a um nível diferente da produção ou da cadeia de distribuição (não-concorrentes) 5. O conceito de acordo Acordos horizontais: • Produtos substituíveis • Subida geral de preços como interesse comum das partes Acordos verticais: • Produtos/serviços complementares; • Pressão recíproca para descida de preços: interesses antagónicos das partes Podem beneficiar o consumidor 5. O conceito de acordo Acordos verticais estão isentos quando: i. A quota de mercado do fornecedor não exceda 30 % do mercado relevante; ii. Não incluam obrigações de compra exclusiva de duração superior a cinco anos; iii. Não incluam restrições graves – por ex: fixação de preços de revenda. 5. O conceito de acordo O que é que NÃO é um acordo? Acordos intra-grupo: o Ac. Viho/Parker Pen: • • Quando uma sociedade-mãe e as suas subsidiárias formam uma unidade económica no interior da qual as subsidiárias não têm autonomia real na determinação da sua linha de acção no mercado, mas aplicam as instruções que lhe são impostas pela sociedade-mãe • Não há acordo p/ efeitos dos artigos 4.º e 81.º (mas o comportamento pode ser abrangido pelos artigos 6.º e 82.º) 5. O conceito de acordo O que é que NÃO é um acordo? • Acordos v. Actos unilaterais: • Ac. Volkswagen (2003) Vs • Ac. Bayer “Adalat” (2003): Considerar que um acordo • proibido pode ser demonstrado apenas com base na expressão de uma politica unilateral teria o efeito de confundir âmbito de aplicação do art. 81.º com o do 82.º. O simples facto de existir um concomitantemente um acordo, em sim mesmo neutro, e uma medida restritiva da concorrência imposta de forma unilateral, não equivale a um acordo proibido. 5. O conceito de acordo Os seguintes casos constituem acordos abrangidos pelas regras de concorrência aplicáveis às empresas? 5. O conceito de acordo • • Acordo concluído entre o Exército e a Marinha sobre estratégia de defesa nacional? Um acordo concluído entre um hospital público e uma clínica privada, nos termos do qual o hospital concede à clínica o direito exclusivo de realizar análises aos pacientes do hospital? 5. O conceito de acordo • • Acordo concluído entre a SIC (estação de TV) e a Edimpresa (proprietária das revistas Visão, Exame, Caras..), ambas detidas pelo grupo Impresa, sobre fixação de preços de publicidade? Um acordo colectivo de trabalho celebrado entre um sindicato e o Estado? 5. O conceito de acordo Um fabricante de azeite diz aos seus distribuidores que só lhes venderá produto se estes aceitarem não exportar para Espanha. Os distribuidores continuam a fazer compras ao fabricante, mas ignoram a condição imposta e às escondidas exportam para Espanha. Não há qualquer referência no contrato de distribuição a esta política do fabricante. Temos acordo? 5. O conceito de acordo Um fabricante de azeite diz aos seus distribuidores que só lhes venderá azeite se estes aceitarem não exportar para Espanha. Inclui nos contratos de distribuição uma cláusula que prevê a possibilidade de limitar a quantidade de entregas aos seus distribuidores, a fim de que estes apenas possam abastecer os seus mercados locais. O fabricante combina ainda com os seus distribuidores que estes devem informá-lo sempre que tenham conhecimento de que outro distribuidor está a exportar azeite. Os distribuidores assim fazem. Temos acordo? Obrigada Edifício Eurolex ▪ Av. da Liberdade n.º 224 ▪ 1250-148 Lisboa Tel. (351) 213 197 321 ▪ Fax. (351) 213 197 319 Email: [email protected]