COLUNA
Felipe
mojave
@Felipemojave
CALLS BRILHANTES
EM UM POKER DE
E
ALTO NÍVEL
nfrentar adversários de alto
nível é sempre complicado.
Blefar contra eles, então,
nem se fala. Nesta coluna,
apresento duas mãos em que encarei
adversários duros e blefei em ambas.
Felipe mojave é um dos principais
jogadores brasileiros da atualidade. Faz
parte do time de profissionais do Full Tilt.
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Exemplo 1 – WPT Londres 2010
Eu tinha 80 mil fichas com
blinds de 800-1600 e ante de 200.
Meu adversário era Praz Bansi, excelente jogador, muito conhecido no
circuito internacional de torneios.
Ele abriu raise de 3.600 em
middle position. Eu voltei 10.800
do big blind com QQ e ele deu call. O
flop veio AK7 de naipes diferentes.
Em um pote acima de 20 mil fichas,
e com nós dois com cerca de 70 mil
restantes, resolvi disparar 14.500.
Sei que com essa aposta eu
ganho a maioria dos potes logo no
flop. Estou representando em meu
range AA, KK, AK, AQ e AJ, mas também pares médios, como 99 e TT.
Com eles, eu possivelmente tribetaria da mesma maneira, já que Praz
é um adversário que joga muitas
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acreditar nessa leitura (sabendo, óbvio, que eu
apostaria tanto pelo valor quanto blefando).
Esse é o tipo de jogada pelo valor que eu faria
com grande frequência, por isso mesmo blefaria
neste caso, representando valor. Belo call.
Exemplo 2 – BSOP Balneário Camboriú 2011
Eu tinha 18 mil fichas e os blinds estavam em
100-200. Meu adversário era ninguém menos do
que Gabriel Goffi, temível jogador paulista de cash
games high-stakes. Dispensa apresentações.
Abri raise para 525 com T♦ 7♦ em middle
position. O button deu call e Goffi, com base
no meu stack efetivo, aumentou para 1.650 do
small blind. Dei call em posição e o flop veio 9♦
5♥ 2♠. Ele pediu mesa, eu também. No turn apareceu o 8♦, me deixando agora com duas pontas
e um flush draw. Gabriel pediu mesa mais uma
vez e eu disparei 2.500. Ele deu call e o river foi
o 4♠. Ele rapidamente pediu mesa. Eu disparei
mais 3.500. Depois de pensar bastante, ele deu
call e ganhou a mão com 62 de naipes diferentes.
Par de dois em um bordo com 9♦ 5♥ 2♠ 8♦ 4♠.
Analisando essa mão, fica claro para mim que
Goffi não queria envolver mais fichas no pote. Ele
queria que o bordo não complicasse muito, encaminhando a mão para o showdown. O fato de ele
ter tribetado pré-flop fora de posição e ter dado
check nas três streets mostra isso.
Obviamente, ele pode ter optado por algum
tipo de slowplay. Seria improvável, mas não
impossível. Seu range para 3-bet fora de posição,
mesmo nas fases iniciais do torneio, é de 100%
das cartas. Eu sei disso. Naquela altura eu vinha
abrindo muitos raises pré-flop, o que me levava a
crer que esse raciocínio era correto.
Meu check-behind no flop representa muitas
mãos, inclusive algumas com extremo valor e
outras que não gostariam de ver um check-raise
no flop.
No turn, obrigatoriamente eu tinha de apostar, pois poderia fazê-lo largar AK e AQ. Ele poderia ainda demonstrar resistência no turn e dar
fold no river se eu apostasse forte. Outro ponto é
que minha mão, que não era nada no flop, ganhou
equidade com a queda para straight-flush. No caso
de eu completá-la, estaria totalmente invisível.
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Já no river, com a certeza de que
ele gostaria de levar a mão para o
showdown, fiquei bastante confortável para aplicar uma value-bet com
55+. O bordo 95284 era muito bom
para isso. Com esse pensamento, ao
invés de aplicar uma aposta forte,
como fiz contra Praz Bansi, resolvi disparar uma falsa value-bet de
3.500.
Goffi não representava pocket
pair no range. Certamente ele apostaria no flop ou no turn com uma
mão desse tipo. Assim, faria crer que
os ases seriam um call heroico razoavelmente loose.
Junto com esse raciocínio de
range amplo para uma value bet
“apertada”, transformando-a em
value bet “falsa”, tem também tem
a questão de meu range pré-flop ser
grande demais para dar call em posição jogando com tantas fichas.
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Gosto das minhas jogadas.
[...] Isso demonstra confiança em meu jogo e me ajuda
na hora de extrair valor em mãos
posteriores. É um risco calculado,
tanto para mim quanto para eles.
O que talvez tenha desagregado
valor da minha mão foi o check no
flop. Isso, junto com a ideia do meu
range amplo pré-flop, talvez tenha
levado Goffi a dar call. Colocando
tudo na balança, eu não tinha como
dar check no river.
Claro que as duas situações são
um tanto indefinidas para meus
oponentes e que ambos deram calls
extremamente desconfortáveis.
Um jogador menos preparado não
raciocinaria tanto e tenderia a dar
fold mais facilmente. Outros com
bom aproveitamento também desistiriam por falta de confiança na
leitura. Somente jogadores de alto
nível dariam esse call no river. Ainda
assim, menos da metade das vezes.
Gosto das minhas jogadas. Sei
que meus oponentes querem levar a
mão para o showdown, mas mostro
resistência, mesmo tendo consciência de que eles podem dar call. Isso
demonstra confiança em meu jogo
e me ajuda na hora de extrair valor
em mãos posteriores. É um risco
calculado, tanto para mim quanto
para eles.
Mas do que eu realmente gosto
é o call dos meus oponentes. Mesmo
diante de uma situação complicada,
eles ainda tiveram capacidade de
raciocinar corretamente e acertar
na decisão de dar call. Isso sim é
poker de alto nível. ♠
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Calls brilhantes em um poker de alto nível