UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ DANIEL RIBEIRO DA SILVA A MANIFESTAÇÃO DA POSSE NAS AÇÕES DE INTERDITOS POSSESSÓRIOS CURITIBA 2014 DANIEL RIBEIRO DA SILVA A MANIFESTAÇÃO DA POSSE NAS AÇÕES DE INTERDITOS POSSESSÓRIOS Projeto de Pesquisa apresentado ao Curso de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná, com o intuito da obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Dr. Marcelo Nogueira Artigas CURITIBA 2014 TERMO DE APROVAÇÃO DANIEL RIBEIRO DA SILVA A MANIFESTAÇÃO DA POSSE NAS AÇÕES DE INTERDITOS POSSESSÓRIOS Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado e aprovado para obtenção do título de Bacharel no Curso de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná. Curitiba, ____de________de 2014. Prof. Doutor Eduardo de Oliveira Leite Coordenador do Núcleo de Monografias Universidade Tuiuti do Paraná Orientador: Prof. Doutor Marcelo Nogueira Artigas Faculdade de Ciências Jurídicas Universidade Tuiuti do Paraná Prof.____________________________________ Faculdade de Ciências Jurídicas Universidade Tuiuti do Paraná Prof.____________________________________ Faculdade de Ciências Jurídicas Universidade Tuiuti do Paraná DEDICATÓRIA Dedico este trabalho à Deus, aos meus pais pelas palavras de incentivo, carinho e amor, que sempre me ajudaram nos momentos difíceis a nunca desistir desta peregrinação, alcançando ao final o meu objetivo que é a conclusão deste curso. Ao meu irmão, pelas palavras de força e coragem para seguir em frente e não desistir na metade do caminho. Aos meus amigos que sempre me desejaram o melhor e por ficarem ao meu lado tanto nas alegras quando nos dias enfadonhos da vida. AGRADECIMENTOS Os agradecimentos aqui transcritos, de maneira especial se fazem a Deus, soberano ser que nos concedeu a saúde e sua infinita graça e a plena capacidade de administrar as faculdades mentais e nos abençoar no decorrer dos anos seguidos na edificação íngreme da graduação deste acadêmico autor deste projeto, a minha família e amigos, pois ofereceram total apoio no comprometimento de cada fase construída nas etapas deste curso, e que souberam compreender a importância deste momento de intenso trabalho que muitas vezes justificou a ausência deste acadêmico. Indubitavelmente queremos fazer notórias as congratulações a todos que de uma maneira indireta incentivaram, mesmo que singelamente, pela realização deste trabalho e pela trajetória percorrida, onde se almejou transcender todas as barreiras para chegarmos a onde estamos. RESUMO O presente trabalho monográfico foi desenvolvido com a pretensão voltada a delimitar concisamente como é realizada a demonstração da posse nas ações de interditos possessórios (interdito proibitório, manutenção de posse e reintegração de posse). O método empregado foi o de revisão bibliográfica, onde se buscou obras em língua portuguesa, artigos e jurisprudências atuais sobre o tema, sendo que as obras selecionadas foram sopesadas e organizadas por meio de tópicos de interesse do estudo, procurando fazer um estudo dissertativo e analítico sucinto da manifestação da posse nas ações de interditos possessórios, encetando-se pelo histórico da posse e apresentando em conclusão a apreciação das modalidades destas ações no âmbito jurídico brasileiro, bem como sobre o aspecto de comprovação da posse nestas ações, abordando, em especial, os pressupostos que devem ser preenchidos para se obter êxito em uma ação possessória. Por fim, tal trabalho almeja demonstrar a relação de dependência do possuidor que tem de fato o exercício pleno ou não de algum dos poderes inerentes a propriedade e, deste modo, possa avocar para si o direito possessório. Palavras-chave: Posse; Demonstração da Posse; Interditos Possessórios. “Resistência pacífica, mas não passiva contra as injustiças.” Mahatma Gandhi SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO................................................................................................... 09 2 HISTÓRICO DA POSSE ................................................................................... 10 3 HIPÓTESES DE POSSE .................................................................................... 12 3.1 HIPÓTESE SUBJETIVA ...................................................................................... 12 3.2 HIPÓTESE OBJETIVA ........................................................................................ 13 4 HIPÓTESE DE POSSE SEGUIDA PELO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO ............................................................................................................... 15 4.1 DEMONSTRAÇÃO DA POSSE NO ATUAL SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO ................................................................................................................. 16 5 CLASSIFICAÇÃO DA POSSE ........................................................................ 21 5.1 DISTINÇÃO ENTRE POSSE E DETENÇÃO .................................................... 21 5.2 POSSE DE BOA-FÉ ............................................................................................. 23 5.3 POSSE DE MÁ-FÉ ............................................................................................... 25 5.4 DISTINÇÃO ENTRE POSSE DIRETA E INDIRETA ...................................... 27 5.5 POSSE JUSTA E INJUSTA ................................................................................ 29 5.5.1 Posse Violenta ....................................................................................................... 30 5.5.2 Posse Clandestina .................................................................................................. 30 5.5.3 Posse Precária ....................................................................................................... 32 6 POSSE NOVA E POSSE VELHA .................................................................... 33 7 PROCEDIMENTOS DAS AÇÕES POSSESSÓRIAS ................................... 34 8 PROTEÇÃO POSSESSÓRIA ........................................................................... 35 9 AÇÃO DE INTERDITO PROIBITÓRIO ....................................................... 38 10 AÇÃO DE MANUTENÇÃO DE POSSE .......................................................... 41 11 AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE ...................................................... 43 12 CONCLUSÃO ..................................................................................................... 45 REFERÊNCIAS ............................................................................................................ 46 9 1 INTRODUÇÃO Com o presente trabalho, buscamos abordar os aspectos mais relevantes sobre o tema, tais como os meios de demonstração da posse, os ritos utilizados nas ações de posse nova e posse velha e as formas de defesas arraigadas na lei, sendo estas procedidas por meios processuais. De tal modo, o estudo do instituto da manifestação da posse nos interditos possessórios representa um dos contextos mais intensos derivado do direito civil brasileiro, sendo que este se embasa no direito de exercício dos poderes de fato sobre a coisa, sendo que para a sua proteção são utilizados os interditos possessórios, os quais detêm como desígnio principal a resolução rápida de um litígio perpetrado pela ameaça, turbação ou esbulho de outrem. Neste vértice, a posse é pressuposto imprescindível para o êxito dos interditos possessórios, eis que a sua cabal comprovação restará no êxito da ação proposta, posto que o seu desígnio é assegurar o exercício pleno da posse sobre a coisa daquele que a detém, mas está sofrendo justo receio de ser molestado, turbado ou esbulhado. Encetemos então a análise das questões que envolvem a manifestação da posse nas ações de interdito proibitório, manutenção de posse e reintegração de posse, pois são regidas por procedimento especial, o qual detém particularidades a serem observadas, passando primeiramente pelo histórico da posse. 10 2 HISTÓRICO DA POSSE A posse apresenta ascendência no Império Romano, onde era juridicamente resguardado como um direito. Todavia, com o passar do tempo, se arraigaram e convalidaram em duas vertentes, quais sejam a de Friedrich Carl Von Savigny e Rudolf Von Ihering respectivamente. Na teoria defendida por Savigny (subjetiva) a posse nasceu com a divisão das terras conquistadas pelos Romanos nas batalhas, as quais eram destinadas para a edificação de cidades e para serem loteados em pequenas propriedades, atribuídas aos cidadãos a título precário. Sendo que, por este motivo, estes cidadãos não podiam se amparar com a ação reivindicatória, eis que esta era restrita ao dono da propriedade. No entanto, para a proteção da posse destes indivíduos, fora instituído o interdito possessório, destinado à proteção do estado fático da posse. Assim, para Savigny animus domini e corpus devem ser contíguos para se manifestar a posse. O animus é a vontade de ser proprietário ou preencher um dos requisitos da propriedade. Sendo, portanto, imprescindível externar a vontade, de fato, que sujeito queira ter a coisa como sua. Já na tese esposada e sustentada por Ihering (objetiva) considera que a posse se configura com o corpus sem o animus, ou seja, demonstra-se a posse apenas com a exteriorização do corpus, o qual não é um mero contato físico. Ao contrario, é uma conduta de dono, a maneira como sujeito atua ante a coisa, exibindo, de forma veemente, o sua posse fática sobre a coisa. A esse propósito, Ihering assevera que: [...] em geral, o possuidor de uma coisa é ao mesmo tempo o seu proprietário. Ordinariamente o proprietário é o possuidor, e, enquanto subsistir tal relação normal, é inútil estabelecer-se uma distinção. [...] (2002, p.7) Em linhas finais, ambas as teorias foram utilizadas no Brasil, porém a que é seguida pelo nosso ordenamento jurídico é a de Ihering, como clareamento insculpido no Código Civil Brasileiro, no art. 1196: 11 Art. 1196- Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade. Por conseguinte, segundo o ensinamento do autor Fábio Ulhoa Coelho, a posse pode ser resguardada ou restituída por intermédio de três ações distintas, as quais são chamadas de interditos possessórios ou ações possessórias, sendo estas: [...] A manutenção de posse coíbe a turbação; a reintegração de posse, o esbulho; e o interdito proibitório, a ameaça (CC, art. 1.210; CPC, arts. 926 e 932). Mas não há prejuízo para o possuidor se ingressa com a medida inadequada ou se muda a situação de fato no curso do processo (a turbação torna-se esbulho, por exemplo), desde que os requisitos de ação apropriada estejam atendidos. A dificuldade na exata definição dos limites de cada hipótese de agressão e a dinâmica dos fatos não podem, por certo, prejudicar o possuidor. Por isso, a lei prescreve que “a propositura de uma ação possessória em vez de outra não obstará a que o juiz conheça do pedido e outorgue a proteção legal correspondente àquela, cujos requisitos estejam comprovados” (CPC, art. 920). É a regra da fungibilidade das ações possessórias. (2012, p. 47/48). Por fim, salienta-se que a demonstração da posse nos interditos é imprescindível, representando importante contribuição ao possuidor da coisa, mormente porque amortizam o caminho tortuoso da defesa da posse. 12 3 HIPÓTESES DE POSSE Sobre as hipóteses de posse, leciona Carlos Roberto Gonçalves: O estudo da posse é repleto de teorias que procuram explicar o seu conceito. Podem, entretanto, ser reduzidas a dois grupos: o das teorias subjetivas e o das objetivas. Para Savigny, cuja teoria integra o grupo das subjetivas, a posse caracteriza-se pela conjugação de dois elementos: o corpus, elemento objetivo que consiste na detenção física da coisa, e o animus, elemento subjetivo, que se encontra na intenção de exercer sobre a coisa um poder no interesse próprio (animus rem sibi habendi). Tanto o conceito do corpus como o do animus sofreram mutações na própria teoria subjetiva. O primeiro, inicialmente considerado simples contato físico com a coisa (é a situação daquele que mora na casa ou conduz o seu automóvel), posteriormente passou a consistir na mera possibilidade de exercer esse contato, tendo sempre a coisa à sua disposição. Assim, não o perde o dono do veículo que entrou no cinema e deixou-o no estacionamento. Denominada teoria objetiva, a de Ihering não empresta à intenção, ao animus, a importância que lhe confere a teoria subjetiva. Considera-o como já incluído no corpus e dá ênfase, na posse, ao seu caráter de exteriorização da propriedade. Para que a posse exista, basta o elemento objetivo, pois ela se revela na maneira como o proprietário age em face da coisa. Para Ihering, portanto, basta o corpus para a caracterização da posse. Tal expressão, porém, não significa contato físico com a coisa, mas sim conduta de dono. Tem posse quem se comporta como este, e nesse comportamento já está incluído o animus. A conduta de dono pode ser analisada objetivamente, sem a necessidade de pesquisar-se a intenção do agente. A posse, então, é a exteriorização da propriedade, a visibilidade do domínio, o uso econômico da coisa. Ela é protegida, em resumo, porque representa a forma como o domínio se manifesta. (2010. p. 15 e 16) Neste passo, mostra-se imperioso, entes de se adentrar ao assunto dos interditos, expor e refletir sobre as hipóteses subjetiva e objetiva, e a aplicada no ordenamento jurídico brasileiro. 3.1 HIPÓTESE SUBJETIVA A teoria subjetiva se manifesta com a conjugação de dois componentes, quais sejam o corpus e o animus domini. Ato contínuo mostra-se que o corpus é a posse física da coisa. Já o animus domini se converte na aspiração de ter a coisa como se dono o fosse, esse é o elemento relacionado à intenção do indivíduo. Nas palavras de Savigny, citado por Silvio Rodrigues: 13 Para Savigny a posse é o poder de dispor fisicamente da coisa, com o ânimo de considerá-la sua e defendê-la contra a intervenção de outrem. Encontramse, assim, na posse, dois elementos: um elemento material, o corpus, que é representado pelo poder físico sobre a coisa; e, um elemento intelectual, o animus, ou seja, o propósito de ter a coisa como sua, isto é, o animus rem sibi habendi. Os dois elementos são indispensáveis para que se caracterize a posse, pois, se faltar o corpus, inexiste relação de fato entre a pessoa e a coisa; e, se faltar o animus, não existe posse, mas mera detenção. (2003, p. 18) Nesta senda, segundo a doutrina da autora Maria Helena Diniz, não há como terceiro apresentar e exteriorizar o animus domini, senão sopesemos: Portanto, pela teoria subjetiva é inadmissível a posse por outrem, porque não podemos ter, para terceiro, a coisa com o desejo de que seja nossa, pois se não há vontade de ter a coisa como própria, haverá apenas detenção. (2009, p. 35) Deste modo, na hipótese subjetiva da posse, deve inegavelmente o possuidor da coisa, além de apresentar o corpus (posse fática da coisa), ter a vontade de ter a coisa como sua. 3.2 HIPÓTESE OBJETIVA Para Ihering (2002, p.7) a posse é a manifestação do domínio, eis que, para tanto, deverá o indivíduo estar envolto de um dos direitos do proprietário, sendo que estes direitos se aquinhoam em reaver, fruir, gozar e dispor livremente do bem. Veja-se que o animus domini é a intenção interna do detentor da coisa em querer ser o dono da mesma (IHERING, 2002). Na concepção de Silvio Rodrigues (2003, p. 20): “[...] é a conduta externa da pessoa que se apresenta numa relação semelhante ao procedimento normal de proprietário. Não há necessidade de que exerça a pessoa o poder físico sobre a coisa [...]” Acresça-se que para Ihering, mencionado por Maria Helena Diniz: 14 [...] o que importa é o uso econômico ou destinação socioeconômica do bem, pois qualquer pessoa é capaz de reconhecer a posse pela forma econômica de sua relação exterior com a pessoa. (2009, p. 37) Dessarte, a posse, na hipótese objetiva, se satisfaz apenas com o corpus, uma vez que a presença do animus domini se arraiga no poder fático desempenhado sob a coisa, ou seja, o animus é o elemento que abarca e externa um dos poderes da propriedade, quais sejam o de utilizar, gozar e dispor da coisa, e o direito de recuperála do poder de outrem que de maneira injusta a possua ou detenha. 15 4 HIPÓTESE DE POSSE SEGUIDA PELO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO O atual ordenamento jurídico brasileiro perfilhou-se à hipótese objetiva, elaborada por Ihering. Como pode ser entrevisto no Código Civil pátrio, através do seu Livro III, que trata das questões relativas à posse, sua classificação, modos de aquisição, efeitos e perda, avultam-se o seguinte artigo: Art. 1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade. De acordo com o autor Fábio Ulhoa Coelho, citando o artigo supramencionado, raciocina, à luz do Código Civil, sobre o conceito de posse como: [...] o exercício de fato de um ou mais poderes característicos do direito de propriedade. Essa noção deriva do conceito de possuidor, com o qual o Código Civil inaugura o Livro III da Parte Especial, atinente ao direito das coisas (art. 1.196). Quem titula a posse de algum bem age, assim, tal como o seu proprietário. O possuidor pode ser, e muitas vezes é, também o titular do direito de propriedade. Mas, mesmo não sendo o proprietário, o possuidor tem certos direitos tutelados pela ordem jurídica. [...] (2012, p.23). Quanto à tutela da posse, o artigo 1.210, e seus parágrafos, são claros ao dispor que: Art. 1.210. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado. § 1º O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse. § 2º Não obsta à manutenção ou reintegração na posse a alegação de propriedade, ou de outro direito sobre a coisa. Não obstante, encontramos no Código de Processo Civil, nos artigos 920 a 933, o embasamento das ações possessórias, as quais são os meios de defesa assegurados pelo 16 ordenamento pátrio com o desígnio de rechaçar a agressão de quem ameaça, molesta ou esbulha o possuidor. Neste prisma, insta transcrever o entendimento de Maria Helena Diniz (2009. p. 32): “Assim a posse, embora sendo um simples estado de fato, valorizou-se sobremaneira com o bafejo da legalidade que a alcançou, passando a merecer proteção jurídica por meio de ação própria.” Em remate, nos preceitos de Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery (2006, p. 704): “[...] O sujeito de direito que tem posse sobre uma coisa exerce alguns dos poderes próprios dos de proprietário (uso, gozo e, às vezes, o de disposição e o de recuperação de coisa), sem ostentar a situação jurídica de dono. [...]” 4.1 DEMONSTRAÇÃO DA POSSE NO ATUAL SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO Em princípio, é imperioso explanar sobre qual enfoque o direito brasileiro concede ou não a proteção aos possuidores que a pleiteiam, para, empós a elucidação deste tópico, discorrer como se procede à tutela possessória no hodierno sistema jurídico brasileiro. Tendo em vista que, como esparzido acima, a hipótese objetiva é a adotada pelo sistema jurídico brasileiro, necessitamos ter em mente quais são os requisitos que necessitam ser comprovados na inicial das ações possessórias, uma vez que a demonstração inequívoca destes requisitos sucederá, inegavelmente, no deferimento da liminar que dita o art. 928, do Código de Processo Civil, caso seja ação de força nova, e, ao final do litígio, com a procedência da ação proposta. De tal modo, ao ajuizar qualquer um dos interditos possessórios (interdito proibitório, reintegração ou manutenção de posse) é demandado ao autor que prove: Art. 927. Incumbe ao autor provar: I - a sua posse; II - a turbação ou o esbulho praticado pelo réu; III - a data da turbação ou do esbulho; IV - a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção; a perda da posse, na ação de reintegração. 17 Com efeito, tais pressupostos arrolados nos incisos do artigo 927, do CPC, são extremamente necessários para a concessão da tutela jurídica da posse, não restando diferença entre o ajuizamento da ação contra posse de força nova ou força velha. Acresça-se que estes pressupostos necessitam estar comprovados na peça inaugural, com a descrição da posse que exercia, no caso de esbulho, exerce com dificuldade, no caso de turbação, ou exerce na iminência da ocorrência de turbação ou esbulho, no caso de ameaça, bem como arrazoando qual agressão se visa repelir (esbulho, turbação ou ameaça), a data desta agressão e a continuidade ou perda da posse, nos casos de manutenção ou reintegração de posse. De outra banda, em que pese o artigo ventilado não mencionar expressamente os atos de ameaça, é preciso deixar claro que seu emprego é cabível na ação de interdito proibitório, haja vista a aplicação subsidiária de que trata o artigo 933, do Código de Processo Civil: Art. 933. Aplica-se ao interdito proibitório o disposto na seção anterior. Por conseguinte, as argumentações descritas pelo autor na inicial deverão ser demonstradas documentalmente, tendo como desígnio o deferimento, pelo juiz, da liminar inaudita altera pars (sem ouvir a outra parte) e initio litis (no início da lide), bem como na procedência da ação, com a confirmação da liminar outrora concedida. Igualmente, para a comprovação de todos os requisitos já citados, em relação às provas documentais que acompanharão a peça inaugural, podemos utilizar-se de: a) contas de água, luz e/ou telefone; b) fotografias antigas do exercício da posse, além de novas fotografias onde vislumbrar-se-ia o receio da ameaça, perpetração da turbação ou esbulho; c) boletim de ocorrência; d) escritura de compra e venda do imóvel; e) registro de imóvel; f) entre outros documentos. No entanto, em relação aos documentos necessários para o convencimento do juiz, mormente em cognição sumária para a concessão da medida liminar, é temerário ter como baldrame apenas documentos como escritura de compra e venda e registro de imóvel, uma vez que estes não comprovam o exercício da posse anterior, que é fática, mas tão somente a propriedade do bem. 18 Convergente a essa linha de pensamento, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul entendeu ser necessário para a reintegração de posse, além da comprovação da propriedade, o requerente deveria provar a posse anterior do imóvel: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. PEDIDO LIMINAR. INDEFERIMENTO. AUSENTES OS REQUISITOS DO ART. 927 DO CPC. A liminar de reintegração de posse se submete à observância dos requisitos do art. 927 do CPC: posse anterior, prática de esbulho, perda da posse em razão do ato ilícito, e data de sua ocorrência. In casu, inexiste comprovação do exercício de posse anterior do autor. A prova documental, formada por matrícula imobiliária e escritura pública de compra e venda serve apenas para comprovar a propriedade do bem e não a posse, que é fática. Mantida a decisão que indeferiu a liminar de reintegração de posse. NEGADO SEGUIMENTO AO RECURSO, por decisão monocrática. (Agravo de Instrumento Nº 70046832424, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nelson José Gonzaga, Julgado em 04/01/2012) Constituindo assim uma tarefa árdua a produção de prova documental do antecedente exercício da posse. Nesse sentido, necessário se faz mencionar a seguinte jurisprudência: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. REQUISITOS. ART. 927 DO CPC. POSSE ANTERIOR NÃO DEMONSTRADA. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. SENTENÇA CONFIRMADA. A reintegração de posse se submete à observância dos requisitos cumulativos do art. 927 do CPC, quais sejam: posse anterior; prática do esbulho pelo réu; data desse ato ilícito e a perda da posse. A posse, em sendo fato, provada deve ser. In casu, inexiste comprovação do exercício de posse anterior pela autora-apelante sobre o imóvel objeto da lide. Sem a prova da posse, não há como falar em esbulho. Mantida a decisão que julgou improcedente o pedido de reintegração de posse, em razão da ausência de prova da posse anterior. Fungibilidade entre demanda possessória e petitória. Inviabilidade. Precedentes desta Corte. Ademais, incabível o exame do pleito de imissão de posse no bojo de demanda possessória, sobretudo porque aquele se fundamenta no título de propriedade, inexistente no caso concreto. Sentença confirmada. NEGARAM PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME (TJ-RS - AC: 70056736119 RS , Relator: Nelson José Gonzaga, Data de Julgamento: 03/04/2014, Décima Oitava Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 08/04/2014) Mas então o que é necessário para que se reconheça, em especifico, ao autor da ação de interdito possessório a condição de possuidor? 19 Em primeiro lugar: é necessária à constatação de que o autor se comporte, com relação ao bem, com certa autonomia, uma vez que detê-lo de uma maneira passiva não caracteriza posse. Em segundo lugar: há, igualmente, os incisos do artigo 927, do CPC, o qual elenca fatos que devem ser provados pela parte autora, ao ingressar com a demanda possessória; dentre eles, consta, novamente, a posse. As ações possessórias são baseadas em estado de fato, em que se discute a titularidade da posse e não do domínio. Tem por finalidade a prevenção, manutenção e restituição da posse ao anterior possuidor, em caso de ameaça, turbação ou esbulho. Nesse diapasão, impende destacar o entendimento jurisprudencial: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO POSSESSÓRIA. REQUISITOS DO ART. 927 DO CPC. PRESENÇA. TUTELA DA POSSE JULGADA PROCEDENTE. PROVA DA POSSE E DA RESPECTIVA AGRESSÃO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. - Para que se obter o direito à tutela da posse de imóvel faz-se necessária a comprovação dos elementos elencados no art. 927 do CPC. - Provada a posse pelo autor e a agressão praticada pelo requerido, resta autorizada a procedência do pedido possessório. (TJ-MG - AC: 10325120004073001 MG , Relator: Leite Praça, Data de Julgamento: 28/08/2014, Câmaras Cíveis / 17ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 09/09/2014) Outrossim, elucida-se que o cumprimento da função social da propriedade não está arraigado no rol dos requisitos necessários (art. 927, do CPC) ao deferimento dos interditos possessórios, ou seja, não é pressuposto a ser preenchido para o deferimento ou não dos interditos em tela. A esse propósito importante destacarmos o entendimento jurisprudencial externado pelo Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais, com as ementas transcritas infra: PROCESSUAL CIVIL - APELAÇÃO - AÇÃO DE INTERDITO PROIBITÓRIO - CONFLITO AGRÁRIO - POSSE E AMEAÇA DE ESBULHO/TURBAÇÃO COMPROVAÇÃO REQUISITOS ESSENCIAIS PARA PROCEDÊNCIA DA AÇÃO PRESENTES - PROVA DA FUNÇAO SOCIAL DA TERRA - DESNECESSIDADE - - INSPEÇÃO JUDICIAL, AUDIÊNCIA PRÉVIA E INTIMAÇÃO PRÉVIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA CONCESSÃO DA LIMINAR POSSESSÓRIA - PROCEDIMENTOS NÃO OBRIGATÓRIOS QUESTÕES DECIDIDAS EM RECURSO ANTERIOR - CONVERSÃO DO MANDADO DE INTERDITO PROIBITÓRIO EM REINTEGRAÇÃO 20 OU MANUTENÇÃO DE POSSE - CABIMENTO SE CONCRETIZADA A AGRESSÃO À POSSE - RECURSO NÃO PROVIDO. - Comprovada a posse anterior do bem e o justo receio de ser molestado na posse, cabe o deferimento do interdito proibitório. - O cumprimento da função social da propriedade não está inserido no rol dos requisitos necessários ao deferimento da reintegração de posse, nos termos do art. 927 do CPC. - A concessão da liminar de proteção à posse não está vinculada à prévia realização de vistoria no imóvel ou de audiência de justificação, quando estes procedimentos forem considerados desnecessários, nem à prévia oitiva do Ministério Público, sendo que ao Juiz é reservado apreciar e decidir sobre a pertinência da medida, independentemente de providências prévias não obrigatórias ou necessárias. - A conversão do interdito proibitório em medida reintegratória ou de manutenção no caso de em que a ameaça a posse venha a ser convertida em agressão à posse propriamente dita é cabível tendo em vista que os conflitos possessórios são extremamente voláteis e face fungibilidade das ações possessórias. - Recurso não provido. (TJ-MG AC: 10024101759595002 MG , Relator: Márcia De Paoli Balbino, Data de Julgamento: 28/11/2013, Câmaras Cíveis / 17ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 10/12/2013) AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO POSSESSÓRIA - PEDIDO LIMINAR - AUDIÊNCIA DE JUSTIFICAÇÃO REALIZADA REQUISITOS DEMONSTRADOS - DEFERIMENTO - DECISÃO REFORMADA - RECURSO PROVIDO - Nas ações possessórias é necessário que o requerente comprove, cumulativamente, todos os requisitos previstos no artigo 927 do Código de Processo Civil, sob pena de indeferimento do pedido de liminar, quer seja de reintegração ou manutenção na posse do imóvel objeto da demanda. - Embora seja inegável a importância da função social da propriedade na ordem jurídica atual, contando inclusive com proteção constitucional a relativizar o direito de propriedade, a lei jamais exigiu a comprovação de seu cumprimento para fins de proteção possessória. - Deve ser deferido o pedido liminar de reintegração de posse da parte autora na área em litígio, quando as provas juntadas com a inicial da ação e colhidas na audiência de justificação prévia demonstram a posse anterior, bem como o esbulho praticado pela parte ré e a perda da posse. (TJ-MG - AI: 10313130047621001 MG , Relator: Evandro Lopes da Costa Teixeira, Data de Julgamento: 13/03/2014, Câmaras Cíveis / 17ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 25/03/2014) Dessarte, nunca é demais enfatizar: a proteção possessória da posse unicamente será deferida aquele que comprovar os requisitos retromencionados, sendo que, para tanto, utilizar-se-á de prova documental, testemunhal e, caso haja necessidade, de prova pericial. 21 5 CLASSIFICAÇÃO DA POSSE 5.1 DISTINÇÃO ENTRE POSSE E DETENÇÃO Em relação ao conceito de posse e detenção há certa dificuldade em distinguilas, assim, do ponto de vista do direito positivo vigente, para se conseguir diferenciálas, é necessário partir do disposto nos art. 1.196 e 1.198, ambos do Código Civil. Art. 1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade. Art. 1.198. Considera-se detentor aquele que, achando-se em relação de dependência para com outro, conserva a posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções suas. Parágrafo único. Aquele que começou a comportar-se do modo como prescreve este artigo, em relação ao bem e à outra pessoa, presume-se detentor, até que prove o contrário. O primeiro artigo supracitado considera como possuidor do bem aquele que exercite de fato, completo ou não, alguma das faculdades intrínsecas a propriedade, as quis se encontram disciplinadas no artigo 1228, do Código Civil: Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. Segundo o artigo 1198, do CC, quem, achando-se em relação de dependência para com outrem, conserva a posse em nome desta pessoa e atenda obedientemente às determinações ou instruções suas, será tão somente detentor do bem. O parágrafo único desse artigo prediz, ao revés, que aquele que começou a se comportar como detentor será considerado como tal, até que prove o contrário. Destra forma a diferença entre posse e detenção estaria no dispositivo legal que, em situações estritas preenchem ou não os requisitos da posse. 22 Vê-se que autor Carlos Roberto Gonçalves, mencionando a doutrina de Savigny, revela o ensinamento de que: [...] corpus identifica somente a detenção. Esta se eleva a posse quando se lhe acrescenta o animus específico, ou seja, o animus domini ou animus rem sibi habendi (vontade de possuir para si). Também só existe detenção se há apenas vontade de possuir para outrem ou em nome de outrem, como no caso de locação, comodato, usufruto etc. (2012, p. 62). Ao contrário do acenado por Savigny, devemos nos ater a linha de pensamento de Ihering, sendo esta a utilizada no Brasil, sendo que para explanar sobre a teoria objetiva adotada por tal, Gonçalves ilustra que: Outra é a concepção de detenção para a teoria objetiva de Ihering. Posse e detenção não se distinguem pela existência, na primeira, de um animus específico. Ambas se constituem dos mesmos elementos: o corpus, elemento exterior, e o animus, elemento interior, os quais se acham intimamente ligados, de modo indissociável, e se revelam pela conduta de dono. Para o mencionado jurista, posse, como foi dito, é a exterioridade, a visibilidade do domínio. Tem posse todo aquele que se comporta como proprie-tário. A detenção encontra-se em último lugar na escala das relações jurídicas entre a pessoa e a coisa. Na linha de frente estão a propriedade e seus desmembramentos; em segundo lugar, a posse de boa-fé; em terceiro, a posse; e, por fim, a detenção41. (2012, p. 62/63). Na concepção de Roberto Senise Lisboa, este não destoa ao articular que: A detenção, por si só, é fato que não importa na existência da intenção do sujeito de ficar com o bem. Basta que o detentor que exerce o poder de fato sobre a coisa corpórea atue por força de uma relação anterior com outra pessoa e que conserve a posse em nome dela. Enquanto a posse é exercida em nome próprio, a detenção é exercida em nome de outrem. (2012, p. 54). Cito, oportunamente, os seguintes julgados, onde se pode observar que a mera detenção de um bem não retira do legítimo possuidor o direito de reavê-lo: PROCESSUAL CIVIL- AGRAVO DE INSTRUMENTO- AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE C/C DEMOLITÓRIA- LIMINARESBULHO DE IMÓVEL PÚBLICO- POSSE INEXISTENTE, MERA DETENÇÃO - REQUISITOS DO ART. 927 DO CPC - PRESENÇA CONCESSÃO DA LIMINAR- CABIMENTO- REFORMA DA DECISÃO AGRAVADA- RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. Em ação de reintegração de posse ajuizada por concessionária de serviço público, se sumariamente demonstrado o esbulho praticado pelo réu há menos de ano e 23 dia e insubsistente a alegação de posse velha, em face da ocupação do bem público consistir mera detenção, impõe-se a concessão da liminar possessória. Recurso conhecido e provido. (TJ-MG,17ª Câm. Cív., Ag. Inst. Cv n. 1.0525.13.007305-5/001, Relª. Desª. Márcia De Paoli Balbino, j. 04.07.2013, DJe 16.07.2013). AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE MANUTENÇÃO DE POSSE - MEDIDA LIMINAR - MUNICÍPIO DE SALINAS - TERRENO RESERVADO PARA A CONSTRUÇÃO DE AVENIDA - OCUPAÇÃO DA ÁREA POR PARTICULAR, SEM AMPARO EM QUALQUER TÍTULO OU FATO LEGÍTIMO - MERA DETENÇÃO - NOTIFICAÇÃO PARA RETIRADA - ESBULHO CONFIGURADO - RECURSO NÃO PROVIDO. 1. Existência de indícios de que o imóvel ocupado pelo agravante pertence ao Município de Salinas, o qual pretende utilizá-lo para a construção de uma avenida, o que lhe confere, entre outros atributos, a posse do bem e o direito de reivindicá-lo. 2. Ocupação indevida por particular, na qualidade de mero detentor. Inteligência do art. 1.198 do Código Civil. 3. Esbulho configurado a partir do momento em que, devidamente notificado, o invasor recusa-se a desocupar o imóvel. 4. Preenchimento dos requisitos do art. 927 do Código de Processo Civil. Manutenção da decisão que deferiu o pedido liminar. 5. Recurso a que se nega provimento. (TJ-MG, Relator: Áurea Brasil, Data de Julgamento: 17/10/2013, Câmaras Cíveis / 5ª CÂMARA CÍVEL) Em conclusão, configurando-se a ocorrência de dependência de uma pessoa em relação a outrem, há detenção, eis que a situação aparente é distinta da situação real, que aparenta ser de posse. 5.2 POSSE DE BOA-FÉ Encetando-se o tema da posse de boa-fé, o artigo 1.201, do Código Civil, esclarece que na vertente da posse de boa-fé, esta caracteriza-se: “[...] se o possuidor ignora o vício, ou o obstáculo que impede a aquisição da coisa”. Em consideração a boa-fé, nos ensina Tartuce e Simão: A boa-fé subjetiva é chamada de boa-fé-crença, ou também de boa-fé em sentido psicológico e corresponde à Gutten Glauben, prevista no BGB Alemão... É a consciência ou ausência desta diante de determinada situação jurídica. [...] Pelo que consta desse importante dispositivo legal, primeiramente, o possuidor de boa-fé é aquele ou ignora os vícios que inquinam sua posse. Esses vícios podem ser os da violência, os a clandestinidade ou os da precariedade, mas não necessariamente, ou seja, os vícios estão presentes, mas são por ele desconhecidos. Daí, sua ausência de consciência significar boa-fé subjetiva. (2008, p. 55 e 56) 24 Sobre tal aspecto, Nelson Nery pondera que: “Na boa-fé o possuidor ignora, desconhece o vício ou o obstáculo impossibilitador da aquisição da posse.” (2006, p. 708) A corroborar com o exposto acima, insta trasladar o entendimento do renomado autor Roberto Senise Lisboa, no qual: Considera-se de boa-fé o possuidor: a) que está convencido de que se encontra legitimamente na posse da coisa; b) que já possua o bem por tempo equivalente ao exigido por lei para usucapião [...]; ou c) tenha se apropriado de res derelicta, isto é, coisa abandonada. (2012, p. 66). Portanto, a posse para se configurar de boa-fé deve exclusivamente o possuidor ignorar o vício ou obstáculo que lhe impedem de adquirir a coisa, estar convencido de que realmente detém posse legítima sobre o bem. O possuidor de boa-fé, se alegar ter realizado benfeitorias no imóvel onde detém posse, restará configurado o direito de retenção do bem, ou seja, este se manterá na posse do imóvel até a restituição dos valores despendidos. Assim, para exemplificar o caso telado, analisemos a ementa abaixo: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. COMODATO VERBAL. NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL. NÃO DESOCUPAÇÃO. POSSE DE BOA-FÉ. BENFEITORIAS. DIREITO DE RETENÇÃO. ART. 1.219 DO CÓDIGO CIVIL. LIMINAR INDEFERIDA. DECISÃO MANTIDA. - Se a Agravada é possuidora de boa-fé e alega existir benfeitorias, objeto da ação de dissolução da união estável, realizadas no imóvel ao longo de 09 (nove) anos de comodato, tenho como medida inerente ao poder cautelar geral que se preserve a Recorrida no imóvel, garantindo-lhe o direito de retenção do bem até a restituição dos valores despendidos (art. 1.219, do Código Civil). (TJ-MG - AI: 10702130292858001 MG , Relator: José Marcos Vieira, Data de Julgamento: 27/03/2014, Câmaras Cíveis / 16ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 07/04/2014) Neste segundo julgado os desembargadores do Tribunal de Justiça do Distrito Federal arrazoaram que, caso haja demonstração da boa-fé de ambos os litigantes de uma mesma demanda, merece a proteção possessória aquele que desempenha de fato o exercício da posse. 25 CIVIL. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. CONCESSÃO DE POSSE DE TERRENO PELA CODHAB A PESSOAS DISTINTAS. JUSTOS TÍTULOS. BOA-FÉ. PROTEÇÃO POSSESSÓRIA DEVIDA AQUELE QUE TENHA EFETIVA POSSE. SENTENÇA REFORMADA. 1 - NAS AÇÕES POSSESSÓRIAS, DADO O CARÁTER DÚPLICE, DEVE-SE PERQUIRIR QUAL DOS LITIGANTES DEMONSTROU OS REQUISITOS ELENCADOS NO ARTIGO 927, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL: SUA POSSE; TURBAÇÃO OU ESBULHO PRATICADO PELO EX-ADVERSE; DATA DA TURBAÇÃO OU ESBULHO; CONTINUAÇÃO OU PERDA DA POSSE, EM SE TRATANDO DE AÇÃO DE MANUTENÇÃO OU REINTEGRAÇÃO DE POSSE. 2 - TENDO A CODHAB CONFERIDO TÍTULOS DE POSSE A AMBOS OS LITIGANTES, AQUELE QUE OCUPA O TERRENO TEM PRESUNÇÃO DE FAZÊ-LO COM BOA-FÉ, E MERECE A PROTEÇÃO POSSESSÓRIA, MÁXIME QUANDO NO LOCAL EXERCE SUA MORADIA E DE SEUS FILHOS, CARACTERIZANDO O EFETIVO EXERCÍCIO DA POSSE. 3 - RECURSOS CONHECIDOS, NEGADO PROVIMENTO AO APELO DO AUTOR, E DADO PROVIMENTO AO APELO DA RÉ. (TJ-DF - APC: 20120510032298 DF 000313179.2012.8.07.0005, Relator: LEILA ARLANCH, Data de Julgamento: 16/10/2013, 1ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 17/01/2014 . Pág.: 61) 5.3 POSSE DE MÁ-FÉ Constata-se a posse de má-fé quando o possuidor é conhecedor de que sua posse não tem legitimidade jurídica e nela se perpetua. O art. 1.202, do Código Civil prevê: Art. 1.202. A posse de boa-fé só perde este caráter no caso e desde o momento em que as circunstâncias façam presumir que o possuidor não ignora que possui indevidamente. Nas palavras de Lisboa (2012, p. 66): “Posse de má-fé é aquela de cuja ilegitimidade o possuidor tem conhecimento, graças à existência de vício ou de obstáculo ao seu exercício.” Ainda, de acordo com as notas de Lisboa, a posse de boa-fé pode transformarse em posse de má-fé: [...] a partir do momento no qual o possuidor venha a tomar conhecimento da existência do vício ou do óbice que lhe impede a aquisição da coisa, mas permanece com ela. 26 A conversão da posse de boa-fé em posse de má-fé ocorre a partir do momento em que se estabelece que o possuidor não mais ignorava a situação injusta da posse. (2012, p. 66). De forma a exemplificar o delineado até agora, abstraímos dois julgados neste sentido, onde a jurisprudência aponta que os danos causados ao autêntico possuidor devem ser indenizados, bem como o possuidor de má-fé detém ciência de que sua posse não tem legitimidade jurídica e, mesmo assim, edifica moradia: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. DISCUSSÃO ACERCA DA IDONEIDADE DAS PERÍCIAS REALIZADAS. PRECLUSÃO CONSUMATIVA. REPARAÇÃO. PERDAS E DANOS. ESBULHO. POSSE CLANDESTINA E DE MÁ-FÉ. EXISTÊNCIA. INDENIZAÇÃO DEVIDA. VERBA HONORÁRIA. SENTENÇA CONDENATÓRIA. APLICAÇÃO DO ARTIGO 20, § 3º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. MANUTENÇÃO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NA PARTE CONHECIDA, NÃO PROVIDO. 1. Em se tratando de matéria que não foi objeto de análise da sentença recorrida, não pode o Tribunal conhecer da questão quando do julgamento do recurso de Apelação sob pena de ofensa ao princípio do duplo grau de jurisdição e supressão de instância. 2. Uma vez que a matéria já foi objeto de outro recurso, ocorre a preclusão consumativa da mesma, não podendo ser novamente arguida, em observância ao princípio da unirrecorribilidade das decisões. 3. Diante da existência de esbulho possessório e de posse clandestina e de má-fé por parte dos recorrentes, há sim dano a ser indenizado. 4. Em se tratando de sentença condenatória, a fixação da verba honorária deve observar o disposto no artigo 20, § 3º do Código de Processo Civil. (TJ-PR - AC: 5874817 PR 0587481-7, Relator: José Carlos Dalacqua, Data de Julgamento: 23/06/2010, 18ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ: 426) APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. POSSE DE MÁ-FÉ. Efetivamente, as provas documentais carreadas aos autos pela Autora comprovam ser ela donatária dos lotes em litígio, recebidos por Escritura Pública de Doação datada de 12 de dezembro de 2007 e registrada no Cartório de Registro de Imóveis do 2º Oficio, em 14 de dezembro de 2007. De outro lado, os Requeridos não fizeram qualquer comprovação das suas alegações, deixando a douta julgadora convicta dos vícios da posse por eles alegada, ou seja, da sua clandestinidade. Nenhum título de posse ampara a pretensão dos requeridos, por outro lado, sabendo eles tratar-se de um loteamento em uma área urbana, estavam certos de tratar-se de área pertencente a terceiros, o que preferiram ignorar e nela edificar suas moradias. Apelação Improvida. (TJ-BA - APL: 00023868920108050146 BA 0002386-89.2010.8.05.0146, Data de Julgamento: 16/07/2012, Primeira Câmara Cível, Data de Publicação: 17/11/2012) 27 5.4 DISTINÇÃO ENTRE POSSE DIRETA E INDIRETA No que tange a distinção da posse direta e indireta, esta se revela quando os poderes de titularidade são distintos. O Código Civil traz a conceituação de tais diferenças no artigo 1.197: Art. 1.197. A posse direta, de pessoa que tem a coisa em seu poder, temporariamente, em virtude de direito pessoal, ou real, não anula a indireta, de quem aquela foi havida, podendo o possuidor direto defender a sua posse contra o indireto. Nesse sentido as lições de Fiúza: A posse será direta, quando o possuidor exercer sobre a coisa poder físico, imediato. Não existe entre possuidor e coisa possuída qualquer tipo de obstáculo. Ao revés, será indireta a posse, quando entre o possuidor e a coisa houver algum tipo de obstáculo que impeça qualquer contato físico entre eles. Apesar do obstáculo, o possuidor continua agindo segundo age o dono. Pode continuar fruindo, por exemplo, ao receber aluguéis. Continua existindo a intenção de proceder como dono. (2008, p. 506/507). Desta feita, para clarificar o tópico aventado, em um contrato de locação (locador – posse indireta, locatário – posse direta), ocorre o esbulho da posse do locatário, tanto este, que detém o poder físico do bem sendo delimitado como possuidor direto, tanto o locador, que não tem o contato físico do bem apontado como possuidor indireto, poderão ajuizar ação possessória de reintegração de posse contra o invasor que perpetrou o esbulho. Revela-se, portanto, que ambos são possuidores e ambos detêm legitimidade para ingressar com o interdito possessório. Na esteira do exemplo aludido supra, temos os ensinamentos do conspícuo autor Gonçalves, o qual arremata que: [...]. O proprietário exerce a posse indireta, como consequência de seu domínio. O locatário, por exemplo, exerce a posse direta por concessão do locador. Uma não anula a outra. Ambas coexistem no tempo e no espaço e são posses jurídicas (jus pos-sidendi), não autônomas, pois implicam o exercício de efetivo direito sobre a coisa. (2012, p. 80). 28 Em conseguinte, na mesma linha de raciocínio de Rodrigues, este menciona alguns exemplos dados por Moreira Alves, no qual: [...] o proprietário, ao constituir sobre a coisa de sua propriedade direito de usufruto em favor de outrem, transferindo-lhe a posse direta da coisa, torna o usufrutuário possuidor direto dela, e fica como possuidor indireto; se o usufrutuário locar a coisa a terceiro, novo desmembramento da posse se verifica, tornando-se o locatário possuidor direto, e passando o usufrutuáriolocador a ser possuidor indireto, sem excluir, no entanto, da posse indireta o proprietário que constituiu o usufruto, pois surge entre ambos uma graduação de posses indiretas; e, ainda, se o locatário-possuidor direto sublocar a coisa, processa-se novo desdobramento, ficando o sublocatário com a posse direta, e ingressando o sublocador na escala de graduação das posses indiretas. (2012, p. 82). Colacionamos abaixo dois casos interessantes da jurisprudência onde mostrase a caracterização da posse direta e da posse indireta: CIVIL E PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE - ART. 927, CPC - REQUISITOS - COMPROVAÇÃO - MERA DETENÇÃO - COMODATO VERBAL - POSSE INDIRETA - ESBULHO - BENFEITORIAS ÚTEIS E VOLUPTUÁRIAS - RETENÇÃO IMPOSSIBILIDADE 1. Na ação de reintegração de posse, incumbe ao autor provar a sua posse, o esbulho praticado pelo réu, a data do esbulho e a perda da posse (art. 927 do CPC). 2. O fato de o requerente não residir no imóvel que recebeu em programa de habitação do Governo do Distrito Federal, por meio de concessão de uso, não afasta sua condição de possuidor indireto do imóvel. 3. A jurisprudência desta Corte vem esposando o entendimento de que a "ocupação gratuita e por tempo indeterminado equipara-se ao comodato sem prazo".(Acórdão n.172261- 5ª Turma Cível; Acórdão n.606937 - 4ª Turma Cível) 4. No comodato ocorre o desmembramento da posse, transferindo-se ao comodatário a posse direta, permanecendo o comodante com a posse indireta do bem. 5. "Ao possuidor de má-fé serão ressarcidas somente as benfeitorias necessárias; não lhe assiste direito de retenção pela importância destas, nem o de levantar as voluptuárias." (art. 1.220, CC) 6. Recurso conhecido e provido. (TJ-DF - APC: 20121010093102 DF 0009014-89.2012.8.07.0010, Relator: J.J. COSTA CARVALHO, Data de Julgamento: 28/05/2014, 2ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 13/08/2014 . Pág.: 123) AÇÃO POSSESSÓRIA. POSSE DIRETA EXERCIDA PELO APELADO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO ESBULHO OU DA AQUISIÇÃO ILÍCITA DA POSSE DE FATO. Independentemente da discussão relacionada com a posse indireta, o apelado demonstra que possui a posse direta do bem e, diante disso, o apelante não se desincumbiu do seu ônus de provar o esbulho ou aquisição ilícita da posse pelo possuidor de fato do bem imóvel. Recurso não provido. (TJ-SP - APL: 00018713020068260075 SP 0001871-30.2006.8.26.0075, Relator: Sandra Galhardo Esteves, Data de Julgamento: 10/09/2014, 12ª Câmara de Direito Privado) 29 Ultimando-se o tema, podemos dizer que, em caso de conflitos de interesses entre o possuidor direto e o possuidor indireto do bem, o litígio tanto pode ser resolvido em prol do primeiro quanto do segundo, tendo em vista que, como consubstanciado no artigo 1.197, do Código Civil Brasileiro, na doutrina e jurisprudência, aquele que conseguir se desincumbir de provar a posse (direta ou indireta), bem como a ocorrência de ameaça, turbação ou esbulho de sua posse por outrem, este será contemplado com a proteção possessória. 5.5 POSSE JUSTA E INJUSTA A posse injusta é derivada da violência, clandestinidade ou precariedade empreendida contra o titilar da posse do bem. Sendo que, ao revés disso, na posse justa não ocorre qualquer tipo de violência, clandestinidade ou precariedade, caracterizando-se, assim, que a posse foi passada livremente pelo antecedente possuidor ao novo possuidor do bem. Na teoria de Fábio Ulhoa Coelho: De início, convém distinguir entre aquisição justa e injusta da posse. Na primeira, não há violência, clandestinidade ou precariedade no ato que origina a substituição do titular do direito sobre a coisa. O antigo possuidor cede seus direitos ao novo, mediante remuneração contratada livremente entre eles, por exemplo. Na aquisição injusta, ao contrário, a violência, clandestinidade ou precariedade é a causa da substituição do titular. (2012, p. 39). Consequentemente, posse injusta é aquela viciada por violência, clandestinidade ou precariedade, como a posse em decorrência de invasão declarada, de invasão secreta ou de eventual entrada para se reformar ou construção de alguma benfeitoria. Ao seu tempo, é certo garantir que posse justa é aquela que não contém tais vícios, ou seja, a aquisição se mostra legítima, como bem abordado no artigo 1.200, do Código Civil: Art. 1.200. É justa a posse que não for violenta, clandestina ou precária. 30 5.5.1 Posse Violenta Sobre tal aspecto, merece ser externado o excelente magistério de Gonçalves, no qual disserta que: A violência pode ser física ou moral, aplicando-se-lhe os princípios que se extraem da doutrina da coação, apenas cuidando em adaptá-los. A coação deve, porém, ser exercida diretamente, no ato do estabelecimento da posse. As ameaças de toda sorte, que tenham como consequência o abandono da posse por parte de quem as sofreu, devem ser equiparadas à violência material, e tornam viciosa a posse assim adquirida. A violência estigmatiza a posse, impedindo que a sua aquisição gere efeitos no âmbito do direito. Ainda que exercida pelo proprietário, deve a vítima ser reintegrada, porque não pode o esbulhador fazer justiça pelas próprias mãos. (2012, p. 86). A violência no entendimento jurisprudencial deve ser também encarada com o emprego de meio ardil e sob o viés da ameaça, pois tal violência se concretiza de maneira física e/ou moral, consoante se verifica: Possessórias. Ação de reintegração de posse. Condomínio. Posse exercida exclusivamente pela autora. Esbulho praticado pela ré, que iniciou a ocupação do imóvel de forma vil. Em demandas possessórias cumpre verificar quem exercia melhor posse sobre o bem, sendo despiciendo analisar qual proprietário possui a maior parcela ideal do imóvel. E o conjunto probatório não deixa dúvida de que a autora exercia a posse do imóvel, de forma exclusiva, na época dos fatos, e que a ré obteve injustamente a posse, por meio de ardil e ameaça. É injusta a posse violenta, e de má-fé se o possuidor conhece o vício, ou o obstáculo que impede a aquisição da coisa (CC, arts. 1200 e 1201, contrario sensu). Apelação provida. (TJ-SP - APL: 00065946920098260566 SP 0006594-69.2009.8.26.0566, Relator: Sandra Galhardo Esteves, Data de Julgamento: 14/07/2014, 12ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 14/07/2014) 5.5.2 Posse Clandestina A posse clandestina se configura de maneira oculta, sem que o real possuidor e/ou proprietário da bem tenha ciência do que está ocorrendo. Nesta modalidade de vício não se discute a vontade do agente em ocultar a realidade, mas somente sob o enfoque de que o verdadeiro possuidor não tinha conhecimento da situação concreta, ou seja, da situação fática de sua posse. 31 Com apontamentos importantes sobre o contexto da posse clandestina, César Fiuza ensina que: Posse clandestina é a que se constitui às escondidas. É a posse do invasor que se apossa de terreno sem o conhecimento do dono. É a posse do ladrão que furta. A mesma regra da posse violenta se aplica à posse clandestina. Por outras palavras, passados um ano e um dia, sem que o legítimo possuidor tome providências no sentido de recuperar a posse perdida, a tença clandestina se convalesce de seu vício, tornando-se posse ad interdicta e merecendo, consequentemente, proteção possessória. (2008, p. 506). Não divergindo do entendimento de Fiuza, na visão de Gonçalves temos que a posse clandestina é aquela: [...] obtida furtivamente, que se estabelece sub-repticiamente, às ocultas da pessoa de cujo poder se tira a coisa e que tem interesse em conhecê-la. O ladrão que furta, que tira a coisa com sutileza, por exemplo, estabelece a posse clandestina, do mesmo modo que o ladrão que rouba estabelece a posse violenta. (2012, p. 74). Elegemos uma jurisprudência no sentido de que a ciência de vício na aquisição da coisa não permite a tutela jurídica, posto que a posse clandestina não assegura direitos possessórios: APELAÇÃO REINTEGRAÇÃO DE POSSE INDIVIDUALIZAÇÃO DO BEM REQUISITOS LEGAIS POSSE PRIMITIVA PROVA ESBULHO DATA POSSE CLANDESTINA MÁ-FÉ MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. - Individualização do bem: princípio de presunção do sistema registral prevalência da realidade fática (presunção relativa), em face do notável erro na transcrição imobiliária. Objeto bem delineado pelo MM. Magistrado, irresignação que pretende alterar a veracidade dos fatos conduta inadmissível; - Preenchimento regular dos requisitos legais à tutela possessória (artigos 333 e 927, ambos do Código de Processo Civil): posse anterior e esbulho possessório; - Posse clandestina boa-fé repelida. Inteligência do artigo 1.201, do Código Civil a ciência de vício na aquisição da coisa não permite a tutela jurídica da cadeia possessória evidenciada; Manutenção da decisão por seus próprios e bem lançados fundamentos artigo 252 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça de São Paulo; RECURSO NÃO PROVIDO. (TJ-SP - APL: 01896529020108260000 SP 0189652-90.2010.8.26.0000, Relator: Maria Lúcia Pizzotti, Data de Julgamento: 30/06/2014, 20ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 03/07/2014) 32 5.5.3 Posse precária Gonçalves, citando o renomado escritor Lafayette Rodrigues Pereira, expõe que a posse com o vício da precariedade é: [...] daqueles que, tendo recebido a coisa das mãos do proprietário por um título que os obriga a restituí-la em prazo certo ou incerto, como por empréstimo ou aluguel, recusam-se injustamente a fazer a entrega, passando a possuí-la em seu próprio nome. (2012, p. 74). Por derradeiro, para exemplificar o caso telado da posse injusta viciada pela precariedade, cotejamos dois julgados: APELAÇÃO REINTEGRAÇÃO DE POSSE COMODATO ÔNUS DA PROVA POSSE PRECÁRIA USUCAPIÃO NÃO VERIFICADA PROCEDÊNCIA DA DEMANDA. - O Código Civil de 2002 repete a doutrina alemã de posse (artigo 1.196), cuja natureza é essencialmente fática. A ação possessória, com base na natureza fática da posse, apresenta "tríplice estrutura fática" causa de pedir, pedido e sentença fática; - Vedada a exceção de domínio, com fulcro nos artigos 1.210, parágrafo 2º, do Código Civil, e 923 do Código de Processo Civil; - Com relação à posse precária, inexiste o ânimo de domínio, porque a precariedade nunca cessa e jamais produzirá efeitos jurídicos àquele que a mantém em nome de terceiro, como no caso do comodatário. O conhecimento do domínio faz com que a posse seja exercida sem animus domini, de modo que não tem posse ad usucapionem o comodatário, que tem ciência do exercício da posse para terceiro; Preenchimento regular dos requisitos legais à tutela possessória (artigos 333 e 927, ambos do Código de Processo Civil): posse anterior e esbulho possessório; RECURSO NÃO PROVIDO. (TJ-SP APL: 01560429620088260002 SP 0156042-96.2008.8.26.0002, Relator: Maria Lúcia Pizzotti, Data de Julgamento: 24/02/2014, 20ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 27/02/2014) DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DIREITO CIVIL. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. POSSE DEMONSTRADA. CONTRATO DE COMODATO. ESBULHO POSSESSÓRIO CONFIGURADO. POSSE PRECÁRIA. AGRAVO PROVIDO. 1. Demonstrada a posse indireta da parte requerente, decorrente de contrato de comodato, assim como o esbulho possessório, exteriorizado pela posse precária do réu que se recusa a desocupar o imóvel após ter sido notificado, torna-se imperativa a concessão da liminar de reintegração de posse pleiteada na inicial da possessória. 2. Agravo de instrumento à que se dá provimento. (TJPR, AI - 606887-3, Rel.: Francisco Jorge, J. 04.11.2009) 33 6 POSSE NOVA E POSSE VELHA O artigo 924, do Código de Processo Civil, nos dá o prazo: Art. 924. Regem o procedimento de manutenção e de reintegração de posse as normas da seção seguinte, quando intentado dentro de ano e dia da turbação ou do esbulho; passado esse prazo, será ordinário, não perdendo, contudo, o caráter possessório. Destarte, conseguimos visualizar que a posse nova é aquela que se concretizou em menos de ano e dia, e a posse velha a que se concretizou num período de mais de ano e dia. No entendimento do ilustre doutrinador Carlos Roberto Gonçalves, temos que: Não se deve confundir posse nova com ação de força nova, nem posse velha com ação de força velha. Classifica-se a posse em nova ou velha quanto à sua idade. Todavia, para saber se a ação é de força nova ou velha, leva-se em conta o tempo decorrido desde a ocorrência da turbação ou do esbulho. Se o turbado ou esbulhado reagiu logo, intentando a ação dentro do prazo de ano e dia, contado da data da turbação ou do esbulho, poderá pleitear a concessão da liminar (CPC, art. 924), por se tratar de ação de força nova. Passado esse prazo, no entanto, o procedimento será ordinário, sem direito a liminar, sendo a ação de força velha. É possível, assim, alguém que tenha posse velha ajuizar ação de força nova, ou de força velha, dependendo do tempo que levar para intentá-la, contado o prazo da turbação ou do esbulho, assim como também alguém que tenha posse nova ajuizar ação de força nova ou de força velha. (2008, p. 25) 34 7 PROCEDIMENTOS DAS AÇÕES POSSESSÓRIAS Em relação às ações de força nova, ajuizadas no período de ano e dia da data do esbulho ou turbação, versando sobre bem imóvel ou móvel, adota-se o procedimento especial, especificamente no Livro IV, do Código de Processo Civil, nos artigos 920 até 931. Ante as ações de força velha, tratando-se de bem imóvel ou móvel, adota-se o procedimento comum (sumário ou ordinário), delineado pelo Livro I, do Código de Processo Civil. Com relação ao interdito proibitório, a ação em regra será de força nova, eis que a ameaça de turbação ou de esbulho é sempre atual, no sentido de ainda não concretizada, conforme dicção dos artigos 932 e 933, do CPC. Além, é claro, de se seguir os requisitos do art. 282, do Código de Processo Civil, o autor deverá provar a sua posse, a turbação, o esbulho ou ameaça, a data da ofensa à posse e continuação na posse turbada (manutenção de posse), ou a perda da posse (reintegração de posse), ou a ameaça de turbação ou esbulho (interdito proibitório). Havendo o autor solicitado a liminar da tutela possessória (art. 928, CPC), deverá ser concedida initio litis (desde o começo) e inaudita altera pars (sem ouvir a outra parte) se o autor provar documentalmente os seus pressupostos. Caso contrário, deverá haver justificação prévia (art. 928, CPC), com a citação do requerido. Acolhida a justificação previa, o juiz expedirá mandado de manutenção, ou de reintegração de posse. Do deferimento ou não da liminar cabe agravo de instrumento. Procedimento similar é adotado no interdito proibitório: provado o justo receio de turbação ou de esbulho possessório, o Juiz, mediante justificação prévia pelo autor, poderá conceder mandado proibitório, com a cominação de pena pecuniária (artigos 461 e 461-A, ambos do Código de Processo Civil ). Por derradeiro, contestada a ação que fora ajuizada contra o ato de outrem, segue-se o rito ordinário, conforme prevê o artigo 931, do Código de Processo Civil. Art. 931 - Aplica-se, quanto ao mais, o procedimento ordinário. 35 8 PROTEÇÃO POSSESSÓRIA Ao titular da justa posse é facultada a utilização dos interditos possessórios quando for ameaçado, turbado ou esbulhado em sua posse. Com o desígnio de expulsar o intruso e, consequentemente, o retorno ao status quo ante da posse do justo possuidor do bem ou coisa. Versa trasladar o entendimento de Silvio Rodrigues, sobre a posse justa: [...], o titular de uma posse justa pode reclamar e obter a proteção possessória contra quem quer que o esbulhe, perturbe, ou o ameace em sua posse. Ainda que o autor do esbulho, turbação ou ameaça seja o próprio proprietário da coisa, tal proteção é concedida. Portanto, para que a posse ad interdicta se configure, basta que seja justa. Em rigor, perante terceiros, que não o proprietário, qualquer posse dá direito aos interditos. Com efeito, ainda que a posse tenha vícios, o possuidor será garantido em sua posse, contra terceiros que não tenham sido vítimas da violência, da clandestinidade, ou da precariedade, enfim, de terceiros que não tenham melhor posse, visto que estes nada podem arguir contra aquele. (2003. p. 26) Segundo Maria Helena Diniz, citando novamente Ihering: Para Ihering três são os fundamentos desses interditos: a) proteção da posse por ser ela a exteriorização do domínio; b) proteção da posse por meio de ações especiais para facilitar a defesa da propriedade, dispensando o proprietário de ter de provar seu direito em cada caso; c) proteção da posse, concebida desse modo, favorece o não-proprietário, porém trata-se de um inconveniente inevitável, não se podendo abrir mão dele ante as muitas vantagens resultantes da instituição e por ser aquela situação excepcional, pois o normal é estar a posse a serviço do legítimo proprietário. Logo, protege-se a posse e, por via oblíqua, a propriedade. [...] (2009, p. 83) Não longe disso, a lei dá a opção ao esbulhado ou turbado, o exercício da legítima defesa, através do desagravo contíguo, desde que utilizada brandamente, sob pena de responder pelo excesso, como consubstanciado no parágrafo 1º, do artigo 1.210, do Código Civil. Art. 1.210, § 1º O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse. 36 Neste ponto, existem duas hipóteses de autotutela descritas na lei, as quais se separam em duas vertentes, que são: legítima defesa, quando a posse é ameaçada e o desforço imediato, quando a posse é perdida. Na seara da legítima defesa institui o Código Civil. Art. 188. Não constituem atos ilícitos: I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido; Sendo assim, a legítima defesa da posse refere-se exclusivamente à hipótese em que o possuidor é turbado em sua posse, sendo-lhe autorizado a utilização deste meio de defesa, reagindo prontamente contra a turbação sofrida. Com relação ao desforço imediato, os escólios de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery: O desforço pessoal é espécie de autotutela autorizada pelo sistema, de modo que não tipifica o crime de exercício arbitrário das próprias razões (CP 345). É "ação direta", uma espécie de direito de resistência, porque a proibição da autodefesa, no sistema jurídico, não é absoluta. Tal prática consiste em o agente empregar força para evitar a inutilização prática de direito próprio. (2008. p. 859). A aplicabilidade restringe-se às situações em que a posse tenha sido esbulhada, permitindo ao agente esbulhado resistir e restituir-se na condição de possuidor, com o uso de suas próprias forças, desde que o faça imediatamente. Além das hipóteses supracitadas ainda existe a autotutela da posse que incide na defesa de sua posse com as próprias forças, uma vez que, com fidedigna urgência do caso, não seja possível a intervenção Estatal. Nesse raciocínio, o celebrado autor Paulo Nader preleciona: Na impossibilidade fática de se valer da proteção oficial, seja para conter injusta agressão a seu direito ou a de terceiros, seja para se opor a atos de turbação ou de esbulho, a pessoa pode reagir manu militari, moderadamente e com os meios necessários. O direito de reação está previsto no art. 25 do Código Penal (legítima defesa), arts. 188, I (legítima defesa) e 1210 § 1º, do Código Civil (autotutela da posse). Tais recursos que o direito positivo faculta ao possuidor correspondem à ordem natural das coisas. (2009, p. 64) 37 Insta salientar que nas hipóteses de autotutela não importa se a posse é justa ou injusta, de boa ou má-fé. Permitindo ao possuidor a resistência contra a turbação ou esbulho, bem como que este ato deve se configurar real, atual e injusto, não podendo, em hipótese alguma, ser considerado como uma possibilidade futura. 38 9 AÇÃO DE INTERDITO PROIBITÓRIO Haverá ameaça quando ocorrerem indícios de turbação ou de esbulho possessório ainda não consumados. Sendo a finalidade para qual fora feita a presente ação, ou seja, estando próximo o ato de turbação ou esbulho, o possuidor da coisa poderá, sem demora, ajuizar ação para que se abstenha o invasor de perpetrar o ato. Ao contrário das demais ações que adiante serão analisadas, a natureza desta é preventiva, ou seja, é utilizada para que não ocorra a turbação ou o esbulho da coisa ou bem da pessoa que se sentir ameaçada por outrem. No interdito proibitório não implica a intenção daquele que pretende praticar ou não o ato de turbação ou esbulho, sendo que é, tão somente, necessário ser almejado o cometimento da turbação ou esbulho para que a posse seja precavida dos atos que estão na iminência de acontecerem. Em fim, sendo a ação julgada procedente, aquele que está sofrendo o processo de interdito proibitório será terminantemente defeso de praticar o ato que almejará. E, caso não respeite a ordem emanada pelo Judiciário, correrá o risco de ser condenado ao pagamento de multa pecuniária cominada pelo Juiz, a qual geralmente é dada por dia de turbação ou esbulho. Assim levando em consideração que a natureza da condenação na ação de interdito proibitório é preventiva e visa coibir ações contra a posse, a característica peculiar que existe nesta ação é a cominação de multa para o caso de descumprimento à ordem judicial que determina ao requerido a abstenção de práticas atentatórias em face da posse do autor. Nas palavras de Carlos Roberto Gonçalves: O interdito proibitório assemelha-se à ação cominatória, pois prevê, como forma de evitar a concretização da ameaça, a cominação ao réu de pena pecuniária, caso transgrida o preceito. Deve ser pedida pelo autor e fixada pelo juiz, em montante razoável, que sirva para desestimular o réu de transgredir o veto, mas não ultrapasse, excessivamente, o valor do dano que a transgressão acarretaria ao autor. Quem indica o valor da pena pretendida é o autor. Nem por isso fica o juiz adstrito a essa avaliação, podendo reduzi-la, mas não aumentá-la. (2012, p. 173). 39 A propósito, sobre o valor o caráter inibitório da multa a ser fixada na ação de interdito proibitório, NELSON NERY assinala que: O valor deve ser significativamente alto, justamente porque tem natureza inibitória. O juiz não deve ficar com receio de fixar o valor em quantia alta, pensando no pagamento. O objetivo das astreintes não é obrigar o réu a pagar o valor da multa, mas obrigá-lo a cumprir a obrigação na forma específica. A multa é apenas inibitória. Deve ser alta para que o devedor desista de seu intento de não cumprir a obrigação específica. Vale dizer, o devedor deve sentir ser preferível cumprir a obrigação na forma específica a pagar o alto valor da multa fixada pelo juiz. (2001. p. 899) Neste sentido citamos conveniente julgado sobre o valor da multa e sua periodicidade, a qual, em regra, é fixada em dias/multa: PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE INTERDITO PROIBITÓRIO. AMEAÇA AO EXERCÍCIO DA POSSE CONFIGURADA PELO IMPEDIMENTO DA REALIZAÇÃO DE MUDANÇA NAS UNIDADES INADIMPLENTES DENTRE ELAS A DOS AUTORES. LIMINAR DEFERIDA PARA ASSEGURAR O LIVRE ACESSO DOS PROPRIETÁRIOS AO APARTAMENTO SOB PENA DE MULTA DIÁRIA DE R$ 1.000,00 (MIL REAIS). ALEGAÇÃO DOS AUTORES DA CRIAÇÃO DE EMPECILHOS PELO RÉU PARA A EFETIVAÇÃO DA MUDANÇA POR 18 (DEZOITO DIAS) APÓS A CIÊNCIA DA DECISÃO JUDICIAL QUE ARBITROU AS ASTREINTES. INSUBSISTÊNCIA. DESCUMPRIMENTO DA ORDEM JUDICIAL NÃO EVIDENCIADO PELO RELATO DAS TESTEMUNHAS. ÔNUS DA PROVA QUE COMPETIA AOS AUTORES. DIREITO À PERCEPÇÃO DAS ASTREINTES NÃO CONFIGURADO. EXEGESE DO ART. 333, I, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. SENTENÇA REFORMADA NESTE PONTO. RECURSO PROVIDO. É da dicção do art. 333, I, do Código de Processo Civil que incumbe ao autor o ônus da prova acerca dos fatos constitutivos de seu direito. (TJ-SC - AC: 371010 SC 2010.037101-0, Relator: Marcus Tulio Sartorato, Data de Julgamento: 27/07/2010, Terceira Câmara de Direito Civil, Data de Publicação: Apelação Cível n. , de São José) Destarte, a multa diária – astreinte – deve ser fixada em valor razoável, justamente para compelir a parte obrigada a cumprir a determinação judicial e, de outro norte, impedir que não volte a reincidir em atitude perniciosa, não existindo, a priori, limite para a quantificação da mesma, sendo que o juiz, ao analisar as peculiaridades do caso concreto, a capacidade econômica das partes e a natureza da obrigação a ser cumprida, deverá procurar um valor adequado a incutir na vontade do 40 devedor, sem que seja exasperada a ou homeopática tal valor e sua periodicidade, conforme dita o art. 461, § 6, do Código de Processo Civil: Art. 461 - Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. (Alterado pela L-008.952-1994) § 6º O juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva. 41 10 AÇÃO DE MANUTENÇÃO DE POSSE Ocorre a turbação quando o terceiro apenas perturba o livre exercício da posse, sem haver o desapossamento, por completo, do possuidor da coisa ou bem. Neste caso, o possuidor pode ajuizar ação de manutenção de posse. Com relação ao instituto do esbulho, Silvio de Salvo Venosa leciona que: [...] os atos turbativos podem ser positivos, como invasão de parte de imóvel, ou negativos, como impedir que o possuidor se utilize da porta ou do caminho de ingresso em seu imóvel[...] ( 2003. p. 141). Por turbação devemos compreender que se constitui de “todo ato que embaraça o livre exercício da posse” (GONÇALVES, 2008, p. 56). No entendimento do autor Roberto Senise Lisboa, este assevera que: A ação de manutenção da posse ou interdito de força turbativa objetiva a defesa da posse em face de atos de turbação praticados por outrem. Não se discute por essa via processual a qualidade de direito daquele que efetuou a turbação e nem mesmo a natureza do dano ou se ele é extenso, mas tão somente o fato perturbador da posse. Daí por que a ação pode ser julgada procedente mesmo contra o proprietário da coisa. Turbação é qualquer ato que dificulta o exercício da posse, porém não o suprime. Os atos turbativos podem ser positivos ou negativos, porém poderá o autor, ao efetuar o pedido, cumulá-lo com pedido de natureza cominatória que objetiva fazer cessar a turbação; ou, ainda, obter a indenização por perdas e danos. (2012, p. 78) Deste modo, com a apresentação e demonstração da posse anterior a turbação sofrida, será, irrefragavelmente, julgada procedente a demanda ajuizada pela parte requerente. Para exemplificar e corroborar na compreensão da diferença entre a presente ação de manutenção de posse com a de reintegração de posse colacionamos as seguintes jurisprudências: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. POSSUIDOR QUE NÃO FOI PRIVADO DA POSSE. TURBAÇÃO CARACTERIZADA. FUNGIBILIDADE DOS INTERDITOS POSSESSÓRIOS. AGRESSORES QUE NÃO COMPROVARAM SEREM OS VERDADEIROS POSSUIDORES DA ÁREA CUJA UTILIZAÇÃO 42 TERIA SIDO PERMITIDA OU TOLERADA AO AUTOR. REQUISITOS DA MANUTENÇÃO DE POSSE DEMONSTRADOS. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. Configura turbação e não esbulho quando o possuidor não é privado da posse, mas apenas tem o seu exercício prejudicado. 2. Mesmo que o autor tenha formulado pedido de reintegração de posse, nada obsta que lhe seja dada a proteção legal correspondente à turbação, tendo em vista o princípio da fungibilidade que rege os interditos possessórios (CPC, art. 920). 3. Na permissão e tolerância, o real possuidor, respectivamente, autoriza expressamente ou consente tacitamente que terceiro utilize a coisa, sendo que a parte que se encontra em estado de submissão não pode evitar que a outra as desconstitua, unilateralmente, já que se acha em situação de poder transitório e efêmero sobre a coisa, inibindo eventual caracterização da posse. 4. Em sede de ação de manutenção de posse, incumbe ao autor provar o exercício anterior da posse, a turbação e a data de seu início e a continuação na posse, embora turbada (CPC, art. 927). (TJ-PR - AC: 7268333 PR 0726833-3, Relator: José Carlos Dalacqua, Data de Julgamento: 26/01/2011, 18ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ: 566) AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE MANUTENÇÃO DE POSSE. IMÓVEIS VIZINHOS. LIMINAR DEFERIDA PELO JÚÍZO A QUO APÓS A REALIZAÇÃO DE AUDIÊNCIA DE JUSTIFICAÇÃO PRÉVIA. PROVA ORAL QUE COMPROVOU QUANTO SATIS A POSSE ANTERIOR EXERCIDA PELOS AUTORES SOBRE A ÁREA RECLAMADA, BEM COMO A TURBAÇÃO PERPETRADA PELO REQUERIDO, CONSISTENTE NA ALTERAÇÃO DO RUMO DA CERCA QUE FAZIA A DIVISA ENTRE OS IMÓVEIS. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE OU TERATOLOGIA. RECURSO DESPROVIDO. O exame da liminar em ação possessória é decisão personalíssima e de prudente arbítrio do juiz processante, suscetível de melhor sopesamento da vantagem da medida, sendo admitido o seu reexame pela via do agravo, somente em casos excepcionais de manifesta teratologia ou ilegalidade. (TJPR - Ação Civil de Improbidade Administrativa: 9579708 PR 957970-8 (Acórdão), Relator: Lauri Caetano da Silva, Data de Julgamento: 27/02/2013, 17ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ: 1066 25/03/2013) 43 11 AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE Dá-se o esbulho quando o possuidor é desapossado totalmente da coisa por terceiro, saindo esta da esfera de disponibilidade do possuidor por ato injusto de terceiro, cabendo-lhe deflagrar a ação de reintegração de posse. Neste sentido aduz o eminente jurista Carlos Roberto Gonçalves: O esbulho consiste no ato pelo qual o possuidor se vê privado da posse mediante violência, clandestinidade ou abuso de confiança. Acarreta, pois, a perda da posse contra a vontade do possuidor. (2012, p. 153). A reintegração de posse guardar similitude com a manutenção de posse. Sendo que, no tocante a diferença, esta se mostra na dicção do artigo 926, do Código de Processo Civil: Art. 926 - O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação e reintegrado no de esbulho. Deste modo o possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, enquanto no caso de esbulho, este deve ser reintegrado a sua posse injustamente retirada. A reintegração é a ação promovida pelo esbulhado a fim de recuperar a posse perdida em razão de violência, clandestinidade ou precariedade. Na vertente do prazo, quando o esbulho tiver sido perpetrado a menos de ano e dia, teremos “ação de força nova”, na qual o esbulhado, requerendo a liminar, poderá ser beneficiado com um mandado para reintegração no ato. Quando houver passado mais de ano e dia, “ação de força velha”, sendo que esta tramitará pelo rito sumário ou ordinário, no entanto, nada impede que o requerente solicite a antecipação de tutela ao revés do pedido liminar, sendo que deverá atender as peculiaridades do art. 273, do Código de Processo Civil. Vale lembrar que, ambas as ações – força nova e velha –, com a apresentação da contestação, obrigatoriamente, deverão seguir o rito ordinário. 44 Nesse apuro, é necessário não perder de vista a posição que a jurisprudência paranaense vem assumindo diante da matéria em exame, conforme se depreende das seguintes ementas: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. COMODATO VERBAL. NOTIFICAÇÃO PARA DESOCUPAÇÃO DESATENDIDA. ESBULHO CARACTERIZADO A MENOS DE ANO E DIA. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS DOS ARTIGOS 924 E 927, AMBOS DO CPC. DESOCUPAÇÃO VOLUNTÁRIA. PRAZO MÍNIMO 30 DIAS. ELASTECIMENTO. ASTREINTE. VALOR ADEQUADO, PROPORCIONAL E EFICAZ PARA CUMPRIMENTO DA DETERMINAÇÃO JUDICIAL. INTELIGÊNCIA DO § 5º DO ART. 461 DO CPC. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (TJ-PR, Relator: Luis Sérgio Swiech, Data de Julgamento: 14/03/2014, 17ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ: 1299) AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. LIMINAR DEFERIDA. DECISÃO MANTIDA. PARTE INTERESSADA QUE DEMONSTROU A PRESENÇA DOS REQUISITOS LEGAIS PARA CONCESSÃO DA LIMINAR POSSESSÓRIA. ART. 927, CPC. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE OU TERATOLOGIA QUE JUSTIFIQUE A REFORMA DA DECISÃO DE 1º GRAU. RECURSO DESPROVIDO. O exame da liminar em ação possessória é decisão personalíssima e de prudente arbítrio do juiz processante, suscetível de melhor sopesamento da vantagem da medida, sendo admitido o seu reexame pela via do agravo, somente em casos excepcionais de manifesta teratologia ou ilegalidade, aqui não vislumbradas. (TJ-PR - APL: 10441100 PR 1044110-0 (Acórdão), Relator: Lauri Caetano da Silva, Data de Julgamento: 06/11/2013, 17ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ: 1241) CIVIL E PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. PEDIDO JULGADO PROCEDENTE. COMODATO VERBAL. CONFIGURAÇÃO. RELAÇÃO EMPREGATÍCIA ENTRE AS PARTES. RESTITUIÇÃO DO BEM. NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL. INÉRCIA. ESBULHO POSSESSÓRIO CARACTERIZADO. PRESENÇA DOS REQUISITOS DO ART. 927 DO CPC. RECURSO DESPROVIDO. 1. Na ação de reintegração de posse, é imprescindível a configuração de todos os requisitos legais, quais sejam: a posse anterior do imóvel, a perda da posse e a prática do esbulho nos termos do art. 927, do CPC. Comprovados os referidos requisitos, a concessão da proteção possessória é medida que se impõe. 2. O não atendimento da notificação, para a desocupação do imóvel, configura o esbulho autorizador da reintegração de posse postulada. (TJ-PR 8538990 PR 853899-0 (Acórdão), Relator: Lauri Caetano da Silva, Data de Julgamento: 07/11/2012, 17ª Câmara Cível). 45 12 CONCLUSÃO O Presente trabalho buscou abordar os aspectos sobre instituto da posse através de sua manifestação nas ações possessórias existentes no ordenamento jurídico brasileiro, eis que as apresentadas são a de interdito proibitório, manutenção de posse e reintegração de posse. Ainda versou o presente trabalho em apresentar quais são os requisitos peculiares dos interditos possessórios em relação à demonstração da posse. O ordenamento brasileiro hodierno manteve a teoria objetiva confeccionada e explanada por Ihering. Versa repisar que a legislação estudada, com relação à posse, atende a uma preocupação em proteger a pessoa que sofreu uma ameaça, turbação ou esbulho de um bem ou coisa que é possuidor. Muito embora o tema em apreço se encontre definido no texto legal, com relação à jurisprudência doutrina encontramos diversas interpretação e classificações nos efeitos da posse, como o caso jurisprudencial mencionado onde não é possível tão somente demonstrar a posse por intermédio de documentos como o registro de imóvel e escritura pública de compra e venda, pois estes documentos por si só não comprovam a posse fática anterior sobre o bem. Destarte, almejou-se ter discorrido e explanado sobre os aspectos mais importantes da posse em relação aos interditos possessórios esposados. Em arremate, o instituto da posse deve ser demonstrado copiosamente para que se consiga obter êxito nos interditos proibitórios. 46 REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1998. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 01 Jul. 2014. ______. Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5869compilada.htm>. Acesso em: 03 Jul. 2014. ______. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 07 Jul. 2014. CÂMARA, Alexandre de Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 15. ed. Rio de Janeiro: 2009. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso De Direito Civil, Volume 4: Direito Das Coisas. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. DINIZ, Maria Helena. Curso De Direito Civil Brasileiro, Volume 4: Direito Das Coisas. 24. ed. São Paulo: Saraiva. 2009. FIUZA, César. Direito Civil. Curso Completo. 12 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito das Coisas. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008. ______. Coleção Sinopses Jurídicas, Volume 3: Direito das Coisas. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. ______. Direito Civil Brasileiro, volume 5: Direito das Coisas. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. IHERING, Rudolf von. Teoria Simplificada da Posse. 2. Ed. São Paulo: Edipro, 2002. LISBOA, Roberto Senise. Manual De Direito Civil, Volume 4: Direitos Reais e Direitos Intelectuais, 6. ed. – São Paulo: Saraiva, 2012 NADER, Paulo. Curso de Direito Civil. Volume 4: Direito das Coisas. Rio de Janeiro: Forense, 2009. NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado e Legislação Processual Civil Extravagante em Vigor. 5. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. 47 ______. Código Civil Comentado. 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. ______. Código Civil Comentado. 6ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, Volume 5: Direito Das Coisas. 28 ed. São Paulo: Saraiva, 2003. TARTUCE, Flávio e SIMÃO, José Fernando. Direito das Coisas. 1 ed. São Paulo: Método, 2008. VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. Direitos Reais. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2003. ______. Código Civil Interpretado. São Paulo: Atlas, 2012.