UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ
DANIEL RIBEIRO DA SILVA
A MANIFESTAÇÃO DA POSSE NAS AÇÕES DE INTERDITOS
POSSESSÓRIOS
CURITIBA
2014
DANIEL RIBEIRO DA SILVA
A MANIFESTAÇÃO DA POSSE NAS AÇÕES DE INTERDITOS
POSSESSÓRIOS
Projeto de Pesquisa apresentado ao Curso de Direito da
Universidade Tuiuti do Paraná, com o intuito da
obtenção do título de Bacharel em Direito.
Orientador: Prof. Dr. Marcelo Nogueira Artigas
CURITIBA
2014
TERMO DE APROVAÇÃO
DANIEL RIBEIRO DA SILVA
A MANIFESTAÇÃO DA POSSE NAS AÇÕES DE INTERDITOS
POSSESSÓRIOS
Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado e aprovado para obtenção do título
de Bacharel no Curso de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná.
Curitiba, ____de________de 2014.
Prof. Doutor Eduardo de Oliveira Leite
Coordenador do Núcleo de Monografias
Universidade Tuiuti do Paraná
Orientador:
Prof. Doutor Marcelo Nogueira Artigas
Faculdade de Ciências Jurídicas
Universidade Tuiuti do Paraná
Prof.____________________________________
Faculdade de Ciências Jurídicas
Universidade Tuiuti do Paraná
Prof.____________________________________
Faculdade de Ciências Jurídicas
Universidade Tuiuti do Paraná
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho à Deus, aos meus pais pelas palavras de incentivo,
carinho e amor, que sempre me ajudaram nos momentos difíceis a nunca desistir desta
peregrinação, alcançando ao final o meu objetivo que é a conclusão deste curso. Ao
meu irmão, pelas palavras de força e coragem para seguir em frente e não desistir na
metade do caminho. Aos meus amigos que sempre me desejaram o melhor e por
ficarem ao meu lado tanto nas alegras quando nos dias enfadonhos da vida.
AGRADECIMENTOS
Os agradecimentos aqui transcritos, de maneira especial se fazem a Deus,
soberano ser que nos concedeu a saúde e sua infinita graça e a plena capacidade de
administrar as faculdades mentais e nos abençoar no decorrer dos anos seguidos na
edificação íngreme da graduação deste acadêmico autor deste projeto, a minha família
e amigos, pois ofereceram total apoio no comprometimento de cada fase construída
nas etapas deste curso, e que souberam compreender a importância deste momento de
intenso trabalho que muitas vezes justificou a ausência deste acadêmico.
Indubitavelmente queremos fazer notórias as congratulações a todos que de
uma maneira indireta incentivaram, mesmo que singelamente, pela realização deste
trabalho e pela trajetória percorrida, onde se almejou transcender todas as barreiras
para chegarmos a onde estamos.
RESUMO
O presente trabalho monográfico foi desenvolvido com a pretensão voltada a delimitar
concisamente como é realizada a demonstração da posse nas ações de interditos
possessórios (interdito proibitório, manutenção de posse e reintegração de posse). O
método empregado foi o de revisão bibliográfica, onde se buscou obras em língua
portuguesa, artigos e jurisprudências atuais sobre o tema, sendo que as obras
selecionadas foram sopesadas e organizadas por meio de tópicos de interesse do
estudo, procurando fazer um estudo dissertativo e analítico sucinto da manifestação da
posse nas ações de interditos possessórios, encetando-se pelo histórico da posse e
apresentando em conclusão a apreciação das modalidades destas ações no âmbito
jurídico brasileiro, bem como sobre o aspecto de comprovação da posse nestas ações,
abordando, em especial, os pressupostos que devem ser preenchidos para se obter êxito
em uma ação possessória. Por fim, tal trabalho almeja demonstrar a relação de
dependência do possuidor que tem de fato o exercício pleno ou não de algum dos
poderes inerentes a propriedade e, deste modo, possa avocar para si o direito
possessório.
Palavras-chave: Posse; Demonstração da Posse; Interditos Possessórios.
“Resistência pacífica, mas não passiva contra as
injustiças.”
Mahatma Gandhi
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO................................................................................................... 09
2
HISTÓRICO DA POSSE ................................................................................... 10
3
HIPÓTESES DE POSSE .................................................................................... 12
3.1 HIPÓTESE SUBJETIVA ...................................................................................... 12
3.2 HIPÓTESE OBJETIVA ........................................................................................ 13
4
HIPÓTESE DE POSSE SEGUIDA PELO ORDENAMENTO JURÍDICO
BRASILEIRO ............................................................................................................... 15
4.1 DEMONSTRAÇÃO DA POSSE NO ATUAL SISTEMA JURÍDICO
BRASILEIRO ................................................................................................................. 16
5
CLASSIFICAÇÃO DA POSSE ........................................................................ 21
5.1 DISTINÇÃO ENTRE POSSE E DETENÇÃO .................................................... 21
5.2 POSSE DE BOA-FÉ ............................................................................................. 23
5.3 POSSE DE MÁ-FÉ ............................................................................................... 25
5.4 DISTINÇÃO ENTRE POSSE DIRETA E INDIRETA ...................................... 27
5.5 POSSE JUSTA E INJUSTA ................................................................................ 29
5.5.1 Posse Violenta ....................................................................................................... 30
5.5.2 Posse Clandestina .................................................................................................. 30
5.5.3 Posse Precária ....................................................................................................... 32
6
POSSE NOVA E POSSE VELHA .................................................................... 33
7
PROCEDIMENTOS DAS AÇÕES POSSESSÓRIAS ................................... 34
8
PROTEÇÃO POSSESSÓRIA ........................................................................... 35
9
AÇÃO DE INTERDITO PROIBITÓRIO ....................................................... 38
10
AÇÃO DE MANUTENÇÃO DE POSSE .......................................................... 41
11
AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE ...................................................... 43
12
CONCLUSÃO ..................................................................................................... 45
REFERÊNCIAS ............................................................................................................ 46
9
1 INTRODUÇÃO
Com o presente trabalho, buscamos abordar os aspectos mais relevantes sobre
o tema, tais como os meios de demonstração da posse, os ritos utilizados nas ações de
posse nova e posse velha e as formas de defesas arraigadas na lei, sendo estas
procedidas por meios processuais.
De tal modo, o estudo do instituto da manifestação da posse nos interditos
possessórios representa um dos contextos mais intensos derivado do direito civil
brasileiro, sendo que este se embasa no direito de exercício dos poderes de fato sobre a
coisa, sendo que para a sua proteção são utilizados os interditos possessórios, os quais
detêm como desígnio principal a resolução rápida de um litígio perpetrado pela
ameaça, turbação ou esbulho de outrem.
Neste vértice, a posse é pressuposto imprescindível para o êxito dos interditos
possessórios, eis que a sua cabal comprovação restará no êxito da ação proposta, posto
que o seu desígnio é assegurar o exercício pleno da posse sobre a coisa daquele que a
detém, mas está sofrendo justo receio de ser molestado, turbado ou esbulhado.
Encetemos então a análise das questões que envolvem a manifestação da posse
nas ações de interdito proibitório, manutenção de posse e reintegração de posse, pois
são regidas por procedimento especial, o qual detém particularidades a serem
observadas, passando primeiramente pelo histórico da posse.
10
2 HISTÓRICO DA POSSE
A posse apresenta ascendência no Império Romano, onde era juridicamente
resguardado como um direito. Todavia, com o passar do tempo, se arraigaram e
convalidaram em duas vertentes, quais sejam a de Friedrich Carl Von Savigny e
Rudolf Von Ihering respectivamente.
Na teoria defendida por Savigny (subjetiva) a posse nasceu com a divisão das
terras conquistadas pelos Romanos nas batalhas, as quais eram destinadas para a
edificação de cidades e para serem loteados em pequenas propriedades, atribuídas aos
cidadãos a título precário. Sendo que, por este motivo, estes cidadãos não podiam se
amparar com a ação reivindicatória, eis que esta era restrita ao dono da propriedade.
No entanto, para a proteção da posse destes indivíduos, fora instituído o interdito
possessório, destinado à proteção do estado fático da posse.
Assim, para Savigny animus domini e corpus devem ser contíguos para se
manifestar a posse. O animus é a vontade de ser proprietário ou preencher um dos
requisitos da propriedade. Sendo, portanto, imprescindível externar a vontade, de fato,
que sujeito queira ter a coisa como sua.
Já na tese esposada e sustentada por Ihering (objetiva) considera que a posse
se configura com o corpus sem o animus, ou seja, demonstra-se a posse apenas com a
exteriorização do corpus, o qual não é um mero contato físico. Ao contrario, é uma
conduta de dono, a maneira como sujeito atua ante a coisa, exibindo, de forma
veemente, o sua posse fática sobre a coisa.
A esse propósito, Ihering assevera que:
[...] em geral, o possuidor de uma coisa é ao mesmo tempo o seu
proprietário. Ordinariamente o proprietário é o possuidor, e, enquanto
subsistir tal relação normal, é inútil estabelecer-se uma distinção. [...] (2002,
p.7)
Em linhas finais, ambas as teorias foram utilizadas no Brasil, porém a que é
seguida pelo nosso ordenamento jurídico é a de Ihering, como clareamento insculpido
no Código Civil Brasileiro, no art. 1196:
11
Art. 1196- Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício,
pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade.
Por conseguinte, segundo o ensinamento do autor Fábio Ulhoa Coelho, a
posse pode ser resguardada ou restituída por intermédio de três ações distintas, as
quais são chamadas de interditos possessórios ou ações possessórias, sendo estas:
[...] A manutenção de posse coíbe a turbação; a reintegração de posse, o
esbulho; e o interdito proibitório, a ameaça (CC, art. 1.210; CPC, arts. 926 e
932). Mas não há prejuízo para o possuidor se ingressa com a medida
inadequada ou se muda a situação de fato no curso do processo (a turbação
torna-se esbulho, por exemplo), desde que os requisitos de ação apropriada
estejam atendidos. A dificuldade na exata definição dos limites de cada
hipótese de agressão e a dinâmica dos fatos não podem, por certo, prejudicar
o possuidor. Por isso, a lei prescreve que “a propositura de uma ação
possessória em vez de outra não obstará a que o juiz conheça do pedido e
outorgue a proteção legal correspondente àquela, cujos requisitos estejam
comprovados” (CPC, art. 920). É a regra da fungibilidade das ações
possessórias. (2012, p. 47/48).
Por fim, salienta-se que a demonstração da posse nos interditos é
imprescindível, representando importante contribuição ao possuidor da coisa,
mormente porque amortizam o caminho tortuoso da defesa da posse.
12
3 HIPÓTESES DE POSSE
Sobre as hipóteses de posse, leciona Carlos Roberto Gonçalves:
O estudo da posse é repleto de teorias que procuram explicar o seu conceito.
Podem, entretanto, ser reduzidas a dois grupos: o das teorias subjetivas e o
das objetivas. Para Savigny, cuja teoria integra o grupo das subjetivas, a
posse caracteriza-se pela conjugação de dois elementos: o corpus, elemento
objetivo que consiste na detenção física da coisa, e o animus, elemento
subjetivo, que se encontra na intenção de exercer sobre a coisa um poder no
interesse próprio (animus rem sibi habendi). Tanto o conceito do corpus
como o do animus sofreram mutações na própria teoria subjetiva. O
primeiro, inicialmente considerado simples contato físico com a coisa (é a
situação daquele que mora na casa ou conduz o seu automóvel),
posteriormente passou a consistir na mera possibilidade de exercer esse
contato, tendo sempre a coisa à sua disposição. Assim, não o perde o dono
do veículo que entrou no cinema e deixou-o no estacionamento.
Denominada teoria objetiva, a de Ihering não empresta à intenção, ao
animus, a importância que lhe confere a teoria subjetiva. Considera-o como
já incluído no corpus e dá ênfase, na posse, ao seu caráter de exteriorização
da propriedade. Para que a posse exista, basta o elemento objetivo, pois ela
se revela na maneira como o proprietário age em face da coisa. Para Ihering,
portanto, basta o corpus para a caracterização da posse. Tal expressão,
porém, não significa contato físico com a coisa, mas sim conduta de dono.
Tem posse quem se comporta como este, e nesse comportamento já está
incluído o animus. A conduta de dono pode ser analisada objetivamente, sem
a necessidade de pesquisar-se a intenção do agente. A posse, então, é a
exteriorização da propriedade, a visibilidade do domínio, o uso econômico
da coisa. Ela é protegida, em resumo, porque representa a forma como o
domínio se manifesta. (2010. p. 15 e 16)
Neste passo, mostra-se imperioso, entes de se adentrar ao assunto dos
interditos, expor e refletir sobre as hipóteses subjetiva e objetiva, e a aplicada no
ordenamento jurídico brasileiro.
3.1 HIPÓTESE SUBJETIVA
A teoria subjetiva se manifesta com a conjugação de dois componentes, quais
sejam o corpus e o animus domini.
Ato contínuo mostra-se que o corpus é a posse física da coisa.
Já o animus domini se converte na aspiração de ter a coisa como se dono o
fosse, esse é o elemento relacionado à intenção do indivíduo.
Nas palavras de Savigny, citado por Silvio Rodrigues:
13
Para Savigny a posse é o poder de dispor fisicamente da coisa, com o ânimo
de considerá-la sua e defendê-la contra a intervenção de outrem. Encontramse, assim, na posse, dois elementos: um elemento material, o corpus, que é
representado pelo poder físico sobre a coisa; e, um elemento intelectual, o
animus, ou seja, o propósito de ter a coisa como sua, isto é, o animus rem
sibi habendi.
Os dois elementos são indispensáveis para que se caracterize a posse, pois,
se faltar o corpus, inexiste relação de fato entre a pessoa e a coisa; e, se faltar
o animus, não existe posse, mas mera detenção. (2003, p. 18)
Nesta senda, segundo a doutrina da autora Maria Helena Diniz, não há como
terceiro apresentar e exteriorizar o animus domini, senão sopesemos:
Portanto, pela teoria subjetiva é inadmissível a posse por outrem, porque não
podemos ter, para terceiro, a coisa com o desejo de que seja nossa, pois se
não há vontade de ter a coisa como própria, haverá apenas detenção. (2009,
p. 35)
Deste modo, na hipótese subjetiva da posse, deve inegavelmente o possuidor
da coisa, além de apresentar o corpus (posse fática da coisa), ter a vontade de ter a
coisa como sua.
3.2 HIPÓTESE OBJETIVA
Para Ihering (2002, p.7) a posse é a manifestação do domínio, eis que, para
tanto, deverá o indivíduo estar envolto de um dos direitos do proprietário, sendo que
estes direitos se aquinhoam em reaver, fruir, gozar e dispor livremente do bem.
Veja-se que o animus domini é a intenção interna do detentor da coisa em
querer ser o dono da mesma (IHERING, 2002).
Na concepção de Silvio Rodrigues (2003, p. 20): “[...] é a conduta externa da
pessoa que se apresenta numa relação semelhante ao procedimento normal de
proprietário. Não há necessidade de que exerça a pessoa o poder físico sobre a coisa
[...]”
Acresça-se que para Ihering, mencionado por Maria Helena Diniz:
14
[...] o que importa é o uso econômico ou destinação socioeconômica do bem,
pois qualquer pessoa é capaz de reconhecer a posse pela forma econômica de
sua relação exterior com a pessoa. (2009, p. 37)
Dessarte, a posse, na hipótese objetiva, se satisfaz apenas com o corpus, uma
vez que a presença do animus domini se arraiga no poder fático desempenhado sob a
coisa, ou seja, o animus é o elemento que abarca e externa um dos poderes da
propriedade, quais sejam o de utilizar, gozar e dispor da coisa, e o direito de recuperála do poder de outrem que de maneira injusta a possua ou detenha.
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4 HIPÓTESE DE POSSE SEGUIDA PELO ORDENAMENTO JURÍDICO
BRASILEIRO
O atual ordenamento jurídico brasileiro perfilhou-se à hipótese objetiva,
elaborada por Ihering.
Como pode ser entrevisto no Código Civil pátrio, através do seu Livro III, que
trata das questões relativas à posse, sua classificação, modos de aquisição, efeitos e
perda, avultam-se o seguinte artigo:
Art. 1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício,
pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade.
De acordo com o autor
Fábio Ulhoa Coelho,
citando o artigo
supramencionado, raciocina, à luz do Código Civil, sobre o conceito de posse como:
[...] o exercício de fato de um ou mais poderes característicos do direito de
propriedade. Essa noção deriva do conceito de possuidor, com o qual o
Código Civil inaugura o Livro III da Parte Especial, atinente ao direito das
coisas (art. 1.196). Quem titula a posse de algum bem age, assim, tal como o
seu proprietário. O possuidor pode ser, e muitas vezes é, também o titular do
direito de propriedade. Mas, mesmo não sendo o proprietário, o possuidor
tem certos direitos tutelados pela ordem jurídica. [...] (2012, p.23).
Quanto à tutela da posse, o artigo 1.210, e seus parágrafos, são claros ao
dispor que:
Art. 1.210. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de
turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver
justo receio de ser molestado.
§ 1º O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por
sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de
desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição
da posse.
§ 2º Não obsta à manutenção ou reintegração na posse a alegação de
propriedade, ou de outro direito sobre a coisa.
Não obstante, encontramos no Código de Processo Civil, nos artigos 920 a 933, o
embasamento das ações possessórias, as quais são os meios de defesa assegurados pelo
16
ordenamento pátrio com o desígnio de rechaçar a agressão de quem ameaça, molesta
ou esbulha o possuidor.
Neste prisma, insta transcrever o entendimento de Maria Helena Diniz (2009.
p. 32): “Assim a posse, embora sendo um simples estado de fato, valorizou-se
sobremaneira com o bafejo da legalidade que a alcançou, passando a merecer proteção
jurídica por meio de ação própria.”
Em remate, nos preceitos de Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade
Nery (2006, p. 704): “[...] O sujeito de direito que tem posse sobre uma coisa exerce
alguns dos poderes próprios dos de proprietário (uso, gozo e, às vezes, o de disposição
e o de recuperação de coisa), sem ostentar a situação jurídica de dono. [...]”
4.1
DEMONSTRAÇÃO
DA
POSSE
NO
ATUAL
SISTEMA
JURÍDICO
BRASILEIRO
Em princípio, é imperioso explanar sobre qual enfoque o direito brasileiro
concede ou não a proteção aos possuidores que a pleiteiam, para, empós a elucidação
deste tópico, discorrer como se procede à tutela possessória no hodierno sistema
jurídico brasileiro.
Tendo em vista que, como esparzido acima, a hipótese objetiva é a adotada
pelo sistema jurídico brasileiro, necessitamos ter em mente quais são os requisitos que
necessitam ser comprovados na inicial das ações possessórias, uma vez que a
demonstração inequívoca destes requisitos sucederá, inegavelmente, no deferimento da
liminar que dita o art. 928, do Código de Processo Civil, caso seja ação de força nova,
e, ao final do litígio, com a procedência da ação proposta.
De tal modo, ao ajuizar qualquer um dos interditos possessórios (interdito
proibitório, reintegração ou manutenção de posse) é demandado ao autor que prove:
Art. 927. Incumbe ao autor provar:
I - a sua posse;
II - a turbação ou o esbulho praticado pelo réu;
III - a data da turbação ou do esbulho;
IV - a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção; a
perda da posse, na ação de reintegração.
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Com efeito, tais pressupostos arrolados nos incisos do artigo 927, do CPC, são
extremamente necessários para a concessão da tutela jurídica da posse, não restando
diferença entre o ajuizamento da ação contra posse de força nova ou força velha.
Acresça-se que estes pressupostos necessitam estar comprovados na peça
inaugural, com a descrição da posse que exercia, no caso de esbulho, exerce com
dificuldade, no caso de turbação, ou exerce na iminência da ocorrência de turbação ou
esbulho, no caso de ameaça, bem como arrazoando qual agressão se visa repelir
(esbulho, turbação ou ameaça), a data desta agressão e a continuidade ou perda da
posse, nos casos de manutenção ou reintegração de posse.
De outra banda, em que pese o artigo ventilado não mencionar expressamente
os atos de ameaça, é preciso deixar claro que seu emprego é cabível na ação de
interdito proibitório, haja vista a aplicação subsidiária de que trata o artigo 933, do
Código de Processo Civil:
Art. 933. Aplica-se ao interdito proibitório o disposto na seção anterior.
Por conseguinte, as argumentações descritas pelo autor na inicial deverão ser
demonstradas documentalmente, tendo como desígnio o deferimento, pelo juiz, da
liminar inaudita altera pars (sem ouvir a outra parte) e initio litis (no início da lide),
bem como na procedência da ação, com a confirmação da liminar outrora concedida.
Igualmente, para a comprovação de todos os requisitos já citados, em relação
às provas documentais que acompanharão a peça inaugural, podemos utilizar-se de: a)
contas de água, luz e/ou telefone; b) fotografias antigas do exercício da posse, além de
novas fotografias onde vislumbrar-se-ia o receio da ameaça, perpetração da turbação
ou esbulho; c) boletim de ocorrência; d) escritura de compra e venda do imóvel; e)
registro de imóvel; f) entre outros documentos.
No entanto, em relação aos documentos necessários para o convencimento do
juiz, mormente em cognição sumária para a concessão da medida liminar, é temerário
ter como baldrame apenas documentos como escritura de compra e venda e registro de
imóvel, uma vez que estes não comprovam o exercício da posse anterior, que é fática,
mas tão somente a propriedade do bem.
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Convergente a essa linha de pensamento, o Tribunal de Justiça do Rio Grande
do Sul entendeu ser necessário para a reintegração de posse, além da comprovação da
propriedade, o requerente deveria provar a posse anterior do imóvel:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE
POSSE CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS
E MORAIS. PEDIDO LIMINAR. INDEFERIMENTO. AUSENTES OS
REQUISITOS DO ART. 927 DO CPC. A liminar de reintegração de posse
se submete à observância dos requisitos do art. 927 do CPC: posse anterior,
prática de esbulho, perda da posse em razão do ato ilícito, e data de sua
ocorrência. In casu, inexiste comprovação do exercício de posse anterior do
autor. A prova documental, formada por matrícula imobiliária e escritura
pública de compra e venda serve apenas para comprovar a propriedade do
bem e não a posse, que é fática. Mantida a decisão que indeferiu a liminar de
reintegração de posse. NEGADO SEGUIMENTO AO RECURSO, por
decisão monocrática. (Agravo de Instrumento Nº 70046832424, Décima
Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nelson José
Gonzaga, Julgado em 04/01/2012)
Constituindo assim uma tarefa árdua a produção de prova documental do
antecedente exercício da posse.
Nesse sentido, necessário se faz mencionar a seguinte jurisprudência:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE.
REQUISITOS. ART. 927 DO CPC. POSSE ANTERIOR NÃO
DEMONSTRADA. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. SENTENÇA
CONFIRMADA. A reintegração de posse se submete à observância dos
requisitos cumulativos do art. 927 do CPC, quais sejam: posse anterior;
prática do esbulho pelo réu; data desse ato ilícito e a perda da posse. A
posse, em sendo fato, provada deve ser. In casu, inexiste comprovação do
exercício de posse anterior pela autora-apelante sobre o imóvel objeto da
lide. Sem a prova da posse, não há como falar em esbulho. Mantida a
decisão que julgou improcedente o pedido de reintegração de posse, em
razão da ausência de prova da posse anterior. Fungibilidade entre demanda
possessória e petitória. Inviabilidade. Precedentes desta Corte. Ademais,
incabível o exame do pleito de imissão de posse no bojo de demanda
possessória, sobretudo porque aquele se fundamenta no título de
propriedade, inexistente no caso concreto. Sentença confirmada.
NEGARAM PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME (TJ-RS - AC:
70056736119 RS , Relator: Nelson José Gonzaga, Data de Julgamento:
03/04/2014, Décima Oitava Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da
Justiça do dia 08/04/2014)
Mas então o que é necessário para que se reconheça, em especifico, ao autor
da ação de interdito possessório a condição de possuidor?
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Em primeiro lugar: é necessária à constatação de que o autor se comporte, com
relação ao bem, com certa autonomia, uma vez que detê-lo de uma maneira passiva
não caracteriza posse.
Em segundo lugar: há, igualmente, os incisos do artigo 927, do CPC, o qual
elenca fatos que devem ser provados pela parte autora, ao ingressar com a demanda
possessória; dentre eles, consta, novamente, a posse. As ações possessórias são
baseadas em estado de fato, em que se discute a titularidade da posse e não do
domínio. Tem por finalidade a prevenção, manutenção e restituição da posse ao
anterior possuidor, em caso de ameaça, turbação ou esbulho.
Nesse diapasão, impende destacar o entendimento jurisprudencial:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO POSSESSÓRIA. REQUISITOS DO ART.
927 DO CPC. PRESENÇA. TUTELA DA POSSE JULGADA
PROCEDENTE. PROVA DA POSSE E DA RESPECTIVA AGRESSÃO.
SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. - Para que se obter o
direito à tutela da posse de imóvel faz-se necessária a comprovação dos
elementos elencados no art. 927 do CPC. - Provada a posse pelo autor e a
agressão praticada pelo requerido, resta autorizada a procedência do pedido
possessório. (TJ-MG - AC: 10325120004073001 MG , Relator: Leite Praça,
Data de Julgamento: 28/08/2014, Câmaras Cíveis / 17ª CÂMARA CÍVEL,
Data de Publicação: 09/09/2014)
Outrossim, elucida-se que o cumprimento da função social da propriedade não
está arraigado no rol dos requisitos necessários (art. 927, do CPC) ao deferimento dos
interditos possessórios, ou seja, não é pressuposto a ser preenchido para o deferimento
ou não dos interditos em tela.
A esse propósito importante destacarmos o entendimento jurisprudencial
externado pelo Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais, com as ementas
transcritas infra:
PROCESSUAL CIVIL - APELAÇÃO - AÇÃO DE INTERDITO
PROIBITÓRIO - CONFLITO AGRÁRIO - POSSE E AMEAÇA DE
ESBULHO/TURBAÇÃO
COMPROVAÇÃO
REQUISITOS
ESSENCIAIS PARA PROCEDÊNCIA DA AÇÃO PRESENTES - PROVA
DA FUNÇAO SOCIAL DA TERRA - DESNECESSIDADE - - INSPEÇÃO
JUDICIAL, AUDIÊNCIA PRÉVIA E INTIMAÇÃO PRÉVIA DO
MINISTÉRIO PÚBLICO PARA CONCESSÃO DA LIMINAR
POSSESSÓRIA - PROCEDIMENTOS NÃO OBRIGATÓRIOS QUESTÕES DECIDIDAS EM RECURSO ANTERIOR - CONVERSÃO
DO MANDADO DE INTERDITO PROIBITÓRIO EM REINTEGRAÇÃO
20
OU MANUTENÇÃO DE POSSE - CABIMENTO SE CONCRETIZADA A
AGRESSÃO À POSSE - RECURSO NÃO PROVIDO. - Comprovada a
posse anterior do bem e o justo receio de ser molestado na posse, cabe o
deferimento do interdito proibitório. - O cumprimento da função social da
propriedade não está inserido no rol dos requisitos necessários ao
deferimento da reintegração de posse, nos termos do art. 927 do CPC. - A
concessão da liminar de proteção à posse não está vinculada à prévia
realização de vistoria no imóvel ou de audiência de justificação, quando
estes procedimentos forem considerados desnecessários, nem à prévia oitiva
do Ministério Público, sendo que ao Juiz é reservado apreciar e decidir sobre
a pertinência da medida, independentemente de providências prévias não
obrigatórias ou necessárias. - A conversão do interdito proibitório em
medida reintegratória ou de manutenção no caso de em que a ameaça a posse
venha a ser convertida em agressão à posse propriamente dita é cabível
tendo em vista que os conflitos possessórios são extremamente voláteis e
face fungibilidade das ações possessórias. - Recurso não provido. (TJ-MG AC: 10024101759595002 MG , Relator: Márcia De Paoli Balbino, Data de
Julgamento: 28/11/2013, Câmaras Cíveis / 17ª CÂMARA CÍVEL, Data de
Publicação: 10/12/2013)
AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO POSSESSÓRIA - PEDIDO
LIMINAR - AUDIÊNCIA DE JUSTIFICAÇÃO REALIZADA REQUISITOS DEMONSTRADOS - DEFERIMENTO - DECISÃO
REFORMADA - RECURSO PROVIDO - Nas ações possessórias é
necessário que o requerente comprove, cumulativamente, todos os requisitos
previstos no artigo 927 do Código de Processo Civil, sob pena de
indeferimento do pedido de liminar, quer seja de reintegração ou
manutenção na posse do imóvel objeto da demanda. - Embora seja inegável
a importância da função social da propriedade na ordem jurídica atual,
contando inclusive com proteção constitucional a relativizar o direito de
propriedade, a lei jamais exigiu a comprovação de seu cumprimento para
fins de proteção possessória. - Deve ser deferido o pedido liminar de
reintegração de posse da parte autora na área em litígio, quando as provas
juntadas com a inicial da ação e colhidas na audiência de justificação prévia
demonstram a posse anterior, bem como o esbulho praticado pela parte ré e a
perda da posse. (TJ-MG - AI: 10313130047621001 MG , Relator: Evandro
Lopes da Costa Teixeira, Data de Julgamento: 13/03/2014, Câmaras Cíveis /
17ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 25/03/2014)
Dessarte, nunca é demais enfatizar: a proteção possessória da posse
unicamente será deferida aquele que comprovar os requisitos retromencionados, sendo
que, para tanto, utilizar-se-á de prova documental, testemunhal e, caso haja
necessidade, de prova pericial.
21
5 CLASSIFICAÇÃO DA POSSE
5.1 DISTINÇÃO ENTRE POSSE E DETENÇÃO
Em relação ao conceito de posse e detenção há certa dificuldade em distinguilas, assim, do ponto de vista do direito positivo vigente, para se conseguir diferenciálas, é necessário partir do disposto nos art. 1.196 e 1.198, ambos do Código Civil.
Art. 1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício,
pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade.
Art. 1.198. Considera-se detentor aquele que, achando-se em relação de
dependência para com outro, conserva a posse em nome deste e em
cumprimento de ordens ou instruções suas.
Parágrafo único. Aquele que começou a comportar-se do modo como
prescreve este artigo, em relação ao bem e à outra pessoa, presume-se
detentor, até que prove o contrário.
O primeiro artigo supracitado considera como possuidor do bem aquele que
exercite de fato, completo ou não, alguma das faculdades intrínsecas a propriedade, as
quis se encontram disciplinadas no artigo 1228, do Código Civil:
Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e
o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou
detenha.
Segundo o artigo 1198, do CC, quem, achando-se em relação de dependência
para com outrem, conserva a posse em nome desta pessoa e atenda obedientemente às
determinações ou instruções suas, será tão somente detentor do bem.
O parágrafo único desse artigo prediz, ao revés, que aquele que começou a se
comportar como detentor será considerado como tal, até que prove o contrário.
Destra forma a diferença entre posse e detenção estaria no dispositivo legal
que, em situações estritas preenchem ou não os requisitos da posse.
22
Vê-se que autor Carlos Roberto Gonçalves, mencionando a doutrina de
Savigny, revela o ensinamento de que:
[...] corpus identifica somente a detenção. Esta se eleva a posse quando se
lhe acrescenta o animus específico, ou seja, o animus domini ou animus rem
sibi habendi (vontade de possuir para si). Também só existe detenção se há
apenas vontade de possuir para outrem ou em nome de outrem, como no
caso de locação, comodato, usufruto etc. (2012, p. 62).
Ao contrário do acenado por Savigny, devemos nos ater a linha de pensamento
de Ihering, sendo esta a utilizada no Brasil, sendo que para explanar sobre a teoria
objetiva adotada por tal, Gonçalves ilustra que:
Outra é a concepção de detenção para a teoria objetiva de Ihering. Posse e
detenção não se distinguem pela existência, na primeira, de um animus
específico. Ambas se constituem dos mesmos elementos: o corpus, elemento
exterior, e o animus, elemento interior, os quais se acham intimamente
ligados, de modo indissociável, e se revelam pela conduta de dono. Para o
mencionado jurista, posse, como foi dito, é a exterioridade, a visibilidade do
domínio. Tem posse todo aquele que se comporta como proprie-tário. A
detenção encontra-se em último lugar na escala das relações jurídicas entre a
pessoa e a coisa. Na linha de frente estão a propriedade e seus
desmembramentos; em segundo lugar, a posse de boa-fé; em terceiro, a
posse; e, por fim, a detenção41. (2012, p. 62/63).
Na concepção de Roberto Senise Lisboa, este não destoa ao articular que:
A detenção, por si só, é fato que não importa na existência da intenção do
sujeito de ficar com o bem. Basta que o detentor que exerce o poder de fato
sobre a coisa corpórea atue por força de uma relação anterior com outra
pessoa e que conserve a posse em nome dela.
Enquanto a posse é exercida em nome próprio, a detenção é exercida em
nome de outrem. (2012, p. 54).
Cito, oportunamente, os seguintes julgados, onde se pode observar que a mera
detenção de um bem não retira do legítimo possuidor o direito de reavê-lo:
PROCESSUAL CIVIL- AGRAVO DE INSTRUMENTO- AÇÃO DE
REINTEGRAÇÃO DE POSSE C/C DEMOLITÓRIA- LIMINARESBULHO DE IMÓVEL PÚBLICO- POSSE INEXISTENTE, MERA
DETENÇÃO - REQUISITOS DO ART. 927 DO CPC - PRESENÇA CONCESSÃO DA LIMINAR- CABIMENTO- REFORMA DA DECISÃO
AGRAVADA- RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. Em ação de
reintegração de posse ajuizada por concessionária de serviço público, se
sumariamente demonstrado o esbulho praticado pelo réu há menos de ano e
23
dia e insubsistente a alegação de posse velha, em face da ocupação do bem
público consistir mera detenção, impõe-se a concessão da liminar
possessória. Recurso conhecido e provido. (TJ-MG,17ª Câm. Cív., Ag. Inst.
Cv n. 1.0525.13.007305-5/001, Relª. Desª. Márcia De Paoli Balbino, j.
04.07.2013, DJe 16.07.2013).
AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE MANUTENÇÃO DE POSSE
- MEDIDA LIMINAR - MUNICÍPIO DE SALINAS - TERRENO
RESERVADO PARA A CONSTRUÇÃO DE AVENIDA - OCUPAÇÃO
DA ÁREA POR PARTICULAR, SEM AMPARO EM QUALQUER
TÍTULO OU FATO LEGÍTIMO - MERA DETENÇÃO - NOTIFICAÇÃO
PARA RETIRADA - ESBULHO CONFIGURADO - RECURSO NÃO
PROVIDO. 1. Existência de indícios de que o imóvel ocupado pelo
agravante pertence ao Município de Salinas, o qual pretende utilizá-lo para a
construção de uma avenida, o que lhe confere, entre outros atributos, a posse
do bem e o direito de reivindicá-lo. 2. Ocupação indevida por particular, na
qualidade de mero detentor. Inteligência do art. 1.198 do Código Civil. 3.
Esbulho configurado a partir do momento em que, devidamente notificado, o
invasor recusa-se a desocupar o imóvel. 4. Preenchimento dos requisitos do
art. 927 do Código de Processo Civil. Manutenção da decisão que deferiu o
pedido liminar. 5. Recurso a que se nega provimento. (TJ-MG, Relator:
Áurea Brasil, Data de Julgamento: 17/10/2013, Câmaras Cíveis / 5ª
CÂMARA CÍVEL)
Em conclusão, configurando-se a ocorrência de dependência de uma pessoa
em relação a outrem, há detenção, eis que a situação aparente é distinta da situação
real, que aparenta ser de posse.
5.2 POSSE DE BOA-FÉ
Encetando-se o tema da posse de boa-fé, o artigo 1.201, do Código Civil,
esclarece que na vertente da posse de boa-fé, esta caracteriza-se: “[...] se o possuidor
ignora o vício, ou o obstáculo que impede a aquisição da coisa”.
Em consideração a boa-fé, nos ensina Tartuce e Simão:
A boa-fé subjetiva é chamada de boa-fé-crença, ou também de boa-fé em
sentido psicológico e corresponde à Gutten Glauben, prevista no BGB
Alemão... É a consciência ou ausência desta diante de determinada situação
jurídica. [...]
Pelo que consta desse importante dispositivo legal, primeiramente, o
possuidor de boa-fé é aquele ou ignora os vícios que inquinam sua posse.
Esses vícios podem ser os da violência, os a clandestinidade ou os da
precariedade, mas não necessariamente, ou seja, os vícios estão presentes,
mas são por ele desconhecidos. Daí, sua ausência de consciência significar
boa-fé subjetiva. (2008, p. 55 e 56)
24
Sobre tal aspecto, Nelson Nery pondera que: “Na boa-fé o possuidor ignora,
desconhece o vício ou o obstáculo impossibilitador da aquisição da posse.” (2006, p.
708)
A corroborar com o exposto acima, insta trasladar o entendimento do
renomado autor Roberto Senise Lisboa, no qual:
Considera-se de boa-fé o possuidor:
a) que está convencido de que se encontra legitimamente na posse da coisa;
b) que já possua o bem por tempo equivalente ao exigido por lei para
usucapião [...]; ou
c) tenha se apropriado de res derelicta, isto é, coisa abandonada. (2012, p.
66).
Portanto, a posse para se configurar de boa-fé deve exclusivamente o
possuidor ignorar o vício ou obstáculo que lhe impedem de adquirir a coisa, estar
convencido de que realmente detém posse legítima sobre o bem.
O possuidor de boa-fé, se alegar ter realizado benfeitorias no imóvel onde
detém posse, restará configurado o direito de retenção do bem, ou seja, este se manterá
na posse do imóvel até a restituição dos valores despendidos. Assim, para exemplificar
o caso telado, analisemos a ementa abaixo:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE
POSSE. COMODATO VERBAL. NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL.
NÃO DESOCUPAÇÃO. POSSE DE BOA-FÉ. BENFEITORIAS. DIREITO
DE RETENÇÃO. ART. 1.219 DO CÓDIGO CIVIL. LIMINAR
INDEFERIDA. DECISÃO MANTIDA. - Se a Agravada é possuidora de
boa-fé e alega existir benfeitorias, objeto da ação de dissolução da união
estável, realizadas no imóvel ao longo de 09 (nove) anos de comodato, tenho
como medida inerente ao poder cautelar geral que se preserve a Recorrida no
imóvel, garantindo-lhe o direito de retenção do bem até a restituição dos
valores despendidos (art. 1.219, do Código Civil). (TJ-MG - AI:
10702130292858001 MG , Relator: José Marcos Vieira, Data de
Julgamento: 27/03/2014, Câmaras Cíveis / 16ª CÂMARA CÍVEL, Data de
Publicação: 07/04/2014)
Neste segundo julgado os desembargadores do Tribunal de Justiça do Distrito
Federal arrazoaram que, caso haja demonstração da boa-fé de ambos os litigantes de
uma mesma demanda, merece a proteção possessória aquele que desempenha de fato o
exercício da posse.
25
CIVIL. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. CONCESSÃO DE POSSE DE
TERRENO PELA CODHAB A PESSOAS DISTINTAS. JUSTOS
TÍTULOS. BOA-FÉ. PROTEÇÃO POSSESSÓRIA DEVIDA AQUELE
QUE TENHA EFETIVA POSSE. SENTENÇA REFORMADA. 1 - NAS
AÇÕES POSSESSÓRIAS, DADO O CARÁTER DÚPLICE, DEVE-SE
PERQUIRIR QUAL DOS LITIGANTES DEMONSTROU OS
REQUISITOS ELENCADOS NO ARTIGO 927, DO CÓDIGO DE
PROCESSO CIVIL: SUA POSSE; TURBAÇÃO OU ESBULHO
PRATICADO PELO EX-ADVERSE; DATA DA TURBAÇÃO OU
ESBULHO; CONTINUAÇÃO OU PERDA DA POSSE, EM SE
TRATANDO DE AÇÃO DE MANUTENÇÃO OU REINTEGRAÇÃO DE
POSSE. 2 - TENDO A CODHAB CONFERIDO TÍTULOS DE POSSE A
AMBOS OS LITIGANTES, AQUELE QUE OCUPA O TERRENO TEM
PRESUNÇÃO DE FAZÊ-LO COM BOA-FÉ, E MERECE A PROTEÇÃO
POSSESSÓRIA, MÁXIME QUANDO NO LOCAL EXERCE SUA
MORADIA E DE SEUS FILHOS, CARACTERIZANDO O EFETIVO
EXERCÍCIO DA POSSE. 3 - RECURSOS CONHECIDOS, NEGADO
PROVIMENTO AO APELO DO AUTOR, E DADO PROVIMENTO AO
APELO DA RÉ. (TJ-DF - APC: 20120510032298 DF 000313179.2012.8.07.0005, Relator: LEILA ARLANCH, Data de Julgamento:
16/10/2013, 1ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE :
17/01/2014 . Pág.: 61)
5.3 POSSE DE MÁ-FÉ
Constata-se a posse de má-fé quando o possuidor é conhecedor de que sua
posse não tem legitimidade jurídica e nela se perpetua.
O art. 1.202, do Código Civil prevê:
Art. 1.202. A posse de boa-fé só perde este caráter no caso e desde o
momento em que as circunstâncias façam presumir que o possuidor não
ignora que possui indevidamente.
Nas palavras de Lisboa (2012, p. 66): “Posse de má-fé é aquela de cuja
ilegitimidade o possuidor tem conhecimento, graças à existência de vício ou de
obstáculo ao seu exercício.”
Ainda, de acordo com as notas de Lisboa, a posse de boa-fé pode transformarse em posse de má-fé:
[...] a partir do momento no qual o possuidor venha a tomar conhecimento da
existência do vício ou do óbice que lhe impede a aquisição da coisa, mas
permanece com ela.
26
A conversão da posse de boa-fé em posse de má-fé ocorre a partir do
momento em que se estabelece que o possuidor não mais ignorava a situação
injusta da posse. (2012, p. 66).
De forma a exemplificar o delineado até agora, abstraímos dois julgados neste
sentido, onde a jurisprudência aponta que os danos causados ao autêntico possuidor
devem ser indenizados, bem como o possuidor de má-fé detém ciência de que sua
posse não tem legitimidade jurídica e, mesmo assim, edifica moradia:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE.
DISCUSSÃO ACERCA DA IDONEIDADE DAS PERÍCIAS
REALIZADAS.
PRECLUSÃO
CONSUMATIVA.
REPARAÇÃO.
PERDAS E DANOS. ESBULHO. POSSE CLANDESTINA E DE MÁ-FÉ.
EXISTÊNCIA. INDENIZAÇÃO DEVIDA. VERBA HONORÁRIA.
SENTENÇA CONDENATÓRIA. APLICAÇÃO DO ARTIGO 20, § 3º DO
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. MANUTENÇÃO. SENTENÇA
MANTIDA. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NA PARTE
CONHECIDA, NÃO PROVIDO. 1. Em se tratando de matéria que não foi
objeto de análise da sentença recorrida, não pode o Tribunal conhecer da
questão quando do julgamento do recurso de Apelação sob pena de ofensa
ao princípio do duplo grau de jurisdição e supressão de instância. 2. Uma vez
que a matéria já foi objeto de outro recurso, ocorre a preclusão consumativa
da mesma, não podendo ser novamente arguida, em observância ao princípio
da unirrecorribilidade das decisões. 3. Diante da existência de esbulho
possessório e de posse clandestina e de má-fé por parte dos recorrentes, há
sim dano a ser indenizado. 4. Em se tratando de sentença condenatória, a
fixação da verba honorária deve observar o disposto no artigo 20, § 3º do
Código de Processo Civil. (TJ-PR - AC: 5874817 PR 0587481-7, Relator:
José Carlos Dalacqua, Data de Julgamento: 23/06/2010, 18ª Câmara Cível,
Data de Publicação: DJ: 426)
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. POSSE
DE MÁ-FÉ. Efetivamente, as provas documentais carreadas aos autos pela
Autora comprovam ser ela donatária dos lotes em litígio, recebidos por
Escritura Pública de Doação datada de 12 de dezembro de 2007 e registrada
no Cartório de Registro de Imóveis do 2º Oficio, em 14 de dezembro de
2007. De outro lado, os Requeridos não fizeram qualquer comprovação das
suas alegações, deixando a douta julgadora convicta dos vícios da posse por
eles alegada, ou seja, da sua clandestinidade. Nenhum título de posse ampara
a pretensão dos requeridos, por outro lado, sabendo eles tratar-se de um
loteamento em uma área urbana, estavam certos de tratar-se de área
pertencente a terceiros, o que preferiram ignorar e nela edificar suas
moradias. Apelação Improvida. (TJ-BA - APL: 00023868920108050146 BA
0002386-89.2010.8.05.0146, Data de Julgamento: 16/07/2012, Primeira
Câmara Cível, Data de Publicação: 17/11/2012)
27
5.4 DISTINÇÃO ENTRE POSSE DIRETA E INDIRETA
No que tange a distinção da posse direta e indireta, esta se revela quando os
poderes de titularidade são distintos. O Código Civil traz a conceituação de tais
diferenças no artigo 1.197:
Art. 1.197. A posse direta, de pessoa que tem a coisa em seu poder,
temporariamente, em virtude de direito pessoal, ou real, não anula a indireta,
de quem aquela foi havida, podendo o possuidor direto defender a sua posse
contra o indireto.
Nesse sentido as lições de Fiúza:
A posse será direta, quando o possuidor exercer sobre a coisa poder físico,
imediato. Não existe entre possuidor e coisa possuída qualquer tipo de
obstáculo.
Ao revés, será indireta a posse, quando entre o possuidor e a coisa houver
algum tipo de obstáculo que impeça qualquer contato físico entre eles.
Apesar do obstáculo, o possuidor continua agindo segundo age o dono.
Pode continuar fruindo, por exemplo, ao receber aluguéis. Continua
existindo a intenção de proceder como dono. (2008, p. 506/507).
Desta feita, para clarificar o tópico aventado, em um contrato de locação
(locador – posse indireta, locatário – posse direta), ocorre o esbulho da posse do
locatário, tanto este, que detém o poder físico do bem sendo delimitado como
possuidor direto, tanto o locador, que não tem o contato físico do bem apontado como
possuidor indireto, poderão ajuizar ação possessória de reintegração de posse contra o
invasor que perpetrou o esbulho.
Revela-se, portanto, que ambos são possuidores e ambos detêm legitimidade
para ingressar com o interdito possessório.
Na esteira do exemplo aludido supra, temos os ensinamentos do conspícuo
autor Gonçalves, o qual arremata que:
[...]. O proprietário exerce a posse indireta, como consequência de seu
domínio. O locatário, por exemplo, exerce a posse direta por concessão do
locador. Uma não anula a outra. Ambas coexistem no tempo e no espaço e
são posses jurídicas (jus pos-sidendi), não autônomas, pois implicam o
exercício de efetivo direito sobre a coisa. (2012, p. 80).
28
Em conseguinte, na mesma linha de raciocínio de Rodrigues, este menciona
alguns exemplos dados por Moreira Alves, no qual:
[...] o proprietário, ao constituir sobre a coisa de sua propriedade direito de
usufruto em favor de outrem, transferindo-lhe a posse direta da coisa, torna o
usufrutuário possuidor direto dela, e fica como possuidor indireto; se o
usufrutuário locar a coisa a terceiro, novo desmembramento da posse se
verifica, tornando-se o locatário possuidor direto, e passando o usufrutuáriolocador a ser possuidor indireto, sem excluir, no entanto, da posse indireta o
proprietário que constituiu o usufruto, pois surge entre ambos uma
graduação de posses indiretas; e, ainda, se o locatário-possuidor direto
sublocar a coisa, processa-se novo desdobramento, ficando o sublocatário
com a posse direta, e ingressando o sublocador na escala de graduação das
posses indiretas. (2012, p. 82).
Colacionamos abaixo dois casos interessantes da jurisprudência onde mostrase a caracterização da posse direta e da posse indireta:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE
POSSE - ART. 927, CPC - REQUISITOS - COMPROVAÇÃO - MERA
DETENÇÃO - COMODATO VERBAL - POSSE INDIRETA - ESBULHO
- BENFEITORIAS ÚTEIS E VOLUPTUÁRIAS - RETENÇÃO IMPOSSIBILIDADE 1. Na ação de reintegração de posse, incumbe ao autor
provar a sua posse, o esbulho praticado pelo réu, a data do esbulho e a perda
da posse (art. 927 do CPC). 2. O fato de o requerente não residir no imóvel
que recebeu em programa de habitação do Governo do Distrito Federal, por
meio de concessão de uso, não afasta sua condição de possuidor indireto do
imóvel. 3. A jurisprudência desta Corte vem esposando o entendimento de
que a "ocupação gratuita e por tempo indeterminado equipara-se ao
comodato sem prazo".(Acórdão n.172261- 5ª Turma Cível; Acórdão
n.606937 - 4ª Turma Cível) 4. No comodato ocorre o desmembramento da
posse, transferindo-se ao comodatário a posse direta, permanecendo o
comodante com a posse indireta do bem. 5. "Ao possuidor de má-fé serão
ressarcidas somente as benfeitorias necessárias; não lhe assiste direito de
retenção pela importância destas, nem o de levantar as voluptuárias." (art.
1.220, CC) 6. Recurso conhecido e provido. (TJ-DF - APC:
20121010093102 DF 0009014-89.2012.8.07.0010, Relator: J.J. COSTA
CARVALHO, Data de Julgamento: 28/05/2014, 2ª Turma Cível, Data de
Publicação: Publicado no DJE : 13/08/2014 . Pág.: 123)
AÇÃO POSSESSÓRIA. POSSE DIRETA EXERCIDA PELO APELADO.
AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO ESBULHO OU DA AQUISIÇÃO
ILÍCITA DA POSSE DE FATO. Independentemente da discussão
relacionada com a posse indireta, o apelado demonstra que possui a posse
direta do bem e, diante disso, o apelante não se desincumbiu do seu ônus de
provar o esbulho ou aquisição ilícita da posse pelo possuidor de fato do bem
imóvel. Recurso não provido. (TJ-SP - APL: 00018713020068260075 SP
0001871-30.2006.8.26.0075, Relator: Sandra Galhardo Esteves, Data de
Julgamento: 10/09/2014, 12ª Câmara de Direito Privado)
29
Ultimando-se o tema, podemos dizer que, em caso de conflitos de interesses
entre o possuidor direto e o possuidor indireto do bem, o litígio tanto pode ser
resolvido em prol do primeiro quanto do segundo, tendo em vista que, como
consubstanciado no artigo 1.197, do Código Civil Brasileiro, na doutrina e
jurisprudência, aquele que conseguir se desincumbir de provar a posse (direta ou
indireta), bem como a ocorrência de ameaça, turbação ou esbulho de sua posse por
outrem, este será contemplado com a proteção possessória.
5.5 POSSE JUSTA E INJUSTA
A posse injusta é derivada da violência, clandestinidade ou precariedade
empreendida contra o titilar da posse do bem. Sendo que, ao revés disso, na posse justa
não
ocorre
qualquer
tipo
de
violência,
clandestinidade
ou
precariedade,
caracterizando-se, assim, que a posse foi passada livremente pelo antecedente
possuidor ao novo possuidor do bem. Na teoria de Fábio Ulhoa Coelho:
De início, convém distinguir entre aquisição justa e injusta da posse. Na
primeira, não há violência, clandestinidade ou precariedade no ato que
origina a substituição do titular do direito sobre a coisa. O antigo possuidor
cede seus direitos ao novo, mediante remuneração contratada livremente
entre eles, por exemplo. Na aquisição injusta, ao contrário, a violência,
clandestinidade ou precariedade é a causa da substituição do titular. (2012, p.
39).
Consequentemente,
posse
injusta
é
aquela
viciada
por
violência,
clandestinidade ou precariedade, como a posse em decorrência de invasão declarada,
de invasão secreta ou de eventual entrada para se reformar ou construção de alguma
benfeitoria.
Ao seu tempo, é certo garantir que posse justa é aquela que não contém tais
vícios, ou seja, a aquisição se mostra legítima, como bem abordado no artigo 1.200, do
Código Civil:
Art. 1.200. É justa a posse que não for violenta, clandestina ou precária.
30
5.5.1 Posse Violenta
Sobre tal aspecto, merece ser externado o excelente magistério de Gonçalves,
no qual disserta que:
A violência pode ser física ou moral, aplicando-se-lhe os princípios que se
extraem da doutrina da coação, apenas cuidando em adaptá-los. A coação
deve, porém, ser exercida diretamente, no ato do estabelecimento da posse.
As ameaças de toda sorte, que tenham como consequência o abandono da
posse por parte de quem as sofreu, devem ser equiparadas à violência
material, e tornam viciosa a posse assim adquirida.
A violência estigmatiza a posse, impedindo que a sua aquisição gere efeitos
no âmbito do direito. Ainda que exercida pelo proprietário, deve a vítima ser
reintegrada, porque não pode o esbulhador fazer justiça pelas próprias mãos.
(2012, p. 86).
A violência no entendimento jurisprudencial deve ser também encarada com o
emprego de meio ardil e sob o viés da ameaça, pois tal violência se concretiza de
maneira física e/ou moral, consoante se verifica:
Possessórias. Ação de reintegração de posse. Condomínio. Posse exercida
exclusivamente pela autora. Esbulho praticado pela ré, que iniciou a
ocupação do imóvel de forma vil. Em demandas possessórias cumpre
verificar quem exercia melhor posse sobre o bem, sendo despiciendo analisar
qual proprietário possui a maior parcela ideal do imóvel. E o conjunto
probatório não deixa dúvida de que a autora exercia a posse do imóvel, de
forma exclusiva, na época dos fatos, e que a ré obteve injustamente a posse,
por meio de ardil e ameaça. É injusta a posse violenta, e de má-fé se o
possuidor conhece o vício, ou o obstáculo que impede a aquisição da coisa
(CC, arts. 1200 e 1201, contrario sensu). Apelação provida. (TJ-SP - APL:
00065946920098260566 SP 0006594-69.2009.8.26.0566, Relator: Sandra
Galhardo Esteves, Data de Julgamento: 14/07/2014, 12ª Câmara de Direito
Privado, Data de Publicação: 14/07/2014)
5.5.2 Posse Clandestina
A posse clandestina se configura de maneira oculta, sem que o real possuidor
e/ou proprietário da bem tenha ciência do que está ocorrendo. Nesta modalidade de
vício não se discute a vontade do agente em ocultar a realidade, mas somente sob o
enfoque de que o verdadeiro possuidor não tinha conhecimento da situação concreta,
ou seja, da situação fática de sua posse.
31
Com apontamentos importantes sobre o contexto da posse clandestina, César
Fiuza ensina que:
Posse clandestina é a que se constitui às escondidas. É a posse do invasor
que se apossa de terreno sem o conhecimento do dono. É a posse do ladrão
que furta.
A mesma regra da posse violenta se aplica à posse clandestina. Por outras
palavras, passados um ano e um dia, sem que o legítimo possuidor tome
providências no sentido de recuperar a posse perdida, a tença clandestina se
convalesce de seu vício, tornando-se posse ad interdicta e merecendo,
consequentemente, proteção possessória. (2008, p. 506).
Não divergindo do entendimento de Fiuza, na visão de Gonçalves temos que a
posse clandestina é aquela:
[...] obtida furtivamente, que se estabelece sub-repticiamente, às ocultas da
pessoa de cujo poder se tira a coisa e que tem interesse em conhecê-la. O
ladrão que furta, que tira a coisa com sutileza, por exemplo, estabelece a
posse clandestina, do mesmo modo que o ladrão que rouba estabelece a
posse violenta. (2012, p. 74).
Elegemos uma jurisprudência no sentido de que a ciência de vício na aquisição
da coisa não permite a tutela jurídica, posto que a posse clandestina não assegura
direitos possessórios:
APELAÇÃO REINTEGRAÇÃO DE POSSE INDIVIDUALIZAÇÃO DO
BEM REQUISITOS LEGAIS POSSE PRIMITIVA PROVA ESBULHO
DATA POSSE CLANDESTINA MÁ-FÉ MANUTENÇÃO DA
SENTENÇA. - Individualização do bem: princípio de presunção do sistema
registral prevalência da realidade fática (presunção relativa), em face do
notável erro na transcrição imobiliária. Objeto bem delineado pelo MM.
Magistrado, irresignação que pretende alterar a veracidade dos fatos conduta
inadmissível; - Preenchimento regular dos requisitos legais à tutela
possessória (artigos 333 e 927, ambos do Código de Processo Civil): posse
anterior e esbulho possessório; - Posse clandestina boa-fé repelida.
Inteligência do artigo 1.201, do Código Civil a ciência de vício na aquisição
da coisa não permite a tutela jurídica da cadeia possessória evidenciada; Manutenção da decisão por seus próprios e bem lançados fundamentos
artigo 252 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça de São Paulo;
RECURSO NÃO PROVIDO. (TJ-SP - APL: 01896529020108260000 SP
0189652-90.2010.8.26.0000, Relator: Maria Lúcia Pizzotti, Data de
Julgamento: 30/06/2014, 20ª Câmara de Direito Privado, Data de
Publicação: 03/07/2014)
32
5.5.3 Posse precária
Gonçalves, citando o renomado escritor Lafayette Rodrigues Pereira, expõe
que a posse com o vício da precariedade é:
[...] daqueles que, tendo recebido a coisa das mãos do proprietário por um
título que os obriga a restituí-la em prazo certo ou incerto, como por
empréstimo ou aluguel, recusam-se injustamente a fazer a entrega, passando
a possuí-la em seu próprio nome. (2012, p. 74).
Por derradeiro, para exemplificar o caso telado da posse injusta viciada pela
precariedade, cotejamos dois julgados:
APELAÇÃO REINTEGRAÇÃO DE POSSE COMODATO ÔNUS DA
PROVA POSSE PRECÁRIA USUCAPIÃO NÃO VERIFICADA
PROCEDÊNCIA DA DEMANDA. - O Código Civil de 2002 repete a
doutrina alemã de posse (artigo 1.196), cuja natureza é essencialmente fática.
A ação possessória, com base na natureza fática da posse, apresenta "tríplice
estrutura fática" causa de pedir, pedido e sentença fática; - Vedada a exceção
de domínio, com fulcro nos artigos 1.210, parágrafo 2º, do Código Civil, e
923 do Código de Processo Civil; - Com relação à posse precária, inexiste o
ânimo de domínio, porque a precariedade nunca cessa e jamais produzirá
efeitos jurídicos àquele que a mantém em nome de terceiro, como no caso do
comodatário. O conhecimento do domínio faz com que a posse seja exercida
sem animus domini, de modo que não tem posse ad usucapionem o
comodatário, que tem ciência do exercício da posse para terceiro; Preenchimento regular dos requisitos legais à tutela possessória (artigos 333
e 927, ambos do Código de Processo Civil): posse anterior e esbulho
possessório;
RECURSO
NÃO
PROVIDO.
(TJ-SP
APL:
01560429620088260002 SP 0156042-96.2008.8.26.0002, Relator: Maria
Lúcia Pizzotti, Data de Julgamento: 24/02/2014, 20ª Câmara de Direito
Privado, Data de Publicação: 27/02/2014)
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DIREITO CIVIL. REINTEGRAÇÃO
DE POSSE. POSSE DEMONSTRADA. CONTRATO DE COMODATO.
ESBULHO POSSESSÓRIO CONFIGURADO. POSSE PRECÁRIA.
AGRAVO PROVIDO. 1. Demonstrada a posse indireta da parte requerente,
decorrente de contrato de comodato, assim como o esbulho possessório,
exteriorizado pela posse precária do réu que se recusa a desocupar o imóvel
após ter sido notificado, torna-se imperativa a concessão da liminar de
reintegração de posse pleiteada na inicial da possessória. 2. Agravo de
instrumento à que se dá provimento. (TJPR, AI - 606887-3, Rel.: Francisco
Jorge, J. 04.11.2009)
33
6 POSSE NOVA E POSSE VELHA
O artigo 924, do Código de Processo Civil, nos dá o prazo:
Art. 924. Regem o procedimento de manutenção e de reintegração de posse
as normas da seção seguinte, quando intentado dentro de ano e dia da
turbação ou do esbulho; passado esse prazo, será ordinário, não perdendo,
contudo, o caráter possessório.
Destarte, conseguimos visualizar que a posse nova é aquela que se concretizou
em menos de ano e dia, e a posse velha a que se concretizou num período de mais de
ano e dia.
No entendimento do ilustre doutrinador Carlos Roberto Gonçalves, temos que:
Não se deve confundir posse nova com ação de força nova, nem posse velha
com ação de força velha. Classifica-se a posse em nova ou velha quanto à
sua idade. Todavia, para saber se a ação é de força nova ou velha, leva-se em
conta o tempo decorrido desde a ocorrência da turbação ou do esbulho. Se o
turbado ou esbulhado reagiu logo, intentando a ação dentro do prazo de ano
e dia, contado da data da turbação ou do esbulho, poderá pleitear a concessão
da liminar (CPC, art. 924), por se tratar de ação de força nova. Passado esse
prazo, no entanto, o procedimento será ordinário, sem direito a liminar,
sendo a ação de força velha. É possível, assim, alguém que tenha posse velha
ajuizar ação de força nova, ou de força velha, dependendo do tempo que
levar para intentá-la, contado o prazo da turbação ou do esbulho, assim como
também alguém que tenha posse nova ajuizar ação de força nova ou de força
velha. (2008, p. 25)
34
7 PROCEDIMENTOS DAS AÇÕES POSSESSÓRIAS
Em relação às ações de força nova, ajuizadas no período de ano e dia da data
do esbulho ou turbação, versando sobre bem imóvel ou móvel, adota-se o
procedimento especial, especificamente no Livro IV, do Código de Processo Civil, nos
artigos 920 até 931.
Ante as ações de força velha, tratando-se de bem imóvel ou móvel, adota-se o
procedimento comum (sumário ou ordinário), delineado pelo Livro I, do Código de
Processo Civil.
Com relação ao interdito proibitório, a ação em regra será de força nova, eis
que a ameaça de turbação ou de esbulho é sempre atual, no sentido de ainda não
concretizada, conforme dicção dos artigos 932 e 933, do CPC.
Além, é claro, de se seguir os requisitos do art. 282, do Código de Processo
Civil, o autor deverá provar a sua posse, a turbação, o esbulho ou ameaça, a data da
ofensa à posse e continuação na posse turbada (manutenção de posse), ou a perda da
posse (reintegração de posse), ou a ameaça de turbação ou esbulho (interdito
proibitório).
Havendo o autor solicitado a liminar da tutela possessória (art. 928, CPC),
deverá ser concedida initio litis (desde o começo) e inaudita altera pars (sem ouvir a
outra parte) se o autor provar documentalmente os seus pressupostos. Caso contrário,
deverá haver justificação prévia (art. 928, CPC), com a citação do requerido.
Acolhida a justificação previa, o juiz expedirá mandado de manutenção, ou de
reintegração de posse. Do deferimento ou não da liminar cabe agravo de instrumento.
Procedimento similar é adotado no interdito proibitório: provado o justo receio de
turbação ou de esbulho possessório, o Juiz, mediante justificação prévia pelo autor,
poderá conceder mandado proibitório, com a cominação de pena pecuniária (artigos
461 e 461-A, ambos do Código de Processo Civil ).
Por derradeiro, contestada a ação que fora ajuizada contra o ato de outrem,
segue-se o rito ordinário, conforme prevê o artigo 931, do Código de Processo Civil.
Art. 931 - Aplica-se, quanto ao mais, o procedimento ordinário.
35
8 PROTEÇÃO POSSESSÓRIA
Ao titular da justa posse é facultada a utilização dos interditos possessórios
quando for ameaçado, turbado ou esbulhado em sua posse. Com o desígnio de
expulsar o intruso e, consequentemente, o retorno ao status quo ante da posse do justo
possuidor do bem ou coisa.
Versa trasladar o entendimento de Silvio Rodrigues, sobre a posse justa:
[...], o titular de uma posse justa pode reclamar e obter a proteção
possessória contra quem quer que o esbulhe, perturbe, ou o ameace em sua
posse. Ainda que o autor do esbulho, turbação ou ameaça seja o próprio
proprietário da coisa, tal proteção é concedida. Portanto, para que a posse ad
interdicta se configure, basta que seja justa.
Em rigor, perante terceiros, que não o proprietário, qualquer posse dá direito
aos interditos. Com efeito, ainda que a posse tenha vícios, o possuidor será
garantido em sua posse, contra terceiros que não tenham sido vítimas da
violência, da clandestinidade, ou da precariedade, enfim, de terceiros que
não tenham melhor posse, visto que estes nada podem arguir contra aquele.
(2003. p. 26)
Segundo Maria Helena Diniz, citando novamente Ihering:
Para Ihering três são os fundamentos desses interditos: a) proteção da posse
por ser ela a exteriorização do domínio; b) proteção da posse por meio de
ações especiais para facilitar a defesa da propriedade, dispensando o
proprietário de ter de provar seu direito em cada caso; c) proteção da posse,
concebida desse modo, favorece o não-proprietário, porém trata-se de um
inconveniente inevitável, não se podendo abrir mão dele ante as muitas
vantagens resultantes da instituição e por ser aquela situação excepcional,
pois o normal é estar a posse a serviço do legítimo proprietário. Logo,
protege-se a posse e, por via oblíqua, a propriedade. [...] (2009, p. 83)
Não longe disso, a lei dá a opção ao esbulhado ou turbado, o exercício da
legítima defesa, através do desagravo contíguo, desde que utilizada brandamente, sob
pena de responder pelo excesso, como consubstanciado no parágrafo 1º, do artigo
1.210, do Código Civil.
Art. 1.210, § 1º O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou
restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa,
ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou
restituição da posse.
36
Neste ponto, existem duas hipóteses de autotutela descritas na lei, as quais se
separam em duas vertentes, que são: legítima defesa, quando a posse é ameaçada e o
desforço imediato, quando a posse é perdida.
Na seara da legítima defesa institui o Código Civil.
Art. 188. Não constituem atos ilícitos:
I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito
reconhecido;
Sendo assim, a legítima defesa da posse refere-se exclusivamente à hipótese
em que o possuidor é turbado em sua posse, sendo-lhe autorizado a utilização deste
meio de defesa, reagindo prontamente contra a turbação sofrida.
Com relação ao desforço imediato, os escólios de Nelson Nery Junior e Rosa
Maria de Andrade Nery:
O desforço pessoal é espécie de autotutela autorizada pelo sistema, de modo
que não tipifica o crime de exercício arbitrário das próprias razões (CP 345).
É "ação direta", uma espécie de direito de resistência, porque a proibição da
autodefesa, no sistema jurídico, não é absoluta. Tal prática consiste em o
agente empregar força para evitar a inutilização prática de direito próprio.
(2008. p. 859).
A aplicabilidade restringe-se às situações em que a posse tenha sido
esbulhada, permitindo ao agente esbulhado resistir e restituir-se na condição de
possuidor, com o uso de suas próprias forças, desde que o faça imediatamente.
Além das hipóteses supracitadas ainda existe a autotutela da posse que incide
na defesa de sua posse com as próprias forças, uma vez que, com fidedigna urgência
do caso, não seja possível a intervenção Estatal. Nesse raciocínio, o celebrado autor
Paulo Nader preleciona:
Na impossibilidade fática de se valer da proteção oficial, seja para conter
injusta agressão a seu direito ou a de terceiros, seja para se opor a atos de
turbação ou de esbulho, a pessoa pode reagir manu militari, moderadamente
e com os meios necessários. O direito de reação está previsto no art. 25 do
Código Penal (legítima defesa), arts. 188, I (legítima defesa) e 1210 § 1º, do
Código Civil (autotutela da posse). Tais recursos que o direito positivo
faculta ao possuidor correspondem à ordem natural das coisas. (2009, p. 64)
37
Insta salientar que nas hipóteses de autotutela não importa se a posse é justa ou
injusta, de boa ou má-fé. Permitindo ao possuidor a resistência contra a turbação ou
esbulho, bem como que este ato deve se configurar real, atual e injusto, não podendo,
em hipótese alguma, ser considerado como uma possibilidade futura.
38
9 AÇÃO DE INTERDITO PROIBITÓRIO
Haverá ameaça quando ocorrerem indícios de turbação ou de esbulho
possessório ainda não consumados. Sendo a finalidade para qual fora feita a presente
ação, ou seja, estando próximo o ato de turbação ou esbulho, o possuidor da coisa
poderá, sem demora, ajuizar ação para que se abstenha o invasor de perpetrar o ato.
Ao contrário das demais ações que adiante serão analisadas, a natureza desta é
preventiva, ou seja, é utilizada para que não ocorra a turbação ou o esbulho da coisa ou
bem da pessoa que se sentir ameaçada por outrem.
No interdito proibitório não implica a intenção daquele que pretende praticar
ou não o ato de turbação ou esbulho, sendo que é, tão somente, necessário ser
almejado o cometimento da turbação ou esbulho para que a posse seja precavida dos
atos que estão na iminência de acontecerem.
Em fim, sendo a ação julgada procedente, aquele que está sofrendo o processo
de interdito proibitório será terminantemente defeso de praticar o ato que almejará. E,
caso não respeite a ordem emanada pelo Judiciário, correrá o risco de ser condenado
ao pagamento de multa pecuniária cominada pelo Juiz, a qual geralmente é dada por
dia de turbação ou esbulho.
Assim levando em consideração que a natureza da condenação na ação de
interdito proibitório é preventiva e visa coibir ações contra a posse, a característica
peculiar que existe nesta ação é a cominação de multa para o caso de descumprimento
à ordem judicial que determina ao requerido a abstenção de práticas atentatórias em
face da posse do autor.
Nas palavras de Carlos Roberto Gonçalves:
O interdito proibitório assemelha-se à ação cominatória, pois prevê, como
forma de evitar a concretização da ameaça, a cominação ao réu de pena
pecuniária, caso transgrida o preceito. Deve ser pedida pelo autor e fixada
pelo juiz, em montante razoável, que sirva para desestimular o réu de
transgredir o veto, mas não ultrapasse, excessivamente, o valor do dano que
a transgressão acarretaria ao autor.
Quem indica o valor da pena pretendida é o autor. Nem por isso fica o juiz
adstrito a essa avaliação, podendo reduzi-la, mas não aumentá-la. (2012, p.
173).
39
A propósito, sobre o valor o caráter inibitório da multa a ser fixada na ação de
interdito proibitório, NELSON NERY assinala que:
O valor deve ser significativamente alto, justamente porque tem natureza
inibitória. O juiz não deve ficar com receio de fixar o valor em quantia alta,
pensando no pagamento. O objetivo das astreintes não é obrigar o réu a
pagar o valor da multa, mas obrigá-lo a cumprir a obrigação na forma
específica. A multa é apenas inibitória. Deve ser alta para que o devedor
desista de seu intento de não cumprir a obrigação específica. Vale dizer, o
devedor deve sentir ser preferível cumprir a obrigação na forma específica a
pagar o alto valor da multa fixada pelo juiz. (2001. p. 899)
Neste sentido citamos conveniente julgado sobre o valor da multa e sua
periodicidade, a qual, em regra, é fixada em dias/multa:
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE INTERDITO PROIBITÓRIO.
AMEAÇA AO EXERCÍCIO DA POSSE CONFIGURADA PELO
IMPEDIMENTO DA REALIZAÇÃO DE MUDANÇA NAS UNIDADES
INADIMPLENTES DENTRE ELAS A DOS AUTORES. LIMINAR
DEFERIDA PARA ASSEGURAR O LIVRE ACESSO DOS
PROPRIETÁRIOS AO APARTAMENTO SOB PENA DE MULTA
DIÁRIA DE R$ 1.000,00 (MIL REAIS). ALEGAÇÃO DOS AUTORES
DA CRIAÇÃO DE EMPECILHOS PELO RÉU PARA A EFETIVAÇÃO
DA MUDANÇA POR 18 (DEZOITO DIAS) APÓS A CIÊNCIA DA
DECISÃO JUDICIAL QUE ARBITROU AS ASTREINTES.
INSUBSISTÊNCIA. DESCUMPRIMENTO DA ORDEM JUDICIAL NÃO
EVIDENCIADO PELO RELATO DAS TESTEMUNHAS. ÔNUS DA
PROVA QUE COMPETIA AOS AUTORES. DIREITO À PERCEPÇÃO
DAS ASTREINTES NÃO CONFIGURADO. EXEGESE DO ART. 333, I,
DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. SENTENÇA REFORMADA
NESTE PONTO. RECURSO PROVIDO. É da dicção do art. 333, I, do
Código de Processo Civil que incumbe ao autor o ônus da prova acerca dos
fatos constitutivos de seu direito. (TJ-SC - AC: 371010 SC 2010.037101-0,
Relator: Marcus Tulio Sartorato, Data de Julgamento: 27/07/2010, Terceira
Câmara de Direito Civil, Data de Publicação: Apelação Cível n. , de São
José)
Destarte, a multa diária – astreinte – deve ser fixada em valor razoável,
justamente para compelir a parte obrigada a cumprir a determinação judicial e, de
outro norte, impedir que não volte a reincidir em atitude perniciosa, não existindo, a
priori, limite para a quantificação da mesma, sendo que o juiz, ao analisar as
peculiaridades do caso concreto, a capacidade econômica das partes e a natureza da
obrigação a ser cumprida, deverá procurar um valor adequado a incutir na vontade do
40
devedor, sem que seja exasperada a ou homeopática tal valor e sua periodicidade,
conforme dita o art. 461, § 6, do Código de Processo Civil:
Art. 461 - Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de
fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se
procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado
prático equivalente ao do adimplemento. (Alterado pela L-008.952-1994)
§ 6º O juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da multa,
caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva.
41
10 AÇÃO DE MANUTENÇÃO DE POSSE
Ocorre a turbação quando o terceiro apenas perturba o livre exercício da
posse, sem haver o desapossamento, por completo, do possuidor da coisa ou bem.
Neste caso, o possuidor pode ajuizar ação de manutenção de posse.
Com relação ao instituto do esbulho, Silvio de Salvo Venosa leciona que:
[...] os atos turbativos podem ser positivos, como invasão de parte de imóvel,
ou negativos, como impedir que o possuidor se utilize da porta ou do
caminho de ingresso em seu imóvel[...] ( 2003. p. 141).
Por turbação devemos compreender que se constitui de “todo ato que
embaraça o livre exercício da posse” (GONÇALVES, 2008, p. 56).
No entendimento do autor Roberto Senise Lisboa, este assevera que:
A ação de manutenção da posse ou interdito de força turbativa objetiva a
defesa da posse em face de atos de turbação praticados por outrem.
Não se discute por essa via processual a qualidade de direito daquele que
efetuou a turbação e nem mesmo a natureza do dano ou se ele é extenso, mas
tão somente o fato perturbador da posse. Daí por que a ação pode ser julgada
procedente mesmo contra o proprietário da coisa.
Turbação é qualquer ato que dificulta o exercício da posse, porém não o
suprime. Os atos turbativos podem ser positivos ou negativos, porém poderá
o autor, ao efetuar o pedido, cumulá-lo com pedido de natureza cominatória
que objetiva fazer cessar a turbação; ou, ainda, obter a indenização por
perdas e danos. (2012, p. 78)
Deste modo, com a apresentação e demonstração da posse anterior a turbação
sofrida, será, irrefragavelmente, julgada procedente a demanda ajuizada pela parte
requerente.
Para exemplificar e corroborar na compreensão da diferença entre a presente
ação de manutenção de posse com a de reintegração de posse colacionamos as
seguintes jurisprudências:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE.
POSSUIDOR QUE NÃO FOI PRIVADO DA POSSE. TURBAÇÃO
CARACTERIZADA.
FUNGIBILIDADE
DOS
INTERDITOS
POSSESSÓRIOS. AGRESSORES QUE NÃO COMPROVARAM SEREM
OS VERDADEIROS POSSUIDORES DA ÁREA CUJA UTILIZAÇÃO
42
TERIA SIDO PERMITIDA OU TOLERADA AO AUTOR. REQUISITOS
DA MANUTENÇÃO DE POSSE DEMONSTRADOS. RECURSO NÃO
PROVIDO. 1. Configura turbação e não esbulho quando o possuidor não é
privado da posse, mas apenas tem o seu exercício prejudicado. 2. Mesmo
que o autor tenha formulado pedido de reintegração de posse, nada obsta que
lhe seja dada a proteção legal correspondente à turbação, tendo em vista o
princípio da fungibilidade que rege os interditos possessórios (CPC, art.
920). 3. Na permissão e tolerância, o real possuidor, respectivamente,
autoriza expressamente ou consente tacitamente que terceiro utilize a coisa,
sendo que a parte que se encontra em estado de submissão não pode evitar
que a outra as desconstitua, unilateralmente, já que se acha em situação de
poder transitório e efêmero sobre a coisa, inibindo eventual caracterização da
posse. 4. Em sede de ação de manutenção de posse, incumbe ao autor provar
o exercício anterior da posse, a turbação e a data de seu início e a
continuação na posse, embora turbada (CPC, art. 927). (TJ-PR - AC:
7268333 PR 0726833-3, Relator: José Carlos Dalacqua, Data de Julgamento:
26/01/2011, 18ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ: 566)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE MANUTENÇÃO DE POSSE.
IMÓVEIS VIZINHOS. LIMINAR DEFERIDA PELO JÚÍZO A QUO
APÓS A REALIZAÇÃO DE AUDIÊNCIA DE JUSTIFICAÇÃO PRÉVIA.
PROVA ORAL QUE COMPROVOU QUANTO SATIS A POSSE
ANTERIOR EXERCIDA PELOS AUTORES SOBRE A ÁREA
RECLAMADA, BEM COMO A TURBAÇÃO PERPETRADA PELO
REQUERIDO, CONSISTENTE NA ALTERAÇÃO DO RUMO DA
CERCA QUE FAZIA A DIVISA ENTRE OS IMÓVEIS. AUSÊNCIA DE
ILEGALIDADE OU TERATOLOGIA. RECURSO DESPROVIDO. O
exame da liminar em ação possessória é decisão personalíssima e de
prudente arbítrio do juiz processante, suscetível de melhor sopesamento da
vantagem da medida, sendo admitido o seu reexame pela via do agravo,
somente em casos excepcionais de manifesta teratologia ou ilegalidade. (TJPR - Ação Civil de Improbidade Administrativa: 9579708 PR 957970-8
(Acórdão), Relator: Lauri Caetano da Silva, Data de Julgamento:
27/02/2013, 17ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ: 1066 25/03/2013)
43
11 AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE
Dá-se o esbulho quando o possuidor é desapossado totalmente da coisa por
terceiro, saindo esta da esfera de disponibilidade do possuidor por ato injusto de
terceiro, cabendo-lhe deflagrar a ação de reintegração de posse.
Neste sentido aduz o eminente jurista Carlos Roberto Gonçalves:
O esbulho consiste no ato pelo qual o possuidor se vê privado da posse
mediante violência, clandestinidade ou abuso de confiança. Acarreta, pois, a
perda da posse contra a vontade do possuidor. (2012, p. 153).
A reintegração de posse guardar similitude com a manutenção de posse. Sendo
que, no tocante a diferença, esta se mostra na dicção do artigo 926, do Código de
Processo Civil:
Art. 926 - O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de
turbação e reintegrado no de esbulho.
Deste modo o possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de
turbação, enquanto no caso de esbulho, este deve ser reintegrado a sua posse
injustamente retirada.
A reintegração é a ação promovida pelo esbulhado a fim de recuperar a posse
perdida em razão de violência, clandestinidade ou precariedade.
Na vertente do prazo, quando o esbulho tiver sido perpetrado a menos de ano e
dia, teremos “ação de força nova”, na qual o esbulhado, requerendo a liminar, poderá
ser beneficiado com um mandado para reintegração no ato.
Quando houver passado mais de ano e dia, “ação de força velha”, sendo que
esta tramitará pelo rito sumário ou ordinário, no entanto, nada impede que o requerente
solicite a antecipação de tutela ao revés do pedido liminar, sendo que deverá atender as
peculiaridades do art. 273, do Código de Processo Civil.
Vale lembrar que, ambas as ações – força nova e velha –, com a apresentação
da contestação, obrigatoriamente, deverão seguir o rito ordinário.
44
Nesse apuro, é necessário não perder de vista a posição que a jurisprudência
paranaense vem assumindo diante da matéria em exame, conforme se depreende das
seguintes ementas:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE
POSSE.
COMODATO
VERBAL.
NOTIFICAÇÃO
PARA
DESOCUPAÇÃO DESATENDIDA. ESBULHO CARACTERIZADO A
MENOS DE ANO E DIA. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS DOS
ARTIGOS 924 E 927, AMBOS DO CPC. DESOCUPAÇÃO
VOLUNTÁRIA. PRAZO MÍNIMO 30 DIAS. ELASTECIMENTO.
ASTREINTE. VALOR ADEQUADO, PROPORCIONAL E EFICAZ
PARA
CUMPRIMENTO
DA
DETERMINAÇÃO
JUDICIAL.
INTELIGÊNCIA DO § 5º DO ART. 461 DO CPC. RECURSO
PARCIALMENTE PROVIDO. (TJ-PR, Relator: Luis Sérgio Swiech, Data
de Julgamento: 14/03/2014, 17ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ:
1299)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE
POSSE. LIMINAR DEFERIDA. DECISÃO MANTIDA. PARTE
INTERESSADA QUE DEMONSTROU A PRESENÇA DOS
REQUISITOS LEGAIS PARA CONCESSÃO DA LIMINAR
POSSESSÓRIA. ART. 927, CPC. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE OU
TERATOLOGIA QUE JUSTIFIQUE A REFORMA DA DECISÃO DE 1º
GRAU. RECURSO DESPROVIDO. O exame da liminar em ação
possessória é decisão personalíssima e de prudente arbítrio do juiz
processante, suscetível de melhor sopesamento da vantagem da medida,
sendo admitido o seu reexame pela via do agravo, somente em casos
excepcionais de manifesta teratologia ou ilegalidade, aqui não vislumbradas.
(TJ-PR - APL: 10441100 PR 1044110-0 (Acórdão), Relator: Lauri Caetano
da Silva, Data de Julgamento: 06/11/2013, 17ª Câmara Cível, Data de
Publicação: DJ: 1241)
CIVIL E PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE.
PEDIDO JULGADO PROCEDENTE. COMODATO VERBAL.
CONFIGURAÇÃO. RELAÇÃO EMPREGATÍCIA ENTRE AS PARTES.
RESTITUIÇÃO DO BEM. NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL. INÉRCIA.
ESBULHO POSSESSÓRIO CARACTERIZADO. PRESENÇA DOS
REQUISITOS DO ART. 927 DO CPC. RECURSO DESPROVIDO. 1. Na
ação de reintegração de posse, é imprescindível a configuração de todos os
requisitos legais, quais sejam: a posse anterior do imóvel, a perda da posse e
a prática do esbulho nos termos do art. 927, do CPC. Comprovados os
referidos requisitos, a concessão da proteção possessória é medida que se
impõe. 2. O não atendimento da notificação, para a desocupação do imóvel,
configura o esbulho autorizador da reintegração de posse postulada. (TJ-PR
8538990 PR 853899-0 (Acórdão), Relator: Lauri Caetano da Silva, Data de
Julgamento: 07/11/2012, 17ª Câmara Cível).
45
12 CONCLUSÃO
O Presente trabalho buscou abordar os aspectos sobre instituto da posse
através de sua manifestação nas ações possessórias existentes no ordenamento jurídico
brasileiro, eis que as apresentadas são a de interdito proibitório, manutenção de posse e
reintegração de posse.
Ainda versou o presente trabalho em apresentar quais são os requisitos
peculiares dos interditos possessórios em relação à demonstração da posse.
O ordenamento brasileiro hodierno manteve a teoria objetiva confeccionada e
explanada por Ihering.
Versa repisar que a legislação estudada, com relação à posse, atende a uma
preocupação em proteger a pessoa que sofreu uma ameaça, turbação ou esbulho de um
bem ou coisa que é possuidor.
Muito embora o tema em apreço se encontre definido no texto legal, com
relação à jurisprudência doutrina encontramos diversas interpretação e classificações
nos efeitos da posse, como o caso jurisprudencial mencionado onde não é possível tão
somente demonstrar a posse por intermédio de documentos como o registro de imóvel
e escritura pública de compra e venda, pois estes documentos por si só não
comprovam a posse fática anterior sobre o bem.
Destarte, almejou-se ter discorrido e explanado sobre os aspectos mais
importantes da posse em relação aos interditos possessórios esposados.
Em arremate, o instituto da posse deve ser demonstrado copiosamente para
que se consiga obter êxito nos interditos proibitórios.
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a manifestacao da posse nas acoes de interditos - TCC On-line