ACADEMIA BRASILEIRA DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL
TUTELA ANTECIPADA COM BASE NA EVIDÊNCIA
Lucas Maciel Andersen Cavalcanti
Especializando em Direito Processual Civil pela Academia
Brasileira de Direito Processual Civil
Servidor Público Federal (Analista Judiciário do Tribunal
Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul)
Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul.
RESUMO
O artigo propõe uma análise mais atenta do instituto da tutela antecipada baseada
em evidência, por vezes esquecido pela doutrina processual. Para tanto, inicialmente
busca-se definir o que é tutela e quais as suas espécies, para, na sequência,
analisar a previsão legal, o conceito e os casos em que se mostra possível a sua
antecipação, questões complexas e controvertidas. A partir do entendimento do que
é a antecipação de uma tutela, analisa-se a sua espécie menos famosa, qual seja: a
tutela antecipada com base na evidência, ou melhor, a tutela antecipada que não
pressupõe urgência. Nesse ponto, apresenta-se a justificativa para antecipar tutela
sem urgência e detalham-se quais as situações em que isso é possível, mostrando,
ainda, a peculiar classificação teórica da tutela antecipada de evidência do artigo
273, §6º, do CPC.
Palavras-chave: Tutela; Antecipação; Ausência de Urgência; Direito Evidente.
INTRODUÇÃO
Na maioria das vezes se associa antecipação de tutela com
urgência (perigo de dano irreparável ou de difícil reparação). É comum a idéia de
que só é possível antecipar a tutela se a situação for urgente, mas esse pensamento
não é correto. Há casos (e tem que haver mesmo) em que a antecipação baseia-se
na evidência do direito, combinada ou não com outros fatores (fatores estes que
nada tem a ver com a urgência). No presente artigo, são vistas as justificativas para
a antecipação com base na evidência (já é possível adiantar que a chave da questão
é a justa distribuição do tempo do processo) e as situações em que ela é cabível.
Antes, a fim de que o trabalho siga uma sequência lógica que
possibilite o seu entendimento, conceitua-se, com apoio na melhor doutrina, a
expressão tutela, que é a base de toda a questão. São vistas, ainda, classificações e
definições importantes, tais como tutela definitiva, tutela provisória, cognição
exauriente, cognição sumária, tutela satisfativa e tutela assecuratória (nãosatisfativa). É analisado cada um desses institutos, relacionando-os entre si e com a
própria tutela antecipatória.
Também, mostra-se de que forma surgiu a antecipação de
tutela no Código de Processo Civil Brasileiro e a forma como os operadores do
direito faziam para abreviar o tempo até a resposta jurisdicional antes da
generalização do instituto antecipatório, que se deu apenas na década de noventa.
Busca-se, ainda, conceituar tutela antecipatória a partir de diferentes aspectos, seja
listando suas características, seja diferenciando-a de outros institutos, tais como a
tutela cautelar e o julgamento antecipado da lide.
1. TUTELA
Tutelar é proteger. Tutelar direitos é proteger direitos. Há
técnicas para a tutela dos direitos, sendo uma das mais importantes a jurisdição
(tutela jurisdicional), na medida em que todas as situações jurídicas merecem
proteção jurisdicional, como ensina DIDIER JÚNIOR1.
2
Detalhando a questão, DINAMARCO2 afirma que tutela
jurisdicional é o amparo que o Estado ministra a quem tem razão num litígio
deduzido em processo. Na mesma linha YARSHELL,3 para quem a tutela
jurisdicional é concedida em favor do vencedor, já que este ostenta um direito.
Consoante lição de FUX4 há três modalidades de tutela
jurisdicional (conforme a natureza do conflito levado ao Judiciário): a tutela de
cognição (ou conhecimento), a tutela de execução e a tutela cautelar (ou de
asseguração).
DIDIER
JÚNIOR5
explica
sucintamente
que:
na
tutela
de
conhecimento, tutela-se o direito pelo seu reconhecimento judicial; na tutela
executiva, pela sua efetivação e, na tutela cautelar, pela sua proteção.
O mesmo autor observa, ainda, que perdeu prestígio a
classificação das demandas de acordo com a função jurisdicional, já que atualmente
vive-se fase de tendência ao sincretismo processual (reunião de funções cognitivas,
executivas e cautelares em um mesmo processo).6
1.1 Tutela Definitiva e Tutela Provisória, Cognição Exauriente e Cognição
Sumária e Tutela Satisfativa e Tutela Assecuratória (Não-satisfativa)
Para o entendimento do que seja tutela definitiva e tutela
provisória recorre-se à obra do professor DIDIER JÚNIOR, 7 que explica que a tutela
jurisdicional oferecida pelo estado-juiz pode ser definitiva ou provisória. Tutela
definitiva é aquela que se obtêm mediante uma cognição exauriente, existente
quando há debate jurídico profundo.
1
Fredie Didier Junior. Curso de direito processual civil – volume 1: Teoria geral do processo e
processo de conhecimento. 2010, p. 90 (a).
2
Cândido Rangel Dinamarco. Instituições de direito processual civil. vol. I. 2005, p. 124.
3
Flávio Luiz Yarshell. Tutela Jurisdicional. 1999, p. 28.
4
Luiz Fux. Curso de direito processual civil. 2005, p. 42-43.
5
Fredie Didier Júnior. op. cit. p. 90 (a).
6
Idem. Ibidem. p. 215 (a).
3
A partir da cognição exauriente é que é possível a produção de
um resultado imutável (coisa julgada material).
Essa tutela definitiva, no entanto, pode ser satisfativa ou não. É
satisfativa quando busca certificar (declarando, constituindo ou condenando) ou
efetivar (pela execução em sentido amplo – realização no plano fático) o direito
material discutido. A idéia, aqui, é a satisfação de um direito material com a entrega
do bem da vida almejado. As tutelas satisfativas, nos dizeres de BEDAQUE, “(...)
proporcionam a plena e definitiva satisfação dos direitos.” 8
Ao lado da tutela satisfativa há a tutela não-satisfativa, de
cunho assecuratório. É a famosa tutela cautelar, que não visa à satisfação de um
direito, mas sim a assegurar a sua futura satisfação, ameaçada em virtude do perigo
da demora (periculum in mora) de determinado processo. A tutela não-satisfativa é,
ao contrário da tutela satisfativa, instrumental e temporária. É instrumental por que
busca proteger o resultado útil e eficaz da tutela definitiva satisfativa (de
conhecimento ou execução). E é temporária, pois sua eficácia está limitada no
tempo (cumprida a função acautelatória, a tutela não-satisfativa perde a eficácia).
O grande ponto, aqui, é que, para DIDIER JÚNIOR9 tal
temporariedade não exclui a definitividade, isto é, a tutela cautelar (não-satisfativa) é
definitiva, embora temporária. E, sendo definitiva, é dada com cognição exauriente
do seu mérito (do seu objetivo – assegurar) e é apta a se tornar imutável. A
temporariedade reside, então, nos efeitos práticos da medida, já que esses sim
deixam de existir quando do reconhecimento, denegação ou satisfação do direito
protegido (acautelado). Mas a decisão da cautelar permanece imutável (e por isso é
definitiva).
Assim, para o referido autor a tutela definitiva pode ser
satisfativa (cognitiva ou executiva) ou não-satisfativa (cautelar), mas será sempre
Idem. Curso de direito processual civil – volume 2: Teoria da prova, direito probatório, teoria do
precedente, decisão judicial, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela. 2010, p. 451-456 (b).
8
José Roberto dos Santos Bedaque. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de
urgência (tentativa de sistematização). 2001, p. 109.
9
Fredie Didier Júnior. op. cit. p. 460 (b).
4
7
exauriente e predisposta à coisa julgada. Porém, ao lado da tutela definitiva, há uma
outra espécie de tutela, a provisória, que permite o gozo antecipado e imediato dos
efeitos próprios da tutela definitiva pretendida (seja satisfativa, seja cautelar). Essa
tutela provisória é a tutela antecipada.
A tutela provisória tem como características, ainda na lição de
DIDIER JÚNIOR,10 a sumariedade da cognição (análise superficial do objeto da
causa) e a precariedade (pode ser revogada a qualquer tempo) e, em razão disso,
não é apta a produzir coisa julgada material. Mas a análise mais aprofundada da
antecipação de tutela será feita mais adiante, no momento em que forem vistos seu
conceito e seus requisitos.
Pois bem. Em que pese o presente trabalho alinhe-se ao
entendimento do professor Fredie Didier, acima exposto, não se pode deixar de citar
que grande parte da doutrina brasileira não enxerga a tutela cautelar como definitiva
e fundada em cognição exauriente, entendendo-a como uma tutela provisória de
cognição sumária (superficial).
Nesse sentido a lição de FUX,11 para quem a tutela cautelar,
justamente por servir a um processo (e não por que é sumária a cognição), tem a
característica da não definitivdade (transitoriedade) Na mesma linha, GRINOVER12
afirma que os provimentos cautelares são provisórios, pois o que será definitivo é o
provimento no processo principal, reconhecendo a existência (o direito será
satisfeito) ou a inexistência do direito (a medida cautelar será revogada).
CARPENA,13 por sua vez, refere que por meio do processo
cautelar o Poder Judiciário, mediante requerimento, emite mandamento provisório, a
fim de proteger a eficácia de uma possível e plausível decisão positiva a ser
proferida em outro processo (principal).
Fredie Didier Júnior. op. cit. p. 458-460 (b).
Luiz Fux. op. cit. p. 44-56.
12
Ada Pellegrini Grinover. Teoria geral do processo. 2004, p. 318.
10
11
5
Reitera-se, por fim, que, respeitando o brilhantismo dos
ensinamentos apresentados, no presente trabalho segue-se o entendimento
segundo o qual a tutela cautelar é definitiva (embora com efeitos práticos
temporários), enquanto que a tutela antecipada é provisória, podendo ser satisfativa
ou acautelatória.
2. TUTELA ANTECIPADA
2.1 Previsão no Código de Processo Civil
O mecanismo de antecipar a tutela já existe desde 1973 no
Código de Processo Civil, como se pode observar pela redação dos artigos 80414
(ações cautelares) e 92815 (ações possessórias). Porém, importante atentar-se para
o fato de que, pela letra do Código, só se poderia valer do instituto nas ações
possessórias e cautelares. Vale observar, ainda, que a antecipação de tutela
também era prevista em alguns procedimentos especiais, tais como o mandado de
segurança e as ações alimentícias.
Ocorre que a generalidade dos direitos é tutelada por um
processo de conhecimento (de rito ordinário ou sumário). E ele, até por sua função
de descobrir quem efetivamente tem razão à luz do direito positivo,16 por meio de
cognição exauriente (decisão do magistrado munido de uma completa e ampla
13
14
Márcio Carpena. Do processo cautelar moderno. 2005, p. 23-24.
É lícito ao juiz conceder liminarmente ou após justificação prévia a medida cautelar, sem
ouvir o réu, quando verificar que este, sendo citado, torná-la ineficaz; caso em que poderá
determinar que o requerente preste caução real ou fidejussória de ressarcir os danos que o requerido
possa vir a sofrer (grifou-se).
15
Estando a petição inicial devidamente instruída, o juiz deferirá, sem ouvir o réu, a expedição do
mandado liminar de manutenção ou reintegração; no caso contrário, determinará que o autor
justifique previamente o alegado, citando-se o réu para comparecer a audiência que for designada
(grifou-se).
16
Luiz Fux. op. cit. p. 43.
6
instrução – contraditório amplíssimo),
17
é um processo longo e demorado (idéia de
segurança jurídica). Mas nesse processo não havia qualquer previsão para antecipar
os efeitos da tutela.
Residia aí grave falha no sistema processual brasileiro, que
não conseguia ser suficientemente eficiente para todas as situações fáticas,
especialmente nas que necessitavam de provimento urgente. Era notória a
necessidade de generalizar o instituto da antecipação de tutela para os provimentos
satisfativos. 18
Em virtude dessa necessidade, os operadores do direito
passaram a utilizar o artigo 798, do CPC, (poder geral de cautela) como forma de
sumarização do processo de conhecimento (satisfativo). Como explicam MARINONI
e ARENHART,
19
o artigo 798, próprio do processo cautelar, passou a ser utilizado
como válvula de escape para a prestação da tutela jurisdicional tempestiva. O que
ocorria, como ensina SILVA,
20
era o uso do processo cautelar como via alternativa
para todas as ações que demandassem uma resposta jurisdicional imediata.
Tínhamos, nessas denominadas cautelares-satisfativas, verdadeiras ações de
conhecimento condenatórias, utilizadas em razão da morosidade do procedimento
ordinário. 21
Diante desse desvirtuamento do poder geral de cautela (usado
com o fim de antecipação de tutela satisfativa), o legislador obrigou-se a generalizar
o instituto para qualquer processo de conhecimento, o que foi feito pela modificação
dos artigos 273 e 461 do CPC, alterados pela Lei no. 8.952/94. Criou-se, nesse
momento, um poder geral de antecipação. 22
17
Eduardo Silva Winter. Medidas cautelares e antecipação de tutela: questões atuais e relevantes.
2007, p.19-20.
18
Com base nessas informações já é possível perceber que a idéia inicial de antecipar a tutela nos
provimentos satisfativos estava intimamente relacionada com a necessidade de celeridade (urgência).
19
Luiz Guilherme Marinoni; Sérgio Cruz Arenhart. Manual do processo de conhecimento. 2006, p.
202.
20
Ovídio A. Baptista da Silva. Curso de processo civil: processo cautelar (tutela de urgência), volume
3. 2000, p. 83.
21
Idem. Ibidem. p. 94.
22
Fredie Didier Júnior. op. cit. p. 465 (b).
7
Veja-se que a partir desses dispositivos também não há mais
qualquer justificativa para o uso das cautelares-satisfativas. Nessa linha, NERY
JÚNOR23 afirma que com a instituição da tutela antecipada genérica não há mais
razão para a utilização das cautelares-satisfativas, que, na correta visão do autor,
constitui contradictio in terminis, já que cautelares não satisfazem.
2.2 Conceito
Se tutela é o amparo que o Estado dá a quem tem razão em
um processo, antecipar a tutela é justamente dar esse amparo (proteção) em
momento anterior ao que normalmente é dado. DINAMARCO24 explica que a tutela
jurisdicional antecipada tem como característica oferecer ao sujeito, desde logo, a
fruição integral ou parcial do próprio bem ou situação pela qual litiga. NERY
JUNIOR,
25
por sua vez, afirma que a finalidade do instituto é adiantar os efeitos da
tutela de mérito, propiciando a sua imediata execução (concessão, de forma
antecipada, do próprio provimento jurisdicional pleiteado ou seus efeitos).
TEODORO JÚNIOR26 sucintamente explica que a medida
antecipatória realiza o que, em regra, somente se obteria ao final do processo. Vale
destacar, ainda, a lição de FUX,
27
que refere que a tutela antecipada é uma regra in
procedendo, segundo a qual, cumpridos determinados requisitos, é lícito ao juiz
antecipar os efeitos práticos do provimento futuro aguardado pelo damandante.
Por fim, a idéia de MARINONI,28 para quem a tutela antecipada
é uma técnica para a prestação da adequada tutela dos direitos (garantia
constitucional prevista no artigo 5º, XXXV, da CF). Em virtude do uso do rito cautelar
com o intuito de antecipar tutela, já houve muita confusão entre os institutos. Hoje
em dia, no entanto, já se pode afirmar de forma tranqüila que eles são bastante
23
Nelson Nery Junior. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 2008, p. 523.
Cândido Rangel Dinamarco. op. cit. p. 180.
25
Nelson Nery Junior. loc. cit. p. 523.
26
Humberto Theodoro Júnior. Curso de Direito Processual Civil – Processo de Execução e
Cumprimento de Sentença, Processo Cautelar e Tutela de Urgência. 2008, p. 360-365.
27
Luiz Fux. op. cit. p. 57.
28
Luiz Guilherme Marinoni. Antecipação da tutela. 2006, p. 35.
8
24
diversos (mas ainda é certo que, de acordo com o conceito que se dê à tutela
cautelar, haverá mais ou menos semelhanças entre os institutos).
No presente trabalho, em razão da forma como se conceituou a
tutela cautelar, as semelhanças dela com a tutela antecipada são muito poucas.
Basicamente, pode-se dizer apenas que elas têm em comum a finalidade de
abrandar os males do tempo e garantir a efetividade da jurisdição, como ensina
DIDIER JÚNIOR29. Grande parte da doutrina afirma que ambas são espécies do
gênero tutela de urgência, com o que não se concorda. É que, se de fato a tutela
cautelar justifica-se pela urgência 30 (para se falar em tutela cautelar a situação fática
tem que requerer urgência no provimento jurisdicional – sempre), a tutela antecipada
pode ou não ser nela baseada (exemplo é a tutela antecipada do artigo 273, II, que
não pressupõe urgência). 31
Outra questão importante diz respeito ao grau de probabilidade
do que está se afirmando. Enquanto que a tutela cautelar exige o fumus boni iuris
(vestígios de um bom direito), a tutela antecipada pede mais que isso ao requerer
uma prova inequívoca para que o juiz se convença da verossimilhança da alegação.
Nessa linha, ZAVASCKI32 explica que a verossimilhança
própria da antecipação de tutela decorre de (relativa) certeza quanto à verdade dos
fatos, ao passo que, na tutela cautelar, exige-se apenas uma probabilidade quanto
aos fatos alegados. Vale destacar que essa distinção é feita, inclusive, na
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça33.
Ademais, a tutela cautelar é sempre conservativa (isso é
próprio da sua natureza). Já a tutela antecipada, na medida em que antecipa os
29
Fredie Didier Júnior. op. cit. p. 458 (b).
Ovídio A. Baptista da Silva. op. cit. p. 17.
31
Luiz Guilherme Marinoni. op. cit. p. 53-54.
32
Teori Albino Zavascki. Antecipação da tutela. 1999, p. 76.
33
AgRg na MC 12.968/PR, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 25/09/2007, DJ
05/10/2007, p.245. Da ementa: “A antecipação de tutela, diferentemente do provimento de natureza
tipicamente cautelar, que se satisfaz com o juízo de aparência (fumus boni iuris), exige que o autor
demonstre a verossimilhança de suas alegações por meio de prova inequívoca, o que traduz juízo de
evidência bem mais complexo do que o exigido para a tutela cautelar”. (grifou-se)
9
30
efeitos próprios da tutela pretendida (satisfativa ou não-satisfativa), pode ser
satisfativa (se a tutela final buscada é satisfativa) ou conservativa (se a antecipação
é dada em processo cautelar). Quanto à estabilidade da decisão e à cognição, a
maioria da doutrina entende que ambas geram decisões provisórias, a partir de uma
cognição sumária.
No entanto, seguindo a doutrina de DIDIER JUNIOR34 entendese, no presente trabalho, que a tutela cautelar resulta em uma decisão definitiva
(cognição exauriente) e, portanto, sujeita à coisa julgada. Quanto à antecipação de
tutela, sem dúvida baseia-se em cognição sumária, produzindo decisão provisória.
Vale destacar, ainda, a lição de SILVA,
35
que explica que nos
casos de antecipação de tutela cuida-se apenas de uma lide que, não fosse a
concessão da tutela antecipada, seria ordinária (concede-se antecipadamente a
tutela que, sendo ordinário o procedimento, seria concedida pela sentença final – é a
mesma pretensão litigiosa). Já a cautelar de arresto concedida no curso de uma
ação condenatória, por exemplo, nada tem a ver com a lide satisfativa. A medida
cautelar de forma alguma estará antecipando algum efeito da sentença de
condenação. De qualquer forma, seguindo quaisquer das correntes são notórias as
diferenças entre a tutela antecipada e a tutela cautelar.
Complementando a questão, vale ressaltar que a tutela
antecipada também não se confunde com o julgamento antecipado da lide. Este,
conforme explica BUENO,36 gera verdadeira sentença de mérito, e justifica-se
quando o magistrado julga desnecessária a realização da fase instrutória, na medida
em que já está convencido de que não há necessidade de qualquer outra prova para
a formação de sua cognição sobre quem (autor ou réu) será tutelado pela atuação
jurisdicional.
34
35
Fredie Didier Júnior. op. cit. p. 458 (b).
Ovídio A. Baptista da Silva. op. cit. p. 69-70.
Cassio Scarpinella Bueno. Curso sistematizado de direito processual civil: procedimento comum:
ordinário e sumário. 2010, p. 247.
10
36
Veja-se que há no julgamento antecipado uma decisão
definitiva, fundada em cognição exauriente (o juiz julga o próprio mérito da causa,
proferindo sentença de extinção do processo com apreciação da lide37). Já na tutela
antecipada, como visto, a tutela jurisdicional é provisória, fundada em cognição
sumária. Ademais, destaca-se que no julgamento antecipado antecipa-se o
provimento final, enquanto que na tutela antecipada adianta-se apenas os efeitos do
provimento final, via decisão interlocutória. 38
2.3 Cabimento
Atualmente a antecipação de tutela é cabível em qualquer
processo. Conforme já se esclareceu, perfeitamente possível a antecipação da tutela
cautelar, inclusive liminarmente (artigo 804, do CPC).
39
Em teoria, nada impede a concessão de tutela antecipada
também no processo de execução. No entanto, difícil vislumbrar um sentido para a
antecipação, pois evidentemente já há na execução, em razão de sua natureza,
idéia de satisfatividade imediata. Porém, pode-se imaginar uma situação concreta de
suspensão da execução, que poderia justificar a antecipação de tutela nesse
processo.
No
processo
de
conhecimento
logicamente
viável
a
antecipação genérica, que pode se dar por dois dispositivos: artigos 273 e 461,
§3º40, ambos do CPC. Como bem explica MARINONI,
41
o artigo 461, §3º, abarca a
tutela antecipada nas ações de prestação de fazer, não fazer ou entregar coisa, ao
passo que o artigo 273 destina-se às ações declaratórias, constitutivas e de
prestação pecuniária.
37
Nelson Nery Junior. op. cit. p. 524.
Idem. Ibidem. p. 525.
39
Fredie Didier Junior. op. cit. p. 478 (b).
40
Nunca se esquecendo dos casos de antecipação de tutela nos procedimentos especiais, cada qual
com seus requisitos próprios.
41
Luiz Guilherme Marinoni. op. cit. p. 48-49.
11
38
Nos procedimentos especiais, por vezes há previsão específica
da possibilidade de antecipação de tutela, com requisitos próprios. Nos casos em
que não há essa previsão, aplicam-se as regras do poder geral de antecipação
(pressupostos genéricos dos artigos 273 e 461, §3º).
Vale ressaltar, ainda, a grande discussão quanto ao cabimento
da antecipação nas ações declaratórias e constitutivas. No presente trabalho seguese o entendimento (majoritário) de que ela é sim cabível. Veja-se que nas ações
declaratórias não é possível a antecipação do bem certeza jurídica (esse exige
cognição exauriente). Mas possível antecipar a eficácia negativa (inibitória) da
declaração, que proíbe atos contrários a ela.
42
Nesse sentido, pode-se citar uma
ação declaratória de inexistência de relação jurídica (em razão de já ter havido
pagamento) com pedido de antecipação de tutela a fim de sustar o protesto da
cambial já paga. 43
No âmbito da tutela constitutiva, MARINONI44 explica que
perfeitamente possível uma constituição fundada em cognição sumária, citando
como exemplo a fixação provisória de aluguel (inclusive possível antecipação de
natureza mandamental e executiva na pendência de ação constitutiva, a fim de
torná-la efetiva).
OLIVEIRA,
45
na mesma linha, afirma que nada impede que o
magistrado adote providências de ordem mandamental se convencido da
verossimilhança do direito constitutivo afirmado pelo autor.
Cita como exemplo uma ação constitutiva de servidão de
passagem: o juiz pode determinar, antecipadamente, a passagem ou o desfazimento
da obstrução a essa passagem, para prevenir um dano.
42
Teori Albino Zavascki. op. cit. p. 84-85.
Nelson Nery Junior. op. cit. p. 526.
44
Luiz Guilherme Marinoni. op. cit. p. 62-63.
45
Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. Alcance e Natureza da Tutela Antecipatória. 1997, p. 52.
43
12
3. TUTELA ANTECIPADA COM BASE NA EVIDÊNCIA
Já pode se perceber, no presente trabalho, que a antecipação
de tutela, apesar de ser inicialmente pensada para situações de urgência, nem
sempre exige a presença desse pressuposto. Apesar de isso estar bem claro na
redação do artigo 273, do CPC, é muito comum afirmar-se que a tutela antecipada é
tutela de urgência, o que está equivocado. Ela pode ou não ser tutela de urgência.
E, quando não o é, baseia-se, ainda que combinada com outros requisitos,
essencialmente na evidência do direito.
3.1 Justificativa
Muitos podem se perguntar por que razão se deve antecipar os
efeitos da tutela se não há urgência. A resposta é simples: porque o processo tem
que ser justo. E um processo justo não pode deixar com que o ônus do seu tempo
(todo processo vai levar algum tempo) recaia unicamente sobre o autor.
Não se pode pensar apenas no réu e no seu direito ao
contraditório e à ampla defesa, com modificação na sua situação jurídica e fática
apenas depois de um processo com cognição exauriente. Ora, o autor tem ao seu
lado o também importantíssimo direito à tempestividade da tutela jurisdicional.
A chave da questão é essencialmente a justa distribuição do
tempo do processo, que é inerente à jurisdição. Inegavelmente é algo arriscado, pois
pode-se perceber ao final do processo que o autor beneficiado pela antecipação não
tinha razão. Mas não prever a antecipação com base na evidência é igualmente
arriscado, pois pode permitir que um autor com razão, mas sem urgência, seja
imensamente prejudicado por um réu ardiloso e anti-ético, que usa o processo como
forma de postergar ou até impossibilitar a efetivação do direito do autor.
13
É para amenizar essas injustiças que há a antecipação de
tutela que, nos dizeres de MARINONI,46 nada mais é do que uma técnica de
distribuição do ônus do tempo do processo.
3.2 Espécies
Há duas espécies de tutela antecipada com base na evidência:
a tutela antecipada do artigo 273, II, também denominada de tutela punitiva, e a
tutela antecipada do artigo 273, §6º.
A tutela antecipada punitiva é uma combinação da evidência do
direito autor com a fragilidade da resistência do réu.
47
Veja-se que não basta a
evidência do direito ou uma atitude temerária do réu (artigo 17, por exemplo): ambas
devem estar combinadas.
A doutrina brasileira, notadamente MARINONI,48 apresenta
duas principais situações de aplicação do dispositivo. A primeira delas é a situação
de uma defesa de mérito indireta infundada. Há defesa de mérito (que se contrapõe
a defesa processual) quando o réu nega o fato constitutivo (defesa de mérito direta)
ou afirma um fato impeditivo, extintivo ou modificativo (defesa de mérito indireta).
Nessa segunda situação, o réu, em tese, está admitindo o que
alega o demandante, mas apresentando outro fato que, na sua visão, fará com que o
autor não receba a tutela jurisdicional. Se esse fato alegado pelo réu demandar
tempo para ser analisado (exigir prova) e for reconhecido como infundado (tenha alta
probabilidade de insucesso), estarão presentes os requisitos necessários para a
antecipação com base no artigo 273, II: direito evidente (fato constitutivo não
contestado) e defesa de mérito indireta que demande tempo e seja infundada. Ora,
em tal situação deve haver uma inversão no ônus do tempo processual: agora é o
réu que deve suportá-lo.
46
Luiz Guilherme Marinoni. op. cit. p. 343.
Idem. Ibidem. p. 347.
47
48
Idem. Ibidem. p. 347-355.
14
Um segundo caso ventilado pela doutrina é o de fato provado
documentalmente combinado com defesa infundada, na chamada técnica monitória.
A situação é bem semelhante à apresentada anteriormente, também exigindo-se que
a referida defesa infundada demande tempo (caso contrário não há sentido em
redistribuir o ônus do tempo processual).
A segunda espécie de tutela antecipada com base na evidência
está prevista no artigo 273, §6º49 e gera mais controvérsia. Alinha-se o presente
trabalho ao entendimento de que há no dispositivo efetiva previsão de tutela
antecipada (por expressa opção legislativa, conforme se verifica pela letra do
dispositivo e por sua própria colocação no artigo 273).
Há, em contrapartida, autores que entendem que a natureza
jurídica do dispositivo é de resolução parcial de mérito, tomada com base em
cognição exauriente, portanto apta a fazer coisa julgada material.50 Pois bem.
Considerando que o dispositivo tem natureza de tutela antecipada, pode-se afirmar
que há, aqui, a verdadeira antecipação de tutela com base na evidência.
Explica-se: nessa situação não há exigência nem de urgência e
nem de defesa protelatória, temerária ou infundada do réu. O que é necessário é
que o direito seja evidente, o que se verifica pela expressão incontroverso.
Mas atenção: o dispositivo tem aplicabilidade quando parte de
um pedido é incontroversa ou quando a demanda possui mais de um pedido e um
ou alguns deles são incontroversos (no caso de toda demanda ser incontroversa
parte-se logo para o julgamento antecipado, situação em que o réu não precisará
suportar o ônus do tempo do processo).
Impõe-se agora definir o que seria incontroverso para efeitos
do artigo 273, §6º: primeiramente, é incontroverso o fato reconhecido ou não
contestado pelo réu em sua defesa; mas também um fato contestado pode ser
49
A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou
parcela deles, mostrar-se incontroverso.
50
Fredie Didier Junior. op. cit. p. 533 (b).
15
incontroverso, se o juiz assim entender (o magistrado pode verificar que somente um
dos pedidos exige instrução probatória, restando o outro incontroverso, merecendo o
autor imediata tutela quanto a esse). Veja-se que em ambos os casos há juízo de
verdade, e não de verossimilhança. A partir dessa informação surge a dúvida quanto
à existência ou não de coisa julgada.
Entende-se, também com respaldo na obra de MARINONI
51
que, em que pese a decisão seja dada em cognição de verdade, não faz coisa
julgada, podendo ser revogada ou modificada (artigo 273, §4º), justamente por ser
espécie de antecipação de tutela.
Porém, a revogação ou modificação dessa decisão tem regras
próprias, senão vejamos. No caso de reconhecimento ou não contestação cabível
agravo de instrumento, que poderá discutir que não ocorreu o reconhecimento ou a
não contestação. Sendo o agravo improvido, não mais poderá o juiz analisar tais
questões, que tornam-se estáveis. Porém, a tutela ainda poderá ser revogada, em
um único caso, o de posterior reconhecimento de ausência de condições da ação.
Já na situação de incontrovérsia após a contestação, o agravo
de instrumento poderá discutir toda a matéria. No entanto, após seu improvimento, o
juiz só pode revogar a tutela a partir de novos fatos (e não de novas provas, já que
estas
foram
consideradas
desnecessárias
quando
do
reconhecimento
da
incontrovérsia) ou novamente pelo reconhecimento de falta de condição da ação. 52
Com base nessas informações, pode-se verificar que, quanto a
sua classificação como forma de tutela, a tutela antecipada de evidência do artigo
273, §6º é exceção ao que foi apresentado no trabalho. É que se explicou que a
tutela definitiva é obtida após cognição exauriente (apta a produzir coisa julgada
material) e a tutela provisória após cognição sumária. No entanto, nessa especial
forma de antecipação de tutela, há tutela provisória baseada em cognição de
verdade, que não é apta a produzir coisa julgada material.
51
Luiz Guilherme Marinoni. op. cit. p. 365-366.
16
CONCLUSÃO
Qualquer processo judicial, para que produza uma decisão
eivada de segurança jurídica e o mais justa possível, obrigatoriamente demandará
tempo. Se o tempo é inerente e essencial ao processo, um sistema adequado deve
distribuí-lo, entre autor e réu, de forma justa. É esse o papel do instituto da
antecipação de tutela.
A referida distribuição do tempo do processo ocorre a partir de
dois critérios distintos: urgência e evidência do direito. Mas, se de um lado a
antecipação da tutela com base na urgência é absolutamente comum na prática
judiciária, de outro, a antecipação baseada na evidência é quase uma raridade.
No presente artigo procurou-se primeiramente entender essa
faceta menos conhecida da antecipação de tutela, para posteriormente, em
conclusão, descobrir os porquês de sua pouca utilização.
Feita tal análise é possível concluir, no presente momento, que
o sistema legal prevê a antecipação de tutela baseada na evidência de forma
adequada e suficiente, em dois artigos: 273, II e 273, §6º, ambos do Código de
Processo Civil. Logo, a falha é dos operadores do direito (advogados e magistrados).
Opina-se no sentido de que a não utilização do instituto decorre
de certo receio dos magistrados. É que até o momento não se consegue perceber a
razão e a importância de antecipar tutela sem urgência. Ainda não se vê que: se é
injusto antecipar tutela e perceber ao final do processo que o autor não tinha razão,
também é muito injusto fazer com que o autor que evidentemente tem direito suporte
sozinho o ônus do tempo do processo, em benefício de um réu muitas vezes
ardiloso.
52
Idem. Ibidem. p. 365-367.
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Por receio de cometer algumas poucas injustiças (pois não
será comum que os magistrados antecipam tutela com base na evidência e
percebam que o beneficiado não tinha razão) atualmente são cometidas várias, em
razão da pouca utilização do instituto. É mais fácil só antecipar tutela quando há
urgência, pois, no caso de eventual revogação da medida, está o magistrado
absolvido na medida em atuou protegido por essa situação extrema (risco de morte,
por exemplo).
Além dessas conclusões no âmbito da prática judiciária, do
ponto de vista teórico é possível destacar que uma das espécies de antecipação de
tutela baseada na evidência (artigo 273, §6º, do CPC) pode ser classificada de forma
peculiar: trata-se de uma tutela antecipada baseada em cognição de verdade que
não faz coisa julgada. É, assim, exceção à classificação das tutelas, já que a tutela
antecipada é geralmente baseada em cognição sumária, e a cognição de verdade
normalmente gera coisa julgada material.
O artigo propõe, então, uma reflexão sobre esse instituto tão
importante e tão pouco utilizado na prática processual. Espera-se que os operadores
do direito, conhecendo melhor a antecipação de tutela baseada na evidência,
valham-se mais dela, incorporando a idéia da justa distribuição do tempo do
processo como um direito acessível a todos os litigantes.
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