Caso clínico – Derrame pleural septado- desafio diagnóstico
Autores:
Carla Cristina de Almeida
R2 de Pneumologia- Hospital Universitário Gaffreé e Guinle/UNIRIO
Robertson Rodrigues Pereira Júnior
Mestrando de Endoscopia/Pneumologia- Hospital Universitário Gaffreé e Guinle/UNIRIO
Bernardo Henrique Ferraz Maranhão
Professor Assistente da Disciplina de Pneumologia- UNIRIO. TE SBPT
Coordenador da Comissão de Pleura- SBPT
Identificação: ACOD, masculino, 65 anos, branco, natural da Bahia, reside em Guadalupe - Rio
de Janeiro, vendedor.
Queixa Principal: falta de ar, tosse e dor torácica
História da Moléstia Atual: Iniciou em abril de 2013 quadro de tosse não-produtiva, febre
vespertina, inapetência e perda ponderal (> 10kg) em curto período, com piora evolutiva da
tosse, além do aparecimento de dor torácica em topografia de base do hemitórax direito.
Procurou atendimento médico em 16/05/13, realizando radiografia simples de tórax que
evidenciou derrame pleural. Foram iniciados amoxicilina/clavulanato e azitromicina, coletando
escarro induzido com pesquisa de BAAR negativa. Foi transferido ao HUGG em 27/05/13, para
investigação diagnóstica, estando há 02 dias em uso de ciprofloxacino e metronidazol,
mantendo imagem de derrame pleural à radiografia de tórax, porem com melhora das queixas
iniciais.
História Patológica Pregressa: hipertenso, diabético tipo 2, hiperplasia prostática benigna e
história de asma com relato de última crise há 40 anos. Em uso de enalapril, glibenclamida e
glimepirida. Cirurgia para correção de desvio de septo há 40 anos. Hepatite A há 3 anos. Nega
alergias.
História Social: nega etilismo ou tabagismo, reside em casa de alvenaria com boas condições
higiênico-sanitárias. Negava igualmente contato com sintomáticos respiratórios.
História Familiar: Nada digno de nota.
Exame Físico: hemodinamicamente estável, emagrecido, eupneico em ar ambiente,
hipocorado (++/4+), apresentando murmúrio vesicular abolido em 2/3 inferiores de hemitórax
direito com crepitações difusas. Restante sem alterações.
Laboratório (22/05/13): leucócitos 18.700/mm³ com 4% bastões, 30,7 % de hematócrito,
plaquetas 602.000/mm³, uréia 22 mg/dL, creatinina 0,66 mg/dL, glicemia 255 mg/dL, sódio 141
mEq/L e potássio 4,5 mEq/L.
Pesquisa de BAAR nos escarros induzidos (18/05 e 24/05): negativos em 2 amostras.
16/05/13
24/05/13
Tomografia de Tórax de tórax (18/05/13): Volumoso Derrame pleural loculado no hemitórax
direito, associado à consolidação com componente atelectásico do LID, presença de gás com
nível hidroaéreo de permeio a área de consolidação; pequeno derrame pleural à esquerda;
faixas atelectásicas em lobo médio; mediastino centrado; sem evidência de linfonodomegalias.
18/05/13
Questão 1: Qual o diagnóstico mais provável para o quadro clínico radiológico descrito?
a)
b)
c)
d)
Pneumonia
Empiema pleural
Derrame pleural neoplásico
Descompensação de insuficiência cardíaca
Comentários:
O derrame pleural apresenta sintomas decorrentes diretamente do acometimento do
folheto parietal como dor pleurítica em geral na área afetada, tosse seca e dispneia, mais
intensa com volumes maiores. Na radiografia de tórax as principais características são elevação
e alteração da conformidade do diafragma com retificação de sua porção medial, obliteração
do seio costofrênico, além de opacificação progressiva das porções inferiores dos campos
pleuropulmonares, podendo formar parábola com concavidade voltada para cima. No perfil
evidencia-se o apagamento do seio costofrênico do lado acometido. Algumas vezes o derrame
pode estar loculado – líquido encapsulado em qualquer ponto dos campos pleuropulmonares1.
A pneumonia pode ser acompanhada por derrame pleural de 37 a 57% dos casos,
sendo considerado um fator de pior prognóstico. Inicialmente o derrame parapneumônico não
complicado pode ser acompanhado sem drenagem. Se persistir ou aumentar seu volume
apesar do tratamento, há indicação de toracocentese e análise do líquido. Se houver
persistência da pneumonia, ausência ou incorreção do tratamento, ou ainda resposta
inadequada do paciente a este tratamento, o derrame passa a ser considerado complicado,
onde o líquido torna-se mais turvo e facilmente coagulável com formação de septações2.
A neoplasia pulmonar é a principal responsável pelos derrames pleurais neoplásicos,
chegando a até 15% no momento do diagnóstico e até 50% na evolução da doença; sendo o
adenocarcinoma o tipo histológico mais associado. Em geral são volumosos, livres e não
cursam com desvio do mediastino por estarem frequentemente associados à atelectasias.
Diversos outros tumores podem cursar com derrame pleural metastático, sendo os principais o
câncer de mama, os linfomas e os tumores de ovário3.
A Insuficiência cardíaca descompensada pode apresentar quadro de congestão
pulmonar com derrame pleural, geralmente bilateral (cerca de 88%), podendo ter maior
volume à direita, com características de transudato1. Além da associação de outros sinais e
sintomas compatíveis com congestão sistêmica, como: ortopnéia, edema de membros
inferiores, turgência jugular, terceira bulha presente e estertoração pulmonar. No exame
radiológico do tórax observa-se a presença de cardiomegalia.
O empiema pleural costuma apresentar-se como exsudato, tendo origem em infecções
complicadas, sem tratamento adequado ou que se instalam na cavidade pleural, em geral por
contiguidade. Radiologicamente costuma apresentar-se como derrame pleural loculado,
unilateral com a imagem radiológica de um “D” invertido à radiografia simples de tórax com
história de infecção prolongada. Na tomografia com contraste há realce dos folhetos parietal
e visceral da pleura, espessamento do tecido subcostal e da gordura extrapleural, bem como
apresentam formato geralmente elíptico com superfície interna lisa4.
Resposta: B
Evolução
No momento da internação foi realizada troca de antibioticoterapia por ceftriaxone 01g
12/12h e clindamicina 600mg 8/8h, além de PPD que teve sua leitura como reator forte
(10mm) e coleta de anti-HIV: não reagente. Realizou nova TC de tórax em 12/06/13 que
evidenciou focos de consolidação e nódulos do espaço aéreo observados no segmento 6
direito com área de escavação central preenchida por gás; havia comunicação da mesma com
espaço pleural, espessamento irregular da pleura, derrame e nível hidroaéreo; pequeno
derrame intercissural; o aspecto indicava possibilidade de abscesso pulmonar fistulizado para a
pleura, determinando empiema pleural a direita.
Foi submetido em 19/06/13 a pleuroscopia com decorticação pleural por VATS, pleurectomia e
toracotomia com drenagem anterior e posterior, com presença de líquido pleural amarelo
claro com loculações e colocação de drenos número 32 multifenestrados acoplados a sistema
em selo d’água.
Exames do líquido pleural:
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





Pesquisa de BAAR: negativo
Cultura para BK: negativa
Cultura para germes comuns: sem crescimento bacteriano
Hematimetria: 1000/mm³
Leucometria: 85/mm³ com 3% neutrófilos e 97% linfócitos
Glicose: 185 mg/dL
Proteínas totais: 5,2 g/dL
LDH: 606 UI/L
Colesterol: 121mg/dL
Questão 2: Quais dos parâmetros abaixo podemos utilizar para diferenciar exsudatos e
transudatos , além dos Critérios de Light?
a)
b)
c)
d)
Critério Maranhão e Teixeira
Critério do colesterol
Critério do gradiente de albumina
Todas as acima
Comentários
Habitualmente utilizam-se os critérios de Light para diagnóstico de exsudatos, onde pelo
menos 1 dos critérios abaixo, classificam o derrame como tal6:



Dosagem de LDH> 200UI/l no líquido pleural ou > 2/3 do limite superior de
normalidade no soro;
Relação de proteínas totais no líquido pleural/soro > 0,5
Relação LDH no líquido pleural/soro > 0,6
Estes critérios apresentam elevada sensibilidade, porém menos especificidade para o
diagnóstico de exsudato5.
Outros parâmetros têm sido pesquisados, principalmente visando facilitar e reduzir custos
deste diagnóstico. Desta forma outros métodos com rendimento semelhante aos critérios de
Light foram sugeridos para caracterização de exsudato, tais como: dosagem no líquido pleural
de colesterol > 47mg/dl associada à dosagem no líquido pleural de LDH > 222 UI/L7, gradiente
de albumina (albumina do soro – albumina do líquido pleural) ≤ 1,2 g/dL8, o critério do
colesterol9, ainda com valores de corte incertos, mas geralmente usando o valor > 60gmg/dL e
a técnica de dosagem isolada de proteínas e LDH no líquido (Maranhão e Teixeira), com
valores ≥ 3,4 g/dL e LDH ≥ 328 U/L 10, respectivamente. Além disso, a análise do pH com valor <
7,2, não só classifica o líquido como exsudato como indica a necessidade de drenagem do
mesmo5.
Entre as causas de transudatos temos: insuficiência cardíaca, cirrose hepática,
nefropatias, atelectasia, embolia pulmonar, neoplasia e hipotireoidismo. Como causas de
exsudatos podemos citar: pneumonias, neoplasias, tuberculose, embolia pulmonar,
pancreatite, empiema, doenças do colágeno, quilotórax, derrame induzido por drogas e
infecções em geral11.
Resposta: D
Continuação
Realizou nova TC de tórax em 01/07/13 que evidenciou consolidações atelectásicas em LID,
presença de coleções no espaço pleural,
loculadas no terço médio e na base do
hemitórax direito; identificam-se 2 drenos –
anterior e posterior – com trajetos que
interessam as principais áreas de coleções
pleurais; melhora em relação ao exame anterior
(12/06) com relação ao tamanho das coleções;
pequenos linfonodos em cadeia hilar direita, na
janela aorto-pulmonar e em cadeia paratraqueal direita. Com base neste exame, o dreno
anterior foi retirado pela equipe da Cirurgia Torácica.
TC de Tórax 01/07
Histopatológico do fragmento de pleura: pleura espessada à custa de fibrose, edema e
infiltrado inflamatório misto; na superfície interna, material fibrinonecrótico- leucocitário e
tecido de granulação; observam-se ocasionais granulomas com focos de necrose e células
gigantes do tipo Langerhans; ausência de malignidade.
Suspendeu-se antibioticoterapia e iniciou-se Rifampicina/Isoniazida/Pirazinamida/Etambutol
em 04/07/13, considerando o diagnóstico de tuberculose pleural,
Seguiu em uso dos tuberculostáticos, realizando fisioterapia respiratória com melhora
evolutiva ao exame radiológico simples do tórax. Optou-se pela drenagem aberta com
posterior alta hospitalar e acompanhamento ambulatorial.
25/06/13
22/07/13
Questão 3: Qual a afirmativa mais correta quanto à tuberculose pleural?
a) O acometimento pleural é uma apresentação extrapulmonar rara da tuberculose.
b) Em geral, o derrame pleural tuberculoso apresenta características de transudato, com
predomínio de linfócitos.
c) Habitualmente o tratamento da tuberculose pleural é realizado por pelo período de 9
meses, com baixa ocorrência de sequelas após cura.
d) A avaliação histológica associada à cultura para micobactéria no fragmento de biópsia
pleural apresenta cerca de 90% de sensibilidade.
Comentários:
No Brasil a incidência de tuberculose encontra-se em torno de 44/100.000 habitantes,
sendo as formas extrapulmonares responsáveis por cerca de 25% dos casos de tuberculose e
destas, a mais comum é a localização pleural em adultos imunocompetentes5.
Está comumente associada à forma pulmonar, podendo ser manifestação da infecção
primária ou reativação de foco latente. Costumeiramente, é um processo inflamatório de
hipersensibilidade tardia, gerando derrames volumosos, porém com poucos bacilos no líquido
pleural12.
Como o líquido pleural é pobre em bacilos, a análise deste pouco contribui para o
diagnóstico bacteriológico da tuberculose, sendo a pesquisa de BAAR raramente positiva.
Desta forma, o mais indicado é a realização de toracocentese com biópsia pleural quando há
suspeita clínica e/ou radiológica. A associação da avaliação histopatológica e da cultura para
micobactéria do fragmento pleural obtido por biópsia pode chegar a 90% de sensibilidade5.
O líquido pleural tuberculoso é normalmente um exsudato amarelo-citríno com
contagem de células > 1000/mm³ e predomínio de linfócitos, sendo que nas 3 primeiras
semanas de evolução pode haver predomínio de neutrófilos5.
O tratamento do derrame pleural tuberculoso segue o mesmo esquema para a
tuberculose pulmonar, tanto em relação às drogas quanto ao tempo13.
Resposta: D
A hipótese inicial para o caso descrito havia sido de empiema pleural por germe
piogênico, porém a análise laboratorial não foi compatível com esta afirmação. Devido às
dificuldades técnicas não foi possível a realizar a dosagem do pH, mas os demais critérios como
a cultura positiva não foram observados. Frente à biópsia de pleura com achados
característicos de infecção por micobactéria, chegou-se ao diagnóstico de tuberculose pleural.
O desfecho do caso aponta para a necessidade de se correlacionar cautelosamente os
parâmetros diagnósticos das doenças pleurais. Fundamental a articulação entre os achados
bioquímicos, microbiológicos e histopatológicos, atentando-se para as potencialidades e
limitações de cada método empregado. O diagnóstico final se dará pela correta sistematização
na propedêutica do líquido e do tecido pleural.
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Philadelphia: Hodder Arnould, 2008.
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