Einstein e o laser: A luz do século XX Luiz Davidovich Instituto de Física Universidade Federal do Rio de Janeiro OS PRIMÓRDIOS Como descrever a energia por unidade de volume e freqüência irradiada por um corpo aquecido, em função da freqüência e da temperatura? RADIAÇÃO DE CORPO NEGRO Kirchoff (1859): é universal, não depende das características do material Alguns resultados… Lei do deslocamento de Wien (1893): , T f / T 3 Segunda lei de Wien (1896): , T e 3 / T Conseqüência da termodinâmica Baixas temperaturas, altas freqüências (falha no infravermelho distante) Lei de Rayleigh-Einstein-Jeans (1900 – k 1,3807 erg/K 1905): 2 8 ,T 3 kT c Altas temperaturas, baixas freqüências 7 de outubro de 1900: Lei de Planck 8 h 3 1 , T , 3 h / kT c e 1 27 h 6.63 10 erg.s 8 2 kT h / kT 1 , T c3 Rayleigh Einstein Jeans Anunciada publica3 mente em h / kT 1 , T 8 h e h / kT 3 c 19/10/1900 Wien 12000K Comprimento de onda (nm) Intensidade (W/cm2/nm) Pico no ultravioleta 3000K Comprimento de onda (nm) Pico no infravermelho Intensidade (W/cm2/nm) Intensidade (W/cm2/nm) Variação com temperatura 6000K Comprimento de onda (nm) Pico no visível A revolução dos quanta Planck, 12 de dezembro de1900: Emissão de radiação é feita por pacotes (quanta), com energia proporcional à freqüência (cor). E h Constante de Planck Einstein, 17 de março de 1905 Argumentos estatísticos: Luz comporta-se como se fosse constituída de corpúsculos – fótons Explicação do efeito fotoelétrico Prêmio Nobel de Física (1922) E = h Nenhuma menção ao momentum do fóton, nem à dualidade onda-corpúsculo! 1906-1909 “Estou ocupado incessantemente com a questão da radiação… Essa questão quântica é tão descomunalmente importante e difícil que ela deveria preocupar todo mundo” (carta de Einstein a Laub, 1908) 1909: Dualidade ondacorpúsculo – dois artigos Flutuações de energia da radiação em equilíbrio térmico: Rayleigh-Einstein-Jeans: típica de ondas Wien: típica de partículas puntiformes independentes Planck: soma das duas contribuições – partícula e onda! “Em minha opinião a próxima fase no desenvolvimento da física teórica trará uma teoria da luz que pode ser interpretada como uma fusão entre a teoria ondulatória e a teoria da emissão” (teoria corpuscular de Newton) 1909-1916: Um longo silêncio sobre a teoria da luz Manifestação de Einstein no 1o Congresso de Solvay (1911): “Insisto no caráter provisório desse conceito [quanta de luz] que não parece ser reconciliável com as conseqüências experimentalmente verificadas da teoria ondulatória”. Proposta indicando Einstein para a Academia de Ciências Prussiana (assinada por Planck, Nerst, Rubens e Warburg), 1913: “Que ele tenha algumas vezes errado o alvo em suas especulações, como por exemplo em sua hipótese dos quanta de luz, não pode realmente ser usado contra ele, pois não é possível introduzir idéias realmente novas mesmo nas ciências mais exatas sem algumas vezes assumir um risco”. 1916-1917: Absorção e emissão de radiação “Uma luz esplêndida baixou sobre mim acerca da absorção e emissão de radiação” (carta a Besso, novembro de 1916) Três artigos: – Relação entre processos de emissão espontânea, estimulada e absorção – Uma nova dedução da lei de Planck, baseada em hipóteses gerais sobre a interação entre a radiação e a matéria – Quantum de luz com energia h carrega momentum h/c Modelo: gás de moléculas interagindo com a radiação eletromagnética, em equilíbrio térmico Absorção, emissão espontânea e estimulada Absorção e emissão espontânea Emissão estimulada Hipóteses de Einstein Número de moléculas com energia Em: Nm pm exp Em / kT Transições m n por unidade de tempo: dWnm N n Bnm Anm n m dt Emissão induzida Emissão espontânea dWmn N m Bmn Absorção m n dt En Em Reversibilidade: dWnm dWmn dt dt Anm pn Bmn pm exp En Em / kT Bnm pn Leis de Rayleigh e Wien devem ser satisfeitas! A p B p exp E E / kT B p nm n mn m n m nm T (Rayleigh): e En Em / kT 1 En Em /kT Bmn pm Bnm pm Anm / Bnm exp En Em / kT 1 n Wien: 1 Anm / Bnm 3 , En Em h Condição de compatibilidade: conexão entre lei da radiação e teoria de Bohr! Emissão induzida: desprezível para h/kT >>1 Momentum do fóton (1916) “Se um pacote de radiação faz uma molécula emitir ou absorver uma quantidade de energia h, então um momentum h/c é transferido para a molécula, na direção de movimento do pacote para absorção e na direção oposta para emissão induzida”. (Argumentos estatísticos!) Emissão espontânea e o desconforto de Einstein Não é possível prever nem o instante nem a direção de emissão do fóton “Poderão a absorção e emissão da luz alguma vez serem entendidas no sentido do requisito completo de causalidade, ou um resíduo estatístico permanecerá? Devo admitir que me falta a coragem de uma convicção. Porém, eu ficaria muito infeliz se tivesse que renunciar à causalidade completa” (carta a Born, 1920) 35 anos depois… Maio de 1952 – Nikolay Basov e Alexander Prokhorov (Instituto Lebedev) descrevem princípio do MASER (Microwave Amplification by Stimulated Emission of Radiation) 1953 – Charles Townes, J. P. Gordon e H. J. Zeiger constroem primeiro maser na Universidade de Colúmbia Basov, Prokhorov e Townes – Prêmio Nobel de Física em 1964 Basov Prokhorov Townes O Princípio do MASER Taxa de variação da intensidade da radiação: Emissão estimulada dI AN b BIN a BIN b dt Emissão espontânea b a Absorção E / kT Equilíbrio térmico: Nb Nae (Absorção domina sobre emissão estimulada) Amplificação: Nb N a (fora de equilíbrio) O MASER de Amônia 24 109 MHz =6-8 kHz P 108 Watts h / kT 1/ 200 T 300 K MASERS astronômicos H2O, OH, SiO, Metanol H. Weaver et al., Nature 208, 29 (1965) Estrela TX Cam, SiO – 43 GHz Micromasers H. Walther et al., Max-Planck Institute, Garching, Alemanha S. Haroche et al., Ecole Normale Supérieure, Paris Do MASER ao LASER Light Amplification by Stimulated Emission of Radiation Dificuldades: – Diferença de energia entre níveis na região ótica é muito maior, mais difícil de inverter população – Comprimento de onda é muito menor, problemas de precisão na sintonização da cavidade (muitos modos) – Razão A/B é muito maior (pois cresce com 3): emissão espontânea é mais importante Solução: cavidade com espelhos Invenção do laser Gordon Gould, 1957 – estudante de doutorado na Universidade de Columbia (ganhou patente em 1977) Arthur Schawlow e Charles Townes (1958) Gould Schawlow O primeiro laser: Maiman, 1960 T. H. Maiman, Nature. 187, 493, 1960 O truque de Maiman Rápido desenvolvimento Fevereiro de 1961, Ali Javan (MIT): Laser contínuo de He-Ne 1962, Robert Hall (GE): Laser de semicondutor 1962, N. Bloembergen (Harvard): Ótica não-linear (Nobel 1981) 1964, Kumar Patel (Bell Labs): laser de CO2 1966, Sorokin e Lankard, Schäfer et al.: lasers de corantes (sintonizáveis) Steven Strokel, oftalmologista de NY, 1987 – primeira cirurgia de córnea com laser de excímero (ultravioleta) Javan Hall Blombergen Patel Telemetria: Hal Walker (Union Carbide), 1969 Observatório McDonald (Texas) Walker Espelho de 45 cm de lado colocado por equipe da Apolo 11 (1969), laser pulsado de Rubi, precisão de 5 m (precisão atual: 3 cm) Novo observatório em Novo México: precisão de 1 mm (Nd:YAG) Lasers de alta potência: 15 Petawatt (10 W) Laser “Vulcan”, Rutherford Appleton Laboratory, Oxford (2004) – 410 femtossegundos (1 fs = 10-15 s) Laser de vidro de Neodímio – intensidades até 1021 Watts/cm2 – equivalente a toda a luz solar incidente sobre a Terra focalizada na extremidade de um fio de cabelo Possível aplicação em fusão nuclear… Charles Townes com Petawatt laser atrás, em Livermore (1996) – Mais que 1000 vezes a capacidade elétrica total dos Estados Unidos, em 0,5 picossegundos (0,510-12s) Câmera de fusão nuclear, em Livermore Lasers ultra-curtos M. Hentschel et al., Nature 414, 309 (2001) Produção de pulsos ultra-curtos, da ordem de 100 atossegundos, na região de raios X (1 atossegundo: 10-18 s) – estudo de dinâmica de elétrons em átomos Características da luz do laser Alta monocromaticidade Direcionalidade Intensidade Coerência Estatística de fótons Poissoniana Luz térmica (Bose, 1924), luz de laser (Scully e Lamb, 1965) – Arecchi, PRL 15, 912 (1965) Um longo caminho… Início da década de 1960: laser era considerado “uma solução em busca de um problema” Aplicações: telemetria, corte de materiais, medicina, CD’s e DVD’s, comunicações, circuitos impressos, padrões de tempo Pesquisa básica: ótica não linear (estados emaranhados – “paradoxo EPR!), espectroscopia de alta resolução, pinças óticas, esfriamento e armadilhas de átomos, relatividade geral Novos desenvolvimentos: lasers de raio X, pulsos extra curtos, fontes de um único fóton “Previsões podem falhar, especialmente aquelas relativas ao futuro” (Niels Bohr) Referências Abraham Pais, “Subtle is the Lord: The Science and the Life of Albert Einstein” Conferências Nobel de Townes, Basov, Prokhorov, Schawlow, Blombergen G. A. Mourou e D. Umstadter, “Luz Extrema”, Scientific American Brasil, Edição Especial: Fronteiras da Física (2005)