Aspectos pontuais da Lei nº 8.896/02 que disciplina as ERBs em Porto Alegre Cíntia Schmidt OAB/RS 54.812 COMPETÊNCIA MUNICIPAL PARA LEGISLAR Matéria referente à ocupação do solo urbano, inserida no Direito Urbanístico, em conformidade com o artigo 30, incs. I e VIII, da CF, não afrontando a competência legislativa privativa da União. Art 30. Compete aos Municípios: I - legislar sobre assuntos de interesse local; [...] VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano; Art. 23 - É Competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: ... VI – proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer uma de suas formas; COMPETÊNCIA MUNICIPAL -> Constituição Federal Art. 22 - Compete privativamente à União legislar sobre: (...) IV- águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão; A União tem competência legislativa sobre a disciplina das telecomunicações, não impedindo a existência de normas municipais, em relação ao que pertine a assuntos de interesse local e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano, conforme a Lei Municipal n. 8.896/02 de Porto Alegre que dispõe sobre a instalação de ERBs. Jurisprudência PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CRITÉRIOS PARA A INSTALAÇÃO E O FUNCIONAMENTO DE ESTAÇÕES RÁDIO BASE (ERBs). ACÓRDÃO RECORRIDO QUE JULGA VÁLIDA LEI LOCAL CONTESTADA EM FACE DE LEI FEDERAL. ART. 102, III, C E D, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, COM A REDAÇÃO DADA PELA EC 45/2004. COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 1. Como bem salientou o ilustre representante do Parquet , "o acórdão recorrido afastou a incidência da Lei Federal nº 9.472/97, para firmar a aplicação da Lei Municipal nº 8.896/02, de modo que a recorrente, no recurso especial, ao sustentar a legitimidade da ANATEL para regulamentar a instalação de ERB's, contesta a aplicação da Lei Municipal nº 8896/02 face a Lei Geral de Telecomunicações nº 9472/97 ". 2. A Corte de origem, para afastar a necessidade de litisconsórcio da ANATEL, com a conseqüente remessa dos autos para a Justiça Federal, concluiu que a Lei Municipal 8.896/2002 não invadiu a competência da referida agência reguladora, definida na Lei Geral de Telecomunicações (Lei 9.472/97). 3. Compete ao Supremo Tribunal Federal, nos termos do art. 102, III, c e d, da Constituição Federal, com a redação dada pela EC 45/2004, o julgamento, em recurso extraordinário, das causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face da Constituição Federal, bem como quando julgar válida lei local contestada em face de lei federal. 4. Agravo regimental desprovido. (AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 905.648 – RS) COMPETÊNCIA MUNICIPAL *Com a expansão dos serviços de telefonia celular, e conseqüente aumento do número de ERBs, os municípios começaram a criar novas regras que disciplinassem sobre esses tipos de equipamentos, destacando-se a cidade de Porto Alegre como precursora, sendo seguida por outras cidades como Belo Horizonte, e outras. *Além do impacto negativo sobre a paisagem, patrimônio ambiental e cultural, tem-se como fator motivador na elaboração das leis municipais o princípio da precaução. COMPETÊNCIA MUNICIPAL -> CONCLUSÃO Com todo respaldo jurídico, há competência dos municípios para regrar a instalação de Estações de Rádio Base, tanto em face do interesse local em conter possíveis impactos ambientais ao patrimônio visual e à paisagem, bem como os possíveis danos à saúde e ao meio ambiente causados pelas radiações emitidas, em respeito ao princípio da precaução, e em consonância com o art. 23, VI combinado com o art. 30, incisos I e VIII, todos da Constituição Federal, bem como o dever de regrar o uso e ocupação do solo. Verifica-se aqui a compatibilização da moderna tecnologia ao meio ambiente, inserido no desenvolvimento sustentável preconizado por toda sociedade. CONCEITO AMPLO E COMPLEXO DE DANO AMBIENTAL ”Dano ambiental como decorrente da poluição ambiental pelo uso nocivo da propriedade ou por condutas ou atividades lesivas ao meio ambiente, compreendendo todas as lesões ou ameaças prejudiciais à propriedade (privada ou pública) e ao patrimônio ambiental, com todos os recursos naturais ou culturais integrantes, degradados, descaracterizados ou destruídos individualmente ou em conjunto“. (HELITA BARREIRA CUSTÓDIO) CONCEITO AMPLO E COMPLEXO DE DANO AMBIENTAL “atingir bens ambientais que impliquem lesão na qualidade de vida humana e outros valores agregados, tais como a propriedade privada”. (ANA MARIA MOREIRA MARCHESAN, SILVIA CAPPELI & ANNELISE MONTEIRO STEIGLEDER) Princípio da Precaução (Princípio n. 15 da Declaração das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento) ”Com o fim de proteger o meio ambiente, os estados devem aplicar amplamente o critério de precaução conforme às suas capacidades. Quando haja perigo de dano grave ou irreversível, a falta de uma certeza absoluta não deverá ser utilizada para postergar-se a adoção de medidas eficazes em função do custo para impedir a degradação do meio ambiente”. PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO ”O princípio da precaução consiste em dizer que não somente somos responsáveis sobre o que nós sabemos, sobre o que nós deveríamos ter sabido, mas também sobre o que nós deveríamos duvidar”. (JEAN-MARC LAVIELLE in Paulo Affonso Leme Machado) -> Deve ser aplicado ainda quando existe a incerteza, não se aguardando que esta se torne certeza. POLUIÇÃO Quanto às radiações ou ondas eletromagnéticas geradas por antenas de rádio, televisão e telefonia celular, que causam interferência nos meios de telecomunicações e que ainda não sabemos se podem também provocar algum mal ao homem, [...] para efeitos de tutela podem ser enquadradas na definição genérica de poluição do art. 3°, III e alíneas da Lei n° 6.938/81.(ÉDIS MILARÉ) CONCEITO DE POLUIÇÃO LEI n° 6.938/81: Art. 3°, III - Poluição: a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: a. prejudiquem a saúde, a segurança e o bem estar da população; b. criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; c. afetem desfavoravelmente a biota; d. afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; Jurisprudência AGRAVO DE INSTRUMENTO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ADMINISTRATIVO. REQUISITOS PARA O LICENCIAMENTO DE ESTAÇÕES DE RÁDIO BASE. Pedido de antecipação de tutela em ação civil pública movida contra empresa de telefonia celular para desativação de estações de rádio-base situadas nas proximidades de hospitais, clínicas e escolas. Descumprimento pela empresa de telefonia do longo prazo de adequação estabelecido pela Lei MunicipalPorto Alegre 8896/2002 (três anos). Incidência do princípio da precaução, no caso concreto, em face da relevante dúvida científica acerca dos malefícios das radiações emitidas por essas estações. Risco de dano irreparável, pois o objetivo é a proteção de crianças e pacientes dos estabelecimentos escolares e hospitalares situados nas proximidades das estações (menos de 50 metros). Presença dos pressupostos para a concessão da antecipação de tutela. DECISÃO REFORMADA. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70012938981, Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo de Tarso Vieira Sanseverino, Julgado em 16/03/2006) JURISPRUDÊNCIA APLICADA Passagem do voto do Des. Relator Paulo de Tarso Vieira Sanseverino: “[...] De outro lado, mostra-se plenamente incidente o princípio da precaução ao caso concreto. Efetivamente, ainda não há certeza científica acerca dos perniciosos efeitos que as radiações não-ionizantes poderiam causar à saúde da população, especialmente, em face de sua proximidade às instituições escolares e hospitalares. O estágio atual da ciência ainda não permitiu a sua comprovação. Todavia, há dúvida relevante, consoante evidencia a farta prova documental coletada, ensejando larga discussão no Brasil e no Exterior acerca dos efeitos maléficos da radiação. [...] Por tudo isso, tenho que estão presentes os requisitos para a concessão da antecipação de tutela.” LEI N° 8.896/02 – Vigência a partir de 30/04/2002 Art. 1º - Esta Lei regula o licenciamento, no âmbito municipal, as estações de Rádio Base e equipamentos afins autorizadas e homologados, respectivamente, pela Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), observadas as normas de saúde, ambientais e o princípio da precaução, e estabelece as normas urbanísticas aplicáveis, de acordo com o interesse local. LEI N° 8.896/02 – Vigência a partir de 30/04/2002 § 1º Para fins desta Lei, considera-se Estação Rádio Base (ERB) e equipamentos afins o conjunto de um ou mais transmissores e receptores destinados à prestação de serviços de telecomunicações compreendendo equipamento de infraestrutura nos termos do art. 107, § 1º, inciso III, do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental (PDDUA), Lei Complementar nº 434, de 1º de dezembro de 1999. Destacam-se alguns artigos dessa lei pioneira da cidade de Porto Alegre, podendo-se vislumbrar o princípio da precaução adotado: Art. 3º. O licenciamento de ERBs observará as seguintes disposições: II – na implantação de ERBs, deverá ser observada a distância mínima de 5m (cinco metros) do eixo da torre até as divisas do imóvel onde pretende se localizar; III - o eixo da torre ou o suporte das antenas de transmissão e recepção, e inclusive nestas as mimi-ERBs e Microcélulas, deverão obedecer á distância horizontal mínima de 50m (cinqüenta metros), da divisa de imóveis onde se situem hospitais, escolas de ensino fundamental, médio e pré-escola, creches, clínicas cirúrgicas e geriátricas e centros de saúde, comprovados mediante declaração do responsável técnico. Estação Rádio Base LEI N° 8.896/02 – Vigência a partir de 30/04/2002 Art. 11. As ERBs, Mini-ERBs e Microcélulas que estejam operando de forma regular quando da entrada em vigor desta Lei deverão adequar-se de imediato aos níveis de densidade de potência estabelecidos no art. 3º, inciso I, e no prazo máximo de 36 (trinta e seis) meses quanto aos demais critérios. “Esses impeditivos basearam-se nas sugestões apresentadas pela Organização Mundial de Saúde, de acordo com estudos até então desenvolvidos, para regrar as exposições do público em geral (não treinado e que não se envolve ocupacionalmente com as radiações eletromagnéticas) aos campos de radiofreqüência.” (Marchesan, Ana Maria Moreira. Estado de direito ambiental: tendências: aspectos constitucionais e diagnósticos/organizadores Heline Sivini Ferreira, e José Rubens Morato Leite; Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p. 20.) Cíntia Schmidt: *Membro da Comissão de Direito Ambiental da OAB/RS; *Presidente da Câmara Técnica de ERBs do Conselho Municipal de Meio Ambiente de Porto Alegre; *Advogada sócia do escritório Schmidt Advogados Associados. E-mail: [email protected]