Assédio moral no trabalho
Profa. Dra. Débora Miriam Raab
Glina
Contexto de atuação
• Serviço de Saúde Ocupacional (SSO) do Hospital das
Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo (FMUSP): um serviço de
atenção terciária em saúde do trabalhador.
• Pacientes encaminhados ao serviço por sindicatos e
serviços públicos de saúde, entre outros.
• Fluxo de atendimento prevê que os pacientes
encaminhados passem inicialmente por uma triagem,
sendo depois encaminhados ao médico do trabalho, o
qual, quando necessário pode pedir a avaliação de
especialistas, para subsidiá-lo na elaboração do
Relatório Médico da Comunicação de Acidentes de
Trabalho (CAT).
A pesquisa sobre assédio
moral no trabalho
• A partir de 2006, o SSO passou a receber
diversos pacientes com suspeita de terem sido
vítimas de assédio moral no trabalho.
• Decidiu-se iniciar uma pesquisa cientifica sobre
este assunto, ao mesmo tempo em que se podia
contribuir para a caracterização do assédio
moral no trabalho dos pacientes encaminhados
ao SSO.
• Como resultado, foi desenhada uma pesquisaação, com objetivos práticos e de conhecimento,
inserida na rotina do serviço.
Fluxo de atendimento
• Triagem
• Médico do trabalho
• Psicóloga (pesquisadora sobre assédio moral no
trabalho)
• Psiquiatra
• Retorno ao médico do trabalho (após relatório/laudo da
psicologia e da psiquiatria) para emissão do relatório
médico da CAT - quando o mesmo considera haver
relação causal com o trabalho - e outros
encaminhamentos necessários.
Rotinas/instrumentos
• Pacientes passam por 3 a 4 consultas
com a psicóloga/pesquisadora para coleta
de dados, leitura e correção do
relatório/laudo (devolutiva) e
aconselhamento psicológico.
• Foram desenvolvidos: um instrumento
para coleta de dados, um roteiro para
elaboração de relatório/laudo e um
dicionário de variáveis.
AMT: Também conhecido
como:
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Bullying,
Mobbing,
Psychological harassment,
Emotional abuse,
Bossing,
Victimization,
Harcèlement moral,
Harcèlement psychologique,
Assédio no local de trabalho,
Acoso moral
Definição de Assédio Moral
• Não há uma única definição acordada mundialmente.
• O consenso na literatura nacional e internacional é
considerar assédio moral quando existe:
• Natureza persistente e recorrente da ação
• Intencionalidade em prejudicar
• Efeitos nocivos sobre a pessoa.
Natureza persistente e
recorrente da ação
• Não há consenso sobre a extensão da
freqüência e duração.
• Einarsen e Skogstad (1996) consideram que
comportamentos que ocorreram nos últimos 6
meses de vez em quando ou semanalmente
podem ser definidos como assédio.
• Leymann (1990) sugeriu que a freqüência
deveria ser de pelo menos 1 evento por semana
por pelo menos 6 meses.
Efeitos nocivos à saúde
• Deve haver diferença de poder entre o assediado e o
assediador, de forma que o assediado perceba-se como
não tendo poder para evitar, proteger-se ou controlar o
assédio.
• Diferenças de poder no contexto do assédio significam
que o assediado possui baixo controle.
• Baixo controle combinado com grandes demandas leva
a uma situação particularmente estressante (Karasek e
Theorell, 1990), com potencial de trazer efeitos nocivos
para a saúde conforme se observa nas vítimas de
assédio moral no trabalho (Zapf e Einarsen, 2005).
Outros critérios
•
O assédio moral difere de outros tipos de
conflito porque é caracterizado por ações antiéticas
•
Pode ser multilateral: vertical, horizontal ou
ascendente
Formas de assédio
• Zapf (1999) aponta 5 categorias:
• 1) assédio relacionado ao trabalho em si
(relacionado às tarefas)
• 2) isolamento social (exclusão de comunicações
e eventos)
• 3) ataques pessoais (ridicularização e insultos)
• 4) ameaças verbais (críticas, humilhação na
frente dos outros)
• 5) disseminação de rumores (boatos).
Exemplos
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Exposição ao ridículo:
tarefas degradantes ou abaixo da
capacidade profissional,
sorrisos,
suspiros,
trocadilhos,
jogo de palavras de cunho
sexista,
indiferença à presença do outro,
silêncio forçado,
trabalho superior às forças do
empregado,
sugestão para pedido de
demissão,
ausência de serviço e tarefas
impossíveis ou de dificílima
realização,
controle do tempo no banheiro,
divulgação pública de detalhes
íntimos,
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agressões e ameaças,
olhares de ódio,
instruções confusas,
referências a erros imaginários,
solicitação de trabalhos urgentes
para depois jogá-los no lixo ou na
gaveta,
imposição de horários
injustificados,
isolamento no local de trabalho;
transferência de sala por mero
capricho;
retirada de mesa de trabalho e
pessoal de apoio,
boicote de material necessário à
prestação de serviços
e supressão de funções.
Exemplos
• Gestos,
• Agressões verbais,
• Comportamentos obsessivos e vexatórios,
• Humilhações públicas e privadas,
• Amedrontamento,
• Ironias,
• Sarcasmos,
• Coações públicas,
• Difamações,
(Hirigoyen (2002) e Menezes (2002)
Efeitos na saúde
• O assédio tem o potencial de causar ou contribuir para
muitas desordens psicopatológicas, psicossomáticas e
comportamentais
• Não se sabe quantas vítimas de assédio desenvolvem
problemas de saúde
• Provavelmente depende da duração e intensidade dos
estressores
• A personalidade da vítima também pode ter um papel
protetor ou ampliador
• Caracteriza-se por uma situação negativa prolongada
Sintomas psicopatológicos
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Reações de ansiedade
Apatia
Reações de esquiva
Problemas de concentração
Humor deprimido
Reações de medo
Flashbacks
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Hiperexcitabilidade
Insônia
Irritabilidade
Mudanças de humor
Pesadelos recorrentes
Pensamentos intrusivos
Falta de iniciativa
(Síndrome do Desamparo
Aprendido)
Sintomas psicossomáticos
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Hipertensão arterial
Ataques de asma
Palpitações
Distúrbio coronariano
Dermatite
Perda de cabelos
Cefaléia
• Dores musculares e
articulares
• Perda de equilíbrio
• Enxaqueca
• Dores de estomago
• Úlceras
• taquicardia
Sintomas comportamentais
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Auto e heteroagressividade
Distúrbios alimentares
Aumento no consumo de álcool e drogas
Aumento no tabagismo
Disfunções sexuais
Isolamento social
Diagnósticos mais comuns
• Depressão
• Desordens ansiosas
• Transtorno de adaptação
• Transtorno do Estresse pós-traumático
Pontos importantes
• O assédio moral é um risco invisível no
ambiente de trabalho, porém concreto
• Numa perícia como “provar” a existência de
assédio?
• Como medir?
• Passa sempre pela percepção e avaliação
cognitiva do assediado
• Aspectos éticos
Caso 1:
C.A.J.
Identificação do paciente: C. A. de J., 40 anos, separado, natural de ArapeiSP, curso fundamental completo, residente em São Paulo.
Quadro clínico: Na queixa livre a paciente referiu vontade de morrer,
tristeza, angústia.
Na exploração sistemática dos sintomas psíquicos aparecem: fuga de
idéias, idéias prevalentes (de suicídio), dificuldades de fixar fatos recentes,
dificuldades de concentração, nervosismo (“vontade de bater a cabeça na
parede, morder-se” (SIC), angústia, tristeza (“sensação de vazio”), medo (de
ser demitido, de não poder sustentar os filhos), reminiscências (lembra de
todas as situações de humilhação, arrepende-se das medidas tomadas na
época), perda de apetite (emagreceu 4 quilos em 6 meses), perturbações do
sono (demora a adormecer, acorda de 20 em 20 minutos, tem pesadelos),
dificuldades de articular palavras e gagueira. Sem distúrbios sensoperceptórios, da orientação, da consciência, do juízo e da crítica.
História de trabalho e relações com o
desenvolvimento de sinais e sintomas:
Entrou como praticante operador na Empresa X Fabricante de Aparelhos e
Materiais Elétricos em 24/08/89, permanecendo neste cargo por 2 anos . Seu
cargo atual é de preparador de máquinas.
Tinha como atribuições colocar ferramental nas máquinas, realizar trocas de
ferramentas nas máquinas quando da troca do produto, realizar o controle de
qualidade das peças, verificando a existência de rebarbas, furos, se a peça estava
torta, se saia com marca de sucata, realizava medidas nas peças para verificar se
estas atendiam ao padrão, trocar o ferramental se as peças produzidas
apresentassem problemas de qualidade. Além disso, de acordo com o paciente,
tinha que dar conta de 22 prensistas.
O local de trabalho era um galpão recoberto com telhas Brasilit. Havia ruído e
calor. O trabalhador não manipulava produtos químicos e não tinha posto de
trabalho fixo.
Trabalhava das 7h00 às 16h00, com 1 hora para almoço. Não havia pausas. Fazia
horas-extras esporadicamente. Ritmo de trabalho de intensidade média e efetivo
adequado às demandas. Foi treinado pelo encarregado.
História de trabalho e relações com o
desenvolvimento de sinais e sintomas:
• Trabalhava alternando as posturas de pé e sentado. Levantava
peso, mas quando as peças eram muito pesadas usava carrinho
hidráulico. Deslocamentos constantes pela necessidade de ir onde
estavam as várias máquinas, bem como, a outras seções. O
trabalho demandava grande responsabilidade por máquinas,
ferramentas e produtos, necessidade de atenção concentrada e
distribuída e memória de curto prazo. O paciente afirma gostar
muito de seu trabalho.
• Bom relacionamento com colegas. Problemas no relacionamento
com a chefia. Quando foi promovido para o cargo de preparador de
máquinas, há 17 anos, começou a ter mais contato com o
encarregado. Ele foi promovido por que o trabalhador que ocupava
o cargo antes dele, não agüentando as ofensas do encarregado,
respondeu e foi demitido. Toda vez que o paciente reportava ao
encarregado a quebra de uma ferramenta, este ficava nervoso,
culpava os 2 preparadores de máquinas e os chamava de burros.
Em média estas humilhações ocorriam 2 vezes por mês.
História de trabalho e relações com o
desenvolvimento de sinais e sintomas:
• Quando alguma máquina produzia peças defeituosas
(por falha do operador), o encarregado dizia que era por
culpa do paciente, por não ter passado na máquina e o
chamava de burro. Quando o material que era cortado
em tiras saia com rebarbas ou fora de medida o
encarregado dizia: “Sabe o que eu tenho que fazer com
vocês? Bater a cabeça de um na do outro, para ver se
entra alguma coisa, porque eu não agüento mais falar
com vocês” (SIC). Ele os chamava de burros e dizia que
cansava de explicar as coisas e eles não entendia.
Ameaçava de demissão porque estava de “saco cheio”
deles (SIC). Isso ocorria 1 vez por mês. Às vezes essas
humilhações ocorriam em plena seção e às vezes na
sala do encarregado. Os colegas diziam que não sabiam
como eles agüentavam. O encarregado os chamava
também de “otário e viado” (SIC).
História de trabalho e relações com o
desenvolvimento de sinais e sintomas:
•
No dia 17/03/2006 entrou na sala do encarregado para solicitar um acordo
com a empresa para que ele pudesse pagar algumas dívidas. O
encarregado disse: “Que você se foda, que você se dane, você não presta,
pois se você prestasse não estaria nessa situação. Bem feito para você. Eu
só tenho dó dos seus filhos, porque eles não têm culpa dos pais que tem.
Nem você e nem a Ruth prestam. Não valem nada. Eu só não mandei você
embora porque tenho dó dos seus filhos. Se não fosse isso, você já estaria
na rua. Você é um burro. Não! Chamar você de burro é um elogio. Você é
burro e meio, muito burro, mentiroso, falso. Você virou um galinha, sai com
qualquer puta. Você tem que se foder muito. Vou te mandar embora a
qualquer momento, porque estou de saco cheio de você. Se te mandar
embora, seus filhos vão passar fome no futuro (...) E tem mais: se você
falar isso que falei, eu mando você embora hoje mesmo, estamos
entendidos Sr. Carlos? O que eu falei aqui, ninguém precisa saber. Eu não
me importo para quem você vai falar ou falou. Eu já disse: ponho você na
rua, te meto o pé na bunda. Você vai se foder se falar algo. Espero que
você entenda o meu recado” (SIC). O paciente ficou quieto e não retrucou.
Após essa ocorrência, o encarregado sempre vinha perguntar se o paciente
conseguiu o dinheiro.
História de trabalho e relações com o
desenvolvimento de sinais e sintomas:
• Em Agosto de 2006 chegaram ferramentas novas e ele
foi colocar uma ferramenta na máquina. Foi solicitado
que ele sozinho acompanhasse e testasse a ferramenta
e esta quebrou. Ele avisou o outro encarregado que
mandou que ele encaminhasse a ferramenta quebrada à
ferramentaria. Como a ferramenta era nova e ele estava
sozinho, não conseguiu abri-la para verificar qual o
defeito e anotar no relatório. Ele enviou a ferramenta
sem abri-la. Três componentes quebraram e a
ferramentaria encaminhou os pedaços para o
encarregado ver qual era o defeito. O encarregado
chamou-o de burro, ameaçou demiti-lo em dezembro e
mandou que ele engolisse o pedaço de aço já que o
tinha quebrado. Disse ainda, que ele estava no mundo
da lua e quebrara a ferramenta propositalmente.
História de trabalho e relações com o
desenvolvimento de sinais e sintomas:
•
•
O paciente ficou muito nervoso, mas não respondeu. No dia seguinte
procurou o serviço médico e relatou os fatos. O médico chamou o
encarregado do Departamento de Recursos Humanos. Os dois lhe
disseram que iam verificar o que podia ser feito, mas que acreditavam que
nada podia ser feito porque o encarregado dele era cunhado do diretor da
empresa. Posteriormente, após consulta com o diretor, o encarregado do
RH disse que o diretor mandou demiti-lo, porque o seu encarregado era
assim mesmo e se ele não agüentava humilhação, devia assinar o aviso
prévio. No sábado passou mal. No domingo ficou desesperado por ter que
comparecer ao trabalho na segunda feira e tomou 60 comprimidos na casa
da ex-sogra. Sua ex-cunhada percebeu que ele havia ingerido os
comprimidos e levou-o à Amico, onde foi feita uma lavagem estomacal
nele. Ele foi internado. A cunhada avisou a empresa e seu aviso prévio foi
rasgado, mas disseram a ela que no retorno ao trabalho ele seria demitido.
Após esse episódio, passou a apresentar todos os sintomas. Passou a ter
pensamentos de que tinha trabalhado 18 anos na empresa e isso não teve
valor algum.
Afastado do trabalho desde agosto de 2006, com auxílio-doença comum.
Atualmente medicado com: Midazolam 15mg, Carbolitium CR 450 mg e
Venlafascin 75 mg, sem apresentar melhoras do quadro.
História de trabalho e relações com o
desenvolvimento de sinais e sintomas:
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Algumas das situações descritas pelo paciente configuram assédio moral
no trabalho, a saber:
Humilhações e ofensas constantes do encarregado, muitas vezes na frente
dos colegas de trabalho;
Ameaças constantes de demissão;
Xingamentos com uso de expressões chulas;
Culpabilização do paciente por quebras de ferramentas e peças
defeituosas;
Proibição de reportar o assédio, sob pena de demissão;
Para piorar a situação, ao denunciar o assédio ao RH da empresa, foi
demitido por não ter suportado as humilhações, culpabilizando-se o
paciente pelo assédio sofrido.
O assédio moral no trabalho é uma forma de violência psicológica
caracterizada pela intencionalidade de prejudicar ou excluir o trabalhador
da empresa, seja forçando-o a demitir-se, a aposentar-se precocemente ou
a licenciar-se para tratamento de saúde, pela repetição de comportamentos
hostis e pela duração no tempo.
Diagnóstico de acordo com a CID X
• Transtorno de adaptação ( F 43.2 )
surgidos após ingresso no trabalho,
ligado a desacordo com patrão (Z56.4)
e má adaptação ao trabalho (Z56.5) e
episódio depressivo moderado
(F32.1).
Nexo e encaminhamento
• De acordo com o paciente, a sintomatologia referida e o quadro
apresentado apareceram quando este foi chamado ao RH para
assinar o aviso prévio, por não poder tolerar as humilhações
constantes por parte do encarregado, muitas vezes na frente
de colegas, com xingamentos, ofensas, ameaças de demissão.
O quadro apresentado pode decorrer do assédio moral por
parte do seu encarregado e do encarregado do RH, bem como
da insegurança em relação ao seu futuro profissional, havendo
relação com o trabalho.
• Encaminhamento a ser dado:
• Manter o afastamento do trabalho, discussão de caso, podendo
ocorrer emissão de CAT para caracterizar o acidente de
trabalho.
Obrigada!
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A pesquisa sobre assédio moral no trabalho