Viagem apostólica à Alemanha
O Papa continua fiel a si mesmo:
deem seu testemunho de fé
Abaixo, Bento XVI durante a visita ao Bundestag, em Berlim, dia 22 de setembro de 2011; abaixo, à direita, por ocasião do encontro
com os católicos comprometidos na Igreja e na sociedade, no Konzerthaus de Freiburg, dia 25 de setembro
As palavras do Papa Bento XVI na sua terra natal podem
ser lidas como um caloroso apelo para voltar ao essencial
e viver as suas consequências. Palavras de Hans-Gert Pöttering,
ex-presidente do Parlamento Europeu
por Hans-Gert Pöttering
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REFLEXÕES DE UM POLÍTICO
visita de Bento XVI foi um
evento comovedor. Um papa alemão veio à sua terra
natal. Trouxe uma mensagem
profundamente teológica: a renovação da Igreja pode acontecer
somente com a disponibilidade à
conversão e por uma fé renovada. Ele falou de modo tão apaixonado e convincente de Deus, a
ponto de ser surpreendente para
A
um teólogo sucessor de Pedro como Bento XVI.
O seu discurso no Bundestag
alemão no início da sua viagem a
Berlim foi particularmente significativo. Na ocasião questionou-se
sobre a essência da atividade política, sobre o fundamento do direito e sobre a distinção entre o bem
e o mal. Colocou as suas reflexões
dentro do grande contexto das
tradições do pensamento europeu: a filosofia grega, o direito romano e a fé em Deus judaico-bíblica, que formam a “identidade
profunda da Europa”. Na busca
de um fundamento comum para a
construção do próprio direito a
Europa não deveria limitar-se a
uma pura visão positivista. Isso é
redutivo ante a realidade total do
homem. Ele comparou uma tal limitação a um edifício de cimento
sem janelas. Excluído de tudo o
que acontece fora, o homem se
atrofia. Ao invés, com uma visão
global, poderia colher todos os influxos. Aqui entra em jogo “a ecologia do homem” como na encíclica Caritas in veritate. O aparecimento do movimento ecologista foi uma “invocação de ar fresco” que não se podia deixar de
ouvir. O homem deveria ouvir a
linguagem da natureza. Se ele
presta atenção nela e acolhe-a como algo que não é produzido por
ele mesmo, a liberdade do homem encontra cumprimento. Porém, dado que as normas podem
derivar somente da vontade, essas pressupõem o reconhecimento da “razão criadora” de Deus. E,
questionou Bento XVI de modo
quase provocatório: “É verdadei-
ramente desprovido de sentido
refletir se a razão objetiva, que se
manifesta na natureza, não pressuponha uma razão criadora, um
Creator Spiritus?”.
O Papa insistiu particularmente com os políticos no exemplo do
rei Salomão, que tinha desejado
um “coração dócil” para buscar o
verdadeiro direito, para servir a
justiça e a paz. Considerando que
o discurso do Papa no Bundestag
foi principalmente teológico e de
princípio, na ocasião ele não falou sobre as concretas exigências
da Igreja alemã embora isso fosse
previsto e esperado por muitos.
Bem diferente foi o discurso no
Konzerthaus de Freiburg, que
chegou a irritar alguns. Ali, dirigiu-se principalmente à Igreja alemã. Convidou a concentrar-se no
essencial, prescindindo de qualquer raciocínio de caráter institucional. O conceito de “mundanização” poderia ser mal-entendido, mas para Bento XVI estes
pensamentos não são novos. Ele
já os havia manifestado no final
da década de 1960. Exprimem
uma visão de fundo, autocrítica
sobre toda a Igreja. Ele julga-a em
perspectiva histórica e chamou a
atenção sobre o fato de que o testemunho da Igreja seria muito
mais límpido se fosse livre “dos
fardos materiais e políticos”. Neste caso, ela poderia dedicar-se
melhor aos verdadeiros valores
cristãos no mundo inteiro, ser
verdadeiramente aberta ao mundo. A Igreja seria tão mais crível
quanto mais se concentrasse no
próprio âmbito, na sua mensagem central.
O Papa concebeu tudo isso,
como disse ele mesmo, não como uma nova tática para obter
maior consideração pela Igreja,
mas como a vontade de procurar
“a plena sinceridade, que não reprime nada da verdade do nosso
hoje, mas realiza plenamente a
fé no hoje”.
Justamente os alemães, como
revelou o arcebispo de Freiburg
im Breisgau, Robert Zollitsch,
não deveriam se deixar dissuadir,
por meio de seu zelante organizar, estruturar e reformar, desta
busca de Deus. Todavia, como o
Papa não deu outras indicações ¬
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Viagem apostólica à Alemanha
À esquerda, Bento XVI no encontro com os católicos
comprometidos na Igreja e na sociedade, no Konzerthaus
de Freiburg, dia 25 de setembro; acima, durante o encontro
com os representantes das comunidades muçulmanas
presentes na Alemanha, na Nunciatura de Berlim,
dia 23 de setembro; abaixo, no final da missa celebrada
na Praça da Catedral de Erfurt, dia 24 de setembro
práticas sobre o que ele entenda
por “fardos mundanos”, precisase de mais debates e discussões
sobre quais sejam as consequências a serem extraídas para promover a fé como o Papa indicou.
Poderá ser visto nos próximos
meses se se deve compreender
como uma rejeição do sistema
alemão aos impostos para o culto
e à comprovada relação EstadoIgreja, como alguns interpretaram ousando muito, ou se o seu
discurso não tenha sido principalmente um caloroso apelo para
voltar ao essencial e viver as suas
consequências.
Este seu convite a concentrarse no essencial da mensagem bíblica não foi dirigido somente aos
católicos na Alemanha, o seu
olhar dirigiu-se também à Europa. Nesse âmbito as condições da
convivência de Igreja e Estado
desenvolveram-se de modo muito diferente no decorrer dos séculos. A este propósito deve-se recordar que o artigo 17 do Tratado de Lisboa garante a cada país
europeu a manutenção da sua
tradicional relação entre Estado e
Igreja. É decisivo manter ativo o
diálogo com as Igrejas e levar à
nossa política as solicitações que
o Papa deu-nos justamente na
Alemanha. Trata-se da realização
dos valores cristãos na prática
política.
Com efeito, Bento XVI promoveu justamente isso nas suas homilias: a fé em Deus não deveria
permanecer como algo privado,
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mas deveria se manifestar na sociedade. Encorajou os cristãos a
comprometerem-se com frutos
na sociedade e serem fermentos.
Trata-se de imprimir os valores
cristãos no discurso social, mas
também acolher as preocupações
do homem e sustentá-las. Isso foi
dito pelo Papa na sua homilia em
Freiburg, a cidade da Cáritas. Na
homilia agradeceu explicitamente
a todos os que se dedicam ao próximo nas creches e nas escolas,
mas também os que se dedicam
aos carentes e aos deficientes nas
muitas instituições sociais e caritativas na Alemanha e no mundo.
Este é um estímulo muito importante principalmente para os políticos. A fé tem consequências pa-
ra a nossa vida social e para o nosso agir público. Por isso é necessário de agora em diante que os
católicos se empenhem na política, na economia, na sociedade e
também nos serviços sociais com
ajuda concreta.
Neste sentido, em Erfurt louvou o empenho dos cristãos que
na base da fé se opuseram ao regime totalitário da RDA. Apesar
das circunstâncias adversas, eles
permaneceram fiéis a Cristo. Ainda hoje na Alemanha Oriental
procuram-se novas vias para a
promover a fé cristã em um ambiente muito distante da fé e para
falar exatamente aos que buscam
orientação e respostas às questões cruciais.
REFLEXÕES DE UM POLÍTICO
À esquerda, Bento XVI com Nikolaus Schneider, presidente do Conselho da Igreja
evangélica na Alemanha, no convento dos Agostinianos, em Erfurt, dia 23 de setembro;
acima, a partir da esquerda, o presidente da República Federal Alemã Christian Wulff
e esposa, o ministro da Defesa Thomas de Maizière (na segunda fila), o presidente
do Bundestag Norbert Lammert, e a chanceler Angela Merkel, assistem à missa
celebrada por Bento XVI no Estádio Olímpico de Berlim, dia 22 de setembro de 2011
Também a ponte que Bento
XVI lançou aos muçulmanos no
encontro em Berlim demonstra
que o Pontífice coloca-se justamente como “construtor de pontes” para a prática pública da religião. Ele disse muito claramente que gostaria que os muçulmanos também contribuíssem ao
bem comum a partir da sua religião, e que portanto a partir da
sua fé defendessem a causa de
uma convivência pacífica na sociedade. Aqui também se reflete
o reconhecimento do nosso tipo
de relação entre Estado e religião, que deve ser aberta também aos muçulmanos.
Como esta viagem, para o Papa, tratou-se principalmente de
um aprofundamento da fé, o desejo de rápidas mudanças concretas inevitavelmente não era
esperado. E isso vale também
para a questão do ecumenismo
com a Igreja evangélica na Alemanha. Um sinal importante,
sem dúvida, um acontecimento
de nível histórico, foi o Papa ter
encontrado no convento dos
agostinianos de Erfurt os repre-
sentantes da Igreja evangélica. É
um lugar de grande importância
simbólica para os protestantes
alemães. Ali viveu e atuou Martinho Lutero. Por isso tal gesto já é
um sinal de abertura. Com insistência e com o olhar dirigido para o futuro, o Papa citou Lutero
na sua busca de um Deus misericordioso. Aqui pôde perceber
grandes afinidades entre as confissões com relação ao mundo
secularizado: as grandes Igrejas
devem cuidar juntas da questão
de Deus e devem manter esta
questão de Deus no mundo secularizado. Para Bento interessavam os fundamentos da fé cristã
em resposta às questões existenciais “de onde viemos” e “para
onde vamos”.
No entanto muitos esperavam
do Papa um “passo inequivocável para a superação da divisão
entre as Igrejas”, como disse
Norbert Lammert, presidente do
Bundestag. Na realidade – segundo as palavras do arcebispo
Robert Zollitsch – é preciso referir-se à Conferência Episcopal
alemã para traduzir as reflexões
fundamentais do Papa e, junto
com os representantes da Igreja
evangélica na Alemanha, encontrar vias para um aprofundamento do ecumenismo. Nikolaus
Schneider, presidente do “Conselho para a Igreja evangélica na
Alemanha”, falou de um “ecumenismo de dons” e propôs as-
sim uma via para prosseguir um
caminho comum.
Espera-se que os problemas
dos matrimônios e das famílias
formadas por membros de diferentes confissões cristãs com relação à comum vida de fé, mas
também as limitações para os divorciados casados novamente,
possam ser repensados depois
da visita do Papa e que possam
ser feitos realísticos passos de reconciliação.
São muitas as questões abertas:
certamente é muito cedo para fazer um balanço. Os resultados dos
múltiplos e intensos encontros
com o Papa, os estímulos e as solicitações que ele ofereceu serão
elaborados nas discussões e nos
debates das próximas semanas e
dos próximos meses. Assim se poderá ver como poderá subsistir a
Igreja na Alemanha no tempo
presente e como os fiéis individualmente poderão ser testemunhas da fé em seu ambiente.
Para mim, como político e como católico, permanece o convite para refletir sobre os princípios da minha política à luz das
solicitações que o Papa fez na
sua visita. Bento XVI com a sua
mensagem nem sempre fácil,
nem sempre cômoda, levou nós
alemães a refletir. Devemos-lhe
uma profunda gratidão pelas
suas palavras, pelo seu encorajamento a viver a fé, pela visita na
sua terra natal.
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