De um país com intrínsecas e antigas raízes católicas, ainda hoje bem vincadas na sociedade principalmente nos portugueses de faixa etária mais elevada, seja por configuração de tradições, de moralidades, ou de influências nos mais sortidos moldes, surgiu em março, um livro cujo título estimula atenções, críticas e discussões – A Filha do Papa - saltou para as prateleiras nacionais, para as bocas dos portugueses e para os top’s internacionais. Mais de metade dos portugueses são católicos e cerca de dois milhões assumem-se como praticantes; há centenas e centenas de anos as Cruzadas difundiam esta religião e missionários eram enviados para terras distantes com o objetivo de converter os povos descrentes em massas cristãs; são inúmeras as igrejas que encontramos neste pequeno país devoto; os livros de Eça de Queirós que tão bem retratam sociedades beatas, atualmente, em menor número comparativamente às décadas retratadas, por exemplo em A Relíquia ou n’O Crime do Padre Amaro; milhares de crianças são batizadas e frequentam a catequese; frases populares como “Valha-me Deus” ou “Deus queira que…” são ilustradoras do cristianismo que habita em Portugal. Poucas são as casas que não têm um crucifixo, um terço ou outros objetos alusivos à religião cristã. Luís Miguel Rocha é um escritor, nascido na invicta, que iniciou a sua vida profissional como técnico de produção das missas do canal televisivo de Queluz de Baixo, apresenta no seu currículo o facto de ser o primeiro escritor português a figurar na, conhecida e ilustre, lista de topo do New York Times; aos 37 anos escreveu o livro que esteve em destaque nas maiores livrarias. Numa altura em que o Vaticano elegia a sua nova identidade máxima – o Papa – este livro tenta desvendar o porquê de o Papa Pio XII – em funções durante 19 anos, até o seu óbito em 1958 - não ter sido beatificado. Não existem respostas corpóreas quanto a isso, o que envolve a própria obra literária num espetro onde a conspiração é o primordial conceito do enredo. Toda a história que contextualiza o ex-pontífice é controversa, principalmente em relação ao período nazi, onde Pio XII é acusado pela comunidade judaica de não tomar qualquer posição face ao holocausto. Neste caso, a arte ficcional do livro de Luís Miguel Rocha auferiu forma com a realidade, mesmo que essa realidade não se autentique realmente a não ser como uma mera representação que tem como base o conceito de possibilidade. Todo este teor enigmático é o que torna A Filha do Papa num livro exorbitante, fiel à recriação história, mas, sobretudo fiel ao leitor que procura um lazer intelectual. Será então o antissemitismo o motivo da contestação à beatificação de Pio XII? Ou a igreja católica escondeu os verdadeiros motivos com receio de perda de credibilidade? A obra não consagra repostas absolutas mas sim sugestões direcionadas para as provas científicas existentes. Certo é que o leitor pode contar com uma obra artística ímpar na contemporaneidade literária, mesmo tendo em conta todos os manuscritos já criados em torno de segredos oriundos do Vaticano. Com toda a opulência lexical e clareza de raciocínio, Portugal é mais uma vez colocado – através de Luís Miguel Rocha – na mais alta linha da literatura mundial.