IOSE LUCIANE MACHADO CORRÊA
A RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DO
ESTADO POR OMISSÃO
CANOAS, 2007
1
IOSE LUCIANE MACHADO CORRÊA
A RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DO ESTADO
POR OMISSÃO
Trabalho de conclusão apresentado para a banca
examinadora do curso de Direito do Centro
Universitário La Salle - UNILASALLE, como
exigência parcial para a obtenção do grau de
Bacharel em Direito, sob Orientação da Professora
Dra. Ângela Molin.
CANOAS, 2007
TERMO DE APROVAÇÃO
IOSE LUCIANE MACHADO CORRÊA
A RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DO
ESTADO POR OMISSÃO
Trabalho de conclusão aprovado como requisito parcial para a obtenção do
título de Bacharel em Direito do Centro Universitário La Salle – UNILASALLE, pela
seguinte banca examinadora:
Professora Doutora Ângela Molin
Centro Universitário La Salle
Professor Mestre Darcy Paulo Gonzales de Moraes
Centro Universitário La Salle
Professor Doutor Luiz Gonzaga Silva Adolfo
Centro Universitário La Salle
Canoas, 06 de julho de 2007.
6
RESUMO
O presente trabalho objetiva apresentar à discussão, na seara da responsabilidade
civil extracontratual do Estado por omissão, as modalidades de omissão genérica a
específica, trazendo elementos suficientes para estabelecer a distinção entre o dever
objetivo de indenizar do ente público independentemente da análise do fator culpa, e
aquelas hipóteses em que há, obrigatoriamente, a necessidade de avaliar os
critérios subjetivos envolvidos em determinada demanda. Assim serão definidos os
casos em que a Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado por Omissão
deverá ser imputada mediante a Teoria do Risco Administrativo daqueles em que
deve ser aplicada a Teoria Subjetiva, de acordo com o mais recente posicionamento
das Cortes brasileiras nesse sentido.
Palavras-chave: Responsabilidade. Civil. Extracontratual. Estado. Omissão. Objetiva.
Subjetiva.
ABSTRACT
The present work objective to present to the quarrel, in the area of extracontractual
the civil liability of the State for omission, the modalities of generic omission the
specific one, bringing elements enough to establish the distinction enters the
objective duty to indemnify of the public being independently of the analysis of the
factor blames, and those hypotheses where it has, obligatorily, the necessity to
evaluate the involved subjective criteria in determined demand. Thus the cases will
be defined where the Civil liability Extracontractual of the State for Omission will have
to be imputed by means of the Theory of the Administrative Risk of those where the
Subjective Theory must be applied, in accordance with the most recent positioning of
the Brazilian Cuts in this direction.
Key-word: Responsibility. Civilian. Extracontractual. State. Omission. Objective.
Subjective.
7
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO..................................................................................................7
2
RESPONSABILIDADE
CIVIL
EXTRACONTRATUAL
E
SEUS
ELEMENTOS.......................................................................................................9
2.1 Culpa...........................................................................................................12
2.2 Dano............................................................................................................16
2.3 Ação e Omissão.........................................................................................18
2.3.1 Omissão Específica..................................................................................22
2.3.2 Omissão Genérica ou Geral.....................................................................23
2.4 Nexo de Causalidade.................................................................................25
2.5 Excludentes de Responsabilização Civil................................................26
3
ESPÉCIES
DE
RESPONSABILIZAÇÃO
CIVIL
IMPUTÁVEIS
AO
ESTADO............................................................................................................31
3.1 Evolução histórica da responsabilidade civil do Estado.......................32
3.2 Responsabilidade Civil Objetiva .............................................................37
3.2.1 Teoria do Risco Administrativo.................................................................40
3.3 Resposabilidade Civil Subjetiva...............................................................48
3.3.1Teoria da Responsabilidade Subjetiva (Aquiliana) ou Teoria da Culpa
Administrativa por Atos Omissivos....................................................................50
4 ANÁLISE JURISPRUDENCIAL ACERCA DA RESPONSABILIZAÇÃO
CIVIL DO ESTADO POR OMISSÃO.................................................................56
4.1 Decisões judiciais em que a Responsabilidade Civil do Estado por
Omissão foi considerada Objetiva.................................................................59
4.1.1 Por Danos Causados a Propriedade Privada...........................................60
4.1.2 Por Danos Causados em Virtude de Acidentes........................................62
4.1.3 Por Danos Causador por Falta de Segurança Pública.............................70
4.1.4 Por Danos Causados ao Meio Ambiente ecológico..................................74
4.1.5 Por Danos Causados pela Demora Legislativa........................................85
4.2 Decisões judiciais em que a Responsabilidade Civil do Estado por
6
Omissão foi considerada Subjetiva...............................................................86
4.2.1 Por Danos Causados a Propriedade Privada...........................................87
4.2.2 Por Danos Causados em Virtude de Acidentes........................................89
4.2.3 Por Danos Causador por Falta de Segurança Pública.............................95
4.2.4
Por
Danos
Causados
por
falta
do
Fornecimento
de
Medicamentos..................................................................................................107
4.2.5 Por Danos Causados por falta de fiscalização.......................................107
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS.........................................................................116
REFERÊNCIAS...............................................................................................119
ANEXO A – Inteiro teor do acórdão referente ao julgamento do Recurso
Especial n º 2002/0149032-2 pela Primeira Turma do Superior Tribunal de
Justiça..............................................................................................................128
ANEXO B - Inteiro teor do acórdão referente ao julgamento da Apelação Cível
n º 2002.04.01.047232-8 pela Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª
Região..............................................................................................................138
ANEXO C – Inteiro teor do acórdão referente ao julgamento do Recurso
Extraordinário n º 409.203-4/RS pela Segunda Turma do Supremo Tribunal
Federal.............................................................................................................145
ANEXO D – Inteiro teor do acórdão referente ao julgamento da Apelação Cível
n º 2003.04.01.029648-8 pela Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª
Região..............................................................................................................187
ANEXO E – Inteiro teor do acórdão referente ao julgamento da Apelação Cível
n º 2005.71.00.016129-0 pela Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da
4ª Região.........................................................................................................199
ANEXO F – Inteiro teor do acórdão referente ao julgamento da Apelação Cível
n º 70018624692 pela Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do
Rio Grande do Sul...........................................................................................214
ANEXO G – Inteiro teor do acórdão referente ao julgamento do Recurso
Especial n º 2004/0096291-4 pela Primeira Turma do Superior Tribunal de
Justiça..............................................................................................................230
ANEXO H – Inteiro teor do acórdão referente ao julgamento da Apelação Cível
n º 2002.04.01.035946-9 pela Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da
4ª Região.........................................................................................................242
7
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por objetivo fazer uma análise quanto às proposições
doutrinárias e jurisprudenciais relativas à responsabilização civil extracontratual do
Estado nos casos em que há omissão, relacionando-as ao mais recente
posicionamento adotado pelas Cortes Superiores.
A regra geral da responsabilidade civil do Estado está insculpida no artigo 37,
parágrafo 6º, da Constituição Federal, que determina que as pessoas jurídicas de
Direito Público responderão objetivamente pelos danos que os seu agentes, nessa
qualidade, causarem a terceiros, bastando para configurar tal responsabilidade
somente que se demonstre o nexo de causalidade entre a conduta da administração
e o dano causado, sendo desnecesária a prova de culpa ou dolo.
No entanto, por muito tempo perdurou a noção de que, quando o dano foi
possível em decorrência de uma omissão do Estado, a responsabilização civil do
ente público deveria ser analisada impreterívelmente sob o manto subjetivo, com
base nas normas infraconstitucionais que regulam esse tema, sendo necessária,
nessa hipótese, a comprovação inequívoca, além da efetividade do dano e o nexo
de causalidade deste com determinada conduta, também a ocorrência de culpa “lato
sensu”.
Atualmente, os mais recentes julgados, admitem a idéia de que há dois tipos de
omissão, quais sejam, a omissão geral ou genérica e a omissão específica, que
ocorrem quando determinado serviço não funcionou, funcionou tardia ou
ineficientemente, em que há uma espécie de culpa anônima da Administração
Pública, adotando-se uma teoria mista de responsabilização, que, dependendo do
caso específico poderá ser subjetiva ou objetiva.
Tal entendimento leva à discussão acerca do que vem a ser omissão genérica
8
e específica. Demonstrar quando ocorre cada uma delas é o obejtivo da presente
monografia.
A fim de enquadrar o ponto principal da pesquisa num ambiente propício,
buscou-se fornecer, num primeiro momento, noções basilares de responsabilidade
civil e de cada um de seus elementos. Com isso, especializando o tema, incluiu-se
dados históricos acerca da evolução da responsabilização civil do Estado. A partir do
estabelecimento do liame apresentado pela evolução da relação entre Estado e
administrado ao longo da história, passa-se a abordar casos práticos específicos
relativamente a este conteúdo, vez que imprescindível ao entendimento do exposto
acerca da problemática apresentada.
A contrução teórica presente no tema central da pesquisa foi realizada por
meio de análise de doutrinas e jurisprudência tanto no âmbito civilista quanto
administrativista, sempre com o intuito de adequar o recente posicionamento das
Cortes brasileiras ao conhecimento jurídico usual já incorporado pelo nosso sistema,
tendo em vista que, talvez por ser muito recente a aplicação prática do tema em tela,
poucos autores o abordam diretamente e, aqueles que o fazem deixam lacunas,
havendo efetiva precariedade de materiais brasileiros nesse sentido.
Nesse ponto, a doutrina francesa apresenta-se muito mais completa, já que a
falta do serviço público figura como objeto amplamente discutido naquele país.
Assim, da análise do material colhido, o intuito foi aclarar a respeito do que seja
e demonstrar quando ocorrem omissão genérica e específica, bem como
relativamente à teoria a ser adotada quando verificadas cada uma delas.
2 RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL E SEUS ELEMENTOS
A palavra responsabilidade indica “a posição daquele que não executou seu
dever1”.
Rui Stoco afirma que a responsabilidade encontra seu fundamento no princípio
milenar de que "deve reparar o dano àquele que causá-lo" 2.
No âmbito jurídico, a responsabilidade apresenta-se em três esferas
independentes: Civil, Administrativa e Criminal, sempre apontando na direção da
“idéia de fazer com que se atribua a alguém, em razão da prática de determinado
comportamento, um dever3”.
Depreende-se daí que, responsabilidade, é situação de todo o indivíduo a
quem, por qualquer título, incumbem as conseqüências de um fato danoso, assim
como a própria obrigação que decorre dessa situação, o que, no caso da
Responsabilidade Civil, corresponde ao ressarcimento econômico dos danos
produzidos.
Tecendo comentários acerca da responsabilidade civil e sua independência
das demais modalidades de responsabilização juridicamente reconhecidas, Hely
Lopes Meirelles alinha que:
a responsabilidade civil independe da criminal e da administrativa, com as
quais pode coexistir, sem, todavia, se confundir. Responsabilidade civil da
Administração é, pois, a que impõe à Fazenda Pública a obrigação de
compor o dano causado a terceiros, por agentes públicos, no desempenho
_____________
1
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 6.
STOCO, Rui. Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial. 3.ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1997. p. 50.
3
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 5.
2
10
de suas atribuições ou a pretexto de exercê-las. É distinta da
4
responsabilidade contratual e da legal .
Rui Stoco afirma que: "responsabilidade civil significa o dever de reparar o
prejuízo" 5. Silvio Rodrigues complementa o raciocínio ao desenvolver a noção de
responsabilidade civil como a "obrigação que pode incumbir uma pessoa a reparar o
prejuízo causado a outra, por fato próprio, ou por fato de pessoas ou coisas que dela
dependam" 6.
Maria Helena Diniz, ao definir o instituto da responsabilidade civil, assevera
que:
Poder-se-á definir a responsabilidade civil como a aplicação de medidas que
obriguem alguém a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros
em razão de ato do próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou
de fato de coisa ou animal sob sua guarda (responsabilidade subjetiva), ou,
7
ainda, de simples imposição legal (responsabilidade objetiva) .
Nesse sentido, Caio Mário da Silva Pereira ensina que:
A responsabilidade civil consiste na efetivação da reparabilidade abstrata do
dano em relação a um sujeito passivo da relação jurídica que se forma.
Reparação e sujeito passivo compõem o binômio da responsabilidade civil,
que então se enuncia como princípio que subordina a reparação à sua
incidência na pessoa do causador do dano. Não importa se o fundamento é
a culpa, ou se é independentemente desta. Em qualquer circunstância,
onde houver a subordinação de um sujeito passivo à determinação de um
8
dever de ressarcimento, aí estará a responsabilidade civil .
Segundo o jurista Francisco Amaral:
A expressão responsabilidade civil pode compreender-se em sentido amplo
e em sentido estrito. Em sentido amplo, tanto significa a situação jurídica em
que alguém se encontra de ter de indenizar outrem quanto a própria
obrigação decorrente dessa situação, ou, ainda, o instituto jurídico formado
pelo conjunto de normas e princípios que disciplinam o nascimento,
conteúdo e cumprimento de tal obrigação. Em sentido estrito, designa o
específico dever de indenizar nascido do fato lesivo imputável a
9
determinada pessoa .
Pode-se inferir, portanto, que tal instituto é parte indissociável do direito
obrigacional, já que a principal conseqüência de uma conduta que venha a gerar
_____________
4
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 14. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1989. p. 545.
5
STOCO, Rui. Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial. 3.ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1997. p. 50.
6
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 1999, v. 4, p. 06.
7
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 15 ed. São Paulo:
Saraiva, 2001, v. 7, p.34.
8
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 11.
9
AMARAL, Francisco. Direito civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1998. p. 531.
11
conseqüências danosas é a obrigação de reparar o dano ocasionado, constituindo
verdadeiro vínculo obrigacional entre o agente e o ofendido, cuja finalidade precípua
é restabelecer o equilíbrio violado.
Consoante os ensinamentos de Serpa Lopes:
A violação de um direito gera a responsabilidade em relação ao que a
perpetrou. Todo ato executado ou omitido em desobediência a uma norma
jurídica, contendo um preceito de proibição ou de ordem, representa uma
injúria privada ou uma injúria pública, conforme a natureza dos interesses
10
afetados, se individuais ou coletivos .
A Responsabilidade Civil do Estado abrange todas as suas funções, resulta da
sua atuação por meio de atos comissivos e omissivos dos seus agentes e possui
duas naturezas distintas quanto ao seu fato gerador, quais sejam: a contratual, que
decorre de um acordo entabulado entre as partes envolvidas, e a extracontratual ou,
como também é chamada, aquiniana, figurando esta como o tema central da
presente
monografia,
decorrente
de
atos
jurídicos,
de
atos
ilícitos
de
comportamentos materais ou de omissão por parte do Poder Público.
Para Celso Antônio Bandeira de Mello a Responsabilidade Civil Extracontratual
do Estado configura-se na:
obrigação que lhe incumbe de reparar economicamente os danos lesivos à
esfera juridicamente garantida de outrem e que lhe sejam imputáveis em
decorrência de comportamentos unilaterais, lícitos ou ilícitos, comissivos ou
11
omissivos, materiais ou jurídicos .
Conforme o fundamento que se dê à responsabilidade civil, a culpa “latu sensu”
será ou não considerada elemento da obrigação de reparar o dano.
Maria Helena Diniz, alinha que “a responsabilidade decorrente de ato ilícito
baseia-se na idéia de culpa, e a responsabilidade sem culpa funda-se no risco 12”.
Assim, decorrendo tal obrigação de imposição legal, a exemplo do disposto no
artigo 927, parágrafo único, do Código Civil, será a responsabilidade objetiva,
prescindindo de comprovação a ocorrência de culpa ou dolo do seu agente,
bastando que se verifique o liame entre o dano gerado ao ofendido e a conduta do
agente. Sendo subjetiva sua responsabilidade, conforme o caput do dispositivo legal
_____________
10
LOPES, Miguel de Serpa. Curso de Direito Civil. 8. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1996. v. 8.
p. 550-551.
11
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 11. ed. São Paulo:
Malheiros Editores. 1999. p.654.
12
supramencionado, será necessário que se verifique impreterivelmente a presença de
três elementos, quais sejam: dano decorrente de Ação ou Omissão por parte do
Estado e o Nexo de Causalidade entre o dano sofrido e a referida ação ou omissão.
Analisa-se, então, cada um desses institutos.
2.1 Culpa
O Código Civil, quando disciplina a responsabilidade pela prática de ato ilícito, em
seu artigo 18613, inclui a noção de culpa, ao colocar que a ação ou omissão que
propicia conseqüências civis deve ser realizada com, ao menos, imprudência ou
negligência.
Assim, tal instituto também figura como um dos elementos centrais do presente
trabalho, já que não há responsabilidade civil sem culpa (em sentido amplo),
excetuando-se os casos em que há disposição legal expressa nesse sentido, hipótese
em que se terá responsabilidade objetiva, fundada no risco.
Quando a culpa produz resultado danoso, se apresentando sob a forma de ato
ilícito, causando dano ou repercutindo sobre o patrimônio de outrem, se caracteriza
a responsabilidade civil e, em face dela, a obrigação de indenizar.
Francisco Amaral alinha que “a culpa consiste na violação de um dever que o
agente podia conhecer e observar14”.
Serpa Lopes, refere que:
a culpa é o nexo psicofísico que une um dado evento do mundo exterior a
um determinado sujeito; nexo consistente na derivação causal do evento
15
externo daquele sujeito.
Acquaviva define a culpa como o:
_____________
12
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 17. ed. São Paulo:
Saraiva, 2003. v. 7. p. 39-40.
13
Artigo 186. Aquele que, por oção ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e
causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ilícito.
14
AMARAL, Francisco. Direito Civil: Introdução. 5. ed. Rio de Janeiro: Renovar. 2003. p. 551.
15
SERPA LOPES, Miguel Maria de. Curso de Direito Civil: Fontes acontratuais das obrigações Responsabilidade Civil. 4.ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1995. v.5. p.176.
13
ânimo de agir ou de se omitir sem o intuito de lesar, mas assumindo tal
risco. Inobservância de uma norma sem intenção deliberada de causar
16
dano, mas sob o risco de produzi-lo .
Defende Pedrotti, que:
a culpa em sentido estrito, pode ser definida como a própria negligência,
imperícia ou imprudência, que difere do sentido lato, que pode compreender
a ação ou omissão, desde que não haja na conduta o dolo, o ânimo de
17
prejudicar .
Segundo Pedro Nunes, a culpa, no Direito Civil, é a;
omissão da diligência necessária de alguém, ou a falta de cumprimento do
dever jurídico, sem o ânimo de lesar, de que resulta violação do direito de
outrem, quando os efeitos da sua inação podiam ser calculados e
18
previstos.
Maria Helena Diniz refere que:
a culpa em sentido amplo, como violação de um dever jurídico, imputável a
alguém, em decorrência de fato intencional ou de omissão de diligência ou
cautela, compreende: o dolo, que é a violação intencional do dever jurídico,
e a culpa em sentido estrito, caracterizada pela imperícia, imprudência ou
19
negligência, sem qualquer deliberação de violar um dever .
Definindo culpa em sentido estrito e dolo, Cardoso de Gouveia, alinha que:
se a vontade elegeu o ato ilícito, prevendo e querendo as suas
conseqüências nocivas para outrem, surge a figura jurídica do dolo. (...) se a
vontade se determinou pelo ato ilícito, com desconhecimento da sua
ilegitimidade ou imprevisão das suas conseqüências, por virtude da
negligência havida no trabalho crítico que precedeu a determinação,
20
aparece a figura jurídica da culpa .
Verifica-se que na culpa lato sensu, também se inclui o dolo, que figura como a
vontade consciente do indivíduo, dirigida para o resultado ilícito, ou seja, é a ação ou
omissão voluntária e consciente no sentido de violar o direito.
Desse modo, na culpa, seja em sentido amplo ou estrito, há efetivamente a
violação de um dever, sendo imprescindível que seja provado um ato prejudicial,
objetivamente ilícito ou o dever violado (elemento objetivo) e a culpabilidade ou
imputabilidade do agente (elemento subjetivo).
_____________
16
ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Dicionário jurídico brasileiro Acquaviva. 9.ed. São Paulo: Editora
Jurídica Brasileira, 1998. p. 413.
17
PEDROTTI, Irineu Antonio. Responsabilidade Civil. São Paulo:Livraria e Editora Universitária de
Direito, 1999. v. 1. p. 22.
18
NUNES, Pedro. Dicionário de Tecnologia Jurídica. 13.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 348.
19
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 17. ed. São Paulo:
Saraiva, 2003. v. 7. p. 42.
14
Note-se que esse elemento subjetivo consiste nas possibilidades de
discernimento do agente no sentido de conhecer efetivamente o seu dever e de
observá-lo, prevendo o dano e evitando-o.
Assim, compõe-se a culpabilidade de outros três elementos, quais sejam, a
negligência, que “é a omissão, é a inobservância das normas que nos mandam
operar com atenção, capacidade, solicitude e discernimento21”, a imprudência, que
“é a precipitação, procedimento sem cautela
22
” e a imperícia, que figura como a
“falta de habilidade ou inaptidão para praticar certo ato23”.
Quanto às modalidades de culpa, temos que a culpa pode ser contratual,
quando o dever violado está previsto nesse instrumento, ou extracontratual, também
chamada de aquiliana, quando consiste na violação de um dever geral, que deveria
ser respeitado por todos.
Pedrotti define a culpa extracontratual como “a falta ou a violação de dever,
fundado num princípio geral de direito que manda respeitar a pessoa e os bens
alheios24”.
No entender de Pedro Nunes, a culpa extracontratual ou aquiliana, se dá:
quando o agente, fora dos vínculos obrigacionais, e por negligência, ou
imprudência, imperícia ou falta de exação no cumprimento do dever
funcional, causa lesão positiva ao direito de outrem, sem a intenção de o
25
prejudicar .
No que tange à culpa contratual, segundo Pedrotti, esta figura como:
aquela que compreende a violação ou a falta de um dever constante de um
contrato. E a falta em relação à preexistência de obrigação contratual.
Havendo um contrato e não cumprindo uma das partes obrigação dele
constante, somente não responderá por perdas e danos se lograr
26
demonstrar que não agiu com falta ao dever assumido .
_____________
20
GOUVEIA, Jaime Augusto Cardoso de. Da responsabilidade Contratual. Lisboa: Seara Nova,
1932. p. 67.
21
AMARAL, Francisco. Direito Civil: Introdução. 5. ed. Rio de Janeiro: Renovar. 2003. p. 552..
22
AMARAL, Francisco. Direito Civil: Introdução. 5. ed. Rio de Janeiro: Renovar. 2003. p. 552.
23
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 17. ed. São Paulo:
Saraiva, 2003. v. 7. p. 42.
24
PEDROTTI, Irineu Antonio. Responsabilidade Civil. São Paulo:Livraria e Editora Universitária de
Direito, 1999. v. 1. p. 23.
25
NUNES, Pedro. Dicionário de Tecnologia Jurídica. 13.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 348349.
26
PEDROTTI, Irineu Antonio. Responsabilidade Civil. São Paulo:Livraria e Editora Universitária de
Direito, 1999. v. 1. p. 23.
15
Pedro Nunes conceitua a culpa contratual como sendo “a falta omissiva ou
comissiva de cumprimento de uma obrigação, resultante de contrato ou
convenção27”.
Portanto, a culpa será contratual ou extracontratual conforme sua origem, pois
sempre será oposição a um direito, seja ele legal ou obrigacional, já que seria a
responsabilidade contratual a violação de uma obrigação, não necessariamente de
um contrato, seja qual for sua fonte, enquanto que na culpa aquiliana ou
extracontratual, a lesão a um direito absoluto.
No dizer de Orlando Gomes, a responsabilidade civil extracontratual origina-se
na violação do “dever de neminen laedere, isto é, o dever de a ninguém
prejudicar28”.
Nessa tangente, explica Caio Mário da Silva Pereira:
na culpa contratual há um dever positivo de adimplir o que é objeto da
avença. Na culpa aquiliana é necessário invocar o dever negativo ou
obrigação de não prejudicar, e comprovado o comportamento antijurídico,
evidencia que ele repercutiu na órbita jurídica do paciente, causando-lhe um
29
dano específico .
Segundo Acquaviva, as diferenças entre a culpa contratual e a extracontratual
podem ser sintetizadas no seguinte: na culpa contratual: a) só responde por ela o
agente capaz; b) cabe ao devedor provar que não cumpriu a obrigação por caso
fortuito ou força maior; c) consiste em não cumprir a obrigação assumida por
contrato. Já na culpa extracontratual, a) não se requer capacidade especial; b) o
ônus da prova compete a quem alega ter sido injustamente ofendido; c) envolve
fatos diversos, como a intenção de prejudicar, a imperícia, a negligência, a
imprudência, a falta de vigilância, o abuso de direito, a falta de cuidado, etc.30
Quanto ao conteúdo:
A culpa diz-se ainda in eligendo, se decorrente da má escolha de
representante ou preposto; in vigilando, se decorrente da ausência de
fiscalização; in comittendo ou in faciendo, quando se age com imprudência;
in omittendo, em caso de abstenção, negligência; in custodiendo, na falta de
cautela ou atenção e guarda de pessoa ou coisa; in concreto, quando se
_____________
27
NUNES, Pedro. Dicionário de Tecnologia Jurídica. 13.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 348.
GOMES, Orlando. Tendências Modernas da Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro: Forense,
1985. p. 291.
29
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1991. p.
265.
30
ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Dicionário jurídico brasileiro Acquaviva. 9.ed. São Paulo: Jurídica
Brasileira, 1998. p. 413.
28
16
toma em vista o agente e as circunstâncias que do ato; in abstrato, quando
31
se toma como paradigma o diligente pai de família .
Relativamente aos modos de apreciação, Maria Helena Diniz esclarece que:
considerar-se-á in concreto a culpa quando, no caso sub judicie, se atém ao
exame da imprudência ou negligência do agente, e in abstracto, quando se
faz uma análise comparativa da conduta do agente com a do homem médio
32
ou da pessoa normal, ou seja, do dilligens pater famílias dos romanos .
Refere, ainda, a jurista que “o direito brasileiro adota, como critério, o da culpa
in abstrato, na responsabilidade extracontratual, isto é, aferindo-se o comportamento
do agente pelo padrão do homem normal33”.
Quanto à sua graduação, a culpa poderá ser leve, quando a eclosão do evento
danoso poderia ser evitada com atenção ordinária ou adoção de diligências próprias
de um sujeito normal, ou levíssima, quando o dano somente seria evitável por uma
atenção extraordinária, habilidades especiais ou conhecimento singular.
2.2 Dano
Dano é a ”ação ou omissão ilícita com repercussão na esfera jurídica de outra
pessoa34”.
A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso X, preceitua que “são
invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,
assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua
violação", conferindo proteção expressa aos danos ocasionados, sejam eles de
ordem patrimonial ou moral, na medida em que lhes assegura a possibilidade de
reparação.
Assim, tem-se que o dano figura como outro elemento ou requisito essencial à
responsabilidade civil, pois, tendo esta por finalidade precípua a reparação," é
preciso que haja alguma coisa a ser reparada35".
_____________
31
AMARAL, Francisco. Direito Civil: Introdução. 5. ed. Rio de Janeiro: Renovar. 2003. p. 552-553.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 17. ed. São Paulo:
Saraiva, 2003. v. 7. p.44.
33
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. São Paulo,
Saraiva, 1984. p. 39.
34
SIDOU, José Maria Othon et al. Dicionário Jurídico. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 243.
32
_____________
17
Para Pontes de Miranda, para configurar o dano:
tem-se de considerar o patrimônio do ofendido no momento (momento em
que ocorreu a ofensa) mais qual seria a realidade se o ato (ou fato) não
houvesse ocorrido e as perdas ocorridas por este ato até o momento da
36
indenização .
No mesmo sentido é o posicionamento de José de Aguiar Dias:
O dano se estabelece mediante o confronto entre o patrimônio realmente
existente após o dano e o que possivelmente existiria, se o dano não se
tivesse produzido. O dano é expresso pela diferença negativa encontrada
37
nessa operação .
Clayton Reis afirma que : "O fato é que a concepção normalmente aceita a
respeito do dano envolve uma diminuição do patrimônio de alguém, em decorrência
da ação lesiva de terceiros38."
Analisando, entende-se que os ensinamentos de Maria Helena Diniz mostramse mais abrangentes, na medida em que aduz que o
dano pode ser definido como a lesão (diminuição ou destruição) que, devido
a um certo evento, sofre uma pessoa, contra sua vontade, em qualquer bem
39
ou interesse jurídico, patrimonial ou moral .
Não destoa Carlos Roberto Gonçalves, quando refere que o termo
dano, em sentido amplo, vem a ser a lesão de qualquer bem jurídico, e aí se
inclui o dano moral. Mas, em sentido estrito, dano é, para nós, a lesão do
patrimônio; e patrimônio é o conjunto das relações jurídicas de uma pessoa,
40
apreciáveis em dinheiro .
Dessarte, verifica-se que tal instituto nada mais representa do que os prejuízos
ou diminuições causadas a qualquer bem ou interesse jurídicamente tutelados,
sejam eles de cunho patrimonial ou não, resultantes de uma lesão, abrangendo tudo
o que foi efetivamente perdido pelo ofendido (dano emergente) e também o que este
deixou de ganhar (lucros cessantes) em virtude do evento danoso.
2.3 Ação e omissão
_____________
35
PEREIRA, Caio Mário. Responsabilidade Civil. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1990. p. 43.
MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Rio de Janeiro: Borsói, 1958, p. 208.
37
DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 1994, v.1, p. 709.
38
REIS, Clayton. Dano Moral. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 01.
39
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 7. p. 58.
40
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 390.
36
18
A responsabilidade civil, tanto objetiva como subjetiva, deverá sempre conter
como elemento central uma conduta, ou seja, ações ou omissões, que deverão ser
humanas e voluntárias para que se configure a responsabilidade civil.
Francisco Amaral, refere que “ação é o ato humano, voluntário e objetivamente
imputável. Sendo humano, exclui os eventos da natureza. Voluntário, no sentido de
ser controlável pela vontade à qual se imputa ao fato.”41 Assim, também se excluem
os atos inconscientes ou praticados sob coação absoluta.
No entanto, conforme mencionado anteriormente, “o comportamento do agente
pode consistir também em omissão, que será causa jurídica do dano se houver
dever de agir, de praticar o ato omitido.42”
Maria Helena Diniz inclui a omissão no seu conceito de ação, na medida em
que a define como
o ato humano, comissivo ou omissivo, lícito ou ilícito, voluntário e
objetivamente imputável, do próprio agente ou de terceiro, ou o fato do
animal ou coisa inanimada, que cause dano a outrem, gerando o dever de
43
satisfazer os direitos do lesado .
Verifica-se, assim, que a responsabilidade do agente pode decorrer tanto de
ato próprio quanto de ato de terceiro que esteja sob sua responsabilidade, assim
como de danos causados por coisas que estejam sob sua guarda.
As hipóteses de responsabilização do agente por ato próprio buscam sentido
no próprio princípio informador da teoria da reparação, pois se alguém, por sua ação
pessoal, infringindo dever legal ou social, prejudica terceiro, gera dever próprio de
reparar esse prejuízo.
Cumpre salientar, por oportuno, que obviamente a responsabilização civil do
Estado jamais se dará por ato próprio, já que não se trata de pessoa humana, mas
sim de pessoa jurídica, invenção jurídica, que atua por meio dos seus agentes.
Com relação à responsabilidade por atos praticados por terceiros, ter-se-á
quando uma pessoa responde pelos danos causados a outrem independente de sua
vontade, oriundos das condutas daqueles que estão, de uma forma ou de outra, sob
sua subordinação. Assim, quanto ao agente, a responsabilização civil do Estado
somente se dará nessa modalidade.
_____________
41
AMARAL, Francisco. Direito Civil: Introdução. 5. ed. Rio de Janeiro: Renovar. 2003. p. 549.
AMARAL, Francisco. Direito Civil: Introdução. 5. ed. Rio de Janeiro: Renovar. 2003. p. 549.
43
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 17. ed. São Paulo:
Saraiva, 2003. v. 7. p. 39.
42
19
No que tange à conduta puramente omissiva, nada mais é do que a inação que
afronta o dever jurídico, ou seja, é o não fazer (conduta negativa) o que se deveria
por imposição legal, o que figura, “em essência, culpa, numa de suas três vertentes:
negligência, que, de regra, traduz desídia, imprudência, que é temeridade, e
imperícia, que resulta de falta de habilidade44”.
Alinha Rui Stoco que:
[...] Não é apenas a ação que produz danos. Omitindo-se, o agente público
também pode causar prejuízos ao administrado e à própria administração.
[...] a omissão configura a culpa in omitendo e a culpa in vigilando. São
casos de inércia, casos de não-atos. Se cruza os braços ou se não vigia,
quando deveria agir, o agente público omite-se, empenhando a
responsabilidade do Estado por inércia ou incúria do agente. Devendo agir,
não agiu. Nem como o bonus pater familiae, nem como bonus
administrador. Foi negligente. Às vezes imprudente e até imperito.
Negligente, se a solércia o dominou; imprudente, se confiou na sorte;
imperito, se não previu as possibilidades da concretização do evento. Em
45
todos os casos, culpa, ligada à idéia de inação, física ou mental […]. "
Quanto à responsabilização civil extracontratual do Estado nos casos de
omissão, Celso Antônio Bandeira de Mello refere que
o Estado só responde por omissões quando deveria atuar e não atuou —
vale dizer: quando descumpre o dever legal de agir. Em uma palavra:
46
quando se comporta ilicitamente ao abster-se .
Nesses casos, para definir o tipo de responsabilização imputável, se objetiva,
de acordo com o artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal47 ou subjetiva,
necessitando da comprovação de culpa, diversos autores atualmente defendem que
há dois tipos de omissão, quais sejam: a omissão geral e a omissão específica. O
que, aliás, já figura como entendimento pacífico na jurisprudência, inclusive, do STF,
conforme se apresenta posteriormente.
Odete Medauar observa que:
_____________
44
LAZZARINI, Álvaro. Responsabilidade civil do Estado por atos omissivos dos seus agentes. Revista
de Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. São Paulo, v. 23, n. 117, p.
125-162, mar/abr, 1989.
45
STOCO, Rui. Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial. 5. ed. Rio de Janeiro:
Revista dos Tribunais, 1994. p. 319
46
MELLO, Celso Antônio Bandeira. Responsabilidade Extracontratual do Estado por Comportamentos
Administrativos. Revista dos Tribunais. São Paulo. v.552, p. 11-14, mai/jun 1979.
47
Artigo 37: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte”:
parágrafo 6º: “As pessoas jurídicas direito público e as de direito privado prestadoras de serviços
públicos responderão pelos danos que seus agentes , nessa qualidade, causarem a terceiros,
assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.
20
Informada pela teoria do risco, a responsabilidade do Estado apresenta-se
hoje, na maioria dos ordenamentos, como responsabilidade objetiva. Nessa
linha, não mais se invoca o dolo ou culpa do agente, o mau funcionamento
ou falha da Administração. [...] Deixa-se de lado, para fins de ressarcimento
do dano, o questionamento do dolo ou culpa do agente, o questionamento
da licitude ou ilicitude da conduta, o questionamento do bom ou mau
funcionamento da Administração. Demonstrado o nexo de causalidade, o
48
Estado deve ressarcir .
No entanto, Odília Ferreira da Luz entende que:
Isso não significa, necessariamente, adoção da tese objetiva com
exclusividade, pois ainda existe a responsabilidade decorrente da falta do
serviço, que é a regra; na verdade, coexistem a responsabilidade objetiva e
a subjetiva, esta fundada na faute de service e não mais na culpa do agente
49
público .
Ainda, segundo Osvaldo Aranha Bandeira de Mello:
A responsabilidade por falta de serviço, falha do serviço ou culpa do serviço,
não é de modo algum modalidade de responsabilidade objetiva, mas
subjetiva, porque baseada na culpa do serviço diluída na sua organização,
assumindo feição anônima ou impessoal. Cabe nesse caso, à vítima
comprovar a não prestação do serviço ou a sua prestação retardada ou máprestação, a fim de ficar configurada a culpa do serviço, e
conseqüentemente, a responsabilidade do Estado a quem incumbe prestá50
lo .
Já Sérgio Henriques Zanon Freitas, aduz que:
Após analisar o tema apresentado, entende-se que estará sujeita à ação de
reparação por responsabilidade objetiva a Administração que, não por
qualquer inércia ou abstenção (faute du service), mas quando, por
manifesta e presumível omissão deixar de executar atividade ou prestar
algum serviço público determinado por lei ou por decisão judicial,
51
acarretando prejuízo a terceiros .
Acerca da responsabilidade civil estatal expõe Sundfeld:
Para, diante de um evento lesivo, configurar-se a responsabilidade estatal,
necessária a existência de relação de causa e efeito entre o comportamento
do Estado (positivo ou negativo, isto é, uma ação ou omissão) e o dano
provocado. A responsabilidade objetiva não faz do Estado um segurador
universal, mas apenas o obriga a suportar os prejuízos que gere, direta ou
indiretamente [...]. Quando se tratar de danos derivados de comportamento
positivo (por ação), pouco importa a juridicidade ou ilegitimidade da conduta
estatal: havendo nexo de causalidade entre esta e o dano, surge a
vinculação do Estado [...]. Entretanto, quando em pauta a responsabilidade
_____________
48
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2000. p. 430.
49
LUZ, Odília Ferreira da. Manual de direito administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 298.
50
MELLO, Osvaldo Aranha Bandeira de. Princípios Gerais do Direito Administrativo. Rio de
Janeiro: Forense, 1979. v. 2. p.482-483.
51
FREITAS, Sérgio Henriques Zanon. Curso Prático de Direito Administrativo. 2.ed. Belo
Horizonte:Del Rey, 2004. p.276.
21
por comportamento negativo, o Estado só responderá se houver omitido
dever que lhe tenha sido prescrito pelas normas; não se sua inação for
lícita. É que o ‘conceito de omissão, em direito, está ligado ao de ilicitude’.
Sob o ponto de vista jurídico, a mera inação não configura omissão; está só
52
se apresenta quando, tendo o dever de agir, o sujeito fica inerte .
Assim, tem-se que, em que pese o Direito brasileiro aceitar a teoria da
responsabilidade objetiva do Estado, isso não induz à responsabilidade do Poder
Público por qualquer fato ou ato, comissivo ou omissivo no qual esteja envolvido,
direta ou indiretamente, bem como nem toda hipótese em que tiver lugar dano
proveniente de omissão estatal será encarada sob o prisma subjetivo.
Note-se que,
há previsão de responsabilidade objetiva do Estado, mas, para que ocorra,
cumpre que os danos ensejadores da reparação hajam sido causados por
agentes públicos. Se não foram eles os causadores, se incorreram em
omissão e adveio dano para terceiros, a causa é outra; não decorre do
comportamento dos agentes. Terá sido propiciada por eles. A omissão
haverá condicionado sua ocorrência, mas não a causou. Donde não há
cogitar, neste caso, responsabilidade objetiva [...]. A responsabilidade por
omissão é responsabilidade por comportamento ilícito. E é
responsabilidade subjetiva, porquanto supõe dolo ou culpa em suas
modalidades de negligência, imperícia ou imprudência, embora possa tratarse de uma culpa não individualizável na pessoa de tal ou qual funcionário,
mas atribuída ao serviço estatal genericamente. É a culpa anônima ou
53
‘faute de service’ dos franceses, entre nós traduzida por ‘falta do serviço’
(grifos do autor).
Destarte, infere-se que é de grande importância fazer uma distinção entre a
omissão genérica e a omissão específica.
Segundo Sérgio Cavalieri Filho:
Se um motorista embriagado atropela e mata pedestre que estava na beira
da estrada, a Administração (entidade de trânsito) não poderá ser
responsabilizada pelo fato de estar esse motorista ao volante sem
condições. Isso seria responsabilizar a Administração por omissão genérica.
Mas se esse motorista, momentos antes, passou por uma patrulha
rodoviária, teve o veículo parado, mas os policiais, por alguma razão,
deixaram-no prosseguir viagem, aí haverá omissão específica que se erige
em causa adequada do não-impedimento do resultado. Nesse segundo
54
caso haverá responsabilidade objetiva do Estado .
Consoante Edimur Ferreira de Faria:
Por omissão, o Poder Público responde pela responsabilidade objetiva ou
pela culpa subjetiva, dependendo da situação concreta. Será caso de
_____________
52
SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. 4. ed. São Paulo: Malheiros Editores,
2002. p. 181.
53
MELLO, Celso Antônio Bandeira. Responsabilidade Extracontratual do Estado por Comportamentos
Administrativos. Revista dos Tribunais. São Paulo. v.552, p. 11-14, mai/jun 1979.
54
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 4. ed, São Paulo: Malheiros
Editora, 2003. p.247.
22
responsabilidade objetiva por omissão quando o Estado, ou quem lhe faça
às vezes, deixar de agir quando tinha o dever legal de atuar
comissivamente, mas se absteve, deliberadamente ou não, de praticar o ato
que lhe competia. A culpa será subjetiva quando, embora o Estado não
tivesse o dever legal de agir, objetivamente previsto, devesse, ante a
situação concreta, adotar providências visando evitar conseqüências
55
danosas ao administrado .
Impõe-se, portanto, em que pese uma análise mais profunda acerca das
modalidades de omissão genérica e específica figurar como objeto de capítulo
posterior, onde serão analisadas diversas decisões jurisprudenciais nesse sentido,
por ora, é necessário delimitar tais institutos, ainda que brevemente, para que se
possa diferenciar os casos em que há uma ou outra espécie, cuja diferença
fundamental reside na existência ou não do dever individualizado de agir.
2.3.1 Omissão Específica
A omissão específica se verifica nas hipóteses em que o evento danoso
decorreu diretamente da inação do ente público, figurando a inércia administrativa
como causa direta e imediata da ocorrência do resultado danoso, pois, nesse caso,
havia o dever legal de agir e o Estado não o fez.
Nesse sentido, Sergio Cavalieri Filho exemplifica:
veículo muito velho, sem condições normais de trânsito, causa um acidente
por defito de freio ou falta de luz traseira. A Administração não pode ser
responsabilizada pelo fato de esse veículo ainda estar circulando. Isso seria
responsabilidade pela omissão genérica. Mas se esse veículo foi liberado
numa vistoria, ou passou pelo posto de fiscalização sem problemas, aí já
56
teremos omissão específica .
Alinha, ainda, o autor supramencionado, que “haverá omissão específica
quando o Estado, por omissão sua, crie a situação propícia para a ocorrência do
evento em situação em que tinha o dever de agir para impedi-lo57."
Ora, no que tange à responsabilização civil do Estado, verifica-se que:
_____________
55
FARIA, Edimur Ferreira. Curso de Direito Administrativo Positivo. 4. ed. Belo Horizonte: Del Rey,
2001. p. 525.
56
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 5. ed., São Paulo: Malheiros,
2004, p. 248.
57
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 6. ed., São Paulo: Malheiros,
2005, p. 261.
23
A regra é a responsabilidade objetiva, fundada na teoria do risco
administrativo, sempre que o dano for causado por agentes do Estado,
nessa qualidade; sempre que houver direta relação de causa e efeito entre
58
a atividade administrativa e o dano .
E, o mesmo ocorre relativamente à inação administrativa, quando figurar como
causa direta da ocorrência do evento danoso, hipótese em que restará configurada a
omissão específica do Poder Público, sendo a responsabilização civil extracontratual
do Estado objetiva, fundada na teoria do risco administrativo, consoante dispõem os
artigos 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal e 43 do Código Civil. E, nesse
caso, insta sinalar, se inverte o ônus da prova no sentido da demonstração por parte
do Estado de que não agiu com culpa ou dolo para a eclosão do evento danoso.
2.3.2 Omissão Genérica ou Geral
Já a omissão genérica se verifica quando a ocorrência do dano não se dá
diretamente em razão da inércia do Estado, mas sim de falta do serviço ou faute du
service, como dizem os franceses, seja por que não funcionou, quando deveria
normalmente funcionar, porque funcionou mal ou tardiamente, hipótese em que é
dispensável a prova de que qualquer agente do Estado tenha incorrido em culpa.
No entanto, "quando o dano foi possível em decorrência de uma omissão do
Estado (o serviço não funcionou, funcionou tardia ou ineficientemente) é de se
aplicar a teoria da responsabilidade subjetiva59".
Assim, não há a inversão do ônus da prova nessas hipóteses, cabendo à vítima
comprovar a ocorrência de culpa do Estado, no sentido do serviço que lhe incumbia
prestar falhou. E, sendo assim,
é necessário, que o Estado haja incorrido em ilicitude, por não ter acorrido
para impedir o dano ou por haver sido insuficiente neste mister, em razão de
60
comportamento inferior ao padrão legal exigível .
_____________
58
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 5. ed., São Paulo: Malheiros,
2004, p. 259.
59
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 11. ed. São Paulo:
Malheiros Editores, 1999, p. 672.
60
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros
Editores, 2002, p. 855.
24
Sinale-se que, conforme recente entendimento do Supremo Tribunal Federal,
que será objeto de análise aprofundada no capítulo seguinte, a responsabilidade civil
por omissão genérica é subjetiva, exigindo a comprovação da ocorrência de culpa
lato sensu: dolo, negligência, imperícia ou imprudência. Entretanto, tal entendimento
se firma no sentido de entender desnecessário individualizar tais elementos, que
podem ser atribuídos, de forma genérica, à falta do serviço - faute du service, sendo
anônima relativamente aos agentes a culpa instaurada.
A responsabilidade por omissão é responsabilidade por comportamento
ilícito. E é responsabilidade subjetiva, porquanto supõe dolo ou culpa em
suas modalidades de negligência, imperícia ou imprudência, embora possa
tratar-se de uma culpa não individualizável na pessoa de tal ou qual
funcionário, mas atribuída ao serviço estatal genericamente. É a culpa
anônima ou faute de service dos franceses, entre nós traduzida por ‘falta de
61
serviço ’.
Nesse sentido menciona Inácio de Carvalho Neto:
entende-se que a responsabilidade, não é objetiva, porque decorrente do
mau funcionamento do serviço público; a omissão na prestação do serviço
tem levado à aplicação da teoria da culpa do serviço público (faute du
service); é a culpa anônima, não individualizada, o dano não decorreu de
62
atuação de agente público, mas de omissão do poder público .
Sérgio Cavalieri Filho refere que:
a responsabilidade por falta de serviço, falhado serviço ou culpa do serviço,
seja qual for a tradução que se dê à fórmula francesa faute du service, não
é, de modo algum, modalidade de responsabilidade objetiva, mas subjetiva,
porque baseada na culpa do serviço diluída na sua organização, assumindo
feição anômina ou impessoal. Responsabilidade com base na culpa e culpa
do próprio Estado, do serviço que lhe incumbe prestar, não individualizável
em determinado agente público, insuscetível de ser atribuída a certo agente
público, porém no funcionamento ou não funcionamento do serviço, por falta
63
de sua organização .
Por fim, vale citar um exemplo de situação em que a responsabilidade do
Estado por omissão é genérica e, portanto sua responsabilização civil será subjetiva:
É o caso de uma manifestação pública, em que uma multidão de terceiros
particulares não na qualidade de agentes públicos venha a causar danos às
pessoas, depredando propriedades, por exemplo; ou de fenômenos da
natureza, como vendavais, chuvas, enchentes, etc... que venham a causar
sérios prejuízos à população. Nessas hipóteses, a indenização estatal só
_____________
61
MELLO, Celso Antônio Bandeira. Responsabilidade Extracontratual do Estado por Comportamentos
Administrativos. Revista dos Tribunais. São Paulo. v.552, p. 11-14, mai/jun 1979.
62
CARVALHO NETO, Inácio de. Responsabilidade do Estado por Atos de Seus Agentes. São
Paulo: Atlas, 2000. p.126.
63
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 5. ed., São Paulo: Malheiros,
2004, p. 238.
25
será devida se restar comprovada
64
[responsabilidade subjetiva] .
a
culpa
da
Administração
2.4 Nexo de Causalidade
Tal elemento figura como a interligação entre a atividade ou inação do agente e
o dano experimentado pelo ofendido, ou seja, se trata da relação de causa e efeito
imediata e direta entre a ação ou omissão daquele e o dano gerado a este, figurando
como fator determinante para a responsabilização civil do respectivo agente,
independentemente de ser a natureza dessa obrigação objetiva ou subjetiva. Pois,
não é suficiente, para que seja exigível a responsabilidade civil, que o
demandante haja sofrido um prejuízo, nem que o demandado tenha agido
com culpa. Deve reunir-se um terceiro e último requisito, a existência de um
vínculo de causa e efeito entre a culpa e o dano, é necessário que o dano
65
sofrido seja conseqüência da culpa cometida ".
Quanto causalidade da omissão, Sérgio Cavalieri Filho expõe que:
O Direito nos impõe, muitas vezes, o dever de agir, casos em que, nos
omitindo, além de violar dever jurídico, deixamos de impedir a ocorrência de
um resultado. Dessa forma, embora a omissão não dê causa a nenhum
resultado, não desencadeie qualquer nexo causal, pode ser causa para não
impedir o resultado.
Ora, não impedir significa permitir que a causa opere. O omitente, portanto,
coopera na realização do evento com uma condição negativa: ou deixando
de se movimentar, ou não impedindo que o resultado se concretize.
Responde por esse resultado não porque o causou com a omissão, mas
porque não o impediu, realizando a conduta a que estava obrigado.
Conclui-se do exposto, que a omissão adquire relevância causal porque a
norma lhe empresta esse sopro vital, impondo ao sujeito um determinado
comportamento. Quando não houver esse dever jurídico de agir, a omissão
66
não terá relevância causal e, conseqüentemente, nem jurídica .
Nesse sentido, tem-se que
O nexo de causalidade é a relação de causa e efeito entre o fato e o dano.
Constitui elemento essencial ao dever de indenizar, porque só existe
_____________
64
ALEXANDRINO, Marcelo; VICENTE, Paulo. Direito administrativo. 5. ed. Rio de Janeiro: Impetus,
2004. p. 410.
65
MAZEAUD, Henry et al. Taité théorique et pratique de la responsabilité cívile délictuelle et
contractuelle . 5. ed. Paris: Montchirestiem, 1958. v. 2. p. 258.
66
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 5. ed., São Paulo: Malheiros,
2004, p. 81-82.
26
responsabilidade civil se houver nexo causal entre o dano e seu autor,
67
independentemente de culpa do agente ".
Kfouri explicita que:
para se poder chegar, partindo de um evento danoso, até seu autor, é
indispensável assentar uma ponte entre esses dois extremos: em termos
68
jurídicos, essa ponte se chama nexo de causalidade ".
Assim, inexistindo nexo causal entre determinada conduta e o dano, não se
pode sequer cogitar o dever de indenizar, uma vez que a finalidade precípua desse
elemento é justamente identificar o responsável pelo dano causado ao ofendido,
apresentando-se como meio de conhecimento jurídico da efetiva situação danosa
verificada em determinado caso.
2.5 Excludentes de responsabilização civil
Há hipóteses em que, apesar da ocorrência do dano e da existência de nexo
de causalidade entre determinada conduta, não haverá responsabilidade civil.
Tem-se como elemento constitutivo indissociável da noção de culpa também a
noção de imputabilidade, no que tange às condições pessoais ou subjetivas do
ofensor, que se materializam na sua consciência e vontade.
Assim, ter-se-á imputabilidade sempre que os atos de uma pessoa advierem de
sua vontade livre e capaz, necessitando, portanto, que haja autodeterminação e
discernimento do agente.
Desse modo, verifica-se que os menores de 18 anos e os curatelados, por
exemplo, são inimputáveis, já que lhes falta elemento essencial à imputabilidade,
qual seja, ser capaz de dirigir suas ações. No entanto, sua incapacidade, ainda que
relativa, não elide o dever de indenizar os danos por eles provocados a outrem por
seus representantes legais, não figurando a inimputabilidade como excludente de
_____________
67
AMARAL NETO, Francisco dos Santos. Direito Civil Brasileiro: Introdução. Rio de Janeiro:
Forense, 1999. p. 527.
68
KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade Civil do Médico. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1996. p. 52.
27
responsabilização, razão pela qual, exime-se de tecer maiores comentários acerca
desse tema.
As hipóteses em que efetivamente inexistirá responsabilização civil, são a
legítima defesa, o estado de necessidade, o exercício regular de um direito, que
figuram como excludentes de ilicitude, conforme dispõe o artigo 188 do Código Civil,
e o caso fortuito ou força maior, nos moldes do artigo 393 do diploma legal já
invocado, já que ninguém pode responder por atos a que não tenha dado causa.
Importa salientar, entretanto, que a responsabilidade civil do Estado estará
elidida também quando houver a culpa exclusiva da vítima ou de terceiro, institutos
estes que também se aborda, ainda que brevemente, em face da problemática
central tratada no presente trabalho.
A legítima defesa é a reação inevitável dirigida contra agressão injusta, atual e
que não exceda o necessário à repeli-la. Isso, quando restar impossível que o
Estado o faça.
Marcelo Saraiva define a legítima defesa como a "defesa conforme ao direito
de um injusto perigoso e ameaçador, segundo a relação de forças e valores da
situação, isto é, segundo a ponderação dos interesses contrapostos na situação"69.
Um bom exemplo desse estado, ocorre quando “o agente vê-se colocado numa
alternativa irrefugível e, para preservar a coisa própria, tem de optar pelo sacrifício
da coisa alheia”70.
_____________
69
SARAIVA, Marcelo. Legítima Defesa. São Paulo: Saraiva, 1975. p. 10.
DIAS, José de Aguiar. Da Responsabilidade Civil.10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995, v.2. p.
675.
70
28
Já o estado de necessidade, caracteriza-se pela ação destinada a repelir
perigo iminente, sem a qual não seria possível evitar com a deterioração ou
destruição de coisa alheia ou, até mesmo, lesão à pessoa, já que, nessas situações,
prevalece o interesse geral sobre o pessoal.
No entanto, acerca do ato praticado em estado de necessidade, José Aguiar
Dias alinha que
Para caracterizar, pois, o ato necessário, não basta o perigo hipotético,
eventual, possível ou remoto, porque, então, ao indivíduo assustadiço se
deparariam mil e uma ocasiões de invocá-los, conforme imaginasse sua
fantasia o estabelecimento de uma situação desse gênero. É preciso que o
71
mal a evitar se apresente com o duplo caráter de certo e iminente .
Quanto ao exercício regular de um direito, nada mais representa do que a
exclusão da própria ilicitude, já que, apesar de ocasionar o dano, o seu agente
causador atua dentro das suas prerrogativas legais, salvo nos casos em que haja
abuso de direito, o que se configurará sempre que o exercício do direito exceder o
seu fim econômico ou social, a boa-fé ou os bons costumes e configurará o ilícito,
não elidindo a responsabilização civil.
A concepção do abuso de direito como espécie de ato ilícito, permita-se
insistir, além de obscurecer seus contornos, caminha no sentido da
responsabilidade subjetiva, sendo a culpa elemento quase indissociável do
conceito de ilicitude. Trata-se de concepção absolutamente anacrônica, pois
a efetiva aplicação da teoria exige que a aferição da abusividade no
exercício de um direito seja objetiva, revelada no simples confronto entre o
72
ato praticado e os valores tutelados pelo ordenamento civil-constitucional .
O caso fortuito e a força maior incidem sobre o nexo de causalidade entre o
dano e eventual conduta culposa, pois, nesses casos, é impossível vincular o dano à
qualquer ato, seja ele comissivo ou não, de algum sujeito de direitos e deveres.
Nota-se que na hipótese de caso fortuito, diferentemente do que ocorre no
caso de força maior, em que o dano é gerado pela natureza, o dano decorre de ato
humano alheio à vontade do agente, já que figura com um acaso, imprevisível, que
não poderia ser evitado pela vontade humana e, portanto, elide o nexo de
causalidade, excluindo a responsabilidade civil.
_____________
71
DIAS, José de Aguiar. Da Responsabilidade Civil.10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995, v.2. p.
676.
72
CARPENA, Heloísa. Abuso de Direito no Código de 2002: Relativização de direitos na ótica civilconstitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 382.
29
Assim, o caso fortuito ou de força maior “consiste em todo acontecimento
alheio à vontade do contratante ou agente que, por si só, proporcionou o resultado
danoso73”.
Relativamente à descaracterização do liame de causalidade, importa observar
que
Não é qualquer acontecimento, por mais grave e ponderável, bastante para
liberar o devedor, porém aquele que impossibilita o cumprimento da
obrigação. Se o devedor não pode prestar, por uma razão pessoal, ainda
que relevante, nem por isto fica exonerado, de vez que estava adstrito ao
cumprimento, e tinha de tudo prever e a tudo prover, para realizar a
prestação. Se esta se dificulta ou se torna excessivamente onerosa, não há
força maior ou caso fortuito. Para que se ache exonerado, é indispensável
que o obstáculo seja estranho ao seu poder, e a ele seja imposto pelo
acontecimento natural ou pelo fato de terceiro, de modo a construir uma
barreira intransponível à execução da obrigação. ... Mas não basta que à
sua vontade ou à sua diligência se anteponha a força do evento
extraordinário. Requer-se, ainda, que não haja meios de evitar ou de
74
impedir os seus efeitos, e estes interfiram com a execução do obrigado .
Assim, cumpre ressaltar que, se o Estado deixar de implementar conduta
considerada indispensável e sobrevier fenômeno natural que cause danos
diretamente pela falta da referida conduta, esta omissão do Poder Público ensejará
sua responsabilização, visto que neste caso estará presente o nexo de causalidade
entre o ato omissivo e o dano, já que a causa imediata do dano não é o fato de força
maior, mas o desleixo do Estado em, sendo possível prever tal fenômeno e suas
conseqüências, nada tendo feito para evitá-las.
No que tange à culpa exclusiva da vítima ou de terceiro, também são
consideradas
excludentes
da
responsabilização
civil
estatal,
conforme
já
mencionado anteriormente, pois haverá um rompimento do nexo de causalidade
entre as condutas do ente público e o dano gerado à vítima.
Nesse sentido, insta salientar que
o fato de terceiro há de poder ser atribuído a alguém, o que não quer dizer
que se imponha, necessariamente, a sua identificação. Sem dúvida, o fato
de poder identificar o terceiro contribui para a melhor caracterização do fato
que se lhe atribui. Mas isso não é condição essencial para tal configuração,
como sucede, por exemplo, no dano produzido por terceiro que fugiu e não
foi encontrado, tendo sido visto, entretanto, a praticar o ato de que resultou
o prejuízo. Se o dano não pode ser atribuído a alguém, nesse sentido de
_____________
73
SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. Responsabilidade Civil. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2002, p.
85.
74
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1996, v. 2. p.
245.
30
que se deva a ação humana, estranha aos sujeitos da relação vítima75
responsável, não há fato de terceiro, mas caso fortuito (...) .
Por outro lado, importa ressaltar que, nos casos em que se verifica a existência
de concausas, isto é, mais de uma causa ensejadora do resultado danoso,
praticadas simultaneamente pelo Estado e pela vítima, não haverá exclusão total da
responsabilização civil do ente público, mas, sim, uma adequação do quantum
indenizatório na medida da participação de cada um no referido evento, na forma do
artigo 944, parágrafo único, do Código de Processo Civil76.
_____________
75
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 10. ed. São Paulo:
Saraiva, 1996. v. 7. p. 79.
76
Art. 144. A indenização emede-se pela extensão do dano.
Parágrado único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dabo, poderá o
juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização.
3 ESPÉCIES DE RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
IMPUTÁVEIS AO ESTADO
Conforme anteriormente referido, a responsabilização civil extracontratual do
Estado poderá, quanto ao seu fundamento, ser tanto subjetiva, tendo como base a
noção de culpa, quanto objetiva, fundada na Teoria do Risco Administrativo.
Cumpre salientar que:
Quando se fala em responsabilidade do Estado, está-se cogitando dos três
tipos de funções pelas quais se reparte o poder estatal: a administrativa, a
jurisdicional e a legislativa. Fala-se, no entanto, com mais freqüência, de
responsabilidade resultante de comportamentos da Administração Pública,
já que, com relação aos Poderes Legislativo e Judiciário, essa
77
responsabilidade incide em casos excepcionais .
Assim, para que se possa compreender melhor cada uma das modalidades de
responsabilização civil, antes de abordar diretamente as teorias supramencionadas,
insta observar a evolução da responsabilidade civil do Estado, que passou por
diversas fases, como bem expõe Maria Sylvia Zanella Di Pietro:
O tema da responsabilidade civil do Estado tem recebido tratamento diverso
no tempo e no espaço; diversas teorias têm sido elaboradas, inexistindo
dentro de um mesmo direito uniformidade de regime jurídico que abranja
todas as hipóteses. Em alguns sistemas, como no anglo-saxão, prevalecem
os princípios de direito privado; em outros, como o eurpeu-continental,
adota-se o regime publicístico. A regra adotada, por muito tempo, foi a da
irresponsabilidade; encaminhou-se, depois, para a responsabilidade
subjetiva, vinculada à culpa, ainda hoje aceita em várias hipóteses; evoluiuse, posteriormente, para a teoria da responsabilidade objetiva, aplicável, no
entanto,
diante
de
requisitos
variáveis
de
um
sistema
_____________
77
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p.561.
32
78
para outro, de acordo com normas impostas pelo direito positivo .
Veja-se, então, essas fases evolutivas.
3.1 Evolução histórica da responsabilidade civil do Estado
Inicialmente, houve a chamada fase da irresponsabilidade do Estado, em que a
este não incumbia responsabilização civil por qualquer lesão, tendo em vista a
concepção absolutista de Estado, em que este estava acima das relações normais
entre as pessoas físicas e jurídicas.
A teoria da irresponsabilidade foi adotada na época dos Estados absolutos
e repousava fundamentalmente na idéia de soberania: o Estado dipõe de
autoridade incontestável perante o súdito; ele exerce a tutela do direito, não
podendo, por isso, agir contra ele; daí os princípios de que o rei não pode
errar (the king can do no wrong; lê roi ne peut mal faire) eo de que “aquilo
que agrada ao prícipe tem força de lei” (quod principi placuit habet legis
vigorem). Qualquer responsabilidade atribuída aos Estado significaria
79
coloca-lo no mesmo nível que o súdito, em desrespeito a sua soberania .
Cumpre ressaltar, entretanto, que havia a possibilidade de responsabilização
individual dos agentes públicos, pois,
sustentava-se que o Estado e o funcionário são sujeitos diferentes, pelo quê
este último, mesmo agindo fora dos limites de seus poderes, ou abusando
80
deles, não obrigava, com seu fato, a Administração .
Segundo Moraes:
não ficavam os indivíduos a descoberto de qualquer proteção, pois haveria
possibilidade de responsabilização individual dos agentes públicos que,
atuando com dolo ou culpa, acarretassem dano a outrem. Ressalte-se,
porém, que a responsabilidade existiria em nome próprio, e não como
81
preposto do Estado .
Entretanto,
_____________
78
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p.562.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p.563.
80
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 5. ed. São Paulo: Malheiros
Editores, 2003. p. 236.
81
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2000, p. 231.
79
33
Essa teoria logo começou a ser combatida, por evidente injustiça; se o
Estado deve tutelar o direito, não pode deixar de responder quando, por sua
ação ou omissão, causar danos a terceiros, mesmo porque, sendo pessoa
82
jurídica, é titular de direitos e obrigações .
Nesse sentido, vale observar a sabedoria dos juristas pátrios, na medida em
que:
A teoria da irresponsabilidade do Estado não foi acolhida pelo direito
brasileiro; mesmo não havendo normas legais expressas, os nossos
83
tribunais e doutrinadores sempre repudiaram aquela orientação .
Apesar da evidente injustiça perpetrada por essa teoria, somente
no século XIX que a tese da irresponsabilidade ficou superada. Porém, ao
admitir-se, inicialmente, a responsabilidade do Estado, adotavam-se os
princípios do Direito Civil, apoiados na idéia de culpa; daí falar-se em teoria
84
civilista da culpa .”
Assim, crescente o quadro evolutivo, a responsabilização civil do Estado
passou para a fase da responsabilidade civilista, surgida na França, quando da
discussão sobre a conceituação de atos de império, ou seja, aqueles praticados com
as prerrogativas e privilégios da administração pública com fundamento em um
direito soberano e isento de qualquer responsabilidade; e atos de gestão, quais
sejam, aqueles praticados em estado de igualdade com o administrado, na medida
em que se configuravam em atividades privadas exercidas pelo Estado, e, assim,
estavam sujeitos a responsabilização.
Assim,
para os atos de gestão, onde a administração pública apenas administra
seus bens e serviços, semelhantemente ao particular, sem necessidade da
utilização de sua soberania, o dever de ressarcir existiria, enquanto que
para os atos de império, dada sua natureza peculiar, não haveria tal
85
obrigação .
Segundo Sérgio Cavalieri Filho, ocorreu uma transição da teoria da
irresponsabilidade “para uma concepção civilista da responsabilidade estatal,
_____________
82
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p.563.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p.566.
84
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p.563.
85
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 9.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2005. p. 429.
83
34
fundada na culpa do funcionário e nos princípios da responsabilidade por fato de
terceiro (patrão, preponente, mandante, representante)86”.
Nessa fase, então, começou a ser firmada a responsabilidade da administração
pública por danos provenientes de atos de gestão, no caso de culpa ou dolo do
agente público.
Hely Lopes Meirelles mostra-se, de certo modo, favorável a esse entendimento,
na medida em que afirma:
o Estado não pode ser equiparado com seu poder e os seus privilégios
administrativos ao particular, despido de autoridade e de prerrogativas
públicas, tornando-se inaplicáveis em sua pureza os princípios subjetivos da
culpa civil, para a responsabilidade da Administração pelos danos causados
87
aos administrados. .
No entanto, embora mais evoluída, tal teoria também se demonstrou
insuficiente para garantir a reparação do dano, pois nem sempre era possível ao
lesado provar a atuação contrária à lei do agente público, principalmente, em virtude
da desigualdade de poder, demonstrando claramente a inadequação da teoria
civilista na apuração de prejuízos causados pelo Estado aos indivíduos.
Assim, como evolução da teoria supramencionada, passa-se para a fase
publicista, com a criação do Conselho de Estado Francês.
Tal teoria inova profundamente os parâmetros jurídicos de responsabilização
civil do Estado, pois se vislumbra sua responsabilidade independentemente da falta
que tenha cometido o agente público, passando a analisá-la nas hipóteses em que é
originária da Administração, pelo mau funcionamento do serviço público ou pela sua
inexistência. Nessa fase constatou-se que o Estado não é representado por seus
agentes, que agem por seu intermédio e dos órgãos em que atuam.
Pela teoria do órgão (ou organicista) o Estado é concebido com um
organismo vivo, integrado por um conjunto de órgãos que realizam suas
funções. Tal como o ser humano, é dotado de órgãos de comando
(políticos) que manifestam a vontade estatal e órgão de execução
(administrativos) que cumprem as ordens dos primeiros. A vontade e as
ações desses órgãos, todavia, não são dos agentes humanos que neles
88
atuam, mas sim do próprio Estado .
_____________
86
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 5. ed. São Paulo: Malheiros
Editores, 2003. p. 240.
87
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo. 24. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1999, p.
363.
88
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 5. ed. São Paulo: Malheiros
Editores, 2003, p. 237.
35
E, nesse sentido, menciona-se o caso da menina Agnes, muito bem exposto
por Maria Sylvia Zanella Di Pietro:
O primeiro passo no sentido da elaboração de teorias de responsabilidade
do Estado segundo princípios do direito público foi dado pela jurisprudência
francesa, com o famoso caso Blanco, ocorrido em 1873: a menina Agnes
Blanco, ao atravessar uma rua da cidade de Bordeaux, foi colhida por uma
vagonete da Cia. Nacional de Manufatura do Fumo; seu pai promoveu ação
civil de indenização, com base no princípio de que o Estado é civilmente
responsável por prejuízos causados a terceiros, em decorrência de ação
danosa de seus agentes. Suscitado conflito de atribuições entre a jurisdição
comum e o contencioso administrativo, o Tribunal de Conflitos decidiu que a
controvérsia deveria ser solucionada pelo tribunal administrativo, porque se
tratava de apreciar a responsabilidade decorrente de funcionamento do
serviço público. Entendeu-se que a responsabilidade do Estado não pode
reger-se pelos princípios do Código Civil, porque se sujeita a regras
especiais que variam conforme as necessidades do serviço e a imposição
de conciliar os direitos do Estado com os direitos privados.
A partir daí começaram a surgir as teorias publicistas da responsabilidade
do Estado: teoria da culpa do serviço ou da culpa administrativa e teoria do
risco, desdobrada por alguns autores, em teoria do risco administrativo e
89
teoria do risco integral .
Assim,
no
que
tange
às
teorias
públicas,
estas
se
subdividem
fundamentalmente em: culpa do serviço ou administrativa, ou seja, aquela que
desvincula a responsabilidade estatal da idéia de culpa do funcionário, atribuindo-se
esta ao próprio serviço, figurando como a culpa anônima, seja porque o serviço
funcionou mal, tardiamente ou até mesmo porque não funcionou, não se perquirindo
a atuação culposa do funcionário; e no risco administrativo, cuja responsabilização
civil será objetiva, baseada na idéia de que os prejuízos da atuação estatal, assim
como de que os benefícios, devem ser repartidos entre todos os membros da
sociedade. Justamente por esse fato não há que se falar em dolo ou culpa, mas sim
em nexo causal entre o funcionamento do serviço e o dano ocasionado, já que o
risco é inerente a toda atividade estatal.
Melhor explicitando, as teorias publicistas, a autora supramencionada ainda
alinha que:
A teoria da culpa do serviço, também chamada de culpa administrativa, ou
teoria do acidente administrativo, procura desvincular a responsabilidade do
Estado da idéia de culpa do funcionário. Passou a falar em culpa do serviço
público.
Distinguia-se, de um lado, a culpa individual do funcionário, pela qual ele
mesmo respondia, e, de outro, a culpa anômina do serviço público; nesse
caso, o funcionário não é identificável e se considera que o serviço
funcionou mal; incide, então a responsabilidade do Estado.
_____________
89
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p.564.
36
Sem abandonar essa teoria, o Conselho de Estado francês passou a adotar,
em determinadas hipóteses, a teoria do risco, que serve de fundamento
para a responsabilidade objetiva do Estado.
Essa doutrina baseia-se no princípio da igualdade dos ônus e encargos
sociais: assim como os benefícios decorrentes da atuação estatal repartemse por todos, também os prejuízos sofridos por alguns membros da
sociedade devem ser repartidos. Quando uma pessoa sofre um ônus maior
do que o suportado pelas demais, rompe-se o equilíbrio que
necessariamente deve haver entre os encargos sociais; para restabelecer
esse equilíbrio, o Estado deve indenizar o prejudicado, utilizando recursos
de erário público.
Nessa teoria, a idéia de culpa é substituída pela de nexo de causalidade
ente o funcionamento do serviço e o prejuízo sofrido pelo administrado. É
indiferente que o serviço público tenha funcionado bem ou mal, de forma
regular ou irregular.
É chamada teoria da responsabilidade objetiva, precisamente por prescindir
da apreciação dos elementos subjetivos (culpa ou dolo); é também
chamada teoria do risco, porque parte da idéia de que a atuação estatal
envolve risco de dano, que lhe é inerente. Causado o dano, o Estado
responde como se fosse uma empresa de seguro em que os segurados
seriam os contribuintes que, pagando seus tributos, contribuem para a
90
formação de um patrimônio coletivo .
Desse modo, as teorias publicistas encerram o quadro evolutivo da
responsabilização civil do Estado.
Relativamente à responsabilização civil do Estado no Brasil, vale lembrar que
As constituições de 1824 e 1891 não continham disposição que previsse a
responsabilidade do Estado; elas previam apenas a responsabilidade do
funcionário em decorrência de abuso ou omissão praticados no exercício de
suas funções.
Nesse período, contudo, havia leis ordinárias prevendo a responsabilidade
do Estado, acolhida pela jurisprudência como sendo solidária com a dos
funcionários; era o caso dos danos causados por estrada de ferro, por
colocação de linhas telegráficas, pelos serviços de correio.
Com o Código Civil, promulgado em 1916, entende-se que teria sido
adotada a teoria civilista da responsabilidade subjetiva, à vista do disposto
no seu artigo 15: “as pessoas jurídicas de direito público são civilmente
responsáveis por atos de seus representantes que nessa qualidade causem
danos a terceiros, procedendo do modo contrário ao direito ou faltando a
dever prescrito por lei, salvo direito de regresso contra os causadores do
91
dano .
Posteriormente,
A Constituição de 1934 acolheu o princípio da responsabilidade solidária
entre Estado e funcionário. Nos termos de seu artigo 171, os funcionários
são responsáveis solidariamente com a Fazenda Nacional, Estadual ou
Municipal, por quaisquer prejuízos decorrentes de negligência, omissão ou
abuso no exercício de seus cargos. A mesma norma se repetiu no artigo
158 da Constituição de 1937.
Com a Constituição de 1946 é que se adotou a teoria da responsabilidade
objetiva. De acordo com seu artigo 194, “as pessoas jurídicas de direito
público interno são civilmente responsáveis pelos danos que seus
_____________
90
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p.565.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p.566.
91
37
funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros”. Pelo parágrafo único,
“caber-lhes-á ação regressiva contra os funcionários causadores do dano,
quando tiver havido culpa destes”.
A Constituição de 1967 repete a norma em seu artigo 105, acrescentando,
no parágrafo único, que a ação regressiva cabe em caso de culpa ou dolo,
expressão não incluída no preceito da Constituição anterior. Na Emenda º 1,
de 1969, a norma foi mantida no artigo 107.
A Constituição de 1988, no artigo 37, 6º, determina que “as pessoas
jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços
públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade,
causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o
responsável nos caso de dolo ou culpa”.
O Código Civil de 2002 não repete a norma do artigo 15 do Código Civil de
1916. Determina, no artigo 43, que “ as pessoas jurídicas de direito público
interno são civilmente responsáveis por atos que seus agentes nessa
qualidade causem a terceiros, ressalvado o direito de regresso contra os
causadores de dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo”.
De certa forma, está atrasado em relação à norma constitucional, tendo em
vista que não faz referência às pessoas jurídicas de direito privado
prestadoras de serviço público.
Entende-se que, a partir da Constituição de 1946, ficou consagrada a teoria
da responsabilidade objetiva do Estado; parte-se da idéia de que, se o
dispositivo só exige culpa ou dolo para o direito de regresso contra o
funcionário, é porque não quis fazer a mesma exigência para as pessoas
92
jurídicas .
Visto isso, passa-se a análise das espécies de responsabilização civil
imputáveis ao Estado, assim como das teorias que lhes embasam.
3.2 Responsabilidade Civil Objetiva:
Referindo-se à necessidade de evolução das teorias informadoras da
responsabilidade civil, para que pudesse esta se adequar à realidade social, Sérgio
Cavalieri Filho aduziu que:
Foi no campo dos acidentes de trabalho que a noção de culpa, como
fundamento da responsabilidade, revelou-se primeiramente insuficiente. Na
medida em que a produção passou a ser mecanizada, aumentou
vertiginosamente o número de acidentes, não só em razão do despreparo
dos operários, mas, também, e principalmente, pelo empirismo das
máquinas então utilizadas, expondo os trabalhadores a grandes riscos. O
operário ficava desamparado diante da dificuldade – não raro,
impossibilidade – de provar a culpa do patrão. A injustiça que esse
desamparo representava estava a exigir uma revisão do fundamento da
responsabilidade civil. Algo idêntico ocorreu com os transportes coletivos,
_____________
92
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p.567.
38
principalmente trens, na medida em que foram surgindo. Os acidentes
multiplicaram-se, deixando as vítimas em situação de desvantagem. Como
iriam provar a culpado transportador por um acidente ocorrido a centenas de
quilômetros de casa, em condições desconhecidas para a vítima e seus
familiares.
Logo os juristas perceberam que a teoria subjetiva não mais era
suficiente para atender a essa transformação social ocorrida em nosso
século; constataram que, se a vítima tivesse de provar a culpa do
causador do dano, em numerosíssimos casos ficaria sem indenização,
ao desamparo, dando causa a outros problemas sociais, porquanto,
para quem vive de seu trabalho, o acidente corporal significa a miséria,
93
impondo-se organizar a reparação (grifo do autor).
Assim, fulcrada no risco, surgiu a responsabilidade civil objetiva. Com o intuito
fundamental de proteger a vítima, já que em certas hipóteses o ônus da prova da
culpa figura como tarefa demasiadamente difícil para a parte hipossuficiente de
determinada relação jurídica, especialmente a exemplo do que ocorre entre Estado
(administrador) ou preposto deste e cidadão (administrado), determina que há uma
inversão do ônus probatório, cabendo ao demandado realizar a prova de que não
agiu com culpa para a eclosão do dano, já que há uma presunção que lhe
desfavorece.
Note-se que nessa modalidade de responsabilização civil basta para configurar
o dever de indenizar a conduta, o dano e o nexo de causalidade existente entre os
primeiros elementos. Pois,
Em vários casos, a opção legislativa será não a de pôr em relevo a falha de
comportamento, mas sim o dano, atento primordialmente à necessidade
reparatória. Em tais casos, pode o ato ser lícito ou ilícito, pode ou não haver
conduta culposa, porém, aferido o necessário liame jurídico entre conduta e
94
dano, existe obrigação de indenizar.
Assim,
Sinteticamente, a responsabilidade do Estado se caracteriza pelo
preenchimento dos seguintes pressupostos: 1) que se trate de pessoa
jurídica de direito público ou de direito privado prestadora de serviços
públicos; 2)que estas entidades estejam prestando serviço público; 3) que
haja um dano causado a particular; 4) que o dano seja causado por agente
(a qualquer título) destas pessoas jurídicas e; 5) que estes agentes, ao
95
causarem dano, estejam agindo nesta qualidade .
_____________
93
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 6.ed. São Paulo: Malheiros
Editores, 2006. p. 154.
94
CASTRO, Guilherme Couto de. A Responsabilidade Civil Objetiva no Direito Brasileiro. 2. ed.
Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 29.
95
CAETANO, Marcelo. Princípios Fundamentais do Direito Administrativo. Rio de Janeiro:
Forense, 1977. p. 542.
39
Nessa tangente cumpre referir, que a responsabilidade objetiva, em razão da
sua amplitude, somente pode ser aplicada quando existe lei expressa que a
autorize, a exemplo do previsto no artigo 37, § 6º, da Constituição Federal,
relativamente ao Poder Público, ou quando o dano decorrer da atividade
normalmente desenvolvida pelo causador do dano, consoante dispõe o parágrafo
único do artigo 927 do Código Civil96.
A esse respeito, escreve Meireles:
o constituinte estabeleceu para todas as entidades estatais e seus
desmembramentos administrativos a obrigação de indenizar o dano
causado a terceiro por seus servidores, independente de prova de culpa no
cometimento da lesão. Firmou, assim, o princípio objetivo da
responsabilidade sem culpa pela autuação lesiva dos agentes públicos e
97
seus delegados .
Ademais:
O § 6.º do art. 37 da Constituição Federal segui a linha traçada nas
Constituições anteriores, e, abandonando a privatística teoria subjetiva da
culpa, orientou-se pela Doutrina do Direito Público e manteve a
responsabilidade civil objetiva da administração, sob a modalidade do risco
administrativo. Não chegou, porém, aos extremos do risco integral. É o que
se infere do texto constitucional e tem sido admitido reiteradamente pela
98
jurisprudência, com apoio na melhor doutrina...
No entanto, há divergências, como esclarece Patsy Schlesinger:
No que diz respeito ao art. 37, § 6º, da vigente Constituição, alguns
sustentam que tal dispositivo só previu os casos de responsabilidade
objetiva; enquanto outros entendem que o referido artigo disciplinou
hipóteses de responsabilidade objetiva e subjetiva. A maioria dos
doutrinadores, capitaneada pelo emérito Hely Lopes Meirelles, postula que
o art. 37, § 6º, diz respeito tão-somente às hipóteses de responsabilidade
objetiva, fundada no risco. A segunda corrente defendida por Celso Antônio
Bandeira de Mello sustenta que a responsabilidade subjetiva do Poder
Público funda-se na falta de serviço público, isto é, baseia-se na teoria da
99
culpa do serviço, que não funcionou, funcionou mal ou tardiamente. ”
Nesse sentido, especificamente no que se refere aos casos em que há
omissão estatal, vale lembrar Sérgio Henriques Zanon Freitas, que afirma:
_____________
96
“Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei,
ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco
para os direito de outrem”.
97
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros Editores, 2004.
p. 630.
98
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros Editores, 2004.
p. 629.
99
SCHLESINGER, Patsy. Responsabilidade Civil do Estado Por Ato do Juiz. Rio de Janeiro:
Revista Forense, 1999. p. 43.
40
entende-se que estará sujeita à ação de reparação por responsabilidade
objetiva a Administração que, não por qualquer inércia ou abstenção (faute
du service), mas quando, por manifesta e presumível omissão deixar de
executar atividade ou prestar algum serviço público determinado por lei ou
100
por decisão judicial, acarretando prejuízo a terceiros .
Veja-se,
então,
a
teoria
do
Risco
Administrativo,
que
informa
a
responsabilização Civil objetiva do Estado.
3.2.1 Teoria do Risco Administrativo
Nos casos de responsabilização civil extracontratual objetiva do Estado, o
nosso sistema jurídico positivo impõe, em regra, como previamente mencionado, a
aplicação da teoria do Risco Administrativo, que tem por base a noção de que a
atividade estatal é de risco por natureza, tendo em vista seus diversos campos de
atuação, o que pode vir acarretar danos macroscópicos aos indivíduos, ainda que
seja plenamente lícita sua conduta. Pois,
O Estado tem o dever de exercer a sua atividade administrativa, mesmo
quando perigosa ou arriscada, com absoluta segurança, de modo a não
causar dano a ninguém. Está vinculado, portanto, a um dever de
incolumidade, cuja violação enseja o dever de indenizar independentemente
101
de culpa .
E, cumpre salientar que
O próprio sentido de justiça (eqüidade), o neminen laedere, o alterum non
laedere, que permeia o Direito e a própria vida, em virtude do qual o
causador de prejuízo a outrem fica obrigado a reparar o dano. No caso da
Administração Pública, a multiplicidade e amplitude de suas atividades
102
e a suas prerrogativas de poder ensejam risco maior a terceiros
(grifo da aurora).
Nessa tangente, alinha Sérgio Cavalieri Filho:
Em busca de um fundamento para a responsabilidade objetiva do Estado,
valeram-se os juristas da teoria do Risco, adaptando-a para a atividade
pública. Resultou, daí, a teoria do risco administrativo, imaginada
originalmente por
Léon Duguit e desenvolvida por renomados
_____________
100
FREITAS, Sérgio Henriques Zanon. Curso Prático de Direito Administrativo. 2.ed. Belo
Horizonte: Del Rey, 2004. p. 276.
101
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 5. ed. São Paulo: Malheiros
Editores, 2003, p. 240.
102
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 9.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2005. p. 430.
41
administrativistas, teoria, essa, que pode ser assim formulada: a
Administração Pública gera risco para os administrados, entendendo-se
como tal a possibilidade de dano que os membros da comunidade podem
sofrer em decorrência da normal ou anormal atividade do Estado. Tendo em
vista que essa atividade é exercida em favor de todos, seus ônus devem ser
também suportados por todos, e não apenas por alguns. Conseqüetemente,
deve o Estado, que a todos representa, suportar os ônus da sua atividade,
103
independentemente de culpa dos seus agentes.
E, continua o mesmo autor:
Na última fase dessa evolução proclamou-se a responsabilidade objetiva do
Estado, isto é, independentemente de qualquer culpa do serviço,
desenvolvida no terreno próprio do direito público. Chegou-se à essa
posição com base nos princípios da eqüidade e da igualdade de ônus
e encargos sociais . Se a atividade administrativa do Estado é exercida em
prol da coletividade, se traz benefícios para todos, justo é, também, que
todos respondam pelos ônus, a serem custeados pelos impostos. O que não
tem sentido, nem amparo jurídico, é fazer com que um ou apenas alguns
administrados sofram todas as conseqüências danosas da atividade
104
administrativa (grifo do autor).
Segundo, Guilherme Couto de Castro:
a responsabilidade sem culpa do Estado existe e tem como fundamento a
idéia de socializar o ônus injusto recaindo sobre um ou alguns
isoladamente; a vítima também não é culpada, e como foi a ação própria e
direta da administração a causadora do mal, é mais justo, em tais casos, a
105
divisão dos custos pela coletividade, representada pelo ente público .
Interessante é o esclarecimento prestado por Caio Mário, que refere que
a teoria do risco administrativo, foi imaginada originariamente por Leon
Duguit, sobre a idéia de um seguro social suportado pela caixa coletiva, em
proveito de quem sofre um prejuízo causado pelo funcionamento do serviço
106
público .
Não há dúvida, pois, que havendo responsabilização civil extracontratual do
Estado objetiva, a noção de culpa se desloca para a idéia de risco criado pela
atividade.
No mais, quanto aos efeitos da adoção desta teoria, Juarez Freitas referiu que:
A adoção da teoria do risco não só influencia o modo de solução da lide,
aumentando as chances de procedência do pedido; como também a
celeridade de seu trâmite, dada a maior celeridade instrutória, eis que dos
três tradicionais pressupostos do dever de indenizar, a culpa é, sem dúvida
_____________
103
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 5. ed. São Paulo: Malheiros
Editores, 2003, p. 237.
104
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 6.ed. São Paulo: Malheiros
Editores, 2006. p. 252.
105
CASTRO, Guilherme Couto de. Responsabilidade civil objetiva no Direito Brasileiro. 3. ed. Rio
de Janeiro: Forense, 2005. p. 54.
106
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p.132.
42
alguma, a que traz maiores problemas àquele que tenha o ônus de
107
comprová-la .
Assim, dispensando a análise do fator culpa,
A teoria do risco, ou teoria da responsabilidade objetiva do estado, leva em
conta apenas o fato do serviço, e o dever de indenizar surge, para o Estado,
decorrente de dois pressupostos: o dano e o nexo causal entre a ação ou
108
omissão do agente e o prejuízo causado. .
Odete Medauar refere que:
informada pela teoria do risco, a responsabilidade do Estado apresenta-se
hoje, na maioria dos ordenamentos, como responsabilidade objetiva. Nessa
linha, não mais se invoca o dolo ou culpa do agente, o mau funcionamento
ou falha da Administração. [...] Deixa-se de lado, para fins de ressarcimento
do dano, o questionamento do dolo ou culpa do agente, o questionamento
da licitude ou ilicitude da conduta, o questionamento do bom ou mau
funcionamento da Administração. Demonstrado o nexo de causalidade, o
109
Estado deve ressarcir .
Importa, entretanto, fazer aqui uma observação concernente ao risco
administrativo e o risco integral, já que qualificar o risco do Estado como integral
significa
dizer
que
este
é
responsável
por
qualquer
dano
causado,
independentemente de ser a culpa exclusiva da vítima, hipótese de caso fortuito ou
de força maior. Pois, contrariamente à teoria do risco administrativo, a teoria do risco
integral não permite qualquer prova no sentido de elidir a responsabilização do
Poder Público, havendo, isso sim, a presunção juris et de jure (de direito e por
direito)110 de que o Estado atua com culpa quando ocasiona um prejuízo, bastando
para caracterizar a obrigação de reparar, o seu simples envolvimento no evento
danoso.
Nesse sentido, adverte Carlos Roberto Gonçalves que:
a teoria do risco, sem qualificações, conduz necessariamente à
responsabilidade objetiva em sua plenitude, com a dispensa de qualquer
pressuposto de falha do serviço, ou culpa anônima da administração, na
111
verificação do evento danoso .
_____________
107
FREITAS, Juarez. Responsabilidade Civil do Estado. 1.ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2006,
p. 54.
108
VENDRAMEL, Aparecida. Responsabilidade Extracontratual do Estado. São Paulo: Themis,
2000. p. 31.
109
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2000, p. 430.
110
COSTA, Wagner Veneziani; AQUAROLI, Marcelo. Dicionário Jurídico. São Paulo: WVC, [19--].p.
345.
111
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 175.
43
Segundo Hely Lopes Meirelles112 a teoria do risco integral representa uma
modalidade extremada da doutrina do risco administrativo, cuja prática é
inviabilizada por conduzir ao abuso e falta de eqüidade social, já que
por essa fórmula radical, a Administração ficaria obrigada a indenizar
qualquer dano suportado por terceiros, ainda que resultante de culpa ou
dolo da vítima. Daí por que foi acoimada de “brutal”, pelas graves
113
conseqüências que haveria de produzir se aplicada na sua inteireza .
Para Yussef Said Cahali114, a distinção entre risco administrativo e risco
integral não é estabelecida em função de uma distinção conceitual ou ontológica
entre as duas modalidades de risco, mas simplesmente em função das
conseqüências de sua aplicação. Segundo ele, o risco administrativo permite a
contraprova de excludente de responsabilidade, o que não é admitido na modalidade
de risco integral, já que dispensa até mesmo a existência do nexo causal entre
conduta e dano, bastando a existência desse último elemento.
Nesse sentido, aduz Sérgio Cavalieri Filho que
A teoria do risco integral é uma modalidade extremada da doutrina do risco
destinada a justificar o dever de indenizar até nos casos de inexistência do
nexo causal. Mesmo na responsabilidade objetiva, conforme já enfatizado,
embora dispensável o elemento culpa, a relação de causalidade é
indispensável, todavia, o dever de indenizar se faz presente tão só em face
do dano, ainda nos casos de culpa exclusiva da vítima, fato de terceiro,
caso fortuito ou de força maior. Dado o seu extremo , o nosso Direito só
115
adotou essa teoria em casos excepcionais... (grifo do autor).
Um exemplo de adoção da teoria do risco integral no sistema jurídico pátrio é a
determinação da Lei n º 10.744, de 09 de outubro de 2003, que trata da assunção,
pela União, de responsabilidades civis perante terceiros no caso de atentados
terroristas, atos de guerra ou eventos correlatos, contra aeronaves de matrícula
brasileira operadas por empresas brasileiras de transporte aéreo Público,
excetuando-se as empresas de táxi aéreo, que em seu artigo 1º, parágrafo 1º116, que
_____________
112
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 616.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 29. ed. São Paulo: Malheiros
Editores, 2004. p. 627.
114
CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade Civil do Estado. São Paulo: Malheiros, 1995, p.40.
115
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 6.ed. São Paulo: Malheiros
Editores, 2006. p. 157-158.
116
o
Art. 1 Fica a União autorizada, na forma e critérios estabelecidos pelo Poder Executivo, a assumir
despesas de responsabilidades civis perante terceiros na hipótese da ocorrência de danos a bens e
pessoas, passageiros ou não, provocados por atentados terroristas, atos de guerra ou eventos
correlatos, ocorridos no Brasil ou no exterior, contra aeronaves de matrícula brasileira operadas por
empresas brasileiras de transporte aéreo público, excluídas as empresas de táxi aéreo.
113
_____________
44
determina que poderá a União, independentemente da verificação de culpa ou nexo
de causalidade entre eventuais condutas e danos, assumir determinadas despesas
até o limite de US$ 1.000.000.000,00 (um bilhão de dólares dos Estados Unidos da
América).
Outro caso é a hipótese, por exemplo, prevista no artigo 21, inciso XXIII, alínea
c, da Constituição Federal117, que trata dos danos nucleares. Tal dispositivo, embora
isto seja objeto de controvérsias, configura uma das poucas situações previstas em
nosso ordenamento jurídico em que se pode cogitar a aplicação da teoria do risco
integral.
Segundo Juarez Freitas:
Em particular, entende-se que o art. 21, XXIII, ‘c’, diferentemente do art.
37, § 6.º, contemplou a teoria da responsabilidade do Estado pelo risco
integral. É que quando o constituinte se valeu da expressão
‘independentemente de culpa’ para reconhecer aí a responsabilidade
estatal, excluiu, de plano, a possibilidade de se cogitar de culpa, seja ela do
Estado, da vítima ou mesmo derivada de evento alheio à ação ou omissão
de ambos: desde que configurado o dano e o nexo causal, inexistente a
possibilidade de excludente de responsabilidade de parte do Estado. Caso
contrário, a prescrição do art. 21, XXIII, ‘c’ seria completamente
118
desnecessária (grifo do autor).
Sérgio Cavalieri Filho119, também afirma que haverá casos em que a
responsabilização civil objetiva do Estado poderá ser embasada da teoria do risco
integral, na medida em que afirma que assim o será nas hipóteses de
responsabilização pelos danos causados ao meio ambiente, conforme prevê o artigo
225 § 3º, da Constituição Federal120, pois, alinha o autor, que
_____________
o
§ 1 O montante global das despesas de responsabilidades civis referidas no caput fica limitado ao
equivalente em reais a US$ 1,000,000,000.00 (um bilhão de dólares dos Estados Unidos da América)
para o total dos eventos contra aeronaves de matrícula brasileira operadas por empresas brasileiras
de transporte aéreo público, excluídas as empresas de táxi aéreo.
117
Art. 21. Compete à União:
XXIII – explorar serviços e instalações nucleares de qualquer natureza e exercer monopólio estatal
sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de
minérios nucleares e seus derivados, atendidos os seguintes princípios e condições:
(,,,)
c) a responsabilidade civil por danosas nucleares independentemente da existência de culpa;
118
FREITAS, Juarez. Responsabilidade Civil do Estado. 1.ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006.
p. 214.
119
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 4. ed. São Paulo: Malheiros
Editores, 2003. p. 153-154.
120
Artigo 225. Todos tem direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do
povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e À coletividade o dever de
defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
(...)
_____________
45
se fosse possível invocar o caso fortuito ou a força maior como causas
excludentes de responsabilidade civil por dano ecológico, ficaria fora da
incidência da lei a maior parte dos casos de poluição ambiental.
Já Alvino Lima afirma que a responsabilização civil objetiva do Estado, nos
casos de danos ao meio ambiente, deverá ter sua base na teoria do risco, na
medida em que alinha:
A responsabilidade pelo dano ecológico, à vista do disposto no art. 14 da
Lei n.º 6.938/81, na conformidade da jurisprudência atual, é objetiva, pois
“obriga o poluidor a indenizar ou reparar os danos causados ao meio
ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade, independentemente de
existência de culpa.
Portanto, em cada caso concreto, haverá de existir a prova de dois
pressupostos indispensáveis: a existência do dano ambiental e seu nexo
causal com a ação ou omissão do pretenso responsável que seja a causa
121
eficiente do evento capaz de gerar o prejuízo a ser indenizado .
Não destoa desse autor o entendimento de Tupinambá Miguel Castro do
Nascimento, na medida em que refere:
A ‘culpa exclusiva’, seja da vítima, seja de terceiro, que não seja o agente
‘nessa qualidade (§ 1º do art. 37 da C.F.), é causa excludente da
responsabilidade estatal porque desfaz o próprio nexo causal necessário à
responsabilização. Com efeito, se a causa exclusiva, ou única, dos danos, é
a culpa da vítima ou de terceiro, este sem qualquer vinculação com o
Estado, o nexo causal não tem origem na atividade da administração
pública ou em sua omissão. Ao contrário, o nexo causal se daria entre o ato
ou omissão culposos da vítima e os danos então resultantes. Esta
122
excludente ataca a raiz da responsabilidade .
Note-se
que,
mesmo
sendo
discutível,
alguns
autores
admitem
a
responsabilização civil com base no risco integral somente em casos excepcionais,
cuja relevância do dano alcança proporções planetárias, como é o caso do meio
ambiente, bem de uso comum do povo e patrimônio da humanidade, por excelência,
e no caso de danos nucleares, que acaba por afetar diretamente ao bem ambiental
protegido, direito fundamental de terceira geração.
Nesse sentido, relativamente à omissão do Poder Público na esfera ambiental,
vale trazer a valiosa lição de Ana Maria Moreira Marchesan, Annelise Monteiro
Steigleder e Sílvia Cappeli:
_____________
§3º. As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambinete sujeitarão aos infratores,
pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de
reparar os danos causados.
121
LIMA, Alvino. Culpa e Risco. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 320.
122
NASCIMENTO, Tupinambá Miguel Castro do. Responsabilidade Civil do Estado. Rio de Janeiro:
Aide, 1995. p. 19.
46
Em se tratando de omissão do Poder Público quanto ao funcionamento de
serviço público que, na hipótese da degradação ambiental, consubstancia
em deficiência do exercício do poder de polícia na fiscalização das
atividades poluidoras e na concessão de licenças ambientais, há
divergência doutrinária.
Conforme Mello, em se tratando de atividades clandestinas, a
responsabilidade do Poder Público é subjetiva, embora se possa partir de
uma presunção juris tantum de responsabilidade, e somente incide nas
situações de falta do serviço público: o serviço não funciona, funciona mal
ou funciona tardiamente, devendo, ainda, existir uma obrigação legal de o
Poder Públio impedir certo evento danoso. Do mesmo sentir compartilham
Leite, Lucarelli, Oliveira e Jucovsky.
Veja-se que, nesta hipótese, inexiste nexo de causalidade direto entre o
dano ambiental e a atividade estatal, uma vez que o dano resultou de uma
atividade clandestina do particular ou de uma atividade lícita do particular
empreendida em virtude de uma autorização administrativa ou
licenciamento ambiental irregular ou deficiente. Trata-se de uma
responsabilidade indireta, decorrente de omissão, reputada uma das
condições do evento lesivo, pelo que se deve demonstrar que o Estado
omitiu-se ilicitamente, “por não ter acorrido para impedir o dano ou por haver
sido insuficiente neste mister, em razão de comportamento inferior ao
padrão legal exigível”. Silveira refere, ainda, que “não basta à configuração
da responsabilidade estatal a simples relação entre a ausência de serviço
(omissão estatal) e o dano sofrido. È necessário demonstrar a culpa por
negligência ou imperícia no serviço ensejador do dano, quando ao Estado
era exigido um certo padrão de conduta capaz de obstar o evento lesivo”,
sendo que este padrão de conduta será aferido caso a caso.
Essa mesma construção é aplicável aos fatos da natureza, “a cuja
lesividade o Poder Público não obstou, embora devesse fazê-lo. Sirva de
exemplo o algamento de casas ou depósitos por força do empoçamento de
águas pluviais que não escoaram por omissão do Poder Público em limpar
os bueiros e galerias que lhes teriam dado vazão.
No entanto, se houver dano ou sacrifício especial ao ambiente, a
responsabilização estatal será objetiva, sob o fundamento do princípio da
igualdade, procurando-se garantir uma equânime repartição dos ônus
provenientes dos atos ou efeitos lesivos, evitando que alguns suportem
prejuízos ocorridos por ocasião ou por causa de atividades desempenhadas
no interesse de todos. Além do que se deve reconhecer que foi por meio de
uma atuação estatal que se criou a situação propiciatória do dano, que
decorreu de uma atividade licenciada. Assim, Mello afirma que “a
responsabilidade em tais casos (danos dependentes de situação produzida
pelo Estado)evidentemente será relacionada com o risco suscitado. Donde,
se a lesão sofrida não guardar qualquer vínculo com este pressuposto, não
haverá falar em responsabilidade objetiva”.
Já para Machado, Mancuso e Milaré, a responsabilidade advinda da
omissão estatal será sempre objetiva, já que o art. 3º, inc. IV, refere-se à
“responsabilidade indireta”, pelo que não exigiria um nexo de causalidade
direto entre ação e dano. Daí o Poder Público, que não coíbe a ação do
particular mediante ações fiscalizatórias, e que concede uma licença
ambiental precária e ilegal, está concorrendo indiretamente para a produção
do dano, aplicando-se-lhe a regra da responsabilidade civil objetiva e o
princípio da solidariedade entre os co-poluidores. Este entendimento, de
acordo com os autores referidos, vem reforçado pelo art. 225, caput, da
Constituição Federal, que impõe ao Estado o dever de defender o meio
ambiente e de preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
(...)
Finalmente, uma terceira hipótese de responsabilização estatal traduz-se
quando a omissão estatal é a única causa do dano (responsabilidade
comissiva por omissão). Ou seja, ocorre omissão na prestação de um
serviço público essencial, tal como a destinação final do resíduo sólido
47
urbano, a conservação de rodovias, ameaças de erosão e o tratamento de
esgoto. Neste caso, Pasqualotto e Leite manifestam-se pela incidência da
responsabilização objetiva do Poder Público, pois que a omissão estatal é a
123
causa direta do dano .
Note-se que, clara é, portanto, a inviabilidade de aplicação ampla e irrestrita da
teoria do Risco Integral, sobretudo, no que tange à responsabilização civil
extracontratual do Estado, já que sendo ela aplicada desse modo, seria inviabilizada
a atuação estatal, na medida em que se transformaria o ente público em segurador
universal, cobrindo todo e qualquer dano ocasionado, tendo em vista o seu vasto
campo de atuação. Portanto, sendo objetiva a responsabilidade do Poder Público, a
regra é a aplicação da teoria do risco administrativo.
Pois,
a Constituição distingue é o dano causado pelos agentes da Administração
(servidores) dos danos ocasionados por atos de
terceiros ou por
fenômenos da natureza. Observe-se que o art. 37, § 6º, só atribui
responsabilidade objetiva à Administração pelos danos que seus agentes,
nessa qualidade, causem a terceiros. Portanto o legislador constituinte só
cobriu o risco administrativo da atuação ou inação dos servidores públicos;
não responsabilizou objetivamente a Administração por atos predatórios de
terceiros, nem por fenômenos naturais que causem danos aos
124
particulares .
No entanto, não se pode esquecer que
isso não significa, necessariamente, adoção da tese objetiva com
exclusividade, pois ainda existe a responsabilidade decorrente da falta do
serviço, que é a regra; na verdade, coexistem a responsabilidade objetiva e
a subjetiva, esta fundada na faute de service e não mais na culpa do agente
público (a não ser nos casos em que o Estado se iguale juridicamente ao
125
administrado) .
3.3 Responsabilidade Civil Subjetiva
Em que pese a regra geral do Direito brasileiro ser a modalidade de
responsabilização objetiva, cuja aplicabilidade, inclusive, foi ampliada pelo novo
_____________
123
MARCHESAN, Ana Maria Moreira; STEIGLEDER, Annelise Monteiro; CAPPELI, Sílvia. Direito
Ambiental: Série Concursos. 4. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2007. p. 155-159.
124
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 21 ed. São Paulo: Malheiros
Editores, 1996. p. 566.
125
LUZ, Odília Ferreira. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 298.
48
texto do Código Civil vigente, em seus artigos 933126 e 936127, assim como na regra
geral do artigo 927, parágrafo único128, a responsabilização subjetiva ainda é muito
adotada e se dá em razão da prática de ato ilícito, o que pressupõe a ocorrência de
culpa latu senso.
Expõe Fernando Noronha:
A responsabilidade subjetiva, ou culposa, também chamada de
responsabilidade civil por atos ilícitos, ou aquiliana, é obrigação de reparar
danos causados por ações ou omissões intencionais (ou seja, dolosas),
imperitas, negligentes ou imprudentes (isto é, culposas), que violem direitos
129
alheios.
Nesse sentido, Sérgio Cavalieri Filho refere que:
A idéia de culpa está visceralmente ligada à responsabilidade, por isso que,
de regra, ninguém pode merecer censura ou juízo de reprovação sem que
tenha faltado com o dever de cautela em seu agir. Daí ser a culpa, de
acordo com a teoria clássica, o principal pressuposto da responsabilidade
civil subjetiva.
O novo Código Civil, em seu artigo 186 (art. 159 do Código Civil de 1916),
manteve a culpa como fundamento da responsabilidade subjetiva. A palavra
culpa está sendo aqui á sendo aqui empregada em sentido amplo, lato
130
sensu, para indicar não só a culpa strito sensu, como também o dolo.
Contudo, no que tange à responsabilização civil do Estado, a aplicação da
teoria em comento ainda é muito restrita, pois, em virtude do enunciado
constitucional (artigo 37, §6º), há uma tendência equivocada em se aplicar de
maneira incondicionada a teoria objetiva.
Com efeito, a regra decorrente de disposição constitucional supramencionada
determina que as pessoas jurídicas de Direito Público e as de Direito Privado
prestadoras de serviços públicos serão responsáveis objetivamente pelos danos que
seus agentes causarem a terceiros, não havendo o que se discutir, portanto, nas
hipóteses de responsabilização por atos comissivos.
Desse modo, como bem refere Rui Stoco:
_____________
126
Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa
de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos.
127
Art. 936. O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por este causado, se não provar culpa
da vítima ou força maior.
128
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a reparálo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos
especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar,
por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
129
NORONHA, Fernando. Direito das Obrigações. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 1. pág. 484.
130
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 5. ed. São Paulo : Malheiros
Editores, 2004. p. 38.
49
A verdade é que o ponto sensível da controvérsia em torno dos problemas
da responsabilidade civil, são os casos de ação ou falta de providências do
serviço. É o que já se chamou de inércia da Administração na execução de
serviços públicos que visam a segurança da população e dos usuários. (...)
Nesses casos, a responsabilidade se aproxima da culpa, pela omissão em
131
tomar as providências exigidas para a segurança do serviço (...) .
Há quem defenda, inclusive, que em todos os casos em que houver omissão
do Poder Público, deverá ser aplicada a responsabilidade subjetiva, porquanto
ainda que consagre o texto constitucional a responsabilidade objetiva, não
há como se verificar a adequabilidade da imputação ao Estado na hipótese
132
de omissão, a não ser pela teoria subjetiva .
Nesse sentido, referiu Maria Helena Diniz que:
O art. 37, § 6º da Carta Constitucional reporta-se a comportamento
comissivo do Estado, pois só uma atuação positiva do Estado pode gerar,
causar, produzir um efeito. Logo, para haver responsabilidade objetiva do
Poder Público cumpre que haja um comportamento comissivo, uma vez que
sem ele jamais haverá causa. (...) Na hipótese de dano por comportamento
omissivo, a responsabilidade estatal é subjetiva, por depender de
133
procedimento doloso ou culposo.
Celso Antônio Bandeira de Mello mencionou que a:
responsabilidade estatal por ato omissivo é sempre responsabilidade por
comportamento ilícito. E, sendo responsabilidade por ilícito, é
necessariamente a responsabilidade subjetiva, pois não há conduta ilícita
do Estado (embora do particular possa haver) que não seja proveniente de
negligência, imprudência ou imperícia (culpa), ou, então, deliberado
propósito de violar a norma que o constituía em dada obrigação (dolo).
Culpa e dolo são justamente as modalidades de responsabilidade
134
subjetiva.
Ocorre que, consoante recente entendimento do Supremo Tribunal Federal, a
responsabilidade civil por omissão estatal, somente em certos casos, é de ser
visualizada sob o ângulo subjetivo, exigindo a ocorrência de dolo ou culpa
(negligência, imperícia ou imprudência), não sendo, entretanto, necessário
individualizá-los, já que podem ser atribuídos genericamente à falta do serviço, na
forma de uma culpa anônima.
_____________
131
STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
p. 961.
132
FIGUEIREDO, Lúcia Valle, Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 1994. p. 172.
133
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. São Paulo:
Saraiva, 1990, v. 7. p. 415.
134
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros
Editores, 2002, p.778.
50
Sinale-se que não é qualquer omissão estatal em que a sua responsabilidade
será subjetiva, pois, há dois tipos de omissão, a geral e a específica, para aquela a
responsabilidade é subjetiva e, para esta é objetiva.
Nessa tangente, cumpre salientar que atualmente as decisões dos tribunais se
dão, em sua maioria, conforme se verifica no trecho que segue:
Tratando-se de ato omissivo do poder público, a responsabilidade civil por
esse ato é subjetiva, pelo que exige dolo ou culpa, em sentido estrito, esta
numa de suas três vertentes - a negligência, a imperícia ou a imprudência não sendo, entretanto, necessário individualizá-la, dado que pode ser
atribuída ao serviço público, de forma genérica, a falta do serviço. II. - A falta
do serviço -- faute du service dos franceses -- não dispensa o requisito da
causalidade, vale dizer, do nexo de causalidade entre ação omissiva
atribuída ao poder público e o dano causado a terceiro. III. - Detento ferido
por outro detento: responsabilidade civil do Estado: ocorrência da falta do
serviço, com a culpa genérica do serviço público, por isso que o Estado
deve zelar pela integridade física do preso. IV. - RE conhecido e provido.
135
(...) .
3.3.1 Teoria da Responsabilidade Subjetiva (aquilina) ou Teoria da Culpa
Administrativa por atos omissivos
Marcelo Caetano alinha que
A teoria da culpa administrativa representa o primeiro estágio da transição
entre a doutrina subjetiva da culpa civil e a tese objetiva do risco
administrativo, pois leva em conta a falta do serviço para dela inferir a culpa
da Administração. É o estabelecimento do binômio falta do serviço - culpa
da Administração. Já aqui não se perquire da culpa subjetiva do agente
administrativo, mas perquire-se a falta do serviço em si mesmo, como
gerador da obrigação de indenizar o dano causado a terceiro. Exige-se,
também, uma culpa, mas uma culpa especial da Administração, a que se
136
convencionou chamar culpa administrativa.
Na teoria em tela, a obrigação de indenizar está embasada na falta do serviço,
denominada pelos franceses de faute du service. A culpa do serviço, ou falta do
serviço, ocorre sempre que este não funciona, funciona mal ou tardiamente,
_____________
135
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 3820541/RJ. Órgão
Julgador:Segunda Turma Julgado em: 03 ago. 2004.
136
CAETANO, Marcelo. Princípios Fundamentais do Direito Administrativo. Rio de Janeiro:
Forense, 1977. p. 544.
51
caracterizando-se uma espécie de culpa anônima, já que não há como identificar o
causador direto do dano pela ausência ou defeito objetivos do serviço prestado.
José Cretella Júnior ensina que:
Se o serviço funcionou mal, se não funcionou, ou se funcionou com atraso,
temos a culpa do serviço, acarretando a responsabilidade civil do Estado
137
por defeito ou falha do serviço público.
Nesse sentido, refere Celso Antônio Bandeira de Mello:
Quando o dano foi possível em decorrência de uma omissão do Estado (o
serviço não funcionou, funcionou tardia ou ineficientemente) é de aplicar-se
a teoria da responsabilidade subjetiva. Com efeito, se o Estado não agiu,
não pode, logicamente, ser ele o autor do dano. E se não foi o autor, só
cabe responsabilizá-lo caso esteja obrigado a impedir o dano. Isto é: só faz
sentido responsabilizá-lo se descumpriu dever legal que lhe impunha obstar
138
ao evento lesivo .
Afirma o autor, ainda que
Ademais, solução diversa conduziria a absurdos. É que, em princípio,
cumpre ao Estado prover a todos os interesses da coletividade. Ante
qualquer evento lesivo causado por terceiro, como um assalto em via
pública, uma enchente qualquer, uma agressão sofrida em local público, o
lesado poderia sempre argüir que o ‘serviço não funcionou’. A admitir-se
responsabilidade objetiva nessas hipóteses o Estado estaria erigido em
segurador universal!
Razoável que responda pela lesão patrimonial da vítima de um assalto se
agentes policiais relapsos assistiram à ocorrência inertes e desinteressados
ou se alertados a tempo de evitá-lo omitiram-se na adoção de providências
cautelares. Razoável que o Estado responda por danos oriundos de uma
enchente se as galerias pluviais e os bueiros de escoamento das águas
estavam entupidos ou sujos, propiciando o acúmulo da água. Nestas
situações, sim, terá havido descumprimento do dever legal na adoção de
providências obrigatórias. Faltando, entretanto, este cunho de injuridicidade,
que advém do dolo, ou da culpa tipificada na negligência, na imprudência ou
139
na imperícia, não há cogitar de responsabilidade pública .
Por outro lado, cumpre sinalar que os casos de omissão genérica, pela falta do
serviço, em nada se relacionam com eventual conduta culposa do agente público.
Como bem explicita Martine Lombard140, a falta do serviço configura
necessariamente uma falta anônima, totalmente desvinculada do agente público, já
que resulta da carência deste ou, até mesmo, da má organização do próprio serviço,
_____________
137
CRETELLA JÚNIOR, José. O Estado e a Obrigação de Indenizar. São Paulo: Saraiva, 1980. p.
85.
138
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Elementos de Direito Administrativo. 3. ed. São Paulo:
Malheiros Editores, 1992. p. 344-345.
139
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Elementos de Direito Administrativo. 3. ed. São Paulo:
Malheiros Editores, 1992. p. 345-346.
140
LOMBARD, Martine. Droit Administratif. 3. ed. Paris: Dalloz, 1999. p. 452/454.
52
sendo impossível identificar eventual agente que tenha incorrido em falta, até
porque, esta incumbe somente ao serviço público defeituoso.
Celso Antônio Bandeira de Mello ensina que
em face dos princípios publicísticos não é necessária a identificação de uma
culpa individual para deflagrar-se a responsabilidade do Estado. Esta noção
civilista ultrapassada pela idéia denominada faute du service entre os
franceses. Ocorre a culpa do serviço ou falta de serviço, quando este não
funciona, devendo funcionar, funciona mal ou funciona atrasado. Esta é a
tríplice modalidade pela qual se apresenta e nela se traduz um elo entre a
141
personalidade tradicional do direito civil e a responsabilidade objetiva .
Note-se que essa teoria representa um liame entre a responsabilidade civil
tradicional, baseada na culpa, e a responsabilidade objetiva, pois leva em conta a
falta do serviço objetivo para dela inferir a responsabilidade do Estado, visto aqui
sob o âmbito organicista.
Ao mesmo tempo que torna despicienda a análise objetiva da culpa lato sensu,
em razão da figura da culpa anônima, que é atribuída genericamente ao serviço
público, também não dispensa a demonstração da ocorrência desse elemento, na
medida em que não se perquire a falta subjetiva do agente, mas sim a falta objetiva
do serviço, atribuindo uma culpa específica à Administração Pública, considerado o
serviço em si mesmo, como fato gerador da obrigação de reparar o dano causado.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro menciona que
Essa culpa do serviço público ocorre quando: o serviço público não
funcionou (omissão), funcionou atrasado ou funcionou mal. Em qualquer
dessas três hipóteses, ocorre a culpa (faute) do serviço ou acidente
administrativo, incidindo a responsabilidade do Estado independentemente
142
de qualquer apreciação de culpa do funcionário .
Refere a autora, ainda, que “a culpa do serviço público, demonstrada pelo seu
mau funcionamento, não funcionamento ou funcionamento tardio é suficiente para
justificar a responsabilidade do Estado143”.
Ainda, quanto à teoria telada, Rui Stoco alinha que:
Por ela não se indaga da culpa do agente administrativo, mas apenas da
falta objetiva do serviço em si mesmo, como fato gerador da obrigação de
144
indenizar o dano causado a terceiro .
_____________
141
MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Ato Administrativo e Direitos dos Administrados. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1981. p. 133.
142
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 504.
143
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 508.
144
STOCO, Rui. Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial. 3.ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1997. p. 270.
53
Entretanto, cabe à vítima comprovar a inexistência do serviço, seu mau
funcionamento ou seu retardamento. Apenas haverá responsabilização civil do
Estado, se comprovado que este deixou de atuar quando deveria, ou seja, quando
tinha o dever legal de agir e não o fez, implementando, assim, o ilícito a embasar o
subjetivismo a ser adotado.
Nesse sentido, alinha Sérgio Cavalieri Filho que, para esta teoria, é
dispensável a prova de que funcionários nominalmente especificados
tenham incorrido em culpa, satisfazendo-se a responsabilização apenas
com a constatação de um mau agenciador geral, anônimo, impessoal, na
145
defeituosa condução do serviço, à qual o dano possa ser imputado .
Pois, a teoria da responsabilidade subjetiva
desvincula a responsabilidade do Estado da idéia de culpa do funcionário,
passando a entender como centro da responsabilidade do Estado a culpa
do serviço público. Esta culpa anônima do serviço público compreende três
formas, estabelecidas na jurisprudência do Conselho de Estado francês:
quando o serviço prestado não funciona (culpa in omittendo), funcionou mal
146
(culpa in committendo) ou funcionou tardiamente .
Vale ressaltar que o artigo 37, §6º, da Constituição Federal prescreve a
responsabilização civil nos casos em que os danos foram causados pelos agentes
públicos, sendo discutível afirmar que isso engloba as hipóteses em que a ação ou
inação destes figura somente como condição para a ocorrência do dano que estava
o Estado obrigado a impedir, mesmo não tendo dado causa direta a estes.
Nesse sentido, tem-se que também
o Estado não é o autor do dano. Em rigor, não se pode dizer que o causou.
Sua omissão ou deficiência haveria sido condição do dano, e não causa.
Causa é o fator que positivamente gera um resultado. Condição é o evento
que não ocorreu, mas que, se houvera ocorrido, teria impedido o resultado.
É razoável e impositivo que o Estado responda objetivamente pelos danos
que causou. Mas só é razoável e impositivo que responda pelos danos que
147
não causou quando estiver de direito obrigado a impedi-los .
Cumpre sinalar, no entanto, que o comportamento omissivo do agente público,
quando figurar como condição primária para a ocorrência do dano praticado por
terceiro, constitui a causa e não simples condição do evento danoso.
_____________
145
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 5. ed. São Paulo: Malheiros
Editores, 2003. p. 238.
146
BITTENCOURT, Marcus Vinicius Corrêa. Manual de direito administrativo. Belo Horizonte:
Fórum, 2005. p. 168-169.
147
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 17. ed. São Paulo:
Malheiros Editores, 2003. p. 897.
54
Assim, tem-se que
em que pese a aplicação da teoria da responsabilidade objetiva ser adotada
pela Constituição Federal, o Poder Judiciário, em determinados
julgamentos, utiliza a teoria da culpa administrativa para responsabilizar o
Estado em casos de omissão. Assim, a omissão na prestação de serviço
público tem levado à aplicação da teoria da culpa do serviço público (faute
du service). A culpa decorreu da omissão do Estado, quando este deveria
ter agido. Por exemplo, o Poder Público não conservou adequadamente as
148
rodovias e ocorreu um acidente automobilístico com terceiros .
Outro bom exemplo de aplicação da teoria subjetiva ou da culpa administrativa
É o caso de uma manifestação pública, em que uma multidão de terceiros
(particulares não na qualidade de agentes públicos) venha a causar danos
às pessoas, depredando propriedades, por exemplo; ou de fenômenos da
natureza, como vendavais, chuvas, enchentes, etc... que venham a causar
sérios prejuízos à população. Nessas hipóteses, a indenização estatal só
será devida se restar comprovada a culpa da Administração
149
(responsabilidade subjetiva) ”.
Ou seja, deverá restar comprovado que a omissão estatal específica, requisito
subjetivo, deu causa direta aos danos, não bastando para a hipótese apenas a
constatação do liame causal, já que se trata de omissão genérica do Estado.
Verifica-se, pois, que
Não bastará, então, para configurar-se responsabilidade estatal, a simples
relação entre ausência do serviço (omissão estatal) e o dano sofrido. Com
efeito: inexistindo obrigação legal de um certo evento dano (obrigação, de
resto, só cogitável quando haja possibilidade de impedi-lo mediante atuação
diligente), seria um verdadeiro absurdo imputar ao Estado responsabilidade
por um dano que não causou, pois equivaleria a extraí-la do nada;
significaria pretender instaurá-la prescindindo de qualquer fundamento
racional ou jurídico. Cumpre que haja algo mais: a culpa por negligência,
imprudência ou imperícia no serviço, ensejadoras do dano, ou então o dolo,
intenção de omitir-se, quando era obrigatório para o Estado atuar e fazê-lo
segundo um certo padrão de eficiência capaz de obstar ao evento lesivo.
Em uma palavra: é necessário que o Estado haja incorrido em ilicitude, por
não ter acorrido para impedir o dano ou por haver sido insuficiente neste
mister, em razão de comportamento inferior ao padrão legal exigível.
Não há resposta a priori quanto ao que seria o padrão normal tipificador da
obrigação a que estaria legalmente adstrito. Cabe indicar, no entanto, que a
normalidade que a normalidade da eficiência há de ser apurada em função
do meio social, do estádio de desenvolvimento tecnológico, cultural,
econômico e da conjuntura da época, isto é, das possibilidades reais
médias dentro do ambiente em que se produziu o fato danoso.
(...) Em síntese: se o estado, devendo agir, por imposição legal, não agiu ou
o fez deficientemente, comportando-se abaixo dos padrões legais que
normalmente deveriam caracterizá-lo, responde por esta incúria, negligência
ou deficiência, que traduzem um ilícito ensejador do dano não evitado
_____________
148
BITTENCOURT, Marcus Vinicius Corrêa. Manual de direito administrativo. Belo Horizonte:
Fórum, 2005, p. 171.
149
ALEXANDRINO, Marcelo e PAULO, Vicente. Direito Administrativo. 5. ed. Rio de Janeiro:
Impetus, 2004, p. 410.
55
quando, de direito, devia sê-lo. Também não o socorre eventual incúria em
ajustar-se aos padrões devidos.
Reversamente, descabe responsabilizá-lo se, inobstante atuação
compatível com as possibilidades de um serviço normalmente organizado e
eficiente, não lhe foi possível impedir o evento danoso gerado por força
150
(humana ou material) alheia .
_____________
150
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 17. ed. São Paulo:
Malheiros, 2003. p. 896 -897.
57
4 ANÁLISE JURISPRUDENCIAL ACERCA DA RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL
EXTRACONTRATUAL DO ESTADO POR OMISSÃO
A fim de demonstrar a diferenciação prática no que tange a aplicação das
teorias objetiva e subjetiva quando se trata de responsabilizar civilmente o Estado
por omissão, analisam-se alguns julgados dos Tribunais Superiores, do Tribunal de
Justiça do Estado do Rio Grande do Sul e também do Tribunal Regional Federal da
4ª Região acerca de casos em que há omissão do Poder Público.
Em que pese haver recentes julgados, acolhendo a posição inovadora ora
defendida, qual seja, a de que nos casos em que a omissão estatal é genérica, em
que não havia um dever individualizado de agir, deverá ser aplicada a teoria
subjetiva e, havendo omissão específica, em que aí sim existia esse dever
especificado, a teoria a ser aplicada é a objetiva, verifica-se que há outros
entendimentos a respeito do tema.
Em alguns julgados se encontra entendimento que deverá a responsabilização
civil do Poder Público ser analisada sob a ótica objetiva, mesmo que se trate de
conduta omissiva independentemente de ser a omissão perpetrada específica ou
genérica.
Outros afirmam que, em se tratando de conduta omissiva do Estado, o fator
culpa deverá impreterivelmente ser analisado, aplicando-se, portanto, a teoria
subjetiva. Alinham estes magistrados, embasados nos mais expressivos defensores
dessa idéia, Osvaldo Aranha Bandeira de Mello e seu sucessor, Celso Antônio
Bandeira de Mello, que somente haverá o dever de indenizar por parte do Estado
quando a sua omissão for ilícita, tendo em vista o princípio da legalidade que
delimita sua atuação. Assim, partindo-se da premissa de que o Estado somente
57
poderá agir em virtude de lei, se for omisso ao se abster de praticar
qualquerconduta que não esteja expressamente determinada, não haverá sua
responsabilização civil, já que agiu ou deixou de agir dentro de suas atribuições. Por
outro lado, omitindo-se quando a lei determinava que agisse, estará cometendo
ilícito, o que pressupõe sua culpa, não havendo outra maneira de lhe imputar
responsabilidade que não analisando os fatores subjetivos de determinada conduta.
No entanto, independentemente da teoria adotada, jamais se pode perder de
vista, quando se trata de responsabilizar civilmente o Estado por sua omissão, os
princípios que norteiam a Administração Pública para que se tenha um julgamento
efetivamente justo. Pois,
Os princípios, ao constituírem exigências de otimização, permitem o
balanceamento e valores e interesses (não obedecem, como as regras, à
‘lógica do tudo ou nada’), consoante seu peso e a ponderação de outros
princípios eventualmente conflitantes; as regras não deixam espaço para
qualquer outra solução, pois se uma regra vale (tem validade) deve cumprirse na exata medida das suas prescrições, nem mais nem menos. Em caso
de conflito entre princípios, estes podem ser objeto de ponderação, de
harmonização, pois eles contém apenas ‘exigências’ ou ‘standards’ que,
prima faciae, devem ser realizados; as regras contém ‘fixações normativas’
definitivas, sendo insustentável a validade simultânea de regras
151
contraditórias.
Nessa tangente, acerca do Princípio da Razoabilidade, um dos que mais
importa ser analisado, merece destaque a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello:
Enuncia-se com este princípio que a Administração, ao atuar no exercício
de discrição, terá de obedecer a critérios aceitáveis do ponto de vista
racional, em sintonia com o senso normal de pessoas equilibradas e
respeitosa das finalidades que presidiram a outorga da competência
exercida. Vale dizer: pretende-se colocar em claro que não serão apenas
inconvenientes, mas também ilegítimas - e, portanto, jurisdicionalmente
invalidáveis - , as condutas desarrazoadas e bizarras, incoerentes ou
praticadas com desconsideração às situações e circunstâncias que seriam
atendidas por quem tivesse atributos normais de prudência, sensatez e
disposição de acatamento às finalidades da lei atributiva da discrição
manejada.
Com efeito, o fato de a lei conferir ao administrador certa liberdade (margem
de discrição) significa que lhe deferiu o encargo de adotar, ante a
diversidade de situações a serem enfrentadas, a providência mais
adequada a cada qual delas. Não significa, como é evidente, que lhe haja
outorgado o poder de agir ao sabor exclusivo de seu libito, de seus
humores, paixões pessoais, excentricidades ou critérios personalíssimos, e
muito menos significa, muito menos significa que liberou a Administração
para manipular a regra de Direito de maneira a sacar dela efeitos não
pretendidos nem assumidos pela lei aplicanda. Em outras palavras:
ninguém poderia aceitar como critério exegético de uma lei que esta
_____________
151
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 2. ed.
Coimbra: Almedina, 1998. p. 1037.
58
sufrague as providências insensatas que o administrador queira tomar; é
dizer, que avalize previamente as condutas desarrazoadas, pois isto
corresponderia irrogar dislates à própria regra de Direito.
[...] Fácil é ver-se, pois, que o princípio da razoabilidade fundamenta-se nos
mesmos preceitos que arrimam constitucionalmente os princípios da
legalidade (arts. 5º, II, 37 e 84) e da finalidade (os mesmos e mais o art. 5º,
LXIX, nos termos já apontados).
Não se imagine que a correção judicial baseada na violação do princípio da
razoabilidade invade o "mérito" do ato administrativo, isto é, o campo de
"liberdade" conferido pela lei à Administração para decidir-se segundo uma
estimativa da situação e critérios de conveniência e oportunidade. Tal não
ocorre porque a sobredita "liberdade" é liberdade dentro da lei, vale dizer,
segundo as possibilidades nela comportadas. Uma providência
desarrazoada, consoante dito, não pode ser havida como comportada pela
lei. Logo, é ilegal: é desbordante dos limites nela admitidos.
[...] Sem embargo, o fato de não se poder saber qual seria a decisão ideal,
cuja apreciação compete à esfera administrativa, não significa, entretanto,
que não se possa reconhecer quando uma dada providência, seguramente,
sobre não ser a melhor, não é sequer comportada na lei em face de uma
152
dada hipótese .
Também há de se observar o princípio da proporcionalidade nas condutas do
Estado.
Tal princípio
Sem dúvida, pode ser chamado de princípio da proibição de excesso, que,
em última análise, objetiva aferir a compatibilidade entre os meios e os fins,
de modo a evitar restrições desnecessárias ou abusivas por parte da
Administração Pública, com lesão aos direitos fundamentais. Como se
percebe, parece-nos que a razoabilidade envolve a proporcionalidade, e
vice versa. Registre-se, ainda, que a razoabilidade não pode ser lançada
como instrumento de substituição da vontade da lei pela vontade do
153
julgador ou do intérprete...
Outro princípio a ser observado é o da eficiência, previsto no caput do artigo 37
da Constituição Federal que prevê que o
Dever de eficiência é o que se impõe a todo agente público de realizar suas
atribuições com presteza, perfeição e rendimento funcional. É o mais
moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser
desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o
serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade
154
e de seus membros .
Neste sentido:
_____________
152
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 14 ed. São Paulo:
Malheiros Editores, 2002. p. 91-93.
153
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 27. ed. São Paulo: Malheiros
Editores, 2002. p.91.
154
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. 21. ed. São Paulo: Malheiros
Editores, 1996, p. 90.
59
Ser eficiente, portanto, exige primeiro da Administração Pública o
aproveitamento máximo de tudo aquilo que a coletividade possui, em todos
os níveis, ao longo da realização de suas atividades. Significa racionalidade
e aproveitamento máximo das potencialidades existentes. Mas não só. Em
seu sentido jurídico, a expressão, que consideramos correta, também deve
abarcar a idéia de eficácia da prestação, ou de resultados da atividade
realizada. Uma atuação estatal só será juridicamente eficiente quando seu
resultado quantitativo e qualitativo for satisfatório, levando-se em conta o
universo possível de atendimento das necessidades existentes e os meios
155
disponíveis .
Insta salientar a importância de tal discussão no sentido de definir, inclusive, a
competência para a interposição de eventuais recursos, uma vez que, entendendo o
julgador que se trata de responsabilização subjetiva, não caberá a interposição de
recurso extraordinário, já que se trata da aplicação de lei infraconstitucional e não do
preceito contido no artigo 37, parágrafo 6º da Constituição Federal, e, vice versa.
4.1 Decisões Judiciais em que a responsabilidade civil do Estado foi
considerada objetiva
A individualização do dever de agir do Estado, determinante em sua
responsabilização civil ou não, reside no fato de sua omissão figurar como fator
primordial de condição para a ocorrência do dano, que poderia ou deveria ser
evitado pela ação do Ente Público.
Segundo Sérgio Cavalieri Filho, "Haverá omissão específica quando o Estado,
por omissão sua, crie a situação propícia para a ocorrência do evento em situação
em que tinha o dever de agir para impedi-lo.156"
_____________
155
MORAES, Alexandre. Os 10 anos da Constituição Federal. São Paulo: Atlas, 1999, p. 166.
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros
Editores, 2005, p. 261.
156
60
4.1.1 Por danos causados a Propriedade Privada
Nesse sentido, primeiramente, analiza-se a omissão estatal relativamente à
proteção da propriedade privada, um dos mais valiosos bens jurídicamente
tutelados.
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR OMISSÃO CULPOSA NO
PREVENIR DANOS CAUSADOS POR TERCEIROS À PROPRIEDADE
PRIVADA: INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 37, § 6º, DA
CONSTITUIÇÃO.
1. Para afirmar, no caso, a responsabilidade do Estado não se fundou o
acórdão recorrido na infração de um suposto dever genérico e universal de
proteção da propriedade privada contra qualquer lesão decorrente da ação
de terceiros: aí, sim, é que se teria afirmação de responsabilidade objetiva
do Estado, que a doutrina corrente efetivamente entende não compreendida
na hipótese normativa do art. 37, § 6º, da Constituição da República.
2. Partiu, ao contrário, o acórdão recorrido da identificação de uma situação
concreta e peculiar, na qual - tendo criado risco real e iminente de invasão
da determinada propriedade privada - ao Estado se fizeram imputáveis as
conseqüências da ocorrência do fato previsível, que não preveniu por
omissão ou deficiência do aparelhamento administrativo.
3. Acertado, assim, como ficou, definitivamente, nas instâncias de mérito, a
existência da omissão ou deficiência culposa do serviço policial do Estado
nas circunstâncias do caso - agravadas pela criação do risco, também
imputável à administração -, e também que a sua culpa foi condição sine
qua da ação de terceiros - causa imediata dos danos -, a opção por uma
das correntes da disceptação doutrinária acerca da regência da hipótese
será irrelevante para a decisão da causa.
4. Se se entende - na linha da doutrina dominante -, que a questão é de ser
resolvida conforme o regime legal da responsabilidade subjetiva (C.Civ. art.
15), a matéria é infraconstitucional, insusceptível de reexame no recurso
extraordinário.
5. Se se pretende, ao contrário, que a hipótese se insere no âmbito
normativo da responsabilidade objetiva do Estado (CF, art. 37, § 6º), a
questão é constitucional, mas - sempre a partir dos fatos nela acertados - a
decisão recorrida deu-lhe solução que não contraria a norma invocada da
157
Lei Fundamental .
Tratou o acórdão acima colacionado da pretensão indenizatória pelos danos
materiais e morais sofridos por proprietário de imóvel rural, o qual acabou por ser
invadido por colonos integrantes do grupo “sem-terra”, que, inicialmente, estavam
acampados em situação demasiadamente precária nos arredores da fazenda
invadida.
Entendeu o Ministro Sepúlveda Pertence que o Estado tinha o dever específico
de prevenir a ocupação daquele imóvel, que figurava, segundo ele, como a única
_____________
157
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n º 237561/RS. Órgão Julgador:
Primeira Turma. Julgado em 18 dez. 2001.
61
movimentação invasiva possível dos colonos, não o fazendo o Ente Público por
imprevidente e ineficiente. Assim, foi matida a decisão atacada, que condenou
civilmente o Estado por sua omissão.
Importa salientar que os julgadores vislumbraram a possibilidade de
condenação do Ente Público nas duas modalidades de responsabilização civil. Na
objetiva por haver o nexo de causalidade entre sua inação e o dano comprovado. E,
na modalidade subjetiva, em razão da falta do serviço.
Verifica-se, portanto, que a análise do caso concreto é preponderante na
determinação do dever de indenizar ou não, e que, por vezes, sequer importa qual a
teoria de responsabilização a ser aplicada.
No sentido da responsabilização objetiva do Estado, traz-se à colação também
a amenta que segue:
EMENTA: CONSTITUCIONAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO
ESTADO. ARTIGO 37, § 6.º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. DANOS
CAUSADOS POR TERCEIROS EM IMÓVEL RURAL. DESCUMPRIMENTO
DE ORDEM JUDICIAL. INDENIZAÇÃO. ILEGITIMIDADE DE PARTE.
DENUNCIAÇÃO DA LIDE. Esta Corte já firmou entendimento de que é
incabível, na via extraordinária, alegação de ofensa indireta à Constituição
Federal, por má interpretação de normas processuais, contidas na
legislação infraconstitucional. Caracteriza-se a responsabilidade civil
objetiva do Poder Público em decorrência de danos causados, por
invasores, em propriedade particular, quando o Estado se omite no
cumprimento de ordem judicial para envio de força policial ao imóvel
158
invadido. Recursos extraordinários não conhecidos .
Verifica-se
que,
na
hipótese
do
precedente
acima
colacionado,
a
responsabilidade imputada ao Estado teve base na teoria objetiva, pois se tratou de
omissão específica do Poder Público, diante da individualização do dever de agir,
que havia sido ditada pela ordem judicial emanada.
4.1.2 Por danos causados em virtude de acidentes
Veja-se a responsabilização civil extracontratual do Estado em alguns casos
em que sua omissão causou acidentes.
_____________
158
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 283989/PR. Órgão Julgador:
Primeira Turma. Julgado em 28 mai.2002.
62
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL
EXTRACONTRATUAL DO ESTADO. ACIDENTE DE TRÂNSITO
PROVOCADO POR FALHA NA PAVIMENTAÇÃO (BURACO) DE
RODOVIA FEDERAL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. RITO
SUMÁRIO. ALEGADA VIOLAÇÃO DO ART. 277, § 5º, DO CPC. NÃOOCORRÊNCIA. CONVERSÃO PARA O RITO COMUM ORDINÁRIO.
DESNECESSIDADE. DESPROVIMENTO.
1. A ação de indenização por danos materiais causados em acidente de
veículo de via terrestre processar-se-á pelo rito comum ordinário,
independentemente do valor da causa (CPC, art. 275, II, d).
2. O art. 277, § 5º, do CPC, autoriza a conversão do rito sumário para o
ordinário quando houver necessidade de prova técnica de maior
complexidade.
3. O TRF da 1ª Região, com base nos fatos e provas, conclui que: (I) restou
caracterizada a responsabilidade civil da recorrente; (II) foram comprovados
o ato lesivo, os danos materiais, o nexo de causalidade e a omissão do
Estado; (III) não houve culpa (negligência) do motorista no acidente.
4. O conjunto de provas produzidas nos autos (documentos, testemunhas e
perícia técnica) foi suficiente para julgar a lide. Portanto, revela-se
completamente desnecessária a realização de prova técnica complexa e,
assim, totalmente impertinente a conversão do procedimento.
159
5. Recurso especial desprovido .
Com
o
intuito
de
aclarar
a
motivação
relativa
ao
fundamento
da
responsabilização do Estado atribuída nesse caso, vale analisar também parte do
voto do julgado supramencionado:
A obrigação de indenizar decorre da hipótese insculpida no art. 37, § 6º da
Constituição Federal (responsabilidade civil do Estado), bastando que se
façam presentes e comprovados o dano suportado pelo cidadão, e o nexo
causal com a conduta do Órgão ou Agente estatal. [...]
In casu, os danos foram devidamente demonstrados, e da mesma maneira
identificada a conduta omissiva do Estado, em não propiciar aos cidadãos,
as devidas condições para que pudessem trafegar normalmente pelas
estradas sob sua administração, assumindo destarte o risco pelos eventos
danosos que porventura surgissem como conseqüência da mesma omissão.
(grifou-se)
O caso da decisão em comento, é inequívoca a constatação de que a rodovia
em comento se encontrava em péssimo estado de conservação e também o fato de
que isso era público e notório, o que autoriza a responsabilização civil do Estado
pela sua omissão em conservá-la.
Entretanto, insta observar que, sendo o dano causado por acidente de trânsito
provocado por falha na pavimentação (buraco), entende-se que depende a teoria a
ser adotada da análise de cada caso específico, já que é humanamente impossível
que se procedam inspeções, diariamente, em cada uma das vias públicas, para
verificar se tudo se encontra de acordo com as normas de trânsito e de segurança.
_____________
159
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 2004/0037073-9. Órgão Julgador:
Primeira Turma. Julgado em 27mar.2007.
63
Até mesmo porque, a responsabilização civil do Estado deve sempre levar em conta
os princípios que norteiam os atos da administração pública.
Nesse sentido, veja-se o teor da ementa a seguir transcrita:
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. BURACO EM PASSEIO
PÚBLICO. QUEDA DE MUNÍCIPE. AUSÊNCIA DE TAMPA DE PROTEÇÃO
OU SINALIZAÇÃO NO LOCAL. DEMONSTRAÇÃO DE RELAÇÃO DE
CAUSA E EFEITO ENTRE O ATO OMISSIVO E O ACIDENTE.
RESPONSABILIDADE
OBJETIVA
POR
OMISSÃO.
DANOS
IRREVERSÍVEIS E IRREPARÁVEIS. INCAPACITAÇÃO PARCIAL.
INDENIZAÇÃO DEVIDA. PRECEDENTE.
1. Recurso Especial interposto contra v. Acórdão que julgou improcedente
ação de indenização por danos sofridos com a queda da recorrente em
buraco no passeio público.
2. Para que se configure a responsabilidade objetiva do ente público basta a
prova da omissão e do fato danoso e que deste resulte o dano material ou
moral.
3. O exame dos autos revela que está amplamente demonstrado que o
acidente ocorreu, que das seqüelas dele decorreram danos irreversíveis e
irreparáveis e que não havia tampa de proteção no buraco ou sinalização
que pudesse tê-lo evitado.
4. A ré só ficaria isenta da responsabilidade civil se demonstrasse - o que
não foi feito - que o fato danoso aconteceu por culpa exclusiva da vítima.
5. A imputação de culpa lastreia-se na omissão da ré no seu dever de, em
se tratando de via pública (passeio público), zelar pela segurança dos
munícipes e pela prevenção de acidentes.
6. Jurisdição sobre o passeio público de competência da ré e a ela incumbe
a sua manutenção e sinalização, advertindo, caso não os conserte, os
transeuntes dos perigos e dos obstáculos que se apresentam. A falta no
cumprimento desse dever caracteriza a conduta negligente da
Administração Pública e a torna responsável pelos danos que dessa
omissão advenham.
7. Os tributos pagos pelos munícipes devem ser utilizados, em
contrapartida, para o bem estar da população, o que implica, dentre outras
obras, a efetiva melhora das vias públicas (incluindo aí as calçadas e
passeios públicos).
8. Estabelecido o nexo causal entre a conduta omissiva e o acidente
ocorrido, responde a ré pela reparação dos prejuízos daí decorrentes.
9. Precedente da 1ª Turma desta Corte Superior.
160
10. Recurso provido .
Verifica-se, compulsando o relatório da decisão supramencionada, que o
Estado foi responsabilizado objetivamente pelo fato de haver um buraco no meio fio
da calçada em frente da Prefeitura, sem sinalização.
Note-se que pela leitura do inteiro teor do referido acórdão161 não se pode
inferir que tenha havido a análise de qualquer elemento subjetivo, como a existência
de reclamações concernentes ao buraco na via, o que poderia indicar, por exemplo,
_____________
160
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 2002/0149032-2. Órgão Julgador:
Primeira Turma. Julgado em 10 dez.2002.
161
Anexo A
64
que o Ente Público tinha ciência daquela falha, indicando, aí sim, o cometimento da
omissão específica, com o descumprimento de um dever legal e objetivo de agir,
ensejando a sua responsabilização civil objetiva.
No entanto, pelo fato de estar o referido buraco bem em frente ao prédio da
Prefeitura e, tendo em vista que incumbe objetivamente ao Estado promover a
manutenção das vias públicas, é inadmissível que este se escuse dessa
responsabilidade, já que é razoável supor que o Estado, representado por seus
agentes, tinha conhecimento daquela falha e nada fez para repará-la.
Veja-se o teor da seguinte ementa:
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO: MORTE DE PASSAGEIRO EM
ACIDENTE DE AVIAÇÃO CIVIL: CARACTERIZAÇÃO.
1. Lavra dissenção doutrinária e pretoriana acerca dos pressupostos da
responsabilidade civil do Estado por omissão (cf. RE 257.761), e da
dificuldade muitas vezes acarretada à sua caracterização, quando oriunda
de deficiências do funcionamento de serviços de polícia administrativa, a
exemplo dos confiados ao D.A.C. - Departamento de Aviação Civil -,
relativamente ao estado de manutenção das aeronaves das empresas
concessionárias do transporte aéreo.
2. No caso, porém, o acórdão recorrido não cogitou de imputar ao D.A.C. a
omissão no cumprimento de um suposto dever de inspecionar todas as
aeronaves no momento antecedente à decolagem de cada vôo, que
razoavelmente se afirma de cumprimento tecnicamente inviável: o que se
verificou, segundo o relatório do próprio D.A.C., foi um estado de tal modo
aterrador do aparelho que bastava a denunciar a omissão culposa dos
deveres mínimos de fiscalização.
3. De qualquer sorte, há no episódio uma circunstância incontroversa, que
dispensa a indagação acerca da falta de fiscalização preventiva,
minimamente exigível, do equipamento: é estar a aeronave, quando do
acidente, sob o comando de um "checador" da Aeronáutica, à deficiência de
cujo treinamento adequado se deveu, segundo a instância ordinária, o
retardamento das medidas adequadas à emergência surgida na decolagem,
162
que poderiam ter evitado o resultado fatal .
Nessa hipótese não houve a imputação do Estado por sua omissão, mas sim
por ato comissivo de sua agente, que comandou a decolagem do avião, dando
causa imediata ao dano.
[...] Certo, não se ignora a dissenção doutrinária e prtoriana acerca dos
pressupostos da responsabilidade civil do Estado por omissão – que, não
faz muito resenhei no RE 257761 -, e da dificuldade muitas vezes
acerretadas à sua caracterização.
Dificuldade essa sabidamente frequente, quando se atribua a omissão do
Estado a deficiências do funcionamento de serviços de polícia
administrativa, a exemplo dos confiados ao D.A.C. – Departamento de
_____________
162
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 258726/AL. Órgão Julgador:
Primeira Turma. Julgado em 14 mai.2002.
65
Aviação Civil - , relativamente ao estado de manutenção das aeronaves das
empresas cessionárias do transporte aéreo.
No caso, entretanto, nem será necessário enfatizar que o acórdão recorrido
não cogitou de imputar ao D.A.C. a omissão no cuimprimento de um
suposto dever de inspecionar todas as aeronaves no momento antecente à
decolagem de cada vôo, que razoavelmente se afirma de cumprimento
tecnicamente inviável: o que se verificou, segundo o relatório do próprio
D.A.C., foi um estado de tal modo aterrador do aparelho que bastava a
denunciar a omissão culposa dos deveres mínimos de fiscalização.
De qualquer sorte, há no episódio uma circusntância incontroversa, que
dispensa a indagação acerca da falta de fiscalizaçãopreventiva,
minimamente exigida do equipamento.
Refiro-me a que o “checador” (entre aspas), a que alude o acórdão, é um
oficial da Aeronautica, em serviço, que assumira o comando do avião na
operação de decolagem. Ausente da cabina o seu comandante.
(...) De tudo resultou que, na cadeia causal do desastre, o relatório incluiu “a
nível individual – a demora de decisão dos pilotos, quanto aos
procedimentos adequados para aquela situação de emergência”.
Dentre eles, o papel principal coube ao oficial da Aeronáutica, o
desartunado “checador”, que comandou a infeliz decolagem (...)
Note-se que claramente foi evitada a discussão acerca da responsabilização
civil do Estado pela omissão perpetrada, justamente com o intuito de não abordar
diretamente a questão atinente à teoria correta a ser adotada.
Por outro lado, o entendimento muda quando se trata de crianças e
adolescentes. Isso porque, gozam estes do direito à proteção integral que lhes é
conferido pelo sistema jurídico brasileiro, conforme se verifica no artigo 227 da
Constituição Federal 163 .
A exemplo disso, veja-se:
INDENIZAÇÃO - RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO PODER PÚBLICO TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO - PRESSUPOSTOS PRIMÁRIOS
DE DETERMINAÇÃO DESSA RESPONSABILIDADE CIVIL - DANO
CAUSADO A ALUNO POR OUTRO ALUNO IGUALMENTE MATRICULADO
NA REDE PÚBLICA DE ENSINO - PERDA DO GLOBO OCULAR DIREITO
- FATO OCORRIDO NO RECINTO DE ESCOLA PÚBLICA MUNICIPAL CONFIGURAÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO
MUNICÍPIO - INDENIZAÇÃO PATRIMONIAL DEVIDA - RE NÃO
CONHECIDO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO PODER
PÚBLICO - PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL. - A teoria do risco
administrativo, consagrada em sucessivos documentos constitucionais
brasileiros desde a Carta Política de 1946, confere fundamento doutrinário à
responsabilidade civil objetiva do Poder Público pelos danos a que os
agentes públicos houverem dado causa, por ação ou por omissão. Essa
concepção teórica, que informa o princípio constitucional da
responsabilidade civil objetiva do Poder Público, faz emergir, da mera
ocorrência de ato lesivo causado à vítima pelo Estado, o dever de indenizá-
_____________
163
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com
absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão.
66
la pelo dano pessoal e/ou patrimonial sofrido, independentemente de
caracterização de culpa dos agentes estatais ou de demonstração de falta
do serviço público. - Os elementos que compõem a estrutura e delineiam o
perfil da responsabilidade civil objetiva do Poder Público compreendem (a) a
alteridade do dano, (b) a causalidade material entre o eventus damni e o
comportamento positivo (ação) ou negativo (omissão) do agente público, (c)
a oficialidade da atividade causal e lesiva, imputável a agente do Poder
Público, que tenha, nessa condição funcional, incidido em conduta
comissiva ou omissiva, independentemente da licitude, ou não, do
comportamento funcional (RTJ 140/636) e (d) a ausência de causa
excludente da responsabilidade estatal (RTJ 55/503 - RTJ 71/99 - RTJ
91/377 - RTJ 99/1155 - RTJ 131/417). - O princípio da responsabilidade
objetiva não se reveste de caráter absoluto, eis que admite o abrandamento
e, até mesmo, a exclusão da própria responsabilidade civil do Estado, nas
hipóteses excepcionais configuradoras de situações liberatórias - como o
caso fortuito e a força maior - ou evidenciadoras de ocorrência de culpa
atribuível
à
própria
vítima
(RDA
137/233
RTJ
55/50).
RESPONSABILIDADE CIVIL DO PODER PÚBLICO POR DANOS
CAUSADOS A ALUNOS NO RECINTO DE ESTABELECIMENTO OFICIAL
DE ENSINO. - O Poder Público, ao receber o estudante em qualquer dos
estabelecimentos da rede oficial de ensino, assume o grave compromisso
de velar pela preservação de sua integridade física, devendo empregar
todos os meios necessários ao integral desempenho desse encargo jurídico,
sob pena de incidir em responsabilidade civil pelos eventos lesivos
ocasionados ao aluno. - A obrigação governamental de preservar a
intangibilidade física dos alunos, enquanto estes se encontrarem no recinto
do estabelecimento escolar, constitui encargo indissociável do dever que
incumbe ao Estado de dispensar proteção efetiva a todos os estudantes que
se acharem sob a guarda imediata do Poder Público nos estabelecimentos
oficiais de ensino. Descumprida essa obrigação, e vulnerada a integridade
corporal do aluno, emerge a responsabilidade civil do Poder Público pelos
danos causados a quem, no momento do fato lesivo, se achava sob a
guarda, vigilância e proteção das autoridades e dos funcionários escolares,
ressalvadas as situações que descaracterizam o nexo de causalidade
material entre o evento danoso e a atividade estatal imputável aos agentes
164
públicos .
No mesmo sentido, é o teor da decisão abaixo colacionada:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO.
ATO OMISSIVO. ACIDENTE SOFRIDO POR ALUNO DE CRECHE
MUNICIPAL. LESÃO OCULAR. DANOS MORAIS. RESPONSABILIDADE
OBJETIVA DO ESTADO. 1. A questão de fundo versa sobre a
responsabilidade civil por omissão do ente público público em relação ao
dever de vigilância da qual resultou lesão corporal sofrida pelo filho dos
autores, à época com três anos de idade, em creche municipal. A criança
subiu em uma lixeira da sala de aula para pegar um brinquedo, quando a
lixeira virou e a criança caiu com a cabeça sobre um gancho fixado na
parede para aparar mochilas. 2. O sistema jurídico brasileiro adota a
responsabilidade patrimonial objetiva do Estado sob a forma da Teoria do
Risco Administrativo. Tal assertiva encontra respaldo legal no art. 37, § 6º,
da Constituição da República Federativa do Brasil. Para que incida a
responsabilidade objetiva, em razão dos termos da norma constitucional em
destaque, há necessidade de que o dano causado a terceiros seja
provocado por agentes estatais nessa qualidade. 3. O art. 14 do Código de
_____________
164
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 109615/RJ. Órgão Julgador:
Primeira Turma. Julgado em 28 mai.1996.
67
Defesa do Consumidor, estabeleceu a responsabilidade objetiva direta para
todos os fornecedores de serviços em relação aos danos causados aos
seus hóspedes, educandos, etc., que tenham por causa o defeito do
serviço. Trata-se de responsabilidade, fundada no fato do serviço, e não
mais indireta, fundada no fato do preposto ou de outrem. Precedentes do
STJ. 4. Não tendo o ente público demandado se desincumbido de seu ônus
probatório, permanece responsável por indenizar os danos sofridos pelo
menor, porquanto não há falar em culpa exclusiva ou concorrente da vítima,
tendo em vista que o autor contava com três anos de idade, não possuindo
o necessário discernimento acerca das conseqüências que poderiam advir
da sua atitude de subir na lixeira para pegar um brinquedo, junto à parede
onde fixados ganchos de metal, o que, inclusive, é roborado pela própria
professora que acompanhava as crianças na época do fato. 5. DANOS
MORAIS. O dano moral relaciona-se ao sofrimento psíquico que molestou a
parte afetiva do patrimônio moral do autor, gerando-lhe tristeza e
constrangimento, motivo pelo qual o mesmo é tido como in re ipsa, sendo
presumível, prescindindo de prova de sua efetiva ocorrência. 6. QUANTUM
INDENIZATÓRIO. Em relação ao quantum indenizatório, sabe-se que a
indenização deve representar para a vítima uma satisfação capaz de
amenizar de alguma forma o sofrimento impingido. A eficácia da
contrapartida pecuniária está na aptidão para proporcionar tal satisfação em
justa medida, de modo que não signifique um enriquecimento sem causa
para a vítima e produza impacto bastante no causador do mal a fim de
dissuadi-lo de novo atentado. 7. DIES A QUO PARA CONTAGEM DE
JUROS MORATÓRIOS. Na hipótese de reparação por dano moral, cabível
o início da contagem a partir da fixação do quantum indenizatório, é dizer, a
contar do julgamento no qual foi arbitrado o valor da condenação. 8. ÔNUS
SUCUMBENCIAIS. Decaimento mínimo do autor. Condenação do réu ao
pagamento da totalidade das custas processuais e de honorários
165
advocatícios. DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME.
Não destoa o entendimento que segue:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO.
ATO OMISSIVO. LESÕES CORPORAIS SOFRIDAS POR ALUNO POR
AGRESSÃO PERPRETADA POR COLEGA DURANTE O RECREIO EM
ESCOLA DA REDE ESTADUAL. PERDA DO BAÇO. DANOS MATERIAIS,
MORAIS E ESTÉTICOS. COMPROVADOS. RESPONSABILIDADE
OBJETIVA DO ESTADO. 1. A questão de fundo versa sobre a
responsabilidade civil por omissão do ente público em razão de lesão
corporal sofrida pelo autor em escola estadual, ocasionada por agressão
física perpetrada por outro aluno, causando-lhe a perda do baço, removido
por procedimento cirúrgico em virtude de - necrose hemorrágica traumática.
2. O sistema jurídico brasileiro adota a responsabilidade patrimonial objetiva
do Estado sob a forma da Teoria do Risco Administrativo. Tal assertiva
encontra respaldo legal no art. 37, § 6º, da Constituição da República
Federativa do Brasil. Para que incida a responsabilidade objetiva, em razão
dos termos da norma constitucional em destaque, há necessidade de que o
dano causado a terceiros seja provocado por agentes estatais nessa
qualidade. 3. O art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, estabeleceu a
responsabilidade objetiva direta para todos os fornecedores de serviços em
relação aos danos causados aos seus hóspedes, educandos, etc., que
tenham por causa o defeito do serviço. Trata-se de responsabilidade,
fundada no fato do serviço, e não mais indireta, fundada no fato do preposto
ou de outrem. Precedentes do STJ. 4. Na casuística, resta incontroverso
_____________
165
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 70018125088. Órgão Julgador:
Nona Câmara Cível. Julgado em 11abr.2007.
68
nos autos que o autor, à época com 12 anos de idade, participava de uma brincadeira - chamada - garrafão - com outros colegas na hora do recreio no
pátio da escola. Dito entretenimento praticado pelos alunos do educandário,
consistia na formação de duas fileiras de alunos, formando uma espécie de
corredor, no qual desferiam chutes nas nádegas de um deles como
penalidade, ocasião em que o demandante foi atingido no abdômen. 5. Não
tendo o ente público demandado se desincumbido de seu ônus probatório,
permanece responsável por indenizar os danos sofridos pelo menor,
porquanto não há falar em culpa exclusiva ou concorrente da vítima, tendo
em vista que o autor contava com doze anos de idade, não possuindo o
necessário discernimento acerca das conseqüências que poderia advir da
atividade agressiva e potencialmente lesiva que praticava, ainda que
advertido por familiares. 6. DANOS MATERIAIS. Os danos materiais,
consubstanciados em despesas com medicamentos, exames e consultas
médicas após o evento lesivo, foram devidamente comprovados. 7. DANOS
ESTÉTICOS E MORAIS. A lesão estética, além do dano físico a ela
correspondente, pode gerar danos psíquicos. O dano estético relaciona-se à
própria marca física decorrente da cirurgia realizada pelo autor para
extração do baço, com a qual se viu obrigado a conviver. Por outro lado, o
dano moral relaciona-se ao sofrimento psíquico que molestou a parte afetiva
do patrimônio moral do autor, gerando-lhe tristeza e constrangimento,
motivo pelo qual o mesmo é tido como in re ipsa, sendo presumível,
prescindindo de prova de sua efetiva ocorrência. 8. QUANTUM
INDENIZATÓRIO. Em relação ao quantum indenizatório, sabe-se que a
indenização deve representar para a vítima uma satisfação capaz de
amenizar de alguma forma o sofrimento impingido. A eficácia da
contrapartida pecuniária está na aptidão para proporcionar tal satisfação em
justa medida, de modo que não signifique um enriquecimento sem causa
para a vítima e produza impacto bastante no causador do mal a fim de
dissuadi-lo de novo atentado. 9. DIES A QUO PARA CONTAGEM DE
JUROS MORATÓRIOS. Na hipótese de reparação por dano moral, cabível
o início da contagem a partir da fixação do quantum indenizatório, é dizer, a
contar do julgamento no qual foi arbitrado o valor da condenação. 10. ÔNUS
SUCUMBENCIAIS. Decaimento mínimo do autor. Condenação do réu ao
pagamento da totalidade das custas processuais e de honorários
advocatícios. DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO APELO DO RÉU,
DERAM PROVIMENTO AO APELO DO AUTOR E, NO MAIS, EM
166
REEXAME NECESSÁRIO, MANTIVERAM A SENTENÇA. UNÂNIME.
Relativamente aos estabelecimentos de ensino é necessário observar, ainda, o
disposto nos artigos 932 do Código Civil
167
e 14 do Código de Defesa do
Consumidor168, onde a lei não deixou brechas para que fosse aplicada a teoria
subjetiva de responsabilização, pois, diante do bem jurídico tutelado, qual seja, a
_____________
166
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 70016279275. Órgão Julgador:
Nona Câmara Cível. Julgado em 28 dez.2006.
167
Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:
...
IV - os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro,
mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos;
168
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela
reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relatrivos à prestação dos serviços,
bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos:
69
proteção integral conferida à criança e ao adolescente, sequer cogitou a aplicação
da teoria subjetiva no sistema jurídico pátrio.
Os acidentes de trabalho decorrentes da omissão do Estado em fiscalizar o
cumprimento das normas de segurança do funcionário também ensejam sua
responsabilização objetiva.
RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO. EVENTO DANOSO.
AUXILIAR DE ENFERMAGEM EXPOSTA A RADIAÇÃO SEM
EQUIPAMENTO DE PROTEÇÃO. DEVER DO EMPREGADOR DE
FISCALIZAR O CUMPRIMENTO DAS NORMAS DE SEGURANÇA NO
TRABALHO. CULPA "IN VIGILANDO". NEXO CAUSAL ENTRE O EVENTO
E A ATIVIDADE DA ADMINISTRAÇÃO.
- Impossível presumir a existência da doença antes do ingresso no serviço
público, especialmente considerando-se a literatura que garante causaefeito na exposição da radiação a que era submetida a vítima.
- Presente o nexo de causalidade, resta caracterizada a responsabilidade
civil do Estado, visto que a ação ou omissão do agente é demonstrada pela
falta de fiscalização no trabalho exercido pelo servidor e por não exigir de
tais servidores o uso de Equipamento de Proteção Individual.
- É obrigação do empregador, neste caso o Estado, exigir e fiscalizar se
seus funcionários estão usando regularmente o equipamento de proteção
169
individual, o que caracteriza a omissão .
Denota-se, da análise dos fundamentos da decisão170, que invariavelmente é
objetiva a responsabilização civil do Estado, nas hipóteses de acidente de trabalho
em decorrência da falta de fiscalização por parte deste, no que tange aos
equipamentos obrigatórios de proteção individual dos trabalhadores.
Isso ocorre justamente em razão de serem esles partes hipossuficientes da
relação, a quem o nosso sistema jurídico outorga especial proteção.
Vale relacionar parte do voto:
[...] No mérito, vale reproduzir, por seu acerto, a manifestação da douta
representante do Ministério Pùblico Federal nesta instância, na forma do
parecer de fls. 300/301;
“O exame dos autos demonstra preenchidos os requisitos necessários à
caracterização da responsabilidade civil do Estado. A ação ou omissão do
agente é demonstrada pela falta de fiscalização no trabalho exercido pelo
servidor e por não exigir de tais servidores o uso de Equipamento de
Proteção Individual.
Importa salientar que é obrigação de empregador, neste caso o Estado,
exigir e fiscalizar se seus funcionários estão usando regularmente o
equipamento de proteção individual. O que caracteriza, de imediato, a
omissão.
O dano é indiscutível. Não há como presumir a existência de doença antes
do ingresso no serviço público, especialmente diante da literatura que
_____________
169
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Apelação Cível nº
2002.04.01.047232-8. Órgão Julgador: Quarta Turma. Julgado em 20 fev.2003.
170
Anexo B.
70
garante causa-efeito na exposição da radiação a que era submetida a
vítima.
Assim, presente o nexo de causalidade, igualmente necessário o exame da
questão, motivo pela qual resta completada a responsabilidade do
Estado[...]
4.1.3 Por danos causados em virtude da falta de segurança pública
A responsabilização objetiva do Estado pela falta de segurança pública se dará
mediante a inércia do Ente Público diante de um dever objetivo e individualizado de
agir, não sendo possível, segundo o tratamento jurisprudencial majoritário, imputar
esse tipo de responsabilidade genericamente pela simples ofensa ao disposto no
artigo 144 da Constituição Federal171.
EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ART. 37, § 6º DA
CONSTITUIÇÃO
FEDERAL.
FAUTE
DU
SERVICE
PUBLIC
CARACTERIZADA. ESTUPRO COMETIDO POR PRESIDIÁRIO, FUGITIVO
CONTUMAZ, NÃO SUBMETIDO À REGRESSÃO DE REGIME PRISIONAL
COMO MANDA A LEI. CONFIGURAÇÃO DO NEXO DE CAUSALIDADE.
RECURSO
EXTRAORDINÁRIO
DESPROVIDO.
Impõe-se
a
responsabilização do Estado quando um condenado submetido a regime
prisional aberto pratica, em sete ocasiões, falta grave de evasão, sem que
as autoridades responsáveis pela execução da pena lhe apliquem a medida
de regressão do regime prisional aplicável à espécie. Tal omissão do Estado
constituiu, na espécie, o fator determinante que propiciou ao infrator a
oportunidade para praticar o crime de estupro contra menor de 12 anos de
idade, justamente no período em que deveria estar recolhido à prisão. Está
configurado o nexo de causalidade, uma vez que se a lei de execução penal
tivesse sido corretamente aplicada, o condenado dificilmente teria
continuado a cumprir a pena nas mesmas condições (regime aberto), e, por
conseguinte, não teria tido a oportunidade de evadir-se pela oitava vez e
172
cometer o bárbaro crime de estupro. Recurso extraordinário desprovido .
No precedente supra colacionado, verifica-se que, após diversos debates entre
os Ministros do Supremo Tribunal Federal, acerca do tipo de responsabilização
imputável ao Estado, novamente a falta do serviço figurou como fator determinante
_____________
171
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida
para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos
seguintes órgãos:
I - polícia federal;
II - polícia rodoviária federal;
III - polícia ferroviária federal;
IV - polícias civis;
V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.
71
para a ocorrência do dano, razão pela qual sua responsabilização civil foi
considerada objetiva.
Nesse sentido, mesmo sendo vencido, valiosa é a lição do Ministro Carlos
Veloso, relator do feito supramencionado, ao proferir seu voto, que se encontra no
anexo C, assim como os votos de vista proferidos pelo Ministro Joaquim Barbosa e
pela Ministra Ellen Gracie, dos quais não destoou o voto do Presidente Ministro
Celso de Mello:
Entendo incensurável, Senhores Ministros, o acórdão ora impugnado
nesta sede recursal extraordinária, especialmente se analisado em face do
que dispõe o § 6º do art. 37 da Constituição da República, que adotou, em
tema de responsabilidade civil do Poder Público, a teoria do risco
administrativo.
Com efeito, a teoria do risco administrativo, consagrada em sucessivos
documentos constitucionais brasileiros, desde a Constituição de 1946,
revela-se fundamento de ordem doutrinária subjacente à norma de direito
positivo que instituiu, em nosso sistema jurídico, a responsabilidade civil
objetiva do Poder Público, pelos danos que seus agentes, nessa
qualidade, causarem a terceiros, por ação ou por omissão (CF, art. 37, §
6º).
Essa concepção teórica - que informa o princípio constitucional da
responsabilidade civil objetiva do Poder Público, tanto no que se refere à
ação quanto no que concerne à omissão do agente público - faz
emergir, da mera ocorrência de lesão causada à vítima pelo Estado, o
dever de indenizá-la pelo dano pessoal e/ou patrimonial sofrido,
independentemente de caracterização de culpa dos agentes estatais ou de
demonstração de falta do serviço público, não importando que se trate de
comportamento positivo ou que se cuide de conduta negativa daqueles
que atuam em nome do Estado, consoante enfatiza o magistério da
doutrina (HELY LOPES MEIRELLES, “Direito Administrativo Brasileiro”,
p. 650, 31ª ed., 2005, Malheiros; SERGIO CAVALIERI FILHO, “Programa
de Responsabilidade Civil”, p. 248, 5ª ed., 2003, Malheiros; JOSÉ
CRETELLA JÚNIOR, “Curso de Direito Administrativo”, p. 90, 17ª ed.,
2000, Forense; YUSSEF SAID CAHALI, “Responsabilidade Civil do
Estado”, p. 40, 2ª ed., 1996, Malheiros; TOSHIO MUKAI, “Direito
Administrativo Sistematizado”, p. 528, 1999, Saraiva; CELSO RIBEIRO
BASTOS, “Curso de Direito Administrativo”, p. 213, 5ª ed., 2001, Saraiva;
GUILHERME COUTO DE CASTRO, “A Responsabilidade Civil Objetiva
no Direito Brasileiro”, p. 61/62, 3ª ed., 2000, Forense; MÔNICA NICIDA
GARCIA, “Responsabilidade do Agente Público”, p. 199/200, 2004,
Fórum, v.g.), cabendo ressaltar, no ponto, a lição expendida por ODETE
MEDAUAR (“Direito Administrativo Moderno”, p. 430, item n. 17.3, 9ª ed.,
2005, RT):
“Informada pela ‘teoria do risco’, a responsabilidade do Estado
apresenta-se hoje, na maioria dos ordenamentos, como ‘responsabilidade
objetiva’. Nessa linha, não mais se invoca o dolo ou culpa do agente, o
mau funcionamento ou falha da Administração. Necessário se torna existir
relação de causa e efeito entre ação ou omissão administrativa e dano
sofrido pela vítima. É o chamado nexo causal ou nexo de causalidade.
Deixa-se de lado, para fins de ressarcimento do dano, o questionamento
do dolo ou culpa do agente, o questionamento da licitude ou ilicitude da
_____________
172
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 409.203-4/RS. Órgão Julgador:
Segunda Turma. Julgado em 07 mar.2006.
72
conduta, o questionamento do bom ou mau funcionamento da
Administração. Demonstrado o nexo de causalidade, o Estado deve
ressarcir.” (grifei)
Impõe-se destacar, neste ponto, segundo entendo (RTJ 163/1107-1109,
Rel. Min. CELSO DE MELLO), que os elementos que compõem a
estrutura e delineiam o perfil da responsabilidade civil objetiva do Poder
Público compreendem (a) a alteridade do dano, (b) a causalidade
material entre o “eventus damni” e o comportamento positivo (ação) ou
negativo (omissão) do agente público, (c) a oficialidade da atividade causal
e lesiva imputável a agente do Poder Público, que, nessa condição
funcional, tenha incidido em conduta comissiva ou omissiva,
independentemente da licitude, ou não, do seu comportamento funcional
(RTJ 140/636) e (d) a ausência de causa excludente da responsabilidade
estatal (RTJ 55/503 – RTJ 71/99 – RTJ 91/377 – RTJ 99/1155 - RTJ
131/417).
A compreensão desse tema e o entendimento que resulta da exegese
dada ao art. 37, § 6º, da Constituição foram bem definidos e expostos
pelo Supremo Tribunal Federal em julgamentos cujos acórdãos estão assim
ementados: “RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO PODER
PÚBLICO - PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL. - A teoria do risco
administrativo, consagrada em sucessivos documentos constitucionais
brasileiros desde a Carta Política de 1946, confere fundamento doutrinário
à responsabilidade civil objetiva do Poder Público pelos danos a que os
agentes públicos houverem dado causa, por ação ou por omissão. Essa
concepção teórica, que informa o princípio constitucional da
responsabilidade civil objetiva do Poder Público, faz emergir, da mera
ocorrência de ato lesivo causado à vítima pelo Estado, o dever de indenizála pelo dano pessoal e/ou patrimonial sofrido, independentemente de
caracterização de culpa dos agentes estatais ou de demonstração de falta
do serviço público.
- Os elementos que compõem a estrutura e delineiam o perfil da
responsabilidade civil objetiva do Poder Público compreendem (a) a
alteridade do dano, (b) a causalidade material entre o eventus damni e o
comportamento positivo (ação) ou negativo (omissão) do agente público, (c)
a oficialidade da atividade causal e lesiva, imputável a agente do Poder
Público, que tenha, nessa condição funcional, incidido em conduta
comissiva ou omissiva, independentemente da licitude, ou não, do
comportamento funcional (RTJ 140/636) e (d) a ausência de causa
excludente da responsabilidade estatal (RTJ 55/503 - RTJ 71/99 - RTJ
91/377 - RTJ 99/1155 - RTJ 131/417).
- O princípio da responsabilidade objetiva não se reveste de caráter
absoluto, eis que admite o abrandamento e, até mesmo, a exclusão da
própria responsabilidade civil do Estado, nas hipóteses excepcionais
configuradoras de situações liberatórias - como o caso fortuito e a força
maior – ou evidenciadoras de ocorrência de culpa atribuível à própria vítima
(RDA 137/233 - RTJ 55/50). (...).”
(RTJ 163/1107-1108, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
“- Recurso extraordinário. Responsabilidade civil do Estado. Morte de
preso no interior do estabelecimento prisional. 2. Acórdão que proveu
parcialmente a apelação e condenou o Estado do Rio de Janeiro ao
pagamento de indenização correspondente às despesas de funeral
comprovadas. 3. Pretensão de procedência da demanda indenizatória.
4. O consagrado princípio da responsabilidade objetiva do Estado
resulta da causalidade do ato comissivo ou omissivo e não só da culpa
do agente. Omissão por parte dos agentes públicos na tomada de medidas
que seriam exigíveis a fim de ser evitado o homicídio. 5. Recurso
conhecido e provido para condenar o Estado do Rio de Janeiro a pagar
pensão mensal à mãe da vítima, a ser fixada em execução de sentença.”
(RTJ 182/1107, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA - grifei)
73
Cabe advertir, por necessário, que a ausência de qualquer dos
pressupostos legitimadores da incidência da regra inscrita no art. 37, § 6º,
da Carta Política basta para descaracterizar a responsabilidade civil
objetiva do Estado, especialmente quando ocorre circunstância que
rompe o nexo de causalidade material entre o comportamento do agente
público (positivo ou negativo) e a consumação do dano pessoal ou
patrimonial infligido ao ofendido.
As circunstâncias do presente caso - apoiadas em pressupostos fáticos
soberanamente reconhecidos pelo Tribunal de Justiça local (RTJ 152/612 RTJ 153/1019 - RTJ 158/693, v.g.) - evidenciam que o nexo de
causalidade material restou plenamente configurado em face do
comportamento omissivo em que incidiu o Poder Público, que se absteve
de promover a fiscalização do cumprimento da pena pelo autor do fato, que
já havia fugido em 7 (sete) oportunidades. Essa omissão do Estado do
Rio Grande do Sul foi causa direta do evento danoso. Diante das
inúmeras fugas do condenado, a autoridade competente tinha o dever de
ser mais vigilante e de promover a regressão do sentenciado em
referência no regime de cumprimento da pena. Se o Estado assim houvesse
agido, procedendo com diligência em face dos incidentes anteriormente
registrados, o apenado em questão teria sido submetido a regime penal
mais gravoso, o que o teria impedido de praticar os delitos gravíssimos
que veio a cometer.
A omissão do Poder Público local, além de profundamente censurável,
revelou-se causa suficiente à eclosão dos eventos delituosos perpetrados
por referido sentenciado, do que resultou – ante a falha evidente do Estado
no cumprimento de sua obrigação de fiscalizar – a prática de violência
pessoal, inclusive estupro, contra as moradoras de uma residência em
que esse mesmo sentenciado veio, criminosamente, a ingressar durante
a fuga que empreendeu.
O E. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul proferiu decisão
que interpretou, com absoluta fidelidade, a norma constitucional que
consagra, em nosso sistema jurídico, a responsabilidade civil objetiva do
Poder Público. O v. acórdão impugnado nesta sede recursal extraordinária,
ao fazer aplicação do preceito constitucional em referência, reconheceu,
com inteiro acerto, no caso em exame, a cumulativa ocorrência dos
requisitos concernentes (1) à consumação do dano, (2) à omissão
administrativa, (3) ao vínculo causal entre o evento danoso e o
comportamento estatal e (4) à ausência de qualquer causa excludente de
que pudesse eventualmente decorrer a exoneração da responsabilidade
civil do Estado.
Sendo assim, pelas razões expostas e pedindo vênia, acompanho os
doutos votos proferidos pelos eminentes Ministros JOAQUIM BARBOSA e
ELLEN GRACIE, para, também, conhecer do presente recurso
extraordinário, em ordem a negar-lhe provimento, mantendo, em
conseqüência, o v. acórdão proferido pelo E. Tribunal de Justiça do Estado
do Rio Grande do Sul. É o meu voto (grifos do autor).
Note-se que, por maioria, reconheceram os Ministros que a falha na aplicação
da Lei Penal figurou como causa direta do dano ocorrido, já que, se tivesse o Estado
cumprido suas atribuições não haveria possibilidade de ter ocorrido o evento que o
desencadeou.
74
4.1.4 Por danos causados ao Meio Ambiente Ecológico
Preceitua a Carta Magna em seu artigo 225, caput, que
Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de
uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao
Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as
presentes e futuras gerações.
§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o
manejo ecológico das espécies e ecossistemas;
II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e
fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material
genético;
III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus
componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a
supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização
que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;
IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade
potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente,
estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;
V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas,
métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de
vida e o meio ambiente;
VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a
conscientização pública para a preservação do meio ambiente;
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que
coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de
espécies ou submetam os animais a crueldade.
Assim, diante da vasta atribuição do Poder Público no que tange à preservação
do meio ambiente, verifica-se que, nesse caso específico, é por demais tênue a
distinção entre os tipos de responsabilidades, assim como das teorias que as
informam.
Nesse sentido, vale colacionar parte da manifestação do Ministro Themístocles
Cavalcanti proferida em sede de voto-vista no Recurso Extraordinário nº 61.387/SP,
publicado na Revista Trimestral de Jurisprudência nº47, em que alinha que:
[...] a jurisprudência dominante se inclina pela tese do recorrente, mas se
apóia em uma das doutrinas civilistas que tem orientado o problema da
responsabilidade, isto é, o risco.
Esta doutrina se resume em estabelecer, como causa da responsabilidade,
uma simples relação entre o fato e o prejuízo. Nenhum elemento subjetivo
entra na apuração da responsabilidade. Não admito, por isso, a aplicação
pura e simples da teoria do risco que abrangeria as inúmeras ações do
Estado nos múltiplos setores de sua atividade administrativa, econômica.
assistencial etc.
Tem vacilado, por isso, a jurisprudência na aplicação estrita da Teoria do
risco que envolveria a responsabilidade do Estado em casos, que
75
evidentemente, não caracterizariam o problema do funcionamento do
serviço público.
Não basta fugir ao tema da culpa para admitir o risco. Daí admitir-se o
chamado risco administrativo, ou como já se denominou "a culpa anônima
da Administração" (Ac. do T.J. SP. in R.D.A., 15/65); que, atinge o Estado
pelas faltas cometidas no funcionamento dos serviços públicos, o que
ameniza a simples transplantação da teoria civilista do risco para o Direito
Administrativo (R.D:A. 38/328) .
Com isto, permite-se o exame dos casos particulares e a análise de
circunstâncias peculiares a cada um, de maneira a atender as condições em
que se verifica a responsabilidade do Estado.
Aquilo que os franceses chamam a 'faute de service' que é imputável não só
ao funcionário individualmente, mas à Administração como órgão, permite
definir a natureza da falta e a conseqüente responsabilidade.
Não é preciso enveredar pela teoria pura do risco, mas considerar também
na apuração dos fatos a verificação da existência de falta imputável à
Administração.
Partindo da teoria da igualdade dos encargos e das finalidades essenciais
do Estado, o clássico Tirard chegava à responsabilidade do Estado pela
falta verificada no serviço (De la responsabilité du service publique, 1906).
Neste particular, a variedade na aplicação dos casos é muito grande.
Principalmente a jurisprudência francesa se detém no exame das hipóteses.
É assim que são mencionados casos de responsabilidade, ou por não se ter
evitado um perigo por meio de obras necessárias, como a construção de um
parapeito na estrada; de não se ter impedido a circulação em um trecho
perigoso; de não se ter retirado obstáculo em um rio canalizado etc. ou por
omissão material, por falta de sinalização, de abandono de trecho de
estrada, abertura de trincheira em uma estrada etc.
Essa teoria não é talvez suficiente para prever todas as hipóteses de
responsabilidade do Estado, mas a sua aplicação deve ser casuística para
não envolver a responsabilidade do Estado em todos os casos em que age
dentro da sua finalidade própria.
Assim, nem sempre se verifica essa responsabilidade, de acordo com a boa
doutrina, quando há escassez de abastecimento de água. Interrupção de
energia elétrica, o mal calçamento de uma estrada. Depende sempre das
circunstâncias.
É a razão pela qual no direito administrativo não prosperou a doutrina
francesa de responsabilidade 'pour le fait des choses', porque esta se
restringe apenas àquelas coisas de que se tem a guarda. A sua aplicação é
restrita e não se pode ampliar aos serviços públicos em geral.
A verdade é que o ponto sensível da controvérsia em torno dos problemas
da responsabilidade, são os casos de ação ou falta de providências
indispensáveis ao bom funcionamento do serviço . É o que já se chamou de
inércia da Administração na execução de serviços públicos que visam a
segurança da população e dos usuários (Piarre Montané de Ia Roque,
L_iner. tie das pouvoirs publics, Paris 1950),
Nesses casos, a responsabilidade se aproxima da culpa, pela omissão em
tomar as providências exigidas para as providências exigidas para
173
asegurança do serviço [...].
Não há duvida de que incumbe principalmente ao Estado preservar a Mata
Atlântica, por exemplo. No entanto, devido ao tamanho da sua extensão, não é
possível evitar todas as hipóteses de degradação, já que seria desarrazoado e, por
_____________
173
CAVALCANTI, Themístocles. Voto Publicado. Revista Trimestral de Jurisprudência. São Paulo,
nº 47, p. 378-384, fev. 1969.
76
conseguinte, vedado ao administrador público, disponibilizar um fiscal para cada
cem metros de Mata Atlantica existentes no Brasil com a finalidade de prevenir que
nenhum mal ocorra.
Assim, a responsabilidade civil estatal por eventuais danos causados ao meio
ambiente, deve ser muito bem analisada, para que se adote os critérios mais justos
e não se torne o Estado um “segurador universal”.
Veja-se o teor da ementa que segue:
DIREITO ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. ARTIGOS 23, INCISO VI E
225, AMBOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CONCESSÃO DE SERVIÇO
PÚBLICO.
RESPONSABILIDADE
OBJETIVA
DO
MUNICÍPIO.
SOLIDARIEDADE DO PODER CONCEDENTE. DANO DECORRENTE DA
EXECUÇÃO DO OBJETO DO CONTRATO DE CONCESSÃO FIRMADO
ENTRE A RECORRENTE E A COMPANHIA DE SANEAMENTO BÁSICO
DO ESTADO DE SÃO PAULO - SABESP (DELEGATÁRIA DO SERVIÇO
MUNICIPAL).
AÇÃO
CIVIL
PÚBLICA.
DANO
AMBIENTAL.
IMPOSSIBILIDADE DE EXCLUSÃO DE RESPONSABILIDADE DO
MUNICÍPIO POR ATO DE CONCESSIONÁRIO DO QUAL É FIADOR DA
REGULARIDADE DO SERVIÇO CONCEDIDO. OMISSÃO NO DEVER DE
FISCALIZAÇÃO DA BOA EXECUÇÃO DO CONTRATO PERANTE O
POVO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO PARA RECONHECER A
LEGITIMIDADE PASSIVA DO MUNICÍPIO.
I - O Município de Itapetininga é responsável, solidariamente, com o
concessionário de serviço público municipal, com quem firmou "convênio"
para realização do serviço de coleta de esgoto urbano, pela poluição
causada no Ribeirão Carrito, ou Ribeirão Taboãozinho.
II - Nas ações coletivas de proteção a direitos metaindividuais, como o
direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, a responsabilidade do
poder concedente não é subsidiária, na forma da novel lei das concessões
(Lei n.º 8.987 de 13.02.95), mas objetiva e, portanto, solidária com o
concessionário de serviço público, contra quem possui direito de regresso,
com espeque no art. 14, § 1° da Lei n.º 6.938/81. N ão se discute, portanto, a
liceidade das atividades exercidas pelo concessionário, ou a legalidade do
contrato administrativo que concedeu a exploração de serviço público; o que
174
importa é a potencialidade do dano ambiental e sua pronta reparação .
Novamente a falta do serviço público, nesse caso o de fiscalização da atividade
concedida, figurou como fator preponderante para a ocorrência do dano, o que
autorizou a responsabilização civil objetiva do ente Público.
Assim, tem-se que sempre que a inação Estatal figurar como causa direta e
imediata da ocorrência do dano, seja por produzi-lo, ou não o evitar, será objetiva
sua responsabilidade civil.
Nessa tangente, veja-se o teor da ementa que seque:
_____________
174
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1992/0026117-5. Órgão Julgador:
Segunda Turma. Julgado em 15 fev.2000.
77
ADMINISTRATIVO. AÇÃO POPULAR. PRESCRIÇÃO. OBRIGAÇÃO DE
REPARAR O DANO ECOLÓGICO.
1. Quanto à prescrição.
- O mundo ocidental, como é por todos sabido, sofreu decisiva influência
das idéias liberalistas que determinaram a Revolução Francesa, onde o
objetivo principal foi limitar o poder do Estado e exaltar o homem enquanto
ser individual. Isso veio a se refletir também na ordem jurídica, salvo no que
respeita à jurisdição criminal, de modo que o funcionamento do Poder
Judiciário ficou na dependência da vontade do titular do 'direito individual'
invocado, enquanto a legislação material, como não poderia deixar de ser,
passou a também regular exclusivamente relações jurídicas de ordem
individual (relação de base). Sobre a matéria não se pode deixar de trazer à
balha a lição de JOSÉ DE ALBUQUERQUE ROCHA:
- "Conclusão: a legitimação dos entes coletivos apresenta perfil singular. Por
isso, exige ruptura com os critérios classificatórios clássicos, ancorados nos
dogmas do liberalismo, que vê o conflito social como choque de interesses
interindividuais, visão insuficiente para explicar a atual realidade sóciojurídica, caracterizada pelosurgimento dos conflitos coletivos e difusos.:
(Teoria Geral do Processo, p. 194, São Paulo, Malheiros Editores, 1996).
Sem grifos no original.
- E foi inspirado no liberalismo que também se estabeleceram os princípios
que regem a prescrição e a decadência, ou, melhor dizendo, resultaram de
considerações que tinham em mira as relações de natureza individual, sem
embargo de já se considerar determinados interesses que, por suas
nuances próprias, eram julgados indisponíveis.
- O fundamento da prescrição - instituto que faz perecer a actio romana
(ação de direito material), um dos efeitos do fato jurídico beneficiador do
credor, inviabilizando a ação processual contra seu devedor - está
exatamente na necessidade de criação de mecanismos de defesa das
relações jurídicas individuais, cuja eficácia não pode durar indefinidamente,
pelo menos quando se tem em vista as conseqüências de ordem
econômica.
- Ao lado dela, instituiu-se também a decadência, cuja ocorrência faz
perecer o próprio 'direito subjetivo', cujo fundamento, apesar de também ter
em mira a segurança das relações jurídicas, é a proteção daquelas relações
jurídicas individuais cujo interesse público reclama um tratamento mais
rígido na sua manutenção, razão pela qual instituiu-se um prazo diminuto
para a ação visando sua desconstituição.
- Por fim, existem determinados direitos que, por seu interesse individual e
social, não podem estar sujeitos à prescrição, como é o caso dos direitos de
personalidade (vida, liberdade, etc.) e daqueles relacionados ao estado da
pessoa (condição de filho, de esposo, etc.), salvo no que respeita aos
efeitos econômicos dele derivados.
- Como se observa, até mesmo o sistema jurídico inspirado no liberalismo
reconhece a existência de direitos que não podem, por razões de interesse
público, estar sujeitos à prescrição. Em outras palavras, mesmo o direito
oriundo das idéias que se fizeram ecoar na Revolução Francesa reconhece
a necessidade de criar mecanismos protetivos contra a extinção de
determinadas relações jurídicas, a exemplo do que se vê nos casos de
decadência e de imprescritibilidade, o que era e continua sendo justificado
pelo interesse social.
- Em tudo isso resta a certeza de que o instituto da prescrição, nos moldes
como foi concebido, não teve qualquer objetivo de regular os denominados
interesses difusos e coletivos de efeitos sociais. Daí a indagação: é possível
sua aplicação para os interesses que reclamam a tutela por intermédio da
ação popular ou da ação civil pública, excluídos os individuais
homogêneos? A resposta é no sentido de que as razões que explicam a
imprescritibilidade de determinados direitos individuais são inteiramente
aplicáveis aos interesses que reclamam a tutela jurisdicional coletiva
(interesses difusos e coletivos de efeitos sociais).
78
- A propósito, imagine-se a hipótese de o poluidor sustentar a prescrição da
ação que ataca sua conduta, reclamando, assim, o direito de continuar
poluindo ou fazer permanecer os efeitos da poluição. Esse exemplo singelo
demonstra a impossibilidade de se aceitar a prescrição de ato violador da
ordem jurídica, quando ofensivo ao interesse público. Essa forma de
encarar a questão encontra respaldo na doutrina de EDIS MILARÉ, a saber:
- "A ação civil pública não conta com disciplina específica em matéria
presencional. Tudo conduz, entretanto, à conclusão de que se inscreve ela
no rol das ações imprescritíveis.
- A doutrina tradicional repete uníssona que só os direitos patrimoniais é que
estão sujeitos à prescrição. Precisamente, os direitos patrimoniais é que são
prescritíveis. Não há prescrição senão de direitos patrimoniais, afirma o
grande Clóvis Beviláqua.
- Ora, a ação civil pública é instrumento para tutela jurisdicional de bensinteresses de natureza pública, insuscetíveis de apreciação econômica, e
que têm por marca característica básica a indisponibilidade. Versa, portanto,
sobre direitos não patrimoniais, direitos sem conteúdo pecuniário.
- Qual, por exemplo, o valor do ar que respiro? Da praça onde se deleitam
os velhos e crianças? Do manancial que abastece minha cidade? - É claro
que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado não é um direito
patrimonial, muito embora seja passível de valoração, para efeito
indenizatório." (A Ação Civil Pública na Nova Ordem Constitucional, pp.
15/16, São Paulo, Saraiva, 1990).
- No caso concreto, portanto, não é aceitável a aplicação da prescrição,
posto que implicaria na continuidade de ocorrência de atos prejudiciais ao
meio ambiente e na manutenção de toda degradação ambiental ocorrida ao
longo do tempo.
- No mérito.
- Quanto à responsabilidade da Prefeitura e dos permissionários.
Sustenta a Prefeitura Municipal de Itapema, em sua petição recursal, que o
atual Governo é dotado da mais alta consciência ecológica e que não
caberia a responsabilização da Prefeitura por ato ímprobo do ex-Prefeito,
que lavrou certidão falsa acerca da viabilidade da construção do edifício
residencial.
- Ora, em que pese a alegação de que a Prefeitura atualmente busca
incessantemente preservar e defender o meio ambiente - saliente-se que
não foi o que se verificou no andamento do processo, como adiante se
demonstrará - e de que o ato atacado foi praticado unilateralmente pelo exPrefeito, sem o respaldo da Municipalidade, permanece para a Prefeitura os
deveres elencados no § 1º do art.
225 da CF.
- O Prefeito, embora seja o Chefe do Executivo Municipal, deve-se
igualmente submeter-se à lei, e a Prefeitura e a Câmara de Vereadores
devem zelar para que o mesmo obedeça aos limites estritos da legalidade.
Ora, se o ex-Prefeito de Itapema lavrou certidão de conteúdo falso
aprovando a execução da obra, tal ato deveria ter sido desconstituído ainda
administrativamente, pois cabe ao Poder Público zelar pela preservação do
meio ambiente, conforme explicitado no art. 225 da CF.
- Ademais, o Poder Público Municipal, mesmo 'dotado da mais alta
consciência ecológica' - conforme afirma em sua apelação -, descumpriu
novamente o que estabelece o art. 225, § 1º, VII, ao permitir que fosse
construída no terreno objeto desta lide uma residência, sem que fosse
avaliado o impacto ambiental que uma moradia no local, aparentemente
sem ligação à rede de tratamento de esgoto, causaria, e tudo isso após
instaurado este processo, no qual foi determinada a interrupção da
construção do edifício residencial exatamente face à potencialidade de dano
ao meio ambiente, em especial à flora e ao lençol freático.
- Por outro lado, sustentam os permissionários que o autor Luiz Antônio
Palhares estaria motivado apenas por motivos pessoais, posto que a
construção de um edifício residencial em terreno limítrofe ao seu certamente
79
lhe prejudicaria a paisagem. Aduziram, ainda, que não desejaram em
momento algum causar dano ao meio ambiente ou à coletividade.
- No tocante aos motivos que levaram o autor popular a ajuizar a presente
ação, não há qualquer evidência no sentido de que estes seriam apenas
particulares, sem a menor preocupação com a defesa do meio ambiente.
Não obstante ser de fácil constatação o fato de que a construção de um
edifício em terreno lindeiro ao seu fosse lhe trazer alguns transtornos,
igualmente é de fácil constatação o fato de que a execução do projeto
rejeitado pela FATMA traria graves prejuízos não só ao autor, mas também
ao meio ambiente e à coletividade, em especial face à contaminação do
lençol freático e da possível alteração das condições de balneabilidade da
praia próximo ao prédio.
- Ademais, também a União Federal viu interesse na presente lide, face à
área em que o prédio seria construído ser terreno de marinha e a execução
da obra se configurar em inequívoca ameaça ao meio ambiente. Assim, não
deve subsistir a tese de que o feito deva ser julgado improcedente por ter
sido o autor motivado por interesses meramente individuais.
- E, no que concerne à alegação de que os permissionários jamais
desejaram causar dano ou ameaça ao meio ambiente, deve ser destacado
que a Constituição Federal prevê a responsabilidade 'objetiva', isto é,
independentemente de culpa, em casos de dano ao meio ambiente. Isso
não impede, como evidente, a responsabilização solidária do Poder Público,
por faute du service, o que acarreta apenas a exigência da ocorrência de
culpa (responsabilidade subjetiva).
- No caso concreto, percebe-se que enquanto à Municipalidade compete a
expedição de certidão atestando a aprovação do órgão ambiental para o
início das obras, caberia aos construtores e permissionários do terreno o
dever de iniciar as obras apenas após a aprovação de seu projeto pela
FATMA.
- Evidente que a Municipalidade, pelo fato de atuar no âmbito da
autorização para construir, não se despe do seu dever de proteger o meio
ambiente, direito de toda coletividade e dever imposto ao Poder Público,
conforme se infere do art. 225 da Constituição Federal.
- Em tal situação, no momento da autorização deveria exigir do beneficiário
todas as medidas necessárias e aptas à defesa do meio ambiente,
compatibilizando a atividade de construção civil com as exigências de
preservação dos recursos naturais, especialmente a flora e aqueles de
natureza hídrica.
Não o fazendo ou deixando de exigir a realização das medidas necessárias
ao equilíbrio ambiental, deve ser responsabilizada pela omissão.
- Os permissionários, do mesmo modo, enquanto titulares da concessão do
terreno de marinha em que o edifício seria construído, deveriam condicionar
sua autorização para a construtora J. Guesser construir à elaboração de um
projeto que respeitasse as normas ambientais. Deste modo, caracteriza-se
a condição de infratores também aos permissionários, pois concorreram
para a concretização do efeito danoso. Consulte-se:
- "A obrigação de reparação do dano ecológico compete, imediatamente, ao
responsável pela atividade poluidora. Pode ocorrer, porém, que haja mais
de um responsável, ocorrendo solidariedade, conforme a regra do art.
1.518, parágrafo único, do CC.
Rodolfo de Camargo Mancuso, finalmente, aponta o art. 225, § 3º, da
CF,que impõe indistintamente a todos os infratores das normas de proteção
ambiental, além das sanções penais e administrativas, a obrigação de
reparar os danos.
Conforme a doutrina administrativista, a falta de serviço significa ausência, o
não funcionamento ou o funcionamento deficiente dos serviços públicos.
Importa sempre numa omissão ou, ao menos, num déficit. Muitas vezes,
significa a falta do efetivo exercício do poder de polícia. Deixando sem a
devida fiscalização determinada atividade, permite-se que seja
desrespeitado o regulamento pertinente, sobrevindo o evento danoso.
80
- Respeitáveis autores entendem que, mesmo nessas hipóteses, há
responsabilidade da administração pública.
- Se a omissão administrativa é a causa única do dano, não há dúvida sobre
a incidência da regra constitucional do art. 37, § 6º. Contudo, se entre a
falta, v. g., da fiscalização e o dano interpõe-se o ato comissivo do causador
direto do evento, parece mais razoável perquirir-se da culpa da
administração, como propõe Celso Antônio Bandeira de Mello, ainda que se
possa partir de uma presunção juris tantum de responsabilidade."
(ADALBERTO PASQUALOTTO, Responsabilidade Civil por Dano
Ambiental:
considerações de ordem material e processual, in Dano Ambiental,
Prevenção, Reparação e Repressão, obra coordenada por ANTONIO
HERMAN VASCONCELOS E BENJAMIM, pp. 451/452, São Paulo, Revista
dos Tribunais, 1993).
- Percebe-se, então, que no caso de faute du service, pelo menos em razão
de culpa, está o ente estatal encarregado da fiscalização obrigado a
responder solidariamente pelo dano ambiental.
- Ademais, está claro nas perícias requeridas e nos pareceres da FATMA o
risco de graves danos ao meio ambiente, com perigosa poluição dos
recursos hídricos utilizados pela população da região, fato ameaçador para
a saúde e vida de toda ela, conforme é também reconhecido.
- E, no tocante à situação atual do terreno, verifica-se que a Prefeitura mais
uma vez falhou no seu dever de defesa e preservação do meio ambiente ao
permitir que fosse construída no local objeto da presente lide uma
residência aparentemente não conectada à rede de esgoto - sabe-se que à
época da realização das perícias a rede de esgoto não se estendia até o
terreno em questão -, e que não teve o projeto de sua construção avaliado
pelo órgão ambiental competente, a fim de se examinar se a execução do
projeto desta casa colocaria em risco o meio ambiente.
- De igual forma, os permissionários mais uma vez deram prova de que o
discurso de que não desejaram em momento algum causar dano ao meio
ambiente nada mais é do que um discurso, sem haver a menor
demonstração prática de que os mesmos buscam a tutela ambiental
juntamente com de seus interesses, e não apenas a destes.
- Assim, tenho que deve ser interditada a residência construída no terreno
em debate até que seja concluído um estudo sobre o impacto ambiental
causado pela moradia que se encontra no local com a indicação de
procedimentos que tornem aceitável o impacto ambiental e a recuperação
do meio ambiente, se aplicável. Isso sem prejuízo da remoção dos materiais
referentes à construção do edifício residencial que teve seu projeto
reprovado pelo órgão ambiental e da recuperação ecológica da área.
- Quanto à fixação de honorários em favor da União Federal.
- O art. 20 do CPC, diante da consideração de algumas circunstâncias
previstas no seu § 3º, estabelece que os honorários advocatícios devem ser
fixados entre 10% (dez por cento) e 20% (vinte por cento) sobre o valor da
condenação.
- No caso em tela, no entanto, não houve o arbitramento da verba honorária
em favor da União Federal por se entender que a sua atuação no feito fora
meramente opinativa e de menor importância, comparativamente à do autor
popular.
- Entretanto, muito embora a participação da União Federal não tenha sido
tão relevante quanto a de seu litisconsorte, tenho que ela não foi tão
somente opinativa, tal como entendeu a sentença. Ao longo desses mais de
treze anos do ajuizamento da ação, a União atuou zelosamente no feito,
despendendo recursos consideráveis no acompanhamento da demanda.
- Assim, vislumbro certa insuficiência na não fixação de honorários em favor
do ente público, posto que este atuou zelosamente e com considerável
dispêndio de tempo, face à natureza e importância da matéria. Por
conseguinte, entendo que deva haver fixação da verba honorária em favor
81
da União, na razão de 50% do quantum arbitrado em favor de Luiz Antônio
Palhares.
2. Provimento da apelação da União e improvimento dos demais recursos,
175
inclusive a remessa oficial .
Vale reproduzir também parte do voto do precedente supra colacionado:
[...] E, no que concerne à alegação de que os permissionários jamais
desejaram causar dano ou ameaça ao meio ambiente, deve ser destacado
que a Constituição Federal prevê a responsabilidade ‘objetiva’, isto é,
independentemente de culpa, em casos de dano ao meio ambiente. Isso
não impede, como evidente, a responsabilização solidária do Poder Público,
por faute du service, o que acarreta apenas a exigência da ocorrência de
culpa (responsabilidade subjetiva).
No caso concreto, percebe-se que enquanto à Municipalidade compete a
expedição de certidão atestando a aprovação do órgão ambiental para o
início das obras, caberia aos construtores e permissionários do terreno o
dever de iniciar as obras apenas após a aprovação de seu projeto pela
FATMA.
Evidente que a Municipalidade, pelo fato de atuar no âmbito da autorização
para construir, não se despe do seu dever de proteger o meio ambiente,
direito de toda coletividade e dever imposto ao Poder Público, conforme se
infere do art. 225 da Constituição Federal.
Em tal situação, no momento da autorização deveria exigir do beneficiário
todas as medidas necessárias e aptas à defesa do meio ambiente,
compatibilizando a atividade de construção civil com as exigências de
preservação dos recursos naturais, especialmente a flora e aqueles de
natureza hídrica.
Não o fazendo ou deixando de exigir a realização das medidas necessárias
ao equilíbrio ambiental, deve ser responsabilizada pela omissão.
Existia dever objetivo do Município de agir, na medida em que deveria se
assegurar, que todas as medidas pertinentes à preservação do Meio Ambiente
haviam sido adotadas antes de autorizar a realização da construção em comento,
levando, ainda em consideração, os relatórios técnicos que foram elaborados nesse
sentido.
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO CAUSADO AO MEIO AMBIENTE.
LEGITIMIDADE PASSIVA DO ENTE ESTATAL. RESPONSABILIDADE
OBJETIVA. RESPONSÁVEL DIRETO E INDIRETO. SOLIDARIEDADE.
LITISCONSÓRCIO
FACULTATIVO.
ART.
267,
IV
DO
CPC.
PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULAS 282 E 356 DO STF.
1. Ao compulsar os autos verifica-se que o Tribunal a quo não emitiu juízo
de valor à luz do art. 267 IV do Código de Ritos, e o recorrente sequer aviou
embargos de declaração com o fim de prequestioná-lo. Tal circunstância
atrai a aplicação das Súmulas nº 282 e 356 do STF.
2. O art. 23, inc. VI da Constituição da República fixa a competência comum
para a União, Estados, Distrito Federal e Municípios no que se refere à
proteção do meio ambiente e combate à poluição em qualquer de suas
formas. No mesmo texto, o art. 225, caput, prevê o direito de todos a um
meio ambiente ecologicamente equilibrado e impõe ao Poder Público e à
_____________
175
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal Regional da 4ª Região. Apelação Cível nº 2001.04.01.045587-9.
Órgão Julgador: Terceira Turma. Julgado em 06 ago.2002.
82
coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras
gerações.
3. O Estado recorrente tem o dever de preservar e fiscalizar a preservação
do meio ambiente. Na hipótese, o Estado, no seu dever de fiscalização,
deveria ter requerido o Estudo de Impacto Ambiental e seu respectivo
relatório, bem como a realização de audiências públicas acerca do tema, ou
até mesmo a paralisação da obra que causou o dano ambiental.
4. O repasse das verbas pelo Estado do Paraná ao Município de Foz de
Iguaçu (ação), a ausência das cautelas fiscalizatórias no que se refere às
licenças concedidas e as que deveriam ter sido confeccionadas pelo ente
estatal (omissão), concorreram para a produção do dano ambiental. Tais
circunstâncias, pois, são aptas a caracterizar o nexo de causalidade do
evento, e assim, legitimar a responsabilização objetiva do recorrente.
5. Assim, independentemente da existência de culpa, o poluidor, ainda que
indireto (Estado-recorrente) (art. 3º da Lei nº 6.938/81), é obrigado a
indenizar e reparar o dano causado ao meio ambiente (responsabilidade
objetiva).
6. Fixada a legitimidade passiva do ente recorrente, eis que preenchidos os
requisitos para a configuração da responsabilidade civil (ação ou omissão,
nexo de causalidade e dano), ressalta-se, também, que tal responsabilidade
(objetiva) é solidária, o que legitima a inclusão das três esferas de poder no
pólo passivo na demanda, conforme realizado pelo Ministério Público
(litisconsórcio facultativo).
176
7. Recurso especial conhecido em parte e improvido .
Para melhor analisar o caso em tela, vale transcrever parte do seu relatório:
A demanda foi proposta para fazer cessar possíveis danos ambientais
decorrentes: a) da construção da via pública denominada Avenida Beira
Rio, que tangencia o Rio Paraná por uma extensão de 7.620 m,
compreendidos entre a Ponte Internacional da Amizade e a Avenida das
Morenitas no Município de Foz do Iguaçu, e b) pelo não cumprimento por
parte deste Município do Termo de Compromisso firmado com o IBAMA,
para proteção do meio ambiente na área de preservação permanente em
que se projetou a construção desta avenida, bem como restaurá-lo ao
estado em que se encontrava antes da construção da citada obra.
Elucidativa é também parte do parecer do Ministério Público Federal,
mencionado no inteiro teor do referido acórdão:
A responsabilidade solidária da Administração Pública em relação ao
poluidor, pode ocorrer tanto da ação quanto da omissão ou
complacência do órgão ambiental.
Posição essa compartilhada pela ampla maioria dos doutrinadores, aos
quais homenageamos reproduzindo a lição de PAULO AFFONSO LEME
MACHADO:
'A intervenção estatal no domínio ambiental visa preservar a saúde pública
e ordenar as atividades produtoras. Não se pode esquecer que muitas
vezes o Poder Público, ao baixar normas de emissão e elaborar padrões de
qualidade, age em causa própria, pois ele, o Poder Público, também exerce
algumas atividades iguais às dos particulares (siderurgia, petroquímica ... ).
Dessa forma, nem sempre os parâmetros oficiais são ajustados à realidade
_____________
176
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 2003/0195400-5. Órgão Julgador:
Segunda Turma. Julgado em 21 jun.2005.
83
sanitária e ambiental, decorrendo daí, que, mesmo em se observando essas
normas, as pessoas e a natureza sofrem prejuízos'
[...] Para compelir, contudo, o Poder Público a ser prudente e cuidadoso no
vigiar, orientar e ordenar a saúde ambiental nos casos em que haja prejuízo
para as pessoas, para a propriedade ou para ou recursos naturais mesmo
com a observância dos padrões oficiais, o Poder Público deve responder
solidariamente com o particular.
[...] Como acentua Armando H. Dias Cabral: 'A propriedade privada não se
tornou algo intocável; desde que seu uso se desencontre de sua função
social, vale dizer do interesse público concernente à segurança à higiene, à
ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, à
tranqüilidade pública, ao respeito às demais propriedades, à estética urbana
e aos direitos individuais e coletivos, seja ou não matéria ou energia
poluente, o Poder Público tem o dever de limitá-la administrativamente. Não
o fazendo, a Administração se torna civilmente responsável por
eventuais danos sofridos por terceiros em virtude de sua ação
(permitindo o exercício da atividade poluente, em desacordo com a
legislação vigorante) ou de sua omissão (negligenciando o
policiamento dessas atividades poluentes, (Direito Ambiental Brasileiro,
10ª edição, 2002, pp. 319- 320, grifamos) ”.
No mesmo sentido do parecer ministerial, seguem partes do voto proferido:
O art. 23, inc. VI da Constituição da República fixa a competência comum
para a União, Estados, Distrito Federal e Municípios no que se refere à
proteção do meio ambiente e combate à poluição em qualquer de suas
formas, e seu art. 225, caput, prevê o direito de todos a um meio ambiente
ecologicamente equilibrado e impõe ao Poder Público e à coletividade o
dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Em
seus parágrafos constam as diretrizes para o Estado (latu sensu), viabilizar
tais objetivos, as conseqüências decorrentes da inobservância de tais
deveres e a natureza objetiva da responsabilidade nestes casos.”“
[...] Assim, consoante preceitua a Carta Magna, o Poder Público, que por
sua vez, abarca todos os entes políticos, e por conseguinte, o Estado ora
recorrente, tem o dever de preservar e fiscalizar a preservação do meio
ambiente. Na hipótese em estudo, o Estado, no seu dever de fiscalização,
deveria ter requerido o Estudo de Impacto Ambiental e seu respectivo
relatório, bem como até a realização de audiências públicas acerca do tema,
ou até mesmo a paralisação da obra.”
[...] Conclusão: O repasse das verbas pelo Estado do Paraná ao Município
de Foz de Iguaçu (ação), a ausência das cautelas fiscalizatórias no que se
refere às licenças concedidas e as que deveriam ter sido confeccionadas
pelo ente estatal (omissão), concorreram para a produção do dano
ambiental. Tais circunstâncias, pois, são aptas a caracterizar o nexo de
causalidade do evento, e assim, legitimar a responsabilização objetiva do
recorrente.
Fixada a legitimidade passiva do ente recorrente, eis que preenchidos os
requisitos para a configuração da responsabilidade civil (ação ou omissão,
nexo de causalidade e dano), ressalto, também, que tal responsabilidade
(objetiva) é solidária, o que legitima a inclusão das três esferas de poder no
pólo passivo na demanda conforme realizado pelo recorrido.” (grifos do
autor)
Verifica-se, pois, que, nesse caso, o Estado foi duplamente responsabilizado
civilmente, ou seja, tanto por ação quanto por omissão específica, esta por não ter
desempenhado satisfatoriamente sua função fiscalizatória.
No mesmo sentido,
84
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EMPREENDIMENTO RESIDENCIAL PRAIA MOLE.
ÁREA DE PROTEÇÃO PERMANENTE. VEGETAÇÃO DE RESTINGA.
DANOS AMBIENTAIS. RESPONSABILIDADE PELOS DANOS.
- Classificada e definida pela legislação federal como de preservação
permanente a área sobre a qual se localiza o empreendimento em questão
não poderia o poder municipal classificá-la de forma distinta, menos restrita
do que aquela. Mantida a sentença que reconheceu a nulidade ao alvará
concedido. - Não havendo a transcrição no Cartório de Registro de imóveis,
permanece o proprietário da área como responsável pela obra, quem
prestou declarações junto à Secretaria de Urbanismo junto à Prefeitura,
ainda que não tenha participado diretamente do empreendimento. - A
responsabilidade para os causadores de danos ecológicos é a objetiva e
integral. - A lei também consagra a responsabilidade solidária entre o
causador direto e o indireto da atividade causadora da degradação
ambiental (art. 3º, IV, da Lei nº 6.938/81), revelando-se pertinente a
condenação do espólio pelos danos ambientais ocorridos pela atividade,
assim como daquele que contribuiu diretamente, no caso aquele que está
na posse do bem. - Mantida a condenação na FATMA, que restou
condenada pela omissão da atividade fiscalizatória, e o escasso número de
agentes e os parcos recursos financeiros do órgão não são argumentos
suficientes a justificar a omissão e a ensejar o provimento do apelo. - O
Município de Florianópolis negligenciou a correta aplicação dos dispositivos
constitucionais quando estabeleceu o zoneamento da Praia Mole com
padrões menos restritivos do que os determinados na Constituição e na
177
legislação federal pertinente .
O que interessa no acórdão acima transcrito é a responsabilização do Poder
Público pela omissão específica verificada na aplicação das normas constitucionais,
assim como da Fundação do Meio Ambiente – FATMA, órgão ambiental da esfera
estadual do Estado de Santa Catarina, que foi omissa em sua atividade de
fiscalização.
Nesse sentido, insta observar que, em ambos os casos, a responsabilidade é
objetiva, já que havia o dever legal e concreto de agir bem delimitado, conforme se
verifica no inteiro teor da decisão em tela, que segue em anexo178.
4.1.5 Por danos causados pela Demora legislativa
Nas hipóteses de responsabilização civil do Estado por omissão no que tange à
demora legislativa, em que pese não se tratar de agente indeterminado, em que se
teria a culpa anônima, também se trata da falta do serviço, sendo o poder público
responsabilizado por omissão. E, nessas hipóteses especificamente, entende-se que
_____________
177
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Apelação Cível nº
2003.04.01.029648-8. Órgão Julgador: quarta Turma. Julgado em 11 out. 2006.
178
Anexo D.
85
não há embasamento plausível para a aplicação da teoria subjetiva, uma vez que o
dano sempre decorrerá de uma imposição positiva de fazer, sendo aplicável,
portanto, o comando de responsabilização objetiva constitucional.
Nesse sentido é o teor da ementa do precedente que se traz à colação:
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. POSSIBILIDADE JURÍDICA.
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ART. 37, § 6º, DA CF/88.
PREVISÃO ABSTRATA. SERVIDORES PÚBLICOS. REVISÃO GERAL.
ART. 37, X, DA CF/88.
ADIN 2061. STF. MORA LEGISLATIVA. OMISSÃO DO CHEFE DO PODER
EXECUTIVO. DANOS MATERIAIS. INPC. JUROS DE MORA. CORREÇÃO
MONETÁRIA. ÍNDICES.
1. Nos termos em que formulado o pedido - indenização por danos
causados pela mora legislativa - não se vislumbra óbice legal à pretensão,
porquanto há previsão abstrata no ordenamento jurídico da
responsabilização do Estado em face de danos causados a terceiros - art.
37, § 6º, da CF/88, donde surge amparado juridicamente o pleito trazido a
desate.
2. A diretriz confinada no art. 37, X, da CF/88, com redação fornecida pela
EC n. 19/98, garantiu aos servidores públicos o direito à revisão geral anual
das suas remunerações, a ser promovida mediante lei específica de
iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo.
Precedente do STF.
3. A ausência de revisão geral, por omissão do Poder Executivo em
promovê-la, pretextou significativa lesão ao patrimônio dos servidores
públicos, que não tiveram a recomposição da força aquisitiva das suas
remunerações.
4. Considerando que o prejuízo dos servidores públicos tem conexão direta
com a omissão da autoridade estatal que não adotou medidas, afetas à sua
esfera de competência, para realização concreta do preceito constitucional,
resta identificado o nexo entre o dano dos servidores públicos e a conduta
omissiva do agente estatal, conformando- se os pressupostos da
responsabilidade civil e do conseqüente dever de indenizar, nos moldes que
concebido no § 6º do art. 37 da CF/88.
5. Adoção da variação do INPC como critério de cálculo da indenização,
porque é o índice que melhor reflete a perda inflacionária experimentada
pelos servidores públicos e pela grande massa populacional.
6. Mora legislativa constatada a partir de junho de 1999, consoante
expressamente reconhecido pelo Pretório Excelso na ADIN n. 2061.
7. Indevida a compensação dos aumentos posteriores com aqueles devidos
sob pretexto indenizatório.
8. Os juros de mora são contados a partir do dano, conforme se infere da
Súmula 54 do egrégio STJ.
9. Levando-se em conta que o evento danoso ocorreu anteriormente ao
Novo Código Civil, deve ser observada a disposição do art. 1.602 do Código
Civil revogado, que fixava os juros de mora em 6% ao ano.
10. Em relação à correção monetária, incidirão sobre o montante devido os
índices previstos para atualização dos débitos judiciais - Lei n. 6.899/81 -,
assim entendidos aqueles havidos por oficiais, com exclusão dos que hajam
sido criados com finalidade específica de atualização de determinadas
espécies de débitos/créditos, v.g., a UFIR, que era parâmetro de atualização
monetária de tributos (art.
1º da Lei n. 8.383/91), e o IGP-DI, eleito como índice de atualização
monetária dos benefícios previdenciários pagos em atraso (art. 10 da Lei n.
9711/98). In casu, aplicável o INPC.
86
11. Não se conhece do apelo no ponto em que já atendido pela sentença
179
.
Compulsando o inteiro teor do julgado acima relacionado180, verifica-se que, no
caso em comento, os danos tiveram lugar tão-somente em razão da negligência
administrativa do Chefe do Poder Executivo em dar eficiência à norma contida no
artigo 37, inciso X, da Constituição Federal181, uma vez que o aludido dispositivo
exige a formulação de lei específica para tanto.
Diante dessa conduta, verifica-se a ocorrência de omissão específica do
agente público, devendo ser imputada ao Estado a responsabilização objetiva,
prevista no artigo 37, parágrafo 6º, do diploma legal já mencionado.
4.2 Decisões Judiciais em que a responsabilidade civil do Estado foi
considerada subjetiva
No caso da responsabilização subjetiva do Estado por omissão, em que pese
não estar pacificado o tema, vê-se que esta será aplicada sempre o dever de agir do
Ente Público, contrariamente ao que se observa na responsabilização objetiva nos
casos em que há omissão, for genérico, ou seja, sempre que o Estado seja o
responsável por evitar o dano em tese, que ocorrido, não decorreu diretamente da
inação estatal ou de qualquer de seus agentes e encontra seu fundamento na culpa
(negligência, imprudência ou imperícia) do serviço em sua totalidade.
_____________
179
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Apelação Cível nº
2005.71.00.016129-0. Órgão Julgador: Terceira Turma. Julgado em 03 out. 2006.
180
Anexo E.
181
Art.37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados,
do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
[...]
_____________
87
4.2.1 Por danos causados à propriedade privada
Preceitua a Declaração Universal dos Direitos Humanos em seu artigo 17 que
“Toda pessoa tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outros”, nossa
Constituição Federal estabelece a propriedade como direito fundamental e garantia
individual em seu artigo 5º, inciso XXII182, consagrando-o como direito inalienável do
ser humano.
Em que pese ser este um dos bens jurídicamente mais protegidos no nosso
sistema, quando se trata de imputar responsabilidade civil ao Estado, gestor de
dinheiro público, ainda assim é possível demandá-lo com fundamento na sua culpa
relativamente à falta de proteção da propriedade, quando se trata da inércia diante
da inobservância de um dever genérico de proteção, em que a omissão estatal
figurou somente como causa mediata do dano.
Entretanto, sendo específica a omissão do Estado, ou seja, quando havia o
dever objetivo e delimitado de agir e não o fez, é de ser aplicado o disposto no artigo
37, parágrafo 6º, da Constituição Federal, como se viu anteriormente no item 3.1.1.
Nesse sentido e, tendo em vista, inclusive, os princípios que regem a
Administração Pública, concorda-se plenamente com o posicioamento adotado na
demanda, cujo julgado segue abaixo transcrito:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ESTADO.
RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL.
ASSENTAMENTO IRREGULAR PELO ESTADO EM TERRAS INDÍGENAS.
INSEGURANÇA GERADA
PELA SITUAÇÃO.
MANIFESTAÇÕES
VIOLENTAS EXERCIDAS PELOS ÍNDIOS. OMISSAO ESTATAL. FATO DO
SERVIÇO. INEFICIENCIA. PRELIMINAR DE MÉRITO. PRESCRIÇÃO.
AFASTADA. ACORDO EXTRAJUDICIAL QUE NÃO ABARCA OS DANOS
EXTRAPATRIMONIAIS.
1) O Estado, pelos danos que causar aos particulares, devido a sua
omissão, responde subjetivamente, e em conformidade a teoria da
responsabilidade subjetiva decorrente da faute du service.
_____________
X - a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º do art. 39 somente
poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso,
assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices;
182
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
XXII - é garantido o direito de propriedade;
88
2) O valor da indenização deve atender o caráter compensatório e punitivopedagógico, sem se tornar fonte de enriquecimento ilícito. Valor da
183
indenização reduzido. DERAM PROVIMENTO AO APELO.
Vale transcrever trechos do voto prolatado no acórdão em tela:
O fato ensejador dos alegados danos morais sofridos pela autora diz com a
ausência de prestação de serviços adequadamente pelo ente estatal, que
não garantiu a segurança que dele se esperava em confronto dos indígenas
com os agricultores que moravam na 4ª Seção de Planalto.
[...] frente à demonstração do dano, a omissão do Estado em zelar pela
segurança dos indivíduos, principalmente, porque a situação foi gerada por
ato seu, e ainda, presente o nexo causal entre o omissão e o dano,
imperiosa a responsabilização do ente estatal em indenizar os autores.
Nesse sentido já houve manifestação deste Tribunal no julgamento das
apelações cíveis números 70014597603, 70015832686, 70012670493 e
70011125515, dos quais peço vênia para transcrever as ementas, in verbis:
RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. ESTADO DO RIO GRANDE DO
SUL. DANO MORAL E MATERIAL. ALIENAÇÃO DE TERRAS
DEVOLUTAS DA UNIÃO. TERRAS INDÍGENAS. RESPONSABILIDADE
CIVIL COMPROVADA. Responsabilidade objetiva do Estado, fundada na
teoria do risco administrativo, que impõe a obrigação de indenizar sem
cogitar sobre a identificação do causador do dano, porque a indagação de
culpa ou dolo do agente da autoridade é justificável apenas em se tratando
de ação de regresso contra o responsável. O valor fixado pelo juízo
monocrático, em 100 salários mínimos, mostra-se suficiente, pois atende à
dupla finalidade a que se propõe a reparação de danos morais: compensar
o efeito nefasto acarretado à vítima e reprimir esse tipo de acontecimento, já
que o caráter da reparação é compensatório e educativo. APELO
DESPROVIDO. (Apelação e Reexame Necessário Nº 70014597603,
Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco
Aurélio dos Santos Caminha, Julgado em 21/09/2006)
[...]
O Estado, pelos danos que causar aos particulares, devido a sua omissão,
responde subjetivamente, e em conformidade a teoria da responsabilidade
subjetiva decorrente da faute du service.
Celso Antônio Bandeira de Mello ensina que “em face dos princípios
publicísticos não é necessária a identificação de uma culpa individual para
deflagrar-se a responsabilidade do Estado. Esta noção civilista ultrapassada
pela idéia denominada faute du service entre os franceses. Ocorre a culpa
do serviço ou falta de serviço, quando este não funciona, devendo
funcionar, funciona mal ou funciona atrasado. Esta é a tríplice modalidade
pela qual se apresenta e nela se traduz um elo entre a personalidade
tradicional do direito civil e a responsabilidade objetiva”
Conforme entendimento do autor supracitado e dos Tribunais Superiores a
responsabilidade civil do Ente Estatal baseada na omissão, como é o caso
dos autos, é fundamentada na culpa do Estado e se caracterizará sempre
que este, devendo atuar segundo certos critérios e padrões mínimos, não o
faz, ou, ainda, atua de modo insuficiente.
É exatamente o caso dos autos. O Estado tinha ciência da situação
estabelecida na região. Sabia da conflituosidade, dos precedentes de
violência, enfim, da intenção dos indígenas. E o que fez? Encaminhava ao
local insignificante número de policiais, que não tinham condições nenhuma
para impedir os atos de violência. Justificava a precariedade da segurança
_____________
183
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 70017007303. Órgão Julgador:
Sexta Câmara Cível. Julgado em 22 mar. 2007.
89
na 4ª Secção pela falta de policiais, mas não demonstrou em momento
algum que estava tentando tomar providências para alterar a situação.
Diante de tais fatos, tenho que a questão posta encontra guarida na referida
teoria da responsabilidade subjetiva pela falha do serviço. Em verdade o
caso, além de configurar-se em omissão do Estado, também denota a falha
do serviço público, a ineficiência da segurança oferecida, seja pela falta
mesmo de pessoal, seja pelo desinteresse das autoridades em resolver o
conflito.
[...]
Ora, só para argumentar, não é questão de querer um Estado unipresente,
mas o que se verificou no caso desses agricultores foi que o Estado era
sabedor da dimensão dos conflitos que nas referidas terras ocorriam.
Sabia que precisava montar uma estratégia para conter a violência e os
moradores clamavam por isso. Porém, o que se percebe é que o ente
estatal ficava inerte, só agindo quando a situação já estava inviável de ser
contornada.
Assim, frente à demonstração do dano, a omissão do Estado em zelar pela
segurança dos indivíduos, a deficiência do serviço por culpa, e ainda,
presente o nexo causal entre a omissão e o dano, imperiosa a
responsabilização do ente estatal em indenizar a autora.
Aqui se verificou um caso típico de falta do serviço por ineficiência, em que o
Estado restou responsabilizado civilmente de maneira subjetiva, em função da
conduta culposa da administração e da configuração do nexo de causalidade entre a
omissão e o dano.
4.2.2 Por danos causados em virtude de acidentes:
RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO.
LEGITIMIDADE ATIVA DO CONDUTOR DO VEÍCULO. OMISSÃO DO
ESTADO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. CULPA DEMONSTRADA
NA ESPÉCIE. ACIDENTE DE VEÍCULOS EM CRUZAMENTO. SEMÁFORO
DEFEITUOSO. CULPA CONCORRENTE DO MUNICÍPIO E DO
MOTORISTA QUE TRAFEGAVA NA VIA EM QUE O SINAL ESTAVA
INOPERANTE. AUSÊNCIA DE CULPA DO CONDUTOR DO VEÍCULO
QUE TRANSITAVA PELA RUA EM QUE O SEMÁFORO ESTAVA VERDE.
"Tem legitimidade ativa ad causam para o pleito o motorista que se achava
ao volante do veículo quando do evento e padeceu o prejuízo dele advindo,
pois detém a posse do veículo e pode responsabilizar-se perante o
proprietário" (AGA 556.138/RS, Rel. Min. Luiz Fux, DJ 5.4.2004). No campo
da responsabilidade civil do Estado, se o prejuízo adveio de uma omissão
do Estado, ou seja, pelo não-funcionamento do serviço, ou seu
funcionamento tardio, deficiente ou insuficiente, invoca-se a teoria da
responsabilidade subjetiva. Na espécie, a colisão entre os veículos, ocorrida
no cruzamento entre duas ruas, deveu-se ao fato de que um dos semáforos
do cruzamento estava verde e o outro, inoperante; ausente qualquer
sinalização sobre o defeito no semáforo. Assim, como bem enfatizou a
Corte de origem, "evidente a responsabilidade do Município pelo dever de
conservar a sinaleira em regular estado de funcionamento. No caso dos
autos, deveria ter providenciado alguma indicação do defeito que tornou
90
inoperante o semáforo, porquanto há notícia de que dois outros acidentes
ocorreram no mesmo local, fato que não é impugnado na contestação" (fl.
122). In casu, portanto, restou caracterizada a culpa do Município recorrido
ao não ter colocado sinalização evidenciando que naquele cruzamento um
dos semáforos não estava acionado. Não se deve deixar de considerar,
contudo, que o recorrente Jorge Luiz Lourenço deveria ter sido atento ao
cruzar a rua, uma vez que o sinal não estava operante e naquele local não
há vias preferenciais devido à existência dos dois sinais. Dessa forma,
quanto a esse recorrente, deve ser mantido o raciocínio da Corte Estadual
de que "há concorrência de culpas: a do motorista por atravessar o
cruzamento simplesmente ignorando a ausência da sinalização que ali
deveria existir, a da Municipalidade em decorrência de omissão que permitiu
e contribuiu para um tal proceder" (fl. 123). Fincado nessa premissa, cumpre
dar provimento in totum ao recurso no que concerne ao pedido de danos
materiais de Anilto Klein de Oliveira, uma vez que quando do acidente
trafegava na via em que o semáforo estava verde, não lhe sendo cobrado
qualquer dever de diligência quanto ao provável surgimento de veículos
provenientes das outras ruas.
Recurso especial provido em parte, para condenar o Município de
Canoas/RS ao pagamento de danos materiais a Anilto Klein de Oliveira, no
184
valor do menor orçamento juntado aos autos .
Traçando um comparativo entre esta decisão e aquela apresentada na página
62, em que foi aplicada a responsabilização objetiva, entende-se que aqui também
havia um dever individualizado de agir, em que pese a coexistência do dever
genérico do Estado de assegurar a trafegabilidade com segurança em vias públicas.
Veja-se parte do voto que fundamentou tal decisão:
No campo da responsabilidade civil do Estado, a regra é a responsabilidade
objetiva, cujo corolário é a teoria do risco administrativo, segundo a qual
está o Poder Público obrigado a reparar o dano por ele causado a outrem
por meio de uma ação lícita ou ilícita de seus agentes. Bastará, nessa
hipótese, comprovar a ocorrência do prejuízo e o nexo causal entre a
conduta e o dano, para que assista ao lesionado o sucedâneo indenizatório.
Por outro lado, se o prejuízo adveio de uma omissão do Estado, ou seja,
pelo não-funcionamento do serviço, ou seu funcionamento tardio, deficiente
ou insuficiente, invoca-se a teoria da responsabilidade subjetiva.
A esse respeito, pontifica o professor Celso Antonio Bandeira de Mello que,
“se o Estado não agiu, não pode logicamente, ser ele o autor do dano. E, se
não foi o autor, só cabe responsabilizá-lo caso esteja obrigado a impedir o
dano. Isto é: só faz sentido responsabilizá-lo se descumpriu dever legal que
lhe impunha obstar ao evento lesivo” (in "Curso de direito administrativo ",
Malheiros Editores, São Paulo: 2002, p. 855).
Raciocínio contrário levaria à insensatez de atribuir ao Estado a
responsabilidade por todo e qualquer ato danoso causado por terceiro. Ao
comentar o tema, referido doutrinador, com a ênfase que lhe é peculiar,
pondera que, "em princípio, cumpre ao Estado prover a todos os interesses
da coletividade. Ante qualquer evento lesivo causado por terceiro, como um
assalto em via pública, uma enchente qualquer, uma agressão sofrida em
local público, o lesado poderia sempre argüir que o 'serviço não funcionou'.
A admitir-se a responsabilidade objetiva nestas hipóteses, o Estado estaria
erigido em segurador universal! Razoável que responda pela lesão
_____________
184
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 2005/0004734-7. Órgão Julgador:
Segunda Turma. Julgado em 21 jun. 2005.
91
patrimonial da vítima de um assalto se agentes policiais relapsos assistiram
à ocorrência inertes e desinteressados ou se, alertados a tempo de evitá-lo,
omitiram-se na adoção de providências cautelares. Razoável que o Estado
responda por danos oriundos de uma enchente se as galerias pluviais e os
bueiros de escoamento das águas estavam entupidos ou sujos, propiciando
o acúmulo da água. Nestas situações, sim, terá havido descumprimento do
dever legal na adoção de providências obrigatórias. Faltando, entretanto,
este cunho de injuridicidade, que advém do dolo, ou da culpa tipificada na
negligência, na imprudência ou na imperícia, não há cogitar de
responsabilidade pública" (op. cit., p. 857).
Nesse diapasão, salientei, no julgamento do Recurso Especial 44.500/MG
(DJ 9.9.2002), em que fui designado Relator para acórdão, que, "para que
haja responsabilidade objetiva do Estado, forçoso reconhecer que os atos
lesivos devem ser praticados por agentes públicos, por comissão. Se houve
omissão, sua responsabilidade será por culpa subjetiva (cf. Lúcia Valle
Figueiredo, in Curso de Direito Administrativo, Malheiros Editores, 4a ed., p.
255)".
O entendimento que ora se defende situa-se no campo da responsabilidade
subjetiva pela faute du service ou culpa do serviço, existente quando o
Estado, devendo atuar com base em certos critérios, não o faz, ou quando
peca por omissão ou atua de modo deficiente ou insuficiente.
Na espécie, a colisão entre os veículos, ocorrida no cruzamento de duas
vias, deveu-se ao fato de que um dos semáforos do cruzamento estava
verde, e o outro, inoperante; ausente qualquer sinalização sobre o defeito
no semáforo.
Assim, como bem enfatizou a Corte de origem, "evidente a responsabilidade
do Município pelo dever de conservar a sinaleira em regular estado de
funcionamento. No caso dos autos, deveria ter providenciado alguma
indicação do defeito que tornou inoperante o semáforo, porquanto há notícia
de que dois outros acidentes ocorreram no mesmo local, fato que não é
impugnado na contestação" (fl. 122).
In casu, portanto, restou caracterizada a culpa do Município recorrido por
não ter colocado sinalização evidenciando que naquele cruzamento um dos
semáforos não estava acionado.
Não se deve deixar de considerar, contudo, que o recorrente Jorge Luiz
Lourenço deveria ter sido atento ao cruzar a rua, uma vez que o sinal não
estava operante e naquele local não há vias preferenciais devido à
existências dos dois sinais.
Dessa forma, quanto a esse recorrente, deve ser mantido o raciocínio da
Corte Estadual de que "há concorrência de culpas: a do motorista por
atravessar o cruzamento simplesmente ignorando a ausência da sinalização
que ali deveria existir, a da Municipalidade em decorrência de omissão que
permitiu e contribuiu para um tal proceder” (fl. 123).
Compulsando a decisão supra transcrita, verifica-se que dois outros acidentes
já haviam ocorrido no mencionado cruzamento, podendo-se inferir que se deram
justamente pela falta de sinalização adequada. Nesse caso, é inadmissível a
negligência do Estado, que, tendo ciência do problema, tinha o dever legal objetivo
de resolvê-lo.
Assim, entende-se ser equivocada a decisão em comento, na medida em que
foi adotado um posicionamento inflexível no sentido de sempre aplicar a teoria
subjetiva nas hipóteses de omissão.
Diferentemente do que ocorre no precedente que segue:
92
RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL
DO ESTADO. ACIDENTE EM BURACO (VOÇOROCA) CAUSADO POR
EROSÃO PLUVIAL. MORTE DE MENOR. INDENIZAÇÃO. CASO
FORTUITO E FORÇA MAIOR. INEXISTÊNCIA. SÚMULA 7/STJ. NÃOINCIDÊNCIA.
1. Ação indenizatória proposta em face do Município de Costa Rica/MS, em
que se pleiteia pensão vitalícia no montante de dois salários mínimos
mensais e despesas de funeral, pela morte de filho menor, em decorrência
de acidente em buraco (voçoroca) causado pelas águas da chuva.
2. A instância especial, por suas peculiaridades, inadmite a discussão a
respeito de fatos narrados no processo - vale dizer, de controvérsias
relativas à existência ou inexistência de fatos ou à sua devida
caracterização -, pois se tornaria necessário o revolvimento do conjunto
probatório dos autos.
3. Entretanto, a qualificação jurídica de fatos incontroversos, ou seja, seu
devido enquadramento no sistema normativo, para deles extrair
determinada conseqüência jurídica, é coisa diversa, podendo ser aferida
neste âmbito recursal. Não-incidência da Súmula 7/STJ.
4. Segundo o acórdão recorrido, a existência da voçoroca e sua
potencialidade lesiva era de "conhecimento comum", o que afasta a
possibilidade de eximir-se o Município sob a alegativa de caso fortuito e
força maior, já que essas excludentes do dever de indenizar pressupõem o
elemento "imprevisibilidade".
5. Nas situações em que o dano somente foi possível em decorrência da
omissão do Poder Público (o serviço não funcionou, funcionou mal ou
tardiamente), deve ser aplicada a teoria da responsabilidade subjetiva. Se o
Estado não agiu, não pode ser ele o autor do dano. Se não foi o autor, cabe
responsabilizá-lo apenas na hipótese de estar obrigado a impedir o evento
lesivo, sob pena de convertê-lo em "segurador universal".
6. Embora a municipalidade tenha adotado medida de sinalização da área
afetada pela erosão pluvial, deixou de proceder ao seu completo
isolamento, bem como de prover com urgência as obras necessárias à
segurança do local, fato que caracteriza negligência, ensejadora da
responsabilidade subjetiva.
7. Em atenção à jurisprudência da Corte e aos limites do recurso especial,
deve a indenização ser fixada no montante de 2/3 do salário mínimo, a partir
da data em que a vítima completaria 14 anos de idade (28 de agosto de
1994) até o seu 25º aniversário (28 de agosto de 2005), calculado mês a
mês, com correção monetária plena.
8. Os honorários advocatícios devem ser fixados em 10% sobre o valor
atualizado da condenação, a ser apurado em liquidação de sentença.
185
9. Recurso especial conhecido e provido em parte .
Vale analisar parte do voto proferido, para que se entenda melhor a decisão:
Noticiam os autos que Maria Aparecida da Silva propôs em face do
Município de Costa Rica, Estado do Mato Grosso do Sul, ação indenizatória,
em que pleiteia pensão vitalícia no montante de 02 (dois) salários mínimos
mensais e despesas de funeral pela morte de seu único filho, de 11 (onze)
anos, em decorrência de acidente em buraco (voçoroca) causado pelas
águas da chuva, o que veio a vitimar o menor por asfixia.
O acórdão recorrido traz como fundamento de exclusão da responsabilidade
municipal as hipóteses de caso fortuito e força maior, bem como a culpa in
vigilando da mãe do menor vitimado.
Cinge-se a questão em averiguar a existência de responsabilidade do
Município pelos prejuízos advindos do acidente, tendo em vista a suposta
_____________
185
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1997/0040014-0. Órgão Julgador:
Segunda Turma. Julgado em 19 out.2004.
93
omissão da Prefeitura em conter o processo erosivo decorrente das fortes
chuvas que afetaram a região.
Em regra, a responsabilidade do Estado é de natureza objetiva (art. 37, § 6º,
da CF/88), quando o dano decorre de ato comissivo, lícita ou ilicitamente
praticado. Nas situações em que o dano somente foi possível em
decorrência da omissão do Poder Público (o serviço não funcionou,
funcionou mal ou tardiamente), deve ser aplicada a teoria da
responsabilidade subjetiva. Se o Estado não agiu, não pode ser ele o autor
do dano. Se não foi o autor, cabe responsabilizá-lo apenas na hipótese de
estar obrigado a impedir o evento lesivo, sob pena de convertê-lo em
"segurador universal".
Logo, a responsabilidade estatal por ato omissivo dá-se por força de um
comportamento ilícito, quando o Estado, devendo atuar segundo certos
critérios ou padrões, não o faz, ou atua de modo insuficiente. Nesse caso, a
comprovação de dolo ou culpa mostra-se necessária.
Na hipótese, a existência da voçoroca e sua potencialidade lesiva era,
segundo o acórdão recorrido, de “conhecimento comum”, o que afasta a
possibilidade de eximir-se o Município sob a alegativa de caso fortuito e
força maior, já que essas excludentes do dever de indenizar pressupõem o
elemento "imprevisibilidade".
Assim, afastadas essas excludentes, resta aferir se a omissão do Município
reveste-se de dolo ou culpa, necessários à conformação da
responsabilidade subjetiva do Poder Público. Nesse particular, colho como
argumentos a preciosa manifestação do Ministério Público Federal, por meio
do Subprocurador-Geral da República Dr. Benedito Izidro da Silva:
"Na espécie, é de fácil inferência que existia para a Administração Pública
Municipal o seu dever de zelar pela segurança dos que por ali passavam,
pois é seu dever conservar vias públicas em bom estado, ao não fazê-lo ou
fazê-lo de modo paliativo deixando que um 'buracão' tomasse conta,
descumpriu com esse dever.
Dos elementos de convicção reunidos nos autos, constata-se notória
deficiência nas condições de segurança pois que a voçoroca avançava a
cada chuva e, como dito pelos peritos, 'aumentando a probabilidade de
desmoronamento dos taludes com a inevitável queda de postes de energia
elétrica, árvores e até mesmos das casas ali próximas localizadas'.
A omissão do Município, in casu, se consubstancia na negligência no
emprego de medidas de segurança plenamente adequadas às
circunstâncias específicas do caso.
Não se diga, que a municipalidade não tenha adotado qualquer medida de
segurança no local, mas o fez de forma insatisfatória e há muito tempo
antes do infortúnio, de modo que à época do acidente não se distinguia a
rua da voçoroca.
Assim, deve ser responsabilizado, eis que incorreu em 'ilicitude, por não ter
acorrido para impedir o dano ou por haver sido insuficiente neste mister, em
razão de comportamento inferior ao padrão legal exigível'.
Afirma o Professor Celso Antônio que 'não há resposta a priori quanto ao
que seria o padrão normal tipificador da obrigação a que estaria legalmente
adstrito. Cabe indicar, no entanto, que a normalidade da eficiência há de ser
apurada em função do
meio social, do estágio de desenvolvimento tecnológico, cultural, econômico
e da conjuntura da época, isto é, das possibilidade reais médias dentro do
ambiente em que se produziu o fato danoso'.
Nesse contexto, poder-se-ia questionar: na hipótese dos autos vislumbra-se
cuidados que se observados pela Municipalidade em atuação diligente
evitaria a morte do menor?
Não há outra resposta a não ser a afirmativa, tendo em conta o descrito no
Laudo Pericial que ao final requer providências para a contenção da
voçoroca, bem assim a ausência na localidade de isolamento da zona de
perigo.
94
O entendimento que ora se defende localiza-se no âmbito da
responsabilidade subjetiva pela faute du service ou culpa do serviço,
existente quando o Município, devendo atuar com base em certos critérios,
não o faz, ou quando peca por omissão ou atua de modo deficiente ou
insuficiente.
Neste caso, conforme o Prof. Bandeira de Mello, "necessariamente haverá
de ser admitida uma 'presunção de culpa', pena de inoperância desta
modalidade de responsabilização, ante a extrema dificuldade (às vezes
intransponível) de demonstrar-se que o serviço operou abaixo dos padrões
devidos, isto é, com negligência, imperícia ou imprudência, vale dizer
culposamente. Em face da presunção de culpa, a vítima do dano fica
desobrigada de comprová-lo'.
Portanto, não prevalece a afirmação do v. acórdão de que o infortúnio
ocorreu por culpa da mãe do menor, 'por não vigiar seu infante, pois sabia
da existência da erosão nas proximidades de sua casa e, mesmo assim,
permitia-lhe brincar longe de seus olhos e cuidados'. Veja-se que os
Desembargadores deixam claro no aresto que 'era, porém, da ciência de
todos os moradores da região tal periculosidade'. Portanto, o perigo era
comum a qualquer morador da região.
Poder-se-ia admitir a culpa exclusiva da vítima, na espécie, se, atendidas as
exigências de segurança, a vítima, por vontade própria, violasse as regras
de fruição do serviço. Como tal não se deu, resta concluir que a omissão e a
negligência municipal foi a causa para a ocorrência do dano.
Assim, conjugam-se a omissão e a negligência do Município,
consubstanciado no artigo 159 do Código Civil, à época, e não em caso
fortuito ou força maior, a configurar o ato lesivo e conseqüente obrigação de
indenizar à ora recorrente" (fls. 222/225).
É possível concluir, assim, que a municipalidade, embora tenha adotado
medida de sinalização da área afetada pela erosão pluvial, deixou de
proceder ao seu completo isolamento, bem como de prover com urgência as
obras necessárias à segurança do local, fato que caracteriza negligência,
ensejadora da responsabilidade subjetiva.
Caracterizada a responsabilidade por omissão do Município, resta a tarefa
de quantificar a indenização.
Veja-se que era de conhecimento comum o buraco existente na via pública,
assim como o seu potencial lesivo. No entanto, no caso em tela, a municipalidade
adotou diversas posturas no sentido de evitar a ocorrência de qualquer dano, o
fazendo, no entanto, de maneira insatisfatória, ou seja, o serviço foi ineficiente,
funcionou mal.
Assim, foi aplicada a teoria subjetiva, baseada na culpa anônima, já que estava
obrigado o Ente Público a impedir a ocorrência do evento lesivo.
Entendimento acertado também foi aplicado no caso da ementa abaixo
transcrita:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE
INDENIZAÇÃO. DANOS PATRIMONIAIS, MORAIS E LUCROS
CESSANTES. OMISSÃO DO MUNICÍPIO. AUSÊNCIA DE SINALIZAÇÃO
NA ÁREA EM QUE RETIRADAS AS ÁRVORES. O autor ajuizou a presente
ação visando à condenação do réu ao pagamento de indenização a título de
danos materiais e lucros cessantes. Fundou sua pretensão nos danos
causados em veículo de sua propriedade, ocasionados pela queda de um
eucalipto sobre o mesmo, na ocasião em que prepostos do réu retiravam
árvores que representavam riscos a moradores de determinada localidade.
95
A regra decorrente de disposição constitucional é que as pessoas jurídicas
de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos
são responsáveis objetivamente pelos danos que seus agentes, nessa
qualidade, causarem a terceiros. Há, dessarte, evidente responsabilidade
objetiva do Poder Público para atos comissivos de seus agentes. Todavia, o
mesmo não ocorre no que concerne à omissão, em que, conforme o mais
recente entendimento do Supremo Tribunal Federal e doutrina consolidada,
a responsabilidade civil por tal ato é subjetiva, exigindo dolo ou culpa, esta
numa de suas três vertentes, a negligência, a imperícia ou a imprudência.
Não é necessário individualizá-la, porém, dado que pode ser atribuída, de
forma genérica, à falta do serviço - faute du service -. Com efeito, o réu
contribuiu para a ocorrência do sinistro, ao não empregar as cautelas
necessárias ao caso concreto, uma vez que, na área em que seus
prepostos cortavam e retiravam as árvores que representavam riscos aos
moradores da localidade, não sinalizou os locais de risco, impossibilitando a
ciência destes locais àqueles que, por um motivo ou por outro, precisavam
acessá-los. Reconhecido o dever do réu de indenizar os danos patrimoniais
causados no veículo de propriedade do autor. Não incluídos na condenação
as despesas diárias e os lucros cessantes, uma vez que ausente substrato
probatório robusto e consistente. Sucumbência recíproca das partes que
autoriza a distribuição dos ônus de sucumbência de maneira proporcional
entre os litigantes. Honorários advocatícios reduzidos para 10% sobre o
valor da condenação, com amparo nos §§ 3º e 4º do artigo 20 do Código de
Processo Civil. Compensação dos honorários advocatícios viável, nos
termos da Súmula 306 do Superior Tribunal de Justiça. APELO DO RÉU
186
PROVIDO EM PARTE. APELO DO AUTOR DESPROVIDO. UNÂNIME.
Nesse caso, importa salientar a falta efetiva do serviço de conservação da via
pública que figurou como causa mediata da ocorrência do dano, pois, havia o dever
genérico de conservação da via pela autarquia, que, sendo negligente nesse tocante
proporcionou que tivesse lugar o dano experimentado. Verificando-se, novamente
aqui, a figura da culpa anônima por “faut du service”, como se pode observar na
fundamentação dessa decisão187 .
4.2.3 Por danos causados por falta de segurança pública:
Conforme anteriormente referido, a responsabilização civil do Estado pela
inobservância do disposto no artigo 144 da Constituição Federal vem sendo tratada
pela jurisprudência majoritária sob o ângulo subjetivo, fundamentada na falta
genérica desse serviço.
_____________
186
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 70018624692. Órgão Julgador:
Nona Câmara Cível. Julgado em 18 abr.2007.
187
Anexo F.
96
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. FURTO EM
ESTACIONAMENTO.
RESPONSABILIDADE
DO
MUNICÍPIO.
INEXISTÊNCIA DE ADMINÍCULO PROBATÓRIO A ENSEJAR A
RESPONSABILIZAÇÃO.
1. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO MUNICÍPIO.
O sistema jurídico brasileiro adota a responsabilidade patrimonial objetiva
do Estado e das prestadoras de serviço público sob a forma da Teoria do
Risco Administrativo. Tal assertiva encontra respaldo legal no art. 37, § 6º,
da CF.
2. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ENTE PÚBLICO POR OMISSÃO.
FAUTE DU SERVICE. No entanto, a parte autora sustenta a pretensão
reparatória em virtude da omissão da municipalidade diante da negligência
na vigilância dos veículos estacionados nas proximidades do baile
organizado pelo município. Logo, descartada a hipótese de
responsabilidade objetiva, emerge a responsabilidade subjetiva do
Município, a teor do art. 186 do Código Civil. Incide, portanto, o princípio
geral da culpa civil, nas modalidades de imprudência, negligência ou
imperícia na realização do serviço público que causou o dano, daí exigir-se
a prova da culpa da Administração ¿ falta do serviço.
3. Contudo, para restar verificada a responsabilidade, necessária, pois, a
existência de prova da existência de agir por parte do Município, o que não
se verifica nos autos, não restando comprovado sequer que o furto do
veículo deu-se nas dependências do Parque Municipal. NEGARAM
188
PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME.
Neste julgado, se depreende da sua fundamentação que os Desembargadores
acolheram a tese da responsabilidade subjetiva do Estado, mesmo em se tratando
de caso bem específico e delimitado objetivamente de falta de segurança:
[...]descartada a hipótese de responsabilidade objetiva, emerge a
responsabilidade subjetiva do Município, a teor do art. 186 do Código Civil.
Incide, portanto, o princípio geral da culpa civil, nas modalidades de
imprudência, negligência ou imperícia na realização do serviço público que
causou o dano, daí, exigir-se a prova da culpa da Administração.
No entanto, foi negado provimento ao recurso em razão da não comprovação
do nexo de causalidade entre a omissão do ente público e o dano perpetrado,
elemento indispensável à responsabilização civil em ambas as modalidades.
Veja-se o caso que segue:
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. VIOLAÇÃO DOS ARTIGOS 131,
165 e 458, II, DO CPC CONFIGURADA. APLICAÇÃO DA TEORIA DA
RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA. OMISSÃO DO PODER
PÚBLICO. PLEITO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS. MORTE DE
FUNCIONÁRIO EM HOSPITAL PÚBLICO. FATO PRESUMÍVEL. ONUS
PROBANDI.
1.É cediço no Tribunal que: "ADMINISTRATIVO – RESPONSABILIDADE
CIVIL DO ESTADO – ATO OMISSIVO – MORTE DE PORTADOR DE
DEFICIÊNCIA MENTAL INTERNADO EM HOSPITAL PSIQUIÁTRICO DO
ESTADO. 1. A responsabilidade civil que se imputa ao Estado por ato
danoso de seus prepostos é objetiva (art. 37, § 6º, CF), impondo-lhe o dever
_____________
188
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 70017235359. Órgão Julgador:
Nona Câmara Cível. Julgado em 28 fev.2007.
97
de indenizar se se verificar dano ao patrimônio de outrem e nexo causal
entre o dano e o comportamento do preposto. 2. Somente se afasta a
responsabilidade se o evento danoso resultar de caso fortuito ou força maior
ou decorrer de culpa da vítima. 3. Em se tratando de ato omissivo, embora
esteja a doutrina dividida entre as correntes dos adeptos da
responsabilidade objetiva e aqueles que adotam a responsabilidade
subjetiva, prevalece na jurisprudência a teoria subjetiva do ato omissivo, de
modo a só ser possível indenização quando houver culpa do preposto. 4.
Falta no dever de vigilância em hospital psiquiátrico, com fuga e suicídio
posterior do paciente. 5. Incidência de indenização por danos morais. 6.
Recurso especial provido.(REsp 602102/RS; Relatora Ministra ELIANA
CALMON
DJ 21.02.2005 ); "RECURSO ESPECIAL. ASSALTO À
INSTITUIÇÃO BANCÁRIA. MORTE DA VÍTIMA. INDENIZAÇÃO. NÃOCONFIGURAÇÃO DE CASO FORTUITO OU DE FORÇA MAIOR.
PREVISIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. Cuida-se de
recurso especial (fls. 351/357) interposto por FÁTIMA TERESINHA
SEMELER e OUTROS com fulcro no art. 105, III, alínea "c", da Constituição
Federal de 1988, em face de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do
Estado do Rio Grande do Sul que, em sede de apelação, por unanimidade
de votos, restou assim ementado (fl. 337): "Apelação cível. Reexame
necessário. Responsabilidade civil. Ação indenizatória por dano moral.
Assalto à mão armada. Agência bancária. Falecimento do esposo/pai dos
autores. Primeiro apelo. Ausência de nexo de causalidade entre o evento
danoso e a conduta do réu, considerando que o roubo à mão armada
corresponde à força maior, excludente de responsabilidade. Ao exame do
caso concreto, verifica-se que não houve falha de segurança, sendo
questão de fato que não restou comprovada, sendo esse ônus dos autores,
que alegaram o fato. Segundo apelo, para majorar o valor da indenização,
que resta prejudicado, em face da improcedência do pedido. Primeiro apelo
provido. Segundo apelo prejudicado. sentença modificada em reexame
necessário." 2. Em sede de recurso especial alega-se a necessidade de
reforma do acórdão e restabelecimento da sentença, pois, conforme o
entendimento deste STJ, é obrigação da instituição bancária no caso de
morte por assalto, devendo ser afastada a afirmativa de caso fortuito e de
força maior. 3. Restando incontroverso nos autos a ocorrência de assalto
em agência bancária, que resultou na morte do genitor dos autores da ação
indenizatória e, evidente a total ausência de oferecimento, pela instituição
financeira, das mínimas condições de segurança aos seus clientes, afigurase inafastável o dever de indenizar pelo Estado do Rio Grande do Sul
(sucessor da extinta Caixa Econômica Estadual). In casu, o único guarda
armado omitiu-se no cumprimento do dever que lhe era afeto, correndo a
esconder-se no banheiro enquanto que o Gerente fugia pela porta dos
fundos, deixando seus subordinados e os clientes completamente entregues
à própria sorte. 4. Descabido, ainda, o argumento de que houve força maior
a ensejar a exclusão da responsabilidade do recorrente. Em diversos
precedentes deste Pretório, restou assentada a orientação de que, em
razão da previsibilidade, o roubo não caracteriza hipótese de força maior,
capaz de elidir o nexo de causalidade, indispensável à configuração do
dever indenizatório. 5. Recurso especial provido."(REsp 787124 / RS ;
Relator Ministro JOSÉ DELGADO DJ 22.05.2006 ).
2. In casu, restou incontroverso que o referido estabelecimento hospitalar
restou invadido em outras ocasiões com morte de 7 (sete) pessoas,
caracterizando-se a culpa ensejadora da responsabilidade por omissão.
189
3. Recurso provido para acolher o pedido inicial .
_____________
189
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n º 2005/0050493-9. Órgão
Julgador:Primeira Turma. Julgado em 08 ago.2006.
98
Explicativo, nesse sentido, é o voto proferido pelo Ministro Luiz Fux, nesta
parte:
O Juiz Singular julgou improcedente a demanda, por inexistência de provas
da participação do agente público no evento danoso ao fundamento de que
pela teoria do risco administrativo, adotada em nosso ordenamento jurídico
no que tange à responsabilidade objetiva do Estado, o que se há de indagar
é, tão somente, se quem causou o dano fê-lo no exercício de função
pública.
O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro negou provimento à
apelação dos ora recorrentes, porque "não configurada qualquer prática de
conduta lesiva ou mesmo omissiva tendo em vista que não houve falta do
serviço, tendo sido o dano causado por terceiro, o que é uma das causas de
exclusão do nexo de causalidade, pois a invasão do hospital público por
bandidos, já afasta, por si só a responsabilidade do Estado, constituindo-se
em caso fortuito."
A hipótese dos autos versa acerca da Responsabilidade Subjetiva do
Estado, em que predomina a teoria da culpa do serviço público pelo seu
mau funcionamento (faute du service ), aplicável às hipóteses em que o
dano não decorre diretamente da atuação do agente público, mas da
Omissão do Poder Público. Nesta esteira, é a lição da professora Maria
Sylvia Zanella di Pietro, in Direito Administrativo, 18ª Edição, Editora Atlas,
página 569: "A mesma regra se aplica quando se trata de ato de terceiros,
como é o caso de danos causados por multidão ou por delinquentes ; o
Estado responderá se ficar caracterizada a sua omissão , a sua inércia, a
falha na prestação do serviço público. Nesta hipótese, como na anterior, é
desnecessário apelar para a teoria do risco integral;a culpa do serviço
público demonstrada pelo seu mau funcionamento, não-funcionamento ou
funcionamento tardio é suficiente para justificar a responsabilidade do
Estado."
Prima facie, cumpre ressaltar, a situação descrita nos presentes autos não
desafia o óbice da Súmula 07 desta Corte. Isto porque, não se trata de
reexame do contexto fático-probatório dos autos, mas sim da aplicação de
tese jurídica versada no recurso especial, consubstanciada na
Responsabilidade Civil do Estado, por danos materiais e morais, decorrente
do falecimento de funcionário de hospital público ocasionado por ausência
de segurança.
A hipótese sub examine cinge-se à Responsabilidade Subjetiva do Estado,
mais especificamente, por omissão do Poder Público em prestar segurança
à sociedade, o que depende da comprovação da inércia na prestação do
serviço público. Assim, imprescindível a demonstração do mau
funcionamento do serviço, para que seja configurada a responsabilidade,
somente aferível mediante a análise do fato concreto.
Diversa é a circunstância em que se configura a Responsabilidade Objetiva
do Estado, em que o dever de indenizar decorre do nexo causal entre o ato
administrativo e o prejuízo causado ao particular, que prescinde da
apreciação dos elementos subjetivos (dolo e culpa estatal), posto que
referidos vícios na manifestação da vontade dizem respeito, apenas, ao
eventual direito de regresso.
In casu, as razões expedidas no voto condutor do acórdão hostilizado
revelam a falta de apreciação das provas acostadas aos autos. Há
manifesto descompasso das razões de julgar proferidas pelo Tribunal a quo
e os elementos de prova juntados ao feito pelos recorrentes, tais como
documentos que demonstram a habitualidade das ocorrências criminosas
perpetradas contra os pacientes e funcionários públicos residentes no
Hospital Estadual Curupaiti, localizado no Bairro de Jacarepaguá, no Estado
do Rio de Janeiro, bem como depoimentos prestados pelas testemunhas do
evento danoso, cujo resultado morte ensejou o pedido indenizatório.
99
Ademais, o Tribunal local adotou, como razão de julgar, o fundamento
exarado pelo juízo a quo, o qual limitou-se a afastar a teoria da
Responsabilidade Oobjetiva do Estado, sem contudo, apreciar qualquer
prova juntada pelos autores.
Com efeito, a 2ª Turma desta Corte no julgamento de hipótese análoga - em
sede de Recurso Especial 433.514/MG, Relatora Ministra Eliana Calmon,
DJ de 21.02.2005, decidiu, verbis :
"ADMINISTRATIVO – RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO – ATO
OMISSIVO – MORTE DE PORTADOR DE DEFICIÊNCIA MENTAL
INTERNADO EM HOSPITAL PSIQUIÁTRICO DO ESTADO.
1. A responsabilidade civil que se imputa ao Estado por ato danoso de seus
prepostos é objetiva (art. 37, § 6º, CF), impondo-lhe o dever de indenizar se
se verificar dano ao patrimônio de outrem e nexo causal entre o dano e o
comportamento do preposto.
2. Somente se afasta a responsabilidade se o evento danoso resultar de
caso fortuito ou força maior ou decorrer de culpa da vítima.
3. Em se tratando de ato omissivo, embora esteja a doutrina dividida entre
as correntes dos adeptos da responsabilidade objetiva e aqueles que
adotam a responsabilidade subjetiva, prevalece na jurisprudência a teoria
subjetiva do ato omissivo, de modo a só ser possível indenização quando
houver culpa do preposto.
4. Falta no dever de vigilância em hospital psiquiátrico, com fuga e suicídio
posterior do paciente.
5. Incidência de indenização por danos morais.
6. Recurso especial provido.(REsp 602102/RS; Relatora Ministra ELIANA
CALMON DJ 21.02.2005 )"
Oportuno salientar outro aresto desta Corte Especial no sentido de que
imprescindível à configuração da responsabilidade estatal por atos
omissivos a análise das provas, sem a qual não se pode configurar a
eventual culpa pela ausência do serviço:
"RECURSO ESPECIAL. ASSALTO À INSTITUIÇÃO BANCÁRIA. MORTE
DA VÍTIMA. INDENIZAÇÃO. NÃO-CONFIGURAÇÃO DE CASO FORTUITO
OU DE FORÇA MAIOR. PREVISIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL
PROVIDO.
1. Cuida-se de recurso especial (fls. 351/357) interposto por FÁTIMA
TERESINHA SEMELER e OUTROS com fulcro no art. 105, III, alínea "c", da
Constituição Federal de 1988, em face de acórdão proferido pelo Tribunal
de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul que, em sede de apelação, por
unanimidade de votos, restou assim ementado (fl. 337): "Apelação cível.
Reexame necessário. Responsabilidade civil. Ação indenizatória por dano
moral. Assalto à mão armada. Agência bancária. Falecimento do esposo/pai
dos autores. Primeiro apelo. Ausência de nexo de causalidade entre o
evento danoso e a conduta do réu, considerando que o roubo à mão
armada corresponde à força maior, excludente de responsabilidade. Ao
exame do caso concreto, verifica-se que não houve falha de segurança,
sendo questão de fato que não restou comprovada, sendo esse ônus dos
autores, que alegaram o fato. Segundo apelo, para majorar o valor da
indenização, que resta prejudicado, em face da improcedência do pedido.
Primeiro apelo provido. Segundo apelo prejudicado. sentença modificada
em reexame necessário."
2. Em sede de recurso especial alega-se a necessidade de reforma do
acórdão e restabelecimento da sentença, pois, conforme o entendimento
deste STJ, é obrigação da instituição bancária no caso de morte por assalto,
devendo ser afastada a afirmativa de caso fortuito e de força maior.
3. Restando incontroverso nos autos a ocorrência de assalto em agência
bancária, que resultou na morte do genitor dos autores da ação
indenizatória e, evidente a total ausência de oferecimento, pela instituição
financeira, das mínimas condições de segurança aos seus clientes, afigurase inafastável o dever de indenizar pelo Estado do Rio Grande do Sul
(sucessor da extinta Caixa Econômica Estadual). In casu, o único guarda
100
armado omitiu-se no cumprimento do dever que lhe era afeto, correndo a
esconder-se no banheiro enquanto que o Gerente fugia pela porta dos
fundos, deixando seus subordinados e os clientes completamente entregues
à própria sorte.
4. Descabido, ainda, o argumento de que houve força maior a ensejar a
exclusão da responsabilidade do recorrente. Em diversos precedentes deste
Pretório, restou assentada a orientação de que, em razão da previsibilidade
, o roubo não caracteriza hipótese de força maior, capaz de elidir o nexo de
causalidade, indispensável à configuração do dever indenizatório.
5. Recurso especial provido."(REsp 787124 / RS ; Relator Ministro JOSÉ
DELGADO DJ 22.05.2006 ) (grifou-se) Indubitável a necessidade de ser
analisado o conjunto probatório dos autos, a fim de que seja delimitada as
responsabilidades do Estado do Rio de Janeiro, bem como da empresa de
vigilância, contratada pelo Estado para prestar serviços de segurança, por
suposta negligência no cumprimento do dever de garantir o direito à
segurança pública.
Verifica-se, pois, que o cerne da questão é a omissão do Poder Público em
prestar segurança à sociedade.
No entanto, nesse caso específico, como constou na própria ementa do
acórdão em tela, o mesmo estabelecimento público já havia sido invadido em outras
ocasiões e sete outras pessoas já haviam sido mortas naquele local específico pela
negligência do Estado.
Parece um tanto desarrazoado aplicar a teoria subjetiva diante destas
circunstâncias. Note-se que era pública e notória a situação de insegurança
verificada naquele local. Ora, sete pessoas já haviam morrido em função disso! Ao
menos previsível era que ocorressem outras tragédias.
Entende-se, pois, que o mais correto seria aplicar ao referido caso a
responsabilização objetiva do Estado, com base na infração objetiva de um dever
que lhe incumbia de forma bem específica.
Não é o que se observa no precedente que segue:
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CIVIL. RESPONSABILIDADE
CIVIL DO ESTADO. ATO OMISSIVO DO PODER PÚBLICO: DETENTO
FERIDO POR OUTRO DETENTO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA:
CULPA PUBLICIZADA: FALTA DO SERVIÇO. C.F., art. 37, § 6º. I. Tratando-se de ato omissivo do poder público, a responsabilidade civil por
esse ato é subjetiva, pelo que exige dolo ou culpa, em sentido estrito, esta
numa de suas três vertentes -- a negligência, a imperícia ou a imprudência - não sendo, entretanto, necessário individualizá-la, dado que pode ser
atribuída ao serviço público, de forma genérica, a falta do serviço. II. - A falta
do serviço -- faute du service dos franceses -- não dispensa o requisito da
causalidade, vale dizer, do nexo de causalidade entre ação omissiva
atribuída ao poder público e o dano causado a terceiro. III. - Detento ferido
por outro detento: responsabilidade civil do Estado: ocorrência da falta do
101
serviço, com a culpa genérica do serviço público, por isso que o Estado
190
deve zelar pela integridade física do preso. IV. - RE conhecido e provido .
Para entender o caso, vale colacionar parte do explicativo voto proferido pelo
Ministro Carlos Veloso:
[...] em caso de ato omissivo do poder público, o dano não foi causado pelo
agente público. E o dispositivo constitucional instituidor da responsabilidade
objetiva do poder público, art. 107 da CF anterior, art. 37, § 6º, da CF
vigente, refere-se aos danos causados pelos agentes públicos, e não aos
danos não causados por estes, 'como os provenientes de incêndio, de
enchentes, de danos multitudinários, de assaltos ou agressões que alguém
sofra em vias e logradouros públicos, etc.' Nesses casos, certo é que o
poder público, se tivesse agido, poderia ter evitado a ação causadora
do dano. A sua não ação, vale dizer, a omissão estatal, todavia, se
pode ser considerada condição da ocorrência do dano, causa,
entretanto, não foi. A responsabilidade em tal caso, portanto, do
Estado, será subjetiva. (Celso Antônio Bandeira de Mello,
'Responsabilidade Extracontratual do Estado por Comportamentos
Administrativos', em 'Rev. dos Tribs.', 552/11, 13 e 14; 'Curso de Direito
Administrativo', em 'Rev. dos Tribs.', 552/11, 13 e 14; 'Curso de Direito
Administrativo', Malheiros Ed. 5º ed., pp. 489 e segs.)’.(grifos nossos)
Em segundo lugar, tendo em vista que o Estado tem o dever de zelar pela
integridade dos presos, parece evidente que disso decorre o dever de se
implementarem os meios correspondentes, com vistas a que essa finalidade
seja alcançada.
Ora, ‘um preso recolhido a um estabelecimento penitenciário, encontra-se
no mesmo, não por vontade própria, mas sim por condução coativa do
Estado, com a finalidade de cumprir pena que decorre de uma sentença
criminal condenatória. Cabe, portanto, ao Estado, o dever intransferível
de garantir a integridade física daquele preso’. (grifos nossos)
Sendo assim, é imperativo que esses estabelecimentos sejam capazes de
gerar um mínimo de segurança, com suficiente vigilância, apta a impedir
fugas e revoltas que poderiam redundar em represálias e, em última análise,
possivelmente, na ofensa à própria integridade física dos que ali estão
custodiados.
Conforme parecer ministerial (381/389), ‘é dentro desse contexto que surge,
óbvia, a constatação:
impedir que arma de fogo utilizada por policial dentro do presídio, como
também, impedir que as chaves que abririam as portas das celas,
engrossando o número de presos que participariam do conflito, sejam
subtraídas pelos presos amotinados, são exigências mínimas de segurança
que se impõem ao Estado, o qual, desatendendo a esse dever, incorre em
omissão intimamente relacionada com os eventos que culminaram no dano
causado ao ora recorrente’.
O próprio Supremo Tribunal tem entendido que é responsabilidade dos
agentes policiais evitar situações que possam colocar os presos em risco.
Nesse sentido: RE 222.795, RE 170.014 e RE 215.981.
Ora, conforme relatam as instâncias ordinárias, os presos tiveram acesso a
armas de fogo e às chaves de carceragem. Com isso, obviamente, ocorreu
omissão e negligência do serviço policial do Estado, criando situação
perigosa aos que ali se encontravam.
Dessa forma, pode-se afirmar que tal negligência foi condição sine qua non
da ação de terceiros (motim), que veio a causar os danos ao recorrente.
_____________
190
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 382.054-1/RJ. Órgão Julgador:
Segunda Turma. Julgado em 03 ago.2004.
102
[...] No julgamento do RE 372.472/RN, por mim relatado, decidiu o Supremo
Tribunal Federal:
“EMENTA:
CONSTITUCIONAL.
ADMINISTRATIVO.
CIVIL.
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ATO OMISSIVO DO PODER
PÚBLICO:
DETENTO
MORTO
POR
OUTRO
PRESO.
RESPONSABILIDADE SUBJETIVA: CULPA PUBLICIZADA: FALTA DO
SERVIÇO. C.F., art. 37, § 6º.
I. – Tratando-se de ato omissivo do poder público, a responsabilidade civil
por esse ato é subjetiva, pelo que exige dolo ou culpa, em sentido estrito,
esta numa de suas três vertentes —— a negligência, a imperícia ou a
imprudência ——, não sendo, entretanto, necessário individualizá-la, dado
que pode ser atribuída ao serviço público, de forma genérica, a falta do
serviço.
II. – A falta do serviço —— faute du service dos franceses —— não
dispensa o requisito da causalidade, vale dizer, do nexo de causalidade
entre a ação omissiva atribuída ao poder público e o dano causado a
terceiro.
III. – Detento assassinado por outro preso: responsabilidade civil do Estado:
ocorrência da falta do serviço, com a culpa genérica do serviço público,
dado que o Estado deve zelar pela integridade física do preso.
IV. – R.E. conhecido e não provido.” (“DJ” de 28.11.2003)
[...] O Supremo Tribunal Federal, pela sua 1ª Turma, no RE 109.615/RJ,
Relator o Ministro Celso de Mello, decidiu no sentido de que é objetiva a
responsabilidade do Estado ‘pelos danos a que os agentes públicos
houverem dado causa, por ação ou por omissão.’ (RTJ 163/1.107).
III
No caso, o acórdão decidiu pela ocorrência da falta do serviço.
A falta do serviço decorre do não funcionamento ou do funcionamento
insuficiente, inadequado, tardio ou lento do serviço que o poder público
deve prestar.
No RE 179.147/ SP, por mim relatado, decidiu esta 2ª Turma que ‘tratandose de ato omissivo do poder público, a responsabilidade civil por tal ato é
subjetiva, pelo que exige dolo ou culpa, numa de suas três vertentes,
negligência, imperícia ou imprudência, não sendo, entretanto, necessário
individualizá-la, dado que pode ser atribuída ao serviço público, de forma
genérica, a faute du service dos franceses.’ (RTJ 179/791).
[...] No caso, a sentença do Juízo de 1º grau, confirmada pelo acórdão
recorrido, reconheceu:
[...] Indubitável a responsabilidade do Estado por culpa in vigilando, pois
arca com sua própria incúria em matéria de política penitenciária, incapaz
de desarmar presos, inclusive, por temor de alguns guardas que,
constantemente, não fazem uma revista cuidadosa no detento ou em sua
cela. A Constituição Federal preserva, claramente, a integridade do detento
e do presidiário [...]
No caso em comento, foi considerada causa imediata do dano, ato comissivo
de terceiro, ou seja, de outro custodiado que participava da rebelião noticiada. No
entanto, não houve dúvida que o fator decisivo para sua ocorrência foi a deficiência
do serviço de segurança penitenciária, que permitiu que circulassem armas dentro
daquele local.
Em que pese ser indiscutível o dever de preservar a integridade física do preso
pelo Estado, devendo os estabelecimentos penitenciários serem capazes de gerar
essa segurança, é desarrazoado pretender exigir do Estado que preveja todas as
103
condutas
humanas
possíveis,
obstando
sempre
a
ocorrência
de
danos,
responsabilizando-o objetivamente cada vez que isso ocorra.
Assim, acertada foi a decisão em voga, que concedeu somente parcial
provimento ao recurso interposto, na medida em que subjetivamente não há como
responsabilizar o Estado pela integralidade dos danos ocasionados quando somente
concorreu para a produção desse resultado por sua negligência.
O mesmo ocorre no caso do precedente da ementa abaixo calacionada, em
que houve concorrência de culpas para a eclosão do dano:
RECURSO ESPECIAL - ALÍNEAS "A" E "C" - RESPONSABILIDADE CIVIL
DO ESTADO - ATO OMISSIVO - RESPONSABILIDADE SUBJETIVA NEGLIGÊNCIA NA SEGURANÇA DE BALNEÁRIO PÚBLICO MERGULHO EM LOCAL PERIGOSO - CONSEQÜENTE TETRAPLEGIA IMPRUDÊNCIA DA VÍTIMA - CULPA RECÍPROCA - INDENIZAÇÃO
DEVIDA PROPORCIONALMENTE. O infortúnio ocorreu quando o
recorrente, aos 14 anos, após penetrar, por meio de pagamento de
ingresso, em balneário público, mergulhou de cabeça em ribeirão de águas
rasas, o que lhe causou lesão medular cervical irreversível. Para a
responsabilização subjetiva do Estado por ato omissivo, “é necessário, que
o Estado haja incorrido em ilicitude, por não ter acorrido para impedir o dano
ou por haver sido insuficiente neste mister, em razão de comportamento
inferior ao padrão legal exigível” (Celso Antônio Bandeira de Mello, "Curso
de Direito Administrativo", Malheiros Editores, São Paulo, 2002, p. 855). Ao
mesmo tempo em que se exige da vítima, em tais circunstâncias, prudência
e discernimento - já que pelo senso comum não se deve mergulhar em
local desconhecido -, imperioso reconhecer, também, que, ao franquear a
entrada de visitantes em balneário público, sejam eles menores ou não,
deve o Estado proporcionar satisfatórias condições de segurança,
mormente nos finais de semana, quando, certamente, a freqüência ao local
é mais intensa e aumenta a possibilidade de acidentes. "Não há resposta a
priori quanto ao que seria o padrão normal tipificador da obrigação a que
estaria legalmente adstrito. Cabe indicar, no entanto, que a normalidade da
eficiência há de ser apurada em função do meio social, do estágio de
desenvolvimento tecnológico, cultural, econômico e da conjuntura da época,
isto é, das possibilidades reais médias dentro do ambiente em que se
produziu o fato danoso” (Celso Antônio Bandeira de Mello, op. cit., loc. cit.).
Há, na hipótese dos autos, cuidados que, se observados por parte da
Administração Pública Estadual, em atuação diligente, poderiam ter evitado
a lesão. A simples presença de salva-vidas em locais de banho e lazer
movimentados é exigência indispensável e, no particular, poderia ter coibido
a conduta da vítima. Nem se diga quanto à necessidade de isolamento das
zonas de maior risco, por exemplo, por meio de grades de madeira, cordas,
corrimãos etc. Em passeios dessa natureza, amplamente difundidos nos
dias atuais sob a denominação de “turismo ecológico”, não somente para as
crianças, como para jovens e adultos, é de se esperar, conforme as
circunstâncias peculiares do local, a presença de cabos de isolamento e a
orientação permanente de guias turísticos e funcionários que conheçam o
ambiente visitado. Segundo a lição do notável Aguiar Dias, doutrinador de
escol no campo da responsabilidade civil, “a culpa da vítima, quando
concorre para a produção do dano, influi na indenização, contribuindo para
a repartição proporcional dos prejuízos” (in “Da responsabilidade civil”,
Forense, Rio de Janeiro, 1960, Tomo II, p. 727). Recurso especial provido
em parte para reconhecer a culpa recíproca e, como tal, o rateio das verbas
104
condenatórias e das despesas e custas processuais meio a meio, arcando
191
cada parte com a verba honorária advocatícia do respectivo patrono .
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO.
LEGITIMIDADE PASSIVA ¿AD CAUSAM¿ DO ESTADO-MEMBRO.
OMISSÃO DO PODER PÚBLICO. FALTA DO SERVIÇO. ¿FAUTE DU
SERVICE.¿ RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. INTERVENÇÃO DO
MINISTÉRIO PÚBLICO. Não é a simples presença da entidade estatal que
impõe a necessidade de intervenção do ¿parquet¿, sendo necessário o
efetivo exame do interesse público, caracterizado pela natureza da lide, ou
pela qualidade da parte. Leitura do artigo 82 do Código de Processo Civil à
luz do artigo 127 da Constituição. Assiste legitimidade passiva ¿ad causam¿
ao Estado-Membro quando o pedido indenizatório se volta à prestação de
serviço público de sua competência, mesmo tendo o fato danoso ocorrido
sobre local considerado como bem da União. A responsabilidade objetiva do
Estado, prevista no artigo 37, parágrafo 6°, da Con stituição, aplica-se frente
a situações comissivas praticadas pelo agente público, ou pelas pessoas
jurídicas privadas prestadoras de serviços públicos. Estando-se diante de
omissão do poder público, aplica-se a responsabilidade subjetiva, fazendose necessário o exame da culpa, ou do dolo. Caso em que os autores visam
à condenação do Estado do Rio Grande do Sul a somas ressarcitórias pelo
evento de que seus filhos faleceram afogados em praia sem salva-vidas e
sem placas indicativas do perigo do mar no local. Tratando-se de
responsabilidade subjetiva, não se verificou, nos autos, prova de agir
192
culposo do réu. Apelo provido.
Ao lado da negligência da vítima tem-se a falta do serviço público, diante da
não adoção de medidas de segurança do balneário que fossem eficazes.
Nesse sentido, insta salientar que, em função da própria disposição geográfica
do local era previsível a ocorrência de danos, em razão dos riscos que este próprio
oferece. Desse modo, compulsando o inteiro teor do acórdão em tela, verifica-se que
não restou inerte o Estado com relação a isso, adotando medidas de segurança
insatisfatórias.
Quanto à responsabilização civil do Estado pela sua omissão, interessante é
analisar partes do voto proferido no precedente supramencionado:
[...] No campo da responsabilidade civil do Estado, a regra é a
responsabilidade objetiva, cujo corolário é a teoria do risco administrativo,
segundo a qual está o Poder Público obrigado a reparar o dano por ele
causado a outrem por meio de uma ação lícita ou ilícita de seus agentes.
Bastará, nessa hipótese, comprovar a ocorrência do prejuízo e o nexo
causal entre a conduta e o dano, para que assista ao lesionado o
sucedâneo indenizatório.
Por outro lado, se o prejuízo adveio de uma omissão do Estado, ou seja,
pelo não funcionamento do serviço, ou seu funcionamento tardio, deficiente
ou insuficiente, invoca-se a teoria da responsabilidade subjetiva.
[...] Raciocínio contrário levaria à insensatez de atribuir ao Estado a
responsabilidade por todo e qualquer ato danoso causado por terceiro.
_____________
191
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 2002/0027129-0. Órgão Julgador:
Segunda Turma. Julgado em 20 mai. 2003.
192
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 70017117821. Órgão Julgador:
Quinta Câmara Cível. Julgado em 28 mar.2007.
105
[...] No caso vertente, é de fácil inferência que existia para a Administração
Pública Estadual, ao colocar à disposição da comunidade a entrada onerosa
no parque para fins de lazer, o dever de zelar pela segurança adequada dos
visitantes.
[...] Dos elementos de convicção reunidos nos autos, constata-se notória
deficiência nas condições de segurança do Balneário. Não contesta a
Fazenda Estadual, por exemplo, a circunstância de que não havia
ambulância e enfermeira no local no domingo em que ocorreu o sinistro.
Ao mesmo tempo em que se exige da vítima, em tais circunstâncias,
prudência e discernimento - já que pelo senso comum não se deve
mergulhar em local desconhecido -, imperioso reconhecer, também, que, ao
franquear a entrada de visitantes em balneário público, sejam eles menores
ou não, deve o Estado proporcionar satisfatórias condições de segurança,
mormente nos finais de semana, quando, certamente, a freqüência ao local
é mais intensa e aumenta a possibilidade de acidentes.
A omissão do Estado, na espécie, se consubstancia na negligência no
emprego de medidas de segurança plenamente adequadas às
circunstâncias específicas do caso. Não se afirma, assim, que a
Administração Pública não tenha adotado qualquer medida de segurança no
local, mas o fez de forma insatisfatória, dada a distância entre a sinalização
de perigo e o local do sinistro, controvérsia não arredada de forma
satisfatória pela Fazenda Pública.
[...] O entendimento que ora se defende situa-se no campo da
responsabilidade subjetiva pela faute du service ou culpa do serviço,
existente quando o Estado, devendo atuar com base em certos critérios,
não o faz, ou quando peca por omissão ou atua de modo deficiente ou
insuficiente.
Nessas hipóteses, como bem pondera o professor Celso Antônio Bandeira
de Mello, não raro, “necessariamente haverá de ser admitida uma
“presunção de culpa”, pena de inoperância desta modalidade de
responsabilização, ante a extrema dificuldade (às vezes intransponível) de
demonstrar-se que o serviço operou abaixo dos padrões devidos, isto é,
com negligência, imperícia ou imprudência, vale dizer, culposamente “. E
continua: “Em face da presunção de culpa, a vítima do dano fica
desobrigada de comprová-la. Tal presunção, entretanto, não elide o caráter
subjetivo desta responsabilidade, pois, se o Poder Público demonstrar que
se comportou com diligência, perícia e prudência – antítese de culpa -,
estará isento da obrigação de indenizar, o que jamais ocorreria se fora
objetiva a responsabilidade ” (op. cit., p. 846).
[...] Assim, conjugam-se, na espécie, a imprudência do recorrente e a
negligência do Estado, a configurar a culpa concorrente, identificada quando
“paralelamente à conduta do agente causador do dano, há também conduta
culposa da vítima, de modo que o evento danoso decorre do
comportamento culposo de ambos” (Sergio Cavalieri Filho, in "Programa de
Responsabilidade Civil", Malheiros Editores, São Paulo, 2002, p. 53). (...).
O precedente supra colacionado tratou de uma questão típicamente de falta de
serviço por sua ineficiência.
106
4.2.4 Por danos causados por falta de fornecimento de medicamentos
De acordo com o artigo 196 da Constituição Federal193 incumbe ao Estado
promover a saúde pública.
Entretanto, assim como ocorre com a segurança, se trata de uma obrigação
muito ampla e genérica.
Assim, eventuais casos de responsabilização civil por omissão de determinado
Ente Público, nesse sentido, devem ser muito bem analisados, levando-se sempre
em consideração os princípios que regem a Administração Pública e a realidade
fática do Estado brasileiro, por medidas de eqüidade e justiça.
Normalmente, nos casos que envolvem omissão relativamente a saúde pública
se verifica a falta do serviço em função de sua ineficiência, pois, não se trata de uma
ausência efetiva, mas apenas de uma indisponibilidade momentânea.
Analisa-se o caso, cuja ementa segue:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. INDENIZAÇÃO POR DANOS
MORAIS. ATRASO NO FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO A
PACIENTE ACOMETIDO DE DOENÇA GRAVE. RESPONSABILIDADE
SUBJETIVA DO ESTADO. INOCORRÊNCIA DO DANO. DIVERGÊNCIA
JURISPRUDENCIAL NÃO CONFIGURADA. FALTA DE SIMILITUDE
FÁTICA.
I - Não ficou configurado o dissídio jurisprudencial entre o acórdão recorrido
e os julgados apontados como paradigma, porquanto não existe similitude
fática entre eles, sendo inadmissível o apelo nobre com base no permissivo
constitucional da alínea "c".
II - A hipótese dos autos trata da indenização por danos morais em razão do
atraso em fornecimento de medicamento a paciente pelo Estado. Em
contrapartida, os acórdãos apontados como paradigma, ainda que digam
respeito à responsabilidade civil do Estado, tratam de questão diversa,
acerca da omissão do Estado quanto ao descumprimento de decisão que
determinou a reintegração de posse, em face da ocupação da propriedade
por trabalhadores "sem-terra", e a respeito da indenização por danos morais
em decorrência da morte da vítima em acidente automobilístico envolvendo
viatura policial.
III - A lide em questão trata de ação ordinária de reconhecimento de direito
c/c obrigação de fazer, com o ressarcimento de danos morais, em que a
recorrente, acometida de tumor de hipófise, a qual gera, entre outras
conseqüências, o gigantismo, pugna pela condenação do Estado no
fornecimento de medicação para a cura da referida doença, bem como no
pagamento de danos morais, em razão da demora na consecução desse
direito.
_____________
193
Art.196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e
econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e
igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
107
IV - No caso de ato omissivo praticado pelo Estado, por serviço que não
funcionou ou funcionou de forma tardia ou ineficaz, deve-se enquadrar a
responsabilidade estatal como subjetiva, mormente não ter sido o autor do
dano, sendo necessário, para tanto, a comprovação do comportamento
ilícito praticado pela Administração Pública. Precedentes: REsp nº
639.908/RJ, Rel. Min. FRANCIULLI NETTO, DJ de 25/04/05 e REsp nº
602.102/RS, Rel. Min. ELIANA CALMON, DJ de 21/02/05.
V - Por meio da valoração do conjunto fático dos autos, não se vislumbra a
ocorrência de ato culposo por parte do Estado, nem de prova do dano
moral, tendo em vista que o tempo que durou a demora na entrega do
medicamento à paciente restou razoável, mormente o remédio requisitado
não ser, a princípio, destinado à doença da recorrente e em razão do
número elevado de pedidos, no mesmo sentido, feitos à Secretaria Estadual
de Saúde.
194
VI - Recurso especial conhecido em parte e, nesse ponto, improvido .
No caso em tela, além de não ter sido verificado o nexo de causalidade entre a
suposta inércia Estatal e o dano perepetrado, foram claramente levadas em
consideração para o desprovimento do recurso também as condições reais da
Administração Pública e os princípios que a norteiam, na medida em que sequer foi
reconhecida a culpa administrativa na conduta, conforme se verifica no inteiro teor
da decisão que segue em anexo195.
4.2.4 Por danos causados por falta de fiscalização
Na hipótese de dano causado pela falta de fiscalização, é pacífica a
jusrisprudência no sentido de que há necessidade de que esta figure como a causa
determinante do dano, ou seja, nexo causal direto entre a conduta e o resultado, ou
seja, condição sine qua non para a eclosão do evento danoso.
SENTENÇA.
NULIDADE.
AUSÊNCIA
DE
FUNDAMENTAÇÃO.
DESCARACTERIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE DO ESTADO POR
CONDUTA OMISSIVA. FISCALIZAÇÃO DE CONSÓRCIOS PELO BANCO
CENTRAL DO BRASIL. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA E PARCIAL.
SINDICÂNCIA ADMINISTRATIVA. NATUREZA INQUISITIVA. DISPENSA
DO CONTRADITÓRIO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.
RETARDAMENTO DE ATO DE OFÍCIO. CARACTERIZAÇÃO. PENAS.
APLICAÇÃO CUMULATIVA. DESNECESSIDADE. PRINCÍPIOS DA
PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE.
_____________
194
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n º 2004/0096291-4. Órgão Julgador:
Primeira Turma. Julgado em 02 mai.2006.
195
Anexo G.
108
1. Não é nula por ausência de fundamentação a sentença onde estão
expressos os fundamentos fáticos e jurídicos que conduziram a convicção
do julgador.
2. É subjetiva a responsabilidade do Estado por sua conduta omissiva,
precedentes do STF.
3. Ao Banco Central do Brasil, responsável pela autorização, normatização
e fiscalização do sistema de consórcios, não pode ser atribuída a causa
direta do prejuízo advindo da má administração da empresa que explora a
atividade. A responsabilidade do BACEN limita-se aos prejuízos
supervenientes ao momento em que já podia e devia decretar a liquidação
extrajudicial, adotando a medida adequada a obstar a prática danosa ao
consumidor.
4. A responsabilidade do Banco Central do Brasil é subsidiária, restando
limitada à diferença entre o prejuízo causado, nos termos antes referidos, e
o montante arrecadado na liquidação extrajudicial e na ação civil que tramita
na Justiça Estadual.
5. A sindicância administrativa, de que não resulta qualquer punição, tem
natureza tipicamente inquisitiva, dispensando o contraditório.
6. A procrastinação da prática de ato em razão de interesses alheios aos
interesses do público, configura o indevido retardamento previsto na Lei de
Improbidade Administrativa situação agravada por se tratar de matéria de
relevância pública, a proteção do consumidor e a poupança dos
consorciados (art. 129, II, da CF/88).
7. Não há obrigatoriedade de que as sanções previstas no inciso III, artigo
12 da Lei nº 8.429/92 sejam aplicadas sempre de forma cumulativa. A
aplicação depende do juízo de proporcionalidade e de razoabilidade.
8. Caso em que o valor da multa, fixada em vinte vezes os proventos
atualizados do servidor, mostra-se demasiado levando-se em conta a
condenação cumulada à perda do cargo público.
9. Parcialmente providas a remessa oficial e a apelação do Banco Central
do Brasil, reconhecendo-se sua responsabilidade parcial e subsidiária, e
parcialmente provida a apelação do co-réu, reduzindo-se o valor da multa
196
para cinco vezes os proventos atualmente percebidos .
Nota-se que, analisando o inteiro teor do acórdão em comento197, verifica-se
que a atuação do Banco Central se prestou para afastar o elemento subjetivo de sua
conduta, ou seja, a culpa “lato sensu”, já que restou considerada regular a atuação
do Ente Público. Restou afastado, também, o nexo causal entre sua atuação e o
dano ocasionado, o qual foi gerado por força alheia.
No mesmo sentido, é o teor da jurisprudência que segue:
ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. BANCO CENTRAL DO
BRASIL. CONSÓRCIOS. ENTIDADE FISCALIZADORA. AUSÊNCIA DE
ELEMENTO SUBJEITIVO E DO NEXO DE CAUSALIDADE.
- A legislação confere ao BACEN (art. 10, IX, da Lei nº 4.595/64 c/c arts. 10
e 7º, da Lei nº 5.768/71) atribuição para fiscalizar e promover
intervenções/liquidações extrajudiciais com o intuito de manter a
regularidade das administradoras de consórcios.
- No entanto, ao contrário do que afirma a apelante, não se trata de
responsabilidade objetiva da Administração, consoante prevê o art. 37, § 6º,
da Constituição Federal. A doutrina e a jurisprudência pátrias afirmam que é
_____________
196
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Apelação Cível nº
2002.04.01.035946-9. Órgão Julgador: Terceira Turma. Julgado em 05 ago. 2003.
197
Anexo H.
109
subjetiva responsabilidade do Estado por sua conduta omissiva. Assim,
além do nexo de causalidade entre a conduta omissiva e o resultado, exigese a comprovação do elemento subjetivo, representado pela culpa ou dolo
do Poder Público.
- In casu, antes de se cogitar a responsabilidade da ré por falhas no controle
e fiscalização do mercado financeiro, os danos acarretados à autora foram
originados pela má-gestão de seus administradores.
- Não haveria óbice para se reconhecer a responsabilidade do BACEN uma
vez configurada a possibilidade de decretação da liquidação extrajudicial no
momento oportuno. Contudo, a parte autora não logrou comprovar a
indevida omissão da ré no seu dever legal.
198
- Apelação improvida .
E seus fundamentos
A parte autora busca o pagamento de indenização pelos prejuízos causados
em face da autorização para funcionamento conferida ao Consórcio Nasser
S/C Ltda pelo Banco Central. Diz que com a liquidação extrajudicial da
empresa de consórcio, não conseguiu adquirir o veículo, cabendo
reconhecer a responsabilidade objetiva da ré por sua posição de garantidor
como órgão de regulação e fiscalização do Sistema Financeiro.
Com efeito, o art. 10, IX, da Lei nº 4.595/64 estabelece a competência do
BACEN para "exercer a fiscalização das instituições financeiras e aplicar as
penalidades previstas". Complementando esse dispositivo, e considerando
as circunstâncias do presente caso, a Lei nº 5.768/71 dispõe que:
Art 10. O Banco Central do Brasil poderá intervir nas emprêsas autorizadas
a realizar as operações a que se refere o artigo 7º, e decretar sua liquidação
extrajudicial na forma e condições previstas na legislação especial aplicável
às entidades financeiras.
Art 7º Dependerão, igualmente, de prévia autorização do Ministério da
Fazenda, na forma desta lei, e nos têrmos e condições gerais que forem
fixados em regulamento, quando não sujeitas à de outra autoridade ou
órgãos públicos federais:
I - as operações conhecidas como Consórcio, Fundo Mútuo e outras
formas associativas assemelhadas, que objetivem a aquisição de bens de
qualquer natureza;
Nesse contexto, com o intuito de manter a regularidade das administradoras
de consórcios, depreende-se a atribuição do BACEN como entidade
competente a fiscalizar e promover intervenções/liquidações extrajudiciais.
Ao contrário do que afirma a apelante, não se trata, por ora, de
responsabilidade objetiva da Administração, consoante prevê o art. 37, § 6º,
da Constituição Federal. Na verdade, a suposta conduta ilícita imputada ao
BACEN teria se dado pela omissão no dever de fiscalizar.
A doutrina e a jurisprudência pátrias afirmam que é subjetiva
responsabilidade do Estado por sua conduta omissiva. Assim, além do nexo
de causalidade entre a conduta omissiva e o resultado, exige-se a
comprovação do elemento subjetivo, representado pela culpa ou dolo do
Poder Público. In casu, o problema que surge é justamente essa
caracterização do nexo causal bem como da conduta negligente do BACEN
decorrente do seu poder fiscalizador.
Nesse contexto, tenho que, antes de se cogitar a responsabilidade da ré por
falhas no controle e fiscalização do mercado financeiro, os danos
acarretados à autora foram originados pela má-gestão de seus
administradores.
_____________
198
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Apelação Cível nº
2001.70.01.009217-7. Órgão Julgador: Terceira Turma. Julgado em 13 fev. 2006.
110
Observo que não haveria óbice para se reconhecer a responsabilidade do
BACEN uma vez configurada a possibilidade de decretação da liquidação
extrajudicial no momento oportuno, anterior àquele efetivamente ocorrido.
Contudo, a parte autora não logrou comprovar a indevida omissão da ré no
seu dever legal, visto que o ônus de tal prova lhe era imputável.
Dessa forma, deve ser mantida a sentença para julgar improcedente o
pedido da parte autora. Diversos julgados vêm sendo apreciados pelos
Tribunais pátrios nesse sentido:
[...]
SUBSTITUIÇÃO DE PRESTAÇÕES - CONSÓRCIO UNIVERSAL –
LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL - BACEN - INEXISTÊNCIA DE
RESPONSABILIDADE – FALTA DE PROVAS DO NEXO CAUSAL.
I - As atribuições exercidas pelo Banco Central do Brasil, consistentes no
controle e na fiscalização do mercado financeiro e das atividades das
instituições que ali atuam; não acarretam, responsabilidade pelos danos
causados pela má gestão do grupo empresarial que se vê decretada, e por
isso sua liquidação extrajudicial.
II - Não há responsabilidade da Autarquia, uma vez que inexiste a prova do
nexo de causalidade entre o insucesso da instituição financeira e as
alegadas insuficiências ou omissões de fiscalização. (TRF 2ª Região, AC
9602338725, Terceira Turma, Rel. Juiz Wanderley de Andrade Monteiro.
DJU de 19/03/2004, p. 165) [...]
Observe-se que a única possibilidade de ser considerada a responsabilização
civil do BACEN seria na hipótese que que restasse cabalmente comprovado o liame
causal imediato entre eventual conduta culposa e o dano, o que não ocorreu. Até
mesmo porque, produzir tal prova, pelo que se percebe da análise dos casos de
responsabilização subjetiva do Estado por sua omissão, é tarefa demasiadamente
difícil.
O mesmo se verifica no precedente seguinte:
RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL COLETIVO. GRAMPOS
TELEFÔNICOS. FALHA NO SERVIÇO. LESÃO AO PATRIMÔNIO MORAL
DE UMA COMUNIDADE. VIOLAÇÃO AO DIREITO DO CONSUMIDOR.
DESCABIMENTO.
1. A partir de 1946, adotou-se, no Brasil, no que concerne às entidades de
direito público, a responsabilidade objetiva, com fulcro na teoria do risco
administrativo, sem, no entanto, adotar a posição extremada dos adeptos da
do risco integral, em que a Fazenda Pública responderia sempre, mesmo
presentes as excludentes da obrigação de indenizar (CF de 1946, art. 194 e
seu § único; CF de 1967 , art. 105 e seu § único; CF de 1969, art. 107 e seu
§ único e CF de 1988, art. 37, § 6º).
A Suprema Corte, em mais de uma oportunidade, fixou o exato alcance do
comentado dispositivo constitucional. Assim o fez no RE nº 68.107-SP,
julgado pela 2ª Turma, verbis:
[...]
II. A responsabilidade objetiva, insculpida no art. 194 e seu parágrafo único,
da CF de 1946, cujo texto foi repetido pelas Cartas de 1967 e 1969, arts.
105-7, respectivamente, não importa no reconhecimento do risco integral,
mas temperado. [...] (In RTJ 55/50).
Em seu voto, o relator, o eminente Ministro THOMPSON FLORES, exPresidente da Excelsa Corte, salientou, verbis:
"... embora tenha a Constituição admitido a responsabilidade objetiva,
aceitando mesmo a teoria do risco administrativo, fê-lo com temperamentos,
para prevenir excessos e a própria injustiça.
111
Não obrigou, é certo, à vitima e aos seus beneficiários, em caso de morte, a
prova de culpa ou dolo do funcionário para alcançar indenização. Não
privou, todavia, o Estado do propósito de eximir-se da reparação, que o
dano defluíra do comportamento doloso ou culposo da vítima.
Ao contrário senso, seria admitir a teoria do risco integral, forma radical que
obrigaria a Administração a indenizar sempre, e que, pelo absurdo levaria
Jean Defroidmont (La Seience du Droit Positif, p. 339) a cognominar de
brutal. [...] (In RTJ 55/52-3).
Outro não foi o entendimento adotado por um dos mais conceituados
administrativistas do país, o eminente e saudoso Ministro THEMÍSTOCLES
CAVALCANTI, ao votar no julgamento do RE nº 61.387-SP, verbis:
[...]
Partindo da teoria da igualdade dos encargos e das finalidades essenciais
do Estado, o clássico Tirard chegava à responsabilidade do Estado pela
falta verificada no serviço (De la responsabilité du service publique, 1906).
Neste particular, a variedade na aplicação dos casos é muito grande.
Principalmente a jurisprudência francesa se detém no exame das hipóteses.
É assim que são mencionados casos de responsabilidade, ou por não se ter
evitado um perigo por meio de obras necessárias, como a construção de um
parapeito na estrada; de não se ter impedido a circulação em um trecho
perigoso; de não se ter retirado um obstáculo em um rio canalizado etc. ou
por omissão material, por falta de sinalização, de abandono de trecho da
estrada, abertura de trincheira em uma estrada etc.
Essa teoria não é talvez suficiente para prever todas as hipóteses de
responsabilidade do Estado, mas a sua aplicação deve ser casuística para
não envolver a responsabilidade do Estado em todos os casos em que age
dentro de sua finalidade própria.
Assim, nem sempre se verifica essa responsabilidade, de acordo com a boa
doutrina, quando há escassez de abastecimento de água, interrupção de
energia elétrica, o mal calçamento de uma estrada.
Depende sempre das circunstâncias. [...] (In RTJ 47/381. No mesmo
sentido, RTJ 71/99, bem como julgado do extinto Tribunal Federal de
Recursos no julgamento da Ap. Cív. nº 33.552, rel. Ministro CARLOS
MÁRIO VELLOSO, in RDA 137/233 ).
Na doutrina nacional, a jurisprudência do Pretório Excelso é respaldada,
como se verifica, entre outros, dos seguintes autores: HELY LOPES
MEIRELLES, in Direito Administrativo Brasileiro. 14. ed., Rev. dos Tribs.,
1989. p. 551; CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, in Responsabilidade Civil.
1. ed., Forense, 1989. p. 143. n. 105.
Da mesma forma, a idêntica solução é adotada na França, como leciona o
clássico LAUBADÈRE, verbis: "La jurisprudence a consacré, au-delá de la
responsabilitè pour faute, une responsabilitè de l'administration pour risque;
elle admet que, dans certains cas, les collectivités publiques sont tenues de
réparer les dommages entrainés par leur activité même non fautive. La
responsabilité pour risque est, rappelons-le, celle qui est engagée dès lors
qu est établie une relation de cause a effet entre l'activité de l'auteur du
dommage et ce dommage lui même" (In ANDRÉ DE LAUBADÈRE, Traité
Élémentaire de Droit Administratif. Libr. Générale, Paris, 1953. p. 490, nº
892. Igualmente, JEAN RIVERO, in Droit Administratif. Huitième édition,
Dalloz, Paris, 1977. p. 274, nº 284).
Assim, como restou demonstrado, a teoria do risco administrativo, adotada
pelas Constituições brasileiras, a partir de 1946, não implica no
reconhecimento de que a Administração Pública tenha que indenizar
sempre, mesmo quando presentes as excludentes dessa responsabilidade.
Ora, analisando-se o caso dos autos constata-se, em primeiro lugar, que a
parte autora não comprovou sequer o dano que alegadamente lhe teria
acarretado, pois configura o primeiro e fundamental pressuposto da
responsabilidade civil (v.g. HENRI LALOU, in Traité Pratique de la
Responsabilité Civile. 4. ed., Dalloz, Paris, 1949, p. 97 nº 142), ônus que,
aliás, lhe cabe, a teor do disposto no art. 333, I, do CPC.
112
In casu, consoante bem assinalado na r. sentença, não se encontram
presentes os pressupostos do art. 37, § 6º, da CF/88.
Nesse sentido, anotou, com inteiro acerto, o eminente Magistrado, Dr.
Fernando Quadros da Silva, a fls. 2.433/7, verbis: "A presente demanda
coletiva procura demonstrar que as rés Brasil Telecom S/A e Anatel são
responsáveis pela falência geral do sistema de proteção do sigilo das
comunicações a cargo da primeira ré, concessionária de serviço público de
telefonia.
Efetivamente a Constituição Federal assegura a inviolabilidade das
comunicações telefônicas (art. 5°, XII), sendo que o art. 3°, da Lei n.º
9.472/97 (Lei Geral das Telecomunicações) prevê a inviolabilidade e o
segredo como direito do usuário de serviços de telecomunicações.
Os atos normativos da Agência Nacional de Telecomunicações - Anatel
também reproduzem o dever da prestadora de serviço zelar pelo sigilo das
comunicações (Resoluções 73/98 e 85/98).
A presente ação não busca analisar e fazer amplo diagnóstico do sistema
de comunicações a cargo da concessionária de serviço público. A área de
concessão é grande e os equipamentos abrangidos nesse tipo de serviço
não permitem que numa ação judicial se levante aspectos profundos quanto
ao funcionamento do sistema de telefonia que abrange todo o Estado do
Paraná.
No magistério de Carlos Alberto Bittar Filho pode ser encontrada a precisa
definição de dano moral coletivo: 'Consiste o dano moral coletivo na injusta
lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, na violação
antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos. Quando se fala
em dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de que o
patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor),
idealmente considerado, foi agredido de maneira absolutamente
injustificável do ponto de vista jurídico. Tal como se dá na seara do dano
moral individual, aqui também não há que se cogitar de prova da culpa,
devendo-se responsabilizar o agente pelo simples fato da violação (damnum
in re ipsa)" ,.(Revista Consultor Jurídico - http:conjur.estadao.com.br,
25/02/2004, in Coletividade também pode ser vítima de dano moral: O
mesmo doutrinador prossegue: 'Para a perfeita compreensão da matéria,
podem ser citados dois exemplos bem claros de dano moral coletivo: a) o
dano ambiental, que não consiste apenas e tão-somente na lesão ao
equilíbrio ecológico, afetando igualmente outros valores precípuos da
coletividade a ele ligados, ou seja, a qualidade de vida e a saúde; b) a
violação da honra de determinada comunidade (a negra, a judaica, etc.)
através de publicidade abusiva.' A questão central a ser perquirida na
presente demanda é se a atuação das rés produziu o dano moral apontado
na petição inicial.
Apenas se demonstrado esse dano moral, de natureza extrapatrimonial,
surgirá o liame obrigacional entre a coletividade e os réus causadores do
evento danoso. Adicione-se, ainda, que não é qualquer dano que faz nascer
o dever de indenizar. Deve ser o dano injusto, contrário ao ordenamento. Na
presente ação, há que ser perquirido se ocorreu tal dano coletivo e em qual
extensão.
Do exame do contexto probatório, vê-se que efetivamente houve episódio
denominado /I grampo no Palácio Iguaçu" que foi noticiado pela imprensa e
foi apurado, tanto pelo inquérito policial como pelo procedimento instaurado
no âmbito do Ministério Público Federal.
A descoberta de grampos telefônicos ilegais não conduz por si à
responsabilização das demandadas. Tais condutas dever ser imputadas aos
seus responsáveis diretos.
O exame das provas documentais e orais, bem como o subsídios colhidos
diretamente na inspeção judicial realizada nas dependências da ré, Brasil
Telecom S/A, revelam que a empresa adotou procedimentos de segurança
compatíveis com o nível de exigência de serviços destas natureza.
113
A Anatel, por sua vez, tem realizado constantes verificações nos
procedimentos da empresa e os equipamentos técnicos adotados atendem
às especificações recomendadas pelo órgão regulador.
Não restou demonstrado que os atos criminosos envolvendo escuta
telefônica clandestina são de responsabilidade das rés. No que diz respeito
à segurança é impossível evitar condutas que busquem violar o sigilo das
comunicações. O ordenamento jurídico exige, contudo, que a empresa
prestadora do serviço público adote procedimentos que busquem impedir
violações.
É evidente que os atos de violação do sigilo, chamados nas peças
investigatória de "grampo do Palácio Iguaçu", violam o direito ao sigilo das
comunicações assegurado constitucionalmente. Daí não se extrai, contudo,
que a sociedade sofreu um dano moral coletivo decorrente de um estado
geral de insegurança na proteção do sigilo das comunicações.
O uso criminoso da escuta telefônica ou colocação de dispositivos de escuta
na rede interna não pode ser atribuído genericamente a empresa prestadora
ou imputado à falha na atividade fiscalizadora da agência federal
encarregada de regular o setor.
Oportuno destacar o depoimento do técnico Jamil Silvestri, fiscal de rede,
que ouvido em juízo afirmou: "Que no caso do grampo do Palácio foi-lhe
pedido para verificar se o cabo tinha continuidade e para onde ele ia, se ia
para a casa de algum usuário, por exemplo, sem que tal usuário soubesse
disso. Que a partir do exame da caixa geral dentro do prédio identificou que
a linha ia para um cabo que atendia o outro apartamento. Que o cabo
atendia um único apartamento" (fl. 2314).
A Anatel tem realizado atividades fiscalizatórias constantes.
Exemplificativamente, pode ser apontado o relatório de fiscalização juntado
às fls. 1702/1721 que conclui, em 11/06/2003, pela insuficiência de
segurança no que se refere ao sigilo das comunicações. O relatório aponta
principalmente necessidade de mudanças nos armários de rua. A
conclusão, contudo, aponta que o descumprimento de algumas normas foi
involuntário, sendo a infração classificada como leve (fl.1966), sendo a
prestadora advertida.
Do relatório do órgão regulador extrai: "parece-nos assim que a prestadora,
apesar de seu aparente insucesso, tem procurador implementar medidas
para assegurar a adequada prestação do serviço", Em suma, as provas
carreadas aos autos não demonstram que foi atingido o sentimento geral de
segurança em relação ao sistema de telefonia fixa.
Sendo certo que a confiabilidade no sigilo é impossível de ser avaliada
objetivamente, não menos certo é que a simples cobertura negativa pelos
meios de comunicação não é sinônimo de dano moral coletivo. No caso em
exame, houve divulgação ampla de fatos criminosos que estavam sendo
apurados pela imprensa.
Diariamente os jornais e telejornais divulgam fatos desabonadores
praticados por agentes políticos e nem por isso pode-se dizer que o Poder
Público tem o dever de indenizar em face de um sentimento geral de
desconfiança nas instituições.
E inegável que as escutas telefônicas clandestinas têm se multiplicado.
Contudo, tal fato não pode ser imputado às prestadoras de serviço. Talvez
seja caso de aperfeiçoamento na legislação relativa à quebra do sigilo nos
casos de investigação que motivou o Poder Executivo a preparar projeto-delei que busca alterar dispositivos de tal legislação.
O reconhecimento de que não houve dano moral coletivo não implica dizer
que a demandada está no nível de excelência técnica no que se refere à
segurança de rede de telefonia. Os documentos trazidos pela Anatel e pela
própria prestadora revelam que há muito por ser feito e que investimentos
de vulto são imprescindíveis.
Não restou demonstrado, contudo, que o sigilo nas comunicações tenha
sido lesado de maneira generalizada ou ainda que a confiança na
114
segurança do serviço público de telecomunicações tenha sido abalado
pelas condutas das rés.:
Incide, aqui, a lição do Mestre da hermenêutica jurídica francesa,
FABREGUETTES, quando pontifica: "Tout fait quelconque (4), allégué en
justice, contraire à l'état normal ou habituel des choses, ou à une situation
acquise, DOIT ÊTRE PROUVÉ" (M.P. FABREGUETTES, La Logique
Judiciaire et L'Art de Juger, 2ª ed., Librairie Générale, Paris, 1926, p. 55).
A propósito, convém recordar a velha, mas sempre nova lição de Henri de
Page, in De L'interprétation des Lois, éditions Swinnen, Bruxelles, 1978, t. II,
pp. 22/3, verbis: "Dans le domaine de l'application de la loi, le juge, peutêtre, en tempérera ou en élargira l'exercice. Il usera d'une certaine
souplesse suivant les circonstances. Mais son oeuvre, quelque large ou
discrète qu'elle soit, devra demeurer compatible avec les pouvoirs limités de
juge qui lui donne la division du travail. Il n'est que juge et non pas
législateur. Prisonnier de la décision d'espèce, il lui est impossible de s'en
évader. Par définition, il est incapable de créer des règles générales, de
"légiférer".
199
2. Improvimento da apelação .
Observe-se, ainda, o teor da seguinte ementa:
RESPONSABILIDADE CIVIL. TOTO BOLA. ESTADO DO RIO GRANDE DO
SUL. LEGITIMIDADE PASSIVA. DEVER DE FISCALIZAÇÃO DE SERVIÇO.
MANIPULAÇÃO DE MÁQUINA DE SORTEIO. SUSPEITA DE FRAUDE.
OCORRÊNCIA
DE
DANO
MATERIAL.
DANO
MORAL
NÃO
CONFIGURADO.
1 O Estado do Rio Grande do Sul é parte legítima para figurar no pólo
passivo, pois é o responsável pela fiscalização das atividades por ele
autorizadas, em virtude do poder de polícia afeto à Administração Pública. 2
A responsabilidade civil do Estado que advém da omissão do poder público
é conceituada como subjetiva, havendo a necessidade da demonstração
dos pressupostos do dolo ou da culpa para incidir o dever de indenizar.
3 Devido o dano material, comprovado pelas cartelas adquiridas para a
participação nos sorteios.
4 Dano moral não configurado. A suspeita de fraude em certame de
múltiplas chances não gera, per si, abalo moral à esfera íntima do
participante. No caso, constata-se mero dissabor, aborrecimento que não
pode ser classificado como dor percuciente a ponto de gerar direito à
200
reparação pecuniária. DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO.
Segue também partes do voto proferido nessa decisão:
[...] Para averiguação da legitimidade processual do Estado para
composição da lide, mister analisar a causa de pedir deduzida pela autora.
Dessarte, ela se baseia na responsabilidade da Administração Pública por
falha na fiscalização da prestação do serviço. Afirma a demandante que a
loteria foi aprovada pela LOTERGS, órgão oficial do Estado que tinha a
incumbência de fiscalizar as atividades praticadas pela demandada, de ser
realizada em condições imunes a fraudes.
Analisando as questões postas, concluo que deve ser considerado que ao
Poder Público cabe o exercício do poder de polícia, decorrendo deste a
obrigação de fiscalizar as atividades autorizadas, evitando o acontecimento
de falhas do serviço ou de sua má atuação.
_____________
199
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Apelação Cível nº
2003.70.00.034361-7. Orgão Julgador: Terceira Turma. Julgado em 13 mar. 2007.
200
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 70018230847. Órgão Julgador:
Sexta Câmara Cível. Julgado em 29 mar. 2007.
115
Assim sendo, constata-se que inegavelmente houve a referida omissão
estatal, não havendo que se falar em ilegitimidade passiva do Estado para
integrar a presente lide.
Saliento que eventual discussão acerca da espécie da responsabilidade civil
do Estado (objetiva ou subjetiva), foge a seara dessa condição de ação
(legitimatio ad processum).
Nessa linha de entendimento, colaciono jurisprudências deste Tribunal:
RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS
MORAIS. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO CONTRA A DECISÃO QUE
ACOLHEU A PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA DO ESTADO.
FRAUDE À LOTERIA. TOTO BOLA. FALHA NA PRESTAÇÃO DO
SERVIÇO DE FISCALIZAÇÃO. Se a pretensão do demandante está
embasada na faute du service, incidindo a responsabilidade subjetiva, a
manutenção do Estado no pólo passivo da demanda é medida que se
impõe, pelo menos até que se perquira a sua concorrência para o evento.
Agravo de Instrumento a que se dá provimento, em decisão monocrática.
(Agravo de Instrumento Nº 70014487771, Décima Câmara Cível, Tribunal
de Justiça do RS, Relator: Jorge Alberto Schreiner Pestana, Julgado em
06/03/2006).
[...]
1) Conforme exposto na peça exordial, a autora imputa responsabilidade
ao Estado do Rio Grande do Sul pelo fato desse ter-se omitido no controle
do serviço público outorgado à empresa Kater – culpa esta denominada in
vigilando e in eligendo.
A disposição constitucional relativa a este tema roga que as pessoas
jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços
públicos são responsáveis objetivamente pelos danos que seus agentes,
nessa qualidade, causarem a terceiros. Conforme se estrai da presente
redação, há evidente responsabilidade objetiva do Poder Público para atos
comissivos praticados por seus agentes.
Todavia, o mesmo regramento não pode ser aplicado no que concerne à
omissão praticada pelos agentes públicos, pois, conforme se extrai do
entendimento atualizado do Supremo Tribunal Federal, a responsabilidade
civil por tal ato é subjetiva, exigindo a presença dos elementos dolo ou
culpa.
[...] Diante disto, tenho que, no caso dos autos, não restou comprovada a
falta do serviço do Estado do Rio Grande do Sul. O fato de tal ente político,
por meio da LOTERGS (órgão da Administração Pública Estadual), ter
aprovado o jogo TOTO BOLA, credenciado-o e autorizado-o, demonstra o
que serviço foi efetivamente prestado.
Se houve efetivamente a fraude, tal fato não significa que houve defeito na
atuação do Estado.
Assim sendo, tenho que não restando comprovada a ausência ou máprestação do serviço por parte do Estado do Rio Grande do Sul, deve ser
julgado improcedente o pedido indenizatório a ele referente.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho monográfico teve por escopo propor a discussão acerca
das teorias a serem adotadas no caso de responsabilização civil extracontratual do
Estado por omissão, assim como aclarar a delimitação de cada um dos elementos
que a envolvem, para que sejam mais facilmente identificados.
Note-se que o instituto da responsabilidade civil é essencial à construção do
Estado Democrático de Direito, na medida em que tem por finalidade precípua o
restabelecimento do equilíbrio violado pelo dano. Por essa razão, prevê o nosso
ordenamento jurídico a responsabilização civil não só por ato ilícito, mas também
relativamente ao ressarcimento de prejuízos em que não se cogita da ilicitude da
conduta ou até mesmo da ocorrência de ilícito, o que se garante pela Teoria do
Risco, tendo em vista a idéia de reparação ser mais ampla do que meramente o ato
ilícito.
A responsabilidade do Estado, como se verificou, obedece a um regime
próprio, compatível com sua situação jurídica. Potencialmente o Estado detém o
condão de ocasionar prejuízos macroscópicos aos cidadãos, até mesmo porque
estes não possuem poderes para diminuir a atuação daquele no âmbito dos seus
direitos individuais. Assim sendo a responsabilização estatal é considerado na
maioria das vezes pela Teoria do Risco Administrativo, que conduz a pessoa jurídica
de direito público à reparação do dano sofrido pelo particular, por conta da sua
atuação ou não, independentemente da ocorrência de culpa, dolo ou qualquer
ilicitude.
Não há dúvida quanto ao cabimento da aplicação desta teoria objetiva na
responsabilização decorrente de condutas comissivas dos entes
públicos.
117
Entretanto, diversamente ocorre com relação às condutas omissivas, pois,
surgiu na doutrina e jurisprudência brasileiras polêmica discussão a respeito do seu
cabimento nesses casos.
Já é pacífico o entendimento de que o ordenamento jurídico pátrio admite que
o Estado possa causar prejuízos aos seus administrados através da sua atuação,
seja ela lícita ou ilícita comissiva ou omissiva, resultando-lhe a obrigação de
recompor tais danos. Porém, nos casos de conduta omissiva, há entendimentos
diversos, inclusive no sentido de que esta não constituiria fato gerador da
responsabilidade civil do Estado.
Atualmente, essa divergência vem alcançando o Poder Judiciário, em razão
das discussões sobre qual a natureza jurídica da responsabilidade do Estado por
condutas omissivas que geram danos.
Desse modo, é imperioso que a Responsabilização Civil do Estado por suas
Omissões seja efetivamente delimitada, unificando-se, assim, os entendimentos a
respeito do referido tema, com o fito de trazer maior segurança jurídica às relações
do administrado com o Estado, bem como relativamente às decisões judiciais nesse
sentido.
No mais, cumpre salientar que, ao final do presente trabalho, é imperioso
reconhecer a surpresa que configurou a pesquisa sobre o tema escolhido.
Isso porque, ao se iniciarem os trabalhos, havia a idéia de que existiria uma
gama imensa de materiais à disposição, que fizesse alusão à matéria, o que não se
verificou. Muito antes pelo contrário, tanto na doutrina quanto na jurisprudência
pátrias, a discussão se dá de forma restrita, não acolhendo boas possibilidades à
pesquisa sobre a questão abordada.
Em que pese a polêmica escolhida demonstrar-se rica na capacidade de
aguçar os ânimos dos juristas para o debate, até mesmo as decisões dos Tribunais
se mostram muito limitadas, não explicitando de forma satisfatória todas as vertentes
do tema central da presente monografia. Além disso, foram elaboradas poucas
decisões abordando de forma clara as omissões genérica e específica. Na maioria
dos julgados, as decisões foram embasadas nos argumentos literais de outras
decisões.
Ademais, não há qualquer obra doutrinária específica a respeito do tema em
comento de que se tenha notícia no mercado.
118
Assim, recorreu-se à doutrina francesa, cujo entendimento daquelas lições
representou tarefa demasiadamente árdua, em razão do desconhecimento do
idioma.
Confrontando a monografia com o projeto dela elaborado inicialmente, verificase que algumas das hipóteses previstas restaram confirmadas.
Assim, tratando-se de omissão específica do Estado, a doutrina e a
jurisprudência têm reconhecido a Teoria do Risco Administrativo, portanto, no âmbito
da responsabilidade civil objetiva, como a aplicável ao caso concreto.
Todavia, a análise fática, envolvendo o Estado e a vítima é o grande vetor para
a aplicação da responsabilidade civil objetiva ou subjetiva, quando da conduta
omissiva do Estado.
REFERÊNCIAS
ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Dicionário jurídico brasileiro Acquaviva. 9.ed. São
Paulo: Editora Jurídica Brasileira, 1998.
ALEXANDRINO, Marcelo e PAULO, Vicente. Direito Administrativo. 5. ed. Rio de
Janeiro: Impetus, 2004.
AMARAL NETO, Francisco dos Santos. Direito Civil Brasileiro: Introdução. Rio de
Janeiro: Forense, 1999.
AMARAL, Francisco. Direito Civil: Introdução. 5. ed. Rio de Janeiro: Renovar. 2003.
AMARAL, Francisco. Direito civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1998.
BITTENCOURT, Marcus Vinicius Corrêa. Manual de direito administrativo. Belo
Horizonte: Fórum, 2005.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n º 2004/0096291-4.
Órgão Julgador: Primeira Turma. Julgado em 02 mai.2006.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n º 2005/0050493-9.
Órgão Julgador:Primeira Turma. Julgado em 08 ago.2006.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1992/0026117-5. Órgão
Julgador: Segunda Turma. Julgado em 15 fev.2000.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1997/0040014-0. Órgão
Julgador: Segunda Turma. Julgado em 19 out.2004.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 2002/0027129-0. Órgão
Julgador: Segunda Turma. Julgado em 20 mai. 2003.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 2002/0149032-2. Órgão
Julgador: Primeira Turma. Julgado em 10 dez.2002.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 2003/0195400-5. Órgão
Julgador: Segunda Turma. Julgado em 21 jun.2005.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 2004/0037073-9. Órgão
Julgador: Primeira Turma. Julgado em 27mar.2007.
CAETANO, Marcelo. Princípios Fundamentais do Direito Administrativo. Rio de
Janeiro: Forense, 1977.
CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade Civil do Estado. São Paulo: Malheiros,
1995.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da
Constituição. 2. ed. Coimbra: Almedina, 1998.
CARPENA, Heloísa. Abuso de Direito no Código de 2002: Relativização de
direitos na ótica civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
CARVALHO NETO, Inácio de. Responsabilidade do Estado por Atos de Seus
Agentes. São Paulo: Atlas, 2000.
CASTRO, Guilherme Couto de. A Responsabilidade Civil Objetiva no Direito
Brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997.
CASTRO, Guilherme Couto de. Responsabilidade civil objetiva no Direito
Brasileiro. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005.
CAVALCANTI, Themístocles. Voto Publicado. Revista
Jurisprudência. São Paulo, nº 47, p. 378-384, fev. 1969.
Trimestral
de
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 4. ed. São
Paulo: Malheiros Editores, 2003.
121
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 5. ed., São
Paulo: Malheiros, 2004.
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 6. ed., São
Paulo: Malheiros, 2005.
COSTA, Wagner Veneziani; AQUAROLI, Marcelo. Dicionário Jurídico. São Paulo:
WVC, [19--].
CRETELLA JÚNIOR, José. O Estado e a Obrigação de Indenizar. São Paulo:
Saraiva, 1980.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 12. ed. São Paulo: Atlas,
2000.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 18. ed. São Paulo: Atlas,
2005.
DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 1994,
v.1.
DIAS, José de Aguiar. Da Responsabilidade Civil.10. ed. Rio de Janeiro: Forense,
1995, v.2.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. São
Paulo, Saraiva, 1984.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. São
Paulo: Saraiva, 1990, v. 7.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 10.
ed. São Paulo: Saraiva, 1996. v. 7.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 15
ed. São Paulo: Saraiva, 2001, v. 7.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 7.
122
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 17.
ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 7.
FARIA, Edimur Ferreira. Curso de Direito Administrativo Positivo. 4. ed. Belo
Horizonte: Del Rey, 2001.
FIGUEIREDO, Lúcia Valle, Curso de Direito
Malheiros, 1994.
Administrativo. São Paulo:
FREITAS, Juarez. Responsabilidade Civil do Estado. 1.ed. São Paulo: Editora
Malheiros, 2006.
FREITAS, Sérgio Henriques Zanon. Curso Prático de Direito Administrativo. 2.ed.
Belo Horizonte:Del Rey, 2004.
GOMES, Orlando. Tendências Modernas da Responsabilidade Civil. Rio de
Janeiro: Forense, 1985.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 6. ed. São Paulo: Saraiva,
1995.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 7. ed. São Paulo: Saraiva,
2002.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 8. ed. São Paulo: Saraiva,
2003.
GOUVEIA, Jaime Augusto Cardoso de. Da responsabilidade Contratual. Lisboa:
Seara Nova, 1932.
KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade Civil do Médico. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1996.
LAZZARINI, Álvaro. Responsabilidade civil do Estado por atos omissivos dos seus
agentes. Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo. São Paulo, v. 23, n. 117, p. 125-162, mar/abr, 1989.
LIMA, Alvino. Culpa e Risco. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.
123
LOMBARD, Martine. Droit Administratif. 3. ed. Paris: Dalloz, 1999.
LOPES, Miguel de Serpa. Curso de Direito Civil. 8. ed. Rio de Janeiro: Freitas
Bastos, 1996. v. 8.
LUZ, Odília Ferreira da. Manual de direito administrativo. Rio de Janeiro: Renovar,
1997.
MARCHESAN, Ana Maria Moreira; STEIGLEDER, Annelise Monteiro; CAPPELI,
Sílvia. Direito Ambiental: Série Concursos. 4. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico,
2007.
MAZEAUD, Henry et al. Taité théorique et pratique de la responsabilité cívile
délictuelle et contractuelle . 5. ed. Paris: Montchirestiem, 1958. v. 2.
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 4. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2000.
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 9.ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2005.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 14. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1989.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 21 ed. São Paulo:
Malheiros Editores, 1996.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 24. ed. São Paulo:
Malheiros Editores, 1999.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 27. ed. São Paulo:
Malheiros Editores, 2002.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 29. ed. São Paulo:
Malheiros Editores, 2004.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros,
2002.
124
MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Ato Administrativo e Direitos dos
Administrados. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1981.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 11. ed. São
Paulo: Malheiros Editores. 1999.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 14. Ed. São
Paulo: Malheiros Editores, 2002.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 17. ed. São
Paulo: Malheiros Editores, 2003.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Elementos de Direito Administrativo. 3. ed.
São Paulo: Malheiros Editores, 1992.
MELLO, Celso Antônio Bandeira. Responsabilidade Extracontratual do Estado por
Comportamentos Administrativos. Revista dos Tribunais. São Paulo. v.552, p. 1114, mai/jun 1979.
MELLO, Osvaldo Aranha Bandeira de. Princípios
Administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 1979. v. 2.
Gerais
do
Direito
MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Rio de Janeiro: Borsói, 1958.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2000.
MORAES, Alexandre. Os 10 anos da Constituição Federal. São Paulo: Atlas,
1999.
NASCIMENTO, Tupinambá Miguel Castro do. Responsabilidade Civil do Estado.
Rio de Janeiro: Aide, 1995.
NORONHA, Fernando. Direito das Obrigações. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 1.
NUNES, Pedro. Dicionário de Tecnologia Jurídica. 13.ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 1999.
125
PEDROTTI, Irineu Antonio. Responsabilidade Civil. São Paulo:Livraria e Editora
Universitária de Direito, 1999. v. 1.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Rio de Janeiro:
Forense, 1996, v. 2.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 2. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1991.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. 8. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1998.
REIS, Clayton. Dano Moral. Rio de Janeiro: Forense, 2001.
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 70016279275.
Órgão Julgador: Nona Câmara Cível. Julgado em 28 dez.2006.
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 70017007303.
Órgão Julgador: Sexta Câmara Cível. Julgado em 22 mar. 2007.
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 70017117821.
Órgão Julgador: Quinta Câmara Cível. Julgado em 28 mar.2007.
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 70017235359.
Órgão Julgador: Nona Câmara Cível. Julgado em 28 fev.2007.
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 70018125088.
Órgão Julgador: Nona Câmara Cível. Julgado em 11abr.2007.
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 70018230847.
Órgão Julgador: Sexta Câmara Cível. Julgado em 29 mar. 2007.
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 70018624692.
Órgão Julgador: Nona Câmara Cível. Julgado em 18 abr.2007.
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal Regional da 4ª Região. Apelação Cível nº
2001.04.01.045587-9. Órgão Julgador: Terceira Turma. Julgado em 06 ago.2002.
126
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Apelação Cível nº
2002.04.01.047232-8. Órgão Julgador: Quarta Turma. Julgado em 20 fev.2003.
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Apelação Cível nº
2003.04.01.029648-8. Órgão Julgador: quarta Turma. Julgado em 11 out. 2006.
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Apelação Cível nº
2005.71.00.016129-0. Órgão Julgador: Terceira Turma. Julgado em 03 out. 2006.
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Apelação Cível nº
2002.04.01.035946-9. Órgão Julgador: Terceira Turma. Julgado em 05 ago. 2003.
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Apelação Cível nº
2001.70.01.009217-7. Órgão Julgador: Terceira Turma. Julgado em 13 fev. 2006.
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Apelação Cível nº
2003.70.00.034361-7. Orgão Julgador: Terceira Turma. Julgado em 13 mar. 2007.
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 1995.
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva,
1999, v. 4.
SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. Responsabilidade Civil. 2.ed. São Paulo:
Atlas, 2002.
SARAIVA, Marcelo. Legítima Defesa. São Paulo: Saraiva, 1975.
SCHLESINGER, Patsy. Responsabilidade Civil do Estado Por Ato do Juiz. Rio
de Janeiro: Revista Forense, 1999.
SERPA LOPES, Miguel Maria de. Curso de Direito Civil: Fontes contratuais das
obrigações - Responsabilidade Civil. 4.ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1995. v.5.
SIDOU, José Maria Othon et al. Dicionário Jurídico. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense,
1999.
127
STOCO, Rui. Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial. 3.ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.
STOCO, Rui. Responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Saraiva. 1995.
STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 6. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004.
SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. 4. ed. São Paulo:
Malheiros Editores, 2002.
VENDRAMEL, Aparecida. Responsabilidade Extracontratual do Estado. São
Paulo: Themis, 2000.
128
ANEXO A – Inteiro teor do acórdão referente
ao julgamento do Recurso Especial n º
2002/0149032-2 pela Primeira Turma do
Superior Tribunal de Justiça.
129
130
131
132
133
134
135
136
137
138
ANEXO B - Inteiro teor do acórdão referente
ao julgamento da Apelação Cível n º
2002.04.01.047232-8 pela Quarta Turma do
Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
139
140
141
142
143
144
145
ANEXO C – Inteiro teor do acórdão referente
ao julgamento do Recurso Extraordinário n º
409.203-4/RS pela Segunda Turma do
Supremo Tribunal Federal.
146
147
148
149
150
151
152
153
154
155
156
157
158
159
160
161
162
163
164
165
166
167
168
169
170
171
172
173
174
175
176
177
178
179
180
181
182
183
184
185
186
187
ANEXO D – Inteiro teor do acórdão referente
ao julgamento da Apelação Cível n º
2003.04.01.029648-8 pela Quarta Turma do
Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
188
189
190
191
192
193
194
195
196
197
198
199
ANEXO E – Inteiro teor do acórdão referente
ao julgamento da Apelação Cível n º
2005.71.00.016129-0 pela Terceira Turma do
Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
200
201
202
203
204
205
206
207
208
209
210
211
212
ANEXO F – Inteiro teor do acórdão referente
ao julgamento da Apelação Cível n º
70018624692 pela Nona Câmara Cível do
Tribunal de Justiça do Estado do Rio
Grande do Sul.
213
214
215
216
217
218
219
220
221
222
223
224
225
226
227
228
229
230
ANEXO G – Inteiro teor do acórdão referente
ao julgamento do Recurso Especial n º
2004/0096291-4 pela Primeira Turma do
Superior Tribunal de Justiça.
231
232
233
234
235
236
237
238
239
240
241
242
ANEXO H – Inteiro teor do acórdão referente
ao julgamento da Apelação Cível n º
2002.04.01.035946-9 pela Terceira Turma do
Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
243
244
245
246
247
248
249
250
251
252
253
254
255
256
257
258
Download

a responsabilidade civil extracontratual do estado por omissão