INTENSIVO REGULAR DE SÁBADO
Disciplina: Direito Penal
Prof.: Alexandre Carvalho
Tema: Finalismo e Teoria social da ação
Data: 20/09/08
MATERIAL DE APOIO
Prof. Alexandre Carvalho
O conceito de delito do finalismo (Teoria finalista da ação)
Se a teoria neoclássica não provocou alterações estruturais importantes no sistema imposta pela
teoria clássica, o finalismo, desenvolvido por Hans Welzel, a partir dos anos trinta, ensejou uma
revisão geral do sistema e da estrutura do conceito de delito. Welzel abandonou o pensamento
abstrato e logicista próprio do neokantismo para investigar a essência real da ação humana. O
objetivo era converter novamente o verdadeiro ser da ação humana no centro do conceito de delito
(ponto de vista ontológico).
Welzel chegou praticamente às conclusões já insinuadas no conceito tradicional de delito,
exposto com visões diferentes pelas teorias clássica e neoclássica, que não chegaram a ser
plenamente reconhecidas a seu tempo pela dogmática anterior ao finalismo.
Desde um ponto de vista ontológico, Welzel diz ser a característica da ação humana a
CAPACIDADE DE DIRIGIR A PRÓPRIA CONDUTA PARA A OBTENÇÃO DOS FINS PROPOSTOS E
DELIBERADOS.
A ação humana, conceito englobador da omissão, passa a ser exercício da atividade final.
Com a ajuda de seu saber causal, o homem pode, dentro de certos limites, dominar o acontecer e
dirigir sua atuação conforme um plano traçado para atingir a meta. A direção final da ação se realiza
na antecipação mental do objetivo, na eleição dos meios instrumentais necessários e na execução da
ação no mundo real.
Para Hans Welzel o vocábulo “ação”, para efeitos jurídico-penais, não é um mero
acontecimento causal, designando a atividade finalista do homem, baseada em que este, graças a
seus conhecimentos nomológicos (nomologia significa o conhecimento dos fenômenos naturais),
fruto da experiência, pode prever as conseqüências possíveis de sua conduta e, por tanto, orientá-la
à obtenção de determinados fins, dirigindo sua atividade conforme um plano determinado para o
alcance de tais fins.
Segundo Welzel, a finalidade é vidente, enquanto a causalidade é cega. Neste novo sistema
do delito a finalidade da ação típica foi equiparada ao dolo, que juntamente com os outros elementos
subjetivos do tipo ou do injusto, pertence ao tipo, posto que a função deste consiste em assinalar
todos os elementos do injusto essenciais para a punibilidade.
Ao considerar que a finalidade (dolo) é um elemento fundamental na ação, Welzel dividiu o
dolo normativo (dolus malus), do neokantismo, em duas partes: a) o dolo natural, que consiste no
conhecimento do fato e vontade de realizá-lo, que se situa na tipicidade; b) a consciência da
ilicitude, de caráter potencial, que continua localizada na culpabilidade.
Esta estrutura acima citada se adequa perfeitamente ao delito doloso, mas não explica o
crime culposo. A partir disto, Welzel afirmou que a diferenciação entre delitos dolosos e culposos não
se encontra na culpabilidade, mas na própria tipicidade.
Como conseqüência da separação entre o dolo natural e a consciência da ilicitude, necessária
se tornou a modificação do tratamento dos erros essenciais até então existentes (erro de fato e erro
de direito). Atribuiu-se distinto significado ao erro sobre o dolo, que passou a chamar-se erro de
tipo, excludente do dolo, em qualquer caso, se invencível ou vencível. Noutro lado, ao erro sobre o
conhecimento da ilicitude do fato denominou-se erro de proibição, excludente da culpabilidade
quando inevitável e diminuidor da pena quando evitável.
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Também como efeito da nova concepção definiu-se caber participação somente em crimes
dolosos, considerando-se autor quem possua o domínio final do fato e não simplesmente quem
contribua para a produção do resultado, sem ter o comando da atividade criminosa.
Com a passagem do dolo para o âmbito da tipicidade foram reunidos todos os elementos
subjetivos do tipo sob a denominação de “elementos pessoais do injusto”, nos quais se manifesta o
“desvalor da ação”, cuja importância suplanta o “desvalor do resultado” (lesão), configurando-se,
assim, um INJUSTO PESSOAL em contrapartida a um INJUSTO OBJETIVO advindo do causalismo.
Aclarou-se a essência da culpa, cujos diversos componentes haviam permanecido até então
ocultos sob a designação global de “forma da culpabilidade”. No sentido de falta de cuidado objetivo
necessário (previsibilidade objetiva), a culpa integra o tipo-de-injusto, mas como reprovabilidade
perssoal da falta de cuidado (previsibilidade subjetiva) constitui um elemento da culpabilidade.
A teoria finalista da ação foi completada com a dogmática dos delitos omissivos, elaborada
por Armin Kaufmann, pela qual tais crimes são uma forma especial do fato penal, consistentes na
não realização da atividade esperada.
A passagem para a tipicidade do último dos elementos psicológicos que estavam na
culpabilidade (dolo natural) converteu esta em uma teoria absolutamente normativa (TEORIA
NORMATIVA PURA DA CULPABILIDADE).
Segundo esta concepção, a culpabilidade consiste na reprovabilidade pessoal incidente sobre
o autor do fato, no sentido de que não deixou de praticar a ação ilícita quando lhe era possível, nas
circunstâncias, fazê-lo (PODER-DE-AGIR-DE-OUTRO-MODO). Na culpabilidade, para esta teoria,
estão presentes os seguintes elementos: a) imputabilidade ou capacidade de culpabilidade – que o
autor é capaz, de acordo com suas forças psíquicas, de atuar segundo a norma indica; b) consciência
potencial da ilicitude - que o autor conhece ou pode conhecer a ilicitude de seu atuar; c) exigibilidade
de conduta diversa - que seja exigível do autor agir conforme o direito.
Em resumo, as principais características do finalismo:
a) conceito de conduta humana relevante penalmente: ação humana comissiva ou omissiva dirigida
a um fim; exercício de atividade finalística;
b) transferência do dolo e da culpa para o âmbito da tipicidade, exigindo exame de aspecto subjetivo
no âmbito do injusto (tipicidade + ilicitude), gerando o denominado injusto pessoal. O dolo
transportou-se para a tipicidade no sentido de vontade de realização dos elementos do tipo (dolo
natural), ficando a consciência da ilicitude (potencial) como elemento autônomo da culpabilidade. O
tratamento da culpa também foi distinto, pois como infringência ao dever objetivo de cuidade
(previsibilidade objetiva), a culpa integra o tipo, mas como reprovabilidade perssoal da falta de
cuidado (previsibilidade subjetiva) constitui um elemento da culpabilidade.
c) a ilicitude passou a ser examinada também sob um prisma subjetivo, exigindo-se para a análise e
configuração das justificantes o conhecimento pelo agente do fato ensejador da ação legítima e a
vontade de atuar de forma autorizada, permitida;
d) a transferência para a tipicidade do último dos elementos psicológicos que estavam na
culpabilidade (dolo natural) converteu esta em uma teoria absolutamente normativa (teoria
normativa pura da culpabilidade). Conforme esta concepção, a culpabilidade consiste na
reprovabilidade pessoal incidente sobre o autor do fato, que poderia ter deixado de praticar a ação
proibida, pois lhe era possível, nas circunstâncias, fazê-lo (PODER-DE-AGIR-DE-OUTRO-MODO). Os
elementos componentes da culpabilidade, para esta teoria, são os seguintes: a) imputabilidade ou
capacidade de culpabilidade – significa que o autor possuía condições psíquicas para entender a
ilicitude do fato e agir conforme seu entendimento; b) consciência potencial da ilicitude – significa
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que o autor conhecia a ilicitude ou poderia tê-la conhecido quando da realização do fato; c)
exigibilidade de conduta diversa – significa que era exigível do autor agir conforme o direito.
Estrutura analítica do crime para a teoria finalista:
- Fato típico =
a) conduta dolosa ou culposa
b) resultado
c) nexo causal
d) tipicidade (material)
- Ilicitude (material)
- Culpabilidade normativa pura = a) imputabilidade
b) potencial consciência da ilicitude
c) exigibilidade de conduta diversa
O conceito social da ação
O finalismo, e a estrutura do delito por ele proposta, teve grande importância doutrinária e
logrou impor-se ao causalismo em vários países.
Entretanto, restaram alguns pontos de conflito na luta dialética ocorrida entre as escolas
causal e final, que não foram devidamente aclarados pelo finalismo.
Surgiu, daí, com o objetivo de reunir em uma categoria superior todos estes conceitos, a
teoria social da ação, cuja única finalidade foi a de reconduzir os conceitos de ação dolosa, culposa e
omissiva para o âmbito da ação social, entendida como aquela conduta humana, comissiva ou
omissiva, com relevância social.
Para esta teoria, a omissão é, da mesma forma que a ação, uma categoria ontológica.
Entretanto, enquanto a categoria ontológica fundamental do comportamento humano ativo é a
finalidade - direção da vontade, a categoria ontológica fundamental do comportamento humano
omissivo é a dirigibilidade do fato, entendida como a possibilidade de domínio da vontade pelo
sujeito, não a existência efetiva do referido domínio.
Em virtude da diferença no plano ontológico entre a ação e a omissão, consideraram alguns
doutrinadores, como Jescheck, que ambas poderiam ser agrupadas em um conceito superior
unitário, de natureza valorativa (axiológica), que reuna no âmbito normativo (dever ser) os
elementos incompatíveis na esfera do ser.
Buscando esta síntese na relação do comportamento humano com o mundo circundante,
concluiu-se ser a ação COMPORTAMENTO HUMANO SOCIALMENTE RELEVANTE, DOMINADO OU
DOMINÁVEL PELA VONTADE.
Entende-se por “comportamento” toda resposta do homem a uma exigência situacional
reconhecida ou, ao menos, reconhecível, mediante a realização de uma possibilidade de reação da
qual o sujeito dispõe graças a sua liberdade.
O comportamento pode consistir no exercício da atividade final (finalidade); na causação
descuidada de conseqüências, desde que o processo causal seja dirigido para o alcance de objetivo
extra típico (culpa); na inatividade frente a uma concreta esperança de ação, havendo a
possibilidade de direção da vontade (omissão).
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Além deste aspecto ontológico, o comportamento há de ser “socialmente relevante”, ou seja,
deve pertencer à relação do indivíduo com o mundo que o rodeia e o afeta por suas conseqüências.
Assim, o conceito social de ação deseja abarcar todas as formas de comportamento humano
que de alguma maneira são tomadas em conta para o juízo de imputação, excluindo aquelas que
carecem de importância para uma consideração jurídico-penal.
Não são ações aptas à geração da imputação penal os reflexos corporais estritamente
somáticos, os movimentos corporais realizados em estado de inconsciência, em que a pessoa não se
colocou voluntariamente, e as ações produzidas por força irresistível (vis absoluta - coação física).
Também se nega a qualidade de ação se alguém permanece inativo frente a uma expectativa
de ação, pois lhe falta capacidade geral de atuar, sendo certo que nenhuma outra pessoa teria
alcançado tal capacidade na mesma situação. Exemplo: não se imputa à mãe o resultado morte do
filho, que perece de inanição, se estava ela encarcerada e impossibilitada de alimentar a criança.
Por derradeiro, a exigência de que o comportamento seja projetado ao exterior exclui do
conceito jurídico-penal da ação todos os processos da vida psíquica, como pensamentos, planos,
sentimentos, convicções, ainda que possam ser constatados (não se pune a mera cogitação).
A teoria social da ação acolhe, por seus maiores expoentes, a moderna teoria da
culpabilidade, de matiz normativa, denominada TEORIA COMPLEXA NORMATIVO-PSICOLÓGICA.
Enquanto o objeto do juízo de ilicitude e do juízo de culpabilidade coincide em Welze, a saber,
a vontade da ação, valorada em um caso como não devida (juízo de ilicitude), e no outro como
reprovável (juízo de culpabilidade), para a moderna teoria o juízo de culpabilidade possui um objeto
de referência próprio, distinto daquele do juízo de ilicitude, que é o fato em relação com A ATITUDE
INTERNA JURIDICAMENTE DEFICIENTE, CENSURÁVEL ATITUDE INTERNA FRENTE AO DIREITO.
A atitude interna juridicamente deficiente é aquela que forma a vontade, é a fonte da qual
nasce a decisão de realizar o fato contrário ao direito.
Para tal teoria, portanto, a culpabilidade significa: “reprovabilidade do fato em atenção à
desaprovada atitude interna que se manifesta no mesmo”.
O que se reprova é sempre o fato e não somente a atitude interna. Contudo, o fato recebe,
através da atitude interna, juridicamente defeituosa ou não, da qual procede, seu conteúdo
individual de valor ou desvalor. Destarte, a atitude interna se constitui na razão pela qual ao autor se
reprova mais ou menos o fato.
Desta teoria resulta a denominada DUPLA POSIÇÃO DO DOLO E DA CULPA. Tais categorias
passam a ser importantes também para a censura da culpabilidade, além de integrarem o tipo.
Em relação ao dolo, no tipo-de-injusto é ele, como forma de conduta, portador do sentido
jurídico-social da ação, compreendendo as relações psíquicas do autor para com o acontecimento
fático exterior (dolo do tipo em sentido estrito, no sentido de realização consciente e volitiva das
circunstâncias objetivas); no âmbito da culpabilidade, ele é, como forma de culpa, o portador do
desvalor do ânimo, expressando o deficiente ânimo jurídico especificamente vinculado à prática
dolosa do tipo (posição dolosa e defeituosa para com a ordem jurídica).
Quanto à culpa, a não observância do dever genérico de cuidado deve ser examinada no
âmbito da tipicidade, para afirmá-la ou excluí-la, quando inexistente, enquanto a não observância do
dever pessoal de cuidado deve ser apreciada na esfera da culpabilidade.
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Em resumo: a previsibilidade objetiva fundamenta a culpa no tipo e a previsibilidade subjetiva
fundamenta a culpa no setor da culpabilidade.
Conseqüência interessante desta teoria é o caráter indiciário do tipo-de-culpabilidade pela
realização do tipo-de-injusto correspondente. Em outras palavras, o tipo-de-injusto doloso indica o
tipo-de-culpabilidade dolosa, enquanto o tipo-de-injusto culposo é indício do tipo-de-culpabilidade
culposa. A relação entre o tipo-de-injusto e o tipo-de-culpabilidade é apenas indiciária, podendo
desaparecer em situações atípicas, como, por exemplo, no erro invencível incidente sobre um
pressuposto fático de uma causa justificante (descriminantes putativas).
Conforme Juarez Tavares,
“a maior crítica que se pode levantar ao sistema de Jescheck (e de Wessels, por conseguinte), além
das observações gerais acerca da concepção social da ação, é que ele infelizmente procura
fundamentar a culpabilidade, tomada no sentido normativo da reprovabilidade, no ânimo adverso ao
direito. Essa adoção da culpabilidade pelo ânimo adverso, como já se disse, conduz inevitavelmente
à culpabilidade pela conduta de vida e de caráter, incompatível com um sistema liberal...Essa
posição reflete um mitigado Direito Penal do autor que, ao lado do fato, faz incidir o juízo de
reprovação sobre o desenvolvimento da personalidade do sujeito ativo, de forma defeituosa para
com a ordem jurídica...Isso permitiria ao julgador a faculdade de estabelecer o juízo normativo de
censura, segundo suas própria regras morais e interesses, nem sempre corretos e de conformidade
com o sentido da norma”.
Sinteticamente, as características fundamentais deste modelo são:
a) uma nova concepção de conduta jurídico-penalmente importante, considerada como o
comportamento humano socialmente relevante, dominado ou dominável pela vontade.
b) a formulação de uma moderna teoria da culpabilidade (complexa normativa-psicológica),
consistente em estabelecer a reprovabilidade do fato consoante a desaprovada atitude interna que se
manifesta no mesmo. Para esta concepção o dolo e a culpa além de integrarem o tipo penal também
estão presentes na culpabilidade. Nesta, o dolo revela o deficiente ânimo jurídico que levou o agente
a querer e realizar os elementos do tipo, enquanto a culpa traduz-se na infringência do dever pessoal
de cuidado, que se fundamenta na previsibilidade subjetiva.
Sugere-se a seguinte estrutura dogmática do crime para a teoria social:
- Fato típico =
a) conduta dolosa ou culposa
b) resultado
c) nexo causal
d) tipicidade (material)
- Ilicitude (material)
- Culpabilidade = a) imputabilidade complexa
b) potencial consciência da ilicitude normativa-psicológica
c) exigibilidade de conduta diversa
d) dolo (portador do desvalor do ânimo)
culpa (previsibilidade subjetiva)
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