ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PRLF
Nº 70028142636
2009/CÍVEL
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL.
DANOS MORAIS. FATO DE ANIMAL. ART. 936 DO
CC/2002.
DEVER DE INDENIZAR RECONHECIDO. CULPA
EXCLUSIVA DA VÍTIMA AFASTADA. É cediço que
o dono ou detentor de animal, responde
objetivamente pelos danos que este causar a
outrem, salvo se comprovada a culpa da vítima ou
força maior. Inteligência do art. 936 do CC/2002,
vigente à época do fato. Hipótese em que a autora,
que contava com seis anos de idade à época dos
fatos, ao estar brincando em área comum do
condomínio, foi atacada pelo cão de propriedade
do réu, resultando em lesões que necessitou de
sutura com 28 pontos, além do inegável prejuízo
estético. Culpa exclusiva da vítima não
reconhecida. Sentença mantida.
DANO
MORAL.
DESNECESSIDADE
DE
COMPROVAÇÃO. O prejuízo moral, in casu, é
corolário lógico do pavor e da dor física
experimentada pela autora, que foi atacada por um
cachorro reconhecidamente de grande porte.
Hipótese de danum in re ipsa, sendo
desnecessária a comprovação da ocorrência de
prejuízo concreto, presumindo-se, conforme as
mais elementares regras da experiência comum.
QUANTUM INDENIZATÓRIO. MANUTENÇÃO. Na
fixação da reparação por dano extrapatrimonial
incumbe ao julgador, atentando, sobretudo, para
as condições do ofensor, do ofendido e do bem
jurídico
lesado,
e
aos
princípios
da
proporcionalidade
e
razoabilidade,
arbitrar
quantum que se preste à suficiente recomposição
dos
prejuízos,
sem
importar,
contudo,
enriquecimento sem causa da vítima. A análise de
tais critérios, aliada às demais particularidades do
caso concreto, conduz à manutenção do montante
indenizatório fixado em R$ 15.000,00 (quinze mil
reais), valor este que se coaduna com os
parâmetros utilizados pela Câmara em situações
análogas.
APELAÇÃO IMPROVIDA.
APELAÇÃO CÍVEL
DÉCIMA CÂMARA CÍVEL
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COMARCA DE PELOTAS
NATALIE SANTANA MONTEIRO
APELANTE
HAMILTON VICTORIA DE PINHO
APELADO
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Câmara
Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento
à apelação.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes
Senhores
DES.
JORGE
ALBERTO
SCHREINER
PESTANA
(PRESIDENTE) E DES. TÚLIO DE OLIVEIRA MARTINS.
Porto Alegre, 29 de outubro de 2009.
DES. PAULO ROBERTO LESSA FRANZ,
Relator.
RELATÓRIO
DES. PAULO ROBERTO LESSA FRANZ (RELATOR)
Adoto o relatório das fls. 197/197-v., aditando-o como segue:
Sobreveio
sentença,
julgando
procedente
o
pedido,
condenando o réu a indenizar a autora a importância de R$ 15.000,00,
acrescida de correção monetária pelo IGP-M a contar da sentença e juros de
mora de 12% ao ano, desde o evento danoso.
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No capítulo acessório da sentença, condenou o réu ao
recolhimento das custas processuais e ao pagamento de honorários
advocatícios, fixados em R$ 1.000,00.
Irresignado, o réu apelou. Sustenta, em síntese, que não restou
comprovada culpa do apelante, pois o animal estava preso dentro da
propriedade do recorrente. Assevera a ausência de comprovação dos danos
morais. Aduz que as crianças estavam provocando o animal, restando
configurada culpa exclusiva da vítima. Destaca que a prova oral comprovou
ter os responsáveis pelos cuidados das crianças faltado com o zelo, pois
sequer presenciaram o ocorrido. Pugna, ao final, pelo provimento do apelo.
Alternativamente, requer a redução do quantum indenizatório.
Contra-razões acostadas às fls. 213/216, requerendo a
manutenção do decisum.
Subiram os autos a esta Corte.
Aqui, o nobre Procurador de Justiça opinou pelo improvimento
do apelo.
Vieram os autos conclusos julgamento.
É o relatório.
VOTOS
DES. PAULO ROBERTO LESSA FRANZ (RELATOR)
Eminentes colegas.
É cediço que o dono ou detentor de animal, responde pelos
danos que este causar a outrem, salvo se comprovada a culpa da vítima ou
força maior. Trata-se de responsabilidade objetiva, proclamada pelo art.
936 do Código Civil de 2002, vigente à época do fato.
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Sobre o tema, trago à colação o ensinamento de Sérgio
Cavalieri Filho (in Programa de Responsabilidade Civil, 5ª ed., 2ª tiragem,
2004, p. 223/224):
“O art. 936 não mais admite ao dono ou detentor do
animal afastar sua responsabilidade provando que
o guardava e vigiava com cuidado precioso, ou
seja, provando que não teve culpa. Agora, a
responsabilidade só poderá ser afastada se o dono
ou detentor do animal provar fato exclusivo da
vítima ou força maior. Temos, destarte, uma
responsabilidade objetiva tão forte que ultrapassa
os limites do risco criado ou do risco-proveito.
Tanto á assim que nem todas as causas de exclusão
do nexo causal, como o caso fortuito e o fato de
terceiro, afastarão a responsabilidade do dono ou
detentor do animal. A vítima só terá que provar o
dano, e que este foi causado por determinado
animal. A defesa do réu estará restrita às causas
especificadas na lei, e o ônus da prova será seu.
Não estará afastada, a toda evidência, a defesa
fundada no fato de não ser dono nem detentor do
animal.” (grifei)
Ao concreto, restou incontroverso o fato de ter a criança Natalie
Sant´Anna Monteiro sofrido o ataque pelo referido canídeo, circunstância,
aliás, admitida quando da oferta da contestação.
Isso porque o demandado aduz que o evento danoso ocorreu
por culpa exclusiva da criança, pois esta devia estar provocando o animal,
bem como pelo fato de os responsáveis não estarem vigiando a tenra
demandante.
Ocorre que, o contexto probatório constante dos autos não dá
azo à versão externada pelo réu, porquanto não há provas que impliquem
nas excludentes da responsabilidade civil, ônus que lhe competia, ex vi do
art. 333, II do CPC.
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Verifica-se, ao revés, que o réu não empregou os meios
necessários para manter o animal dentro de sua propriedade, vindo este a
atacar a vítima em área comum do condomínio, dando-lhe mordidas na
perna esquerda, que resultaram lesões que necessitaram de sutura com 28
pontos, além do inegável prejuízo estético (fls. 178/179).
Daí resulta a responsabilização do requerido, o qual propiciou a
circunstância na qual se desencadeou o acidente, ou seja, adotando uma
conduta negligente, ao não empregar os meios necessários a impedir a fuga
do cão, não tendo comprovado nenhuma causa (culpa da vítima ou força
maior) que os eximisse do dever de indenizar.
Logo, não restou evidenciada a culpa exclusiva da vítima,
tampouco culpa concorrente, inexistindo nos autos prova apta a derrubar a
narrativa dos fatos exposta pela demandante, na inicial.
Assim, diante da existência de ato ilícito por parte do requerido,
cumpre-se analisar a existência, ou não, das ofensas imateriais, de vez que
o réu pugna pela improcedência da ação.
Tenho que o caso em tela reveste a hipótese de danum in re
ipsa, sendo desnecessária a comprovação da ocorrência de prejuízo
concreto, presumindo-se, conforme as mais elementares regras da
experiência comum. Trata-se, portanto, de dano moral puro.
De qualquer modo, o prejuízo moral, in casu, é corolário lógico
do pavor e da dor física experimentada pela autora, que foi atacado por um
cachorro reconhecidamente de grande porte, pastor alemão.
A par desta compreensão, passo ao exame do quantum
indenizatório devido pelo demandado à autora, a título de dano moral, objeto
do recurso de apelo.
É sabido que, na quantificação da indenização por dano moral,
deve o julgador, valendo-se de seu bom senso prático e adstrito ao caso
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concreto,
arbitrar,
pautado
nos
princípios
da
razoabilidade
e
proporcionalidade, um valor justo ao ressarcimento do dano extrapatrimonial.
Neste propósito, impõe-se que o magistrado atente às
condições do ofensor, do ofendido e do bem jurídico lesado, assim como à
intensidade e duração do sofrimento, e à reprovação da conduta do
agressor, não se olvidando, contudo, que o ressarcimento da lesão ao
patrimônio moral deve ser suficiente para recompor os prejuízos suportados,
sem importar em enriquecimento sem causa da vítima.
A dúplice natureza da indenização por danos morais vem
ressaltada na percuciente lição de Caio Mário, citado por Sérgio Cavalieri
Filho, em sua obra Programa de Responsabilidade Civil:
“Como tenho sustentado em minhas Instituições de Direito
Civil (v. II, n.176), na reparação por dano moral estão
conjugados dois motivos, ou duas concausas: I punição ao infrator por haver ofendido um bem jurídico da
vítima, posto que imaterial; II – pôr nas mãos do ofendido
uma soma que não é o pretium doloris, porém o meio
de lhe oferecer oportunidade de conseguir uma
satisfação de qualquer espécie, seja de ordem intelectual
ou moral, seja mesmo de cunho material, o que pode ser
obtido ‘no fato’ de saber que esta soma em dinheiro pode
amenizar a amargura da ofensa e de qualquer maneira o
desejo da vingança” (in: Programa de Responsabilidade
Civil. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p.108/109, grifei).
Diverso não é o entendimento do Colendo STJ, consoante se
verifica do seguinte precedente:
“ADMINISTRATIVO – RESPONSABILIDADE – CIVIL – DANO
MORAL – VALOR DA INDENIZAÇÃO. 1. O valor do dano
moral tem sido enfrentado no STJ com o escopo de atender a
sua dupla função: reparar o dano buscando minimizar a dor
da vítima e punir o ofensor, para que não volte a reincidir. 2.
Posição jurisprudencial que contorna o óbice da Súmula 7/STJ,
pela valoração jurídica da prova. 3. Fixação de valor que não
observa regra fixa, oscilando de acordo com os contornos fáticos
e circunstanciais. 4. Recurso especial parcialmente provido”.
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(RESP 604801/RS, Rel. Ministra
Eliana Calmon, Segunda
Turma, julgado em 23.03.2004, DJ 07.03.2005 p. 214)
E deste Órgão Fracionário:
“RESPONSABILIDADE CIVIL. RECURSO. REEDIÇÃO DAS
ALEGAÇÕES DA CONTESTAÇÃO. HIPÓTESE DE NÃO
CONHECIMENTO. (...). INSCRIÇÃO INDEVIDA NO SERASA.
AUSÊNCIA DE PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. DANO MORAL.
INDENIZAÇÃO. VALOR. O cadastramento injustificado em órgão
de restrição de crédito diz com dano moral puro. Indenização
não deve ser em valor ínfimo, nem tão elevada que torne
desinteressante a própria inexistência do fato. Atenção às
circunstâncias do evento e aos precedentes da Câmara.
Manutenção de equivalência de valores entre lides de semelhante
natureza. (...). Negado provimento ao apelo da ré na parte que se
conhece e provido o recurso do autor em parte naquilo que não
restou prejudicado. Unânime”. (Apelação Cível nº 70009930314,
Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge
Alberto Schreiner Pestana, julgado em 10/03/2005)
Na hipótese sob comento, restou indubitável a prática do ato
ilícito, que não cumpriu corretamente com o dever de guarda. Assim,
considerando a gravidade potencial da falta cometida, por tratar-se de dano
moral puro; o objetivo punitivo/pedagógico da indenização; as condições
pessoais da vítima, bem como diante da ausência de maiores elementos
sobre a situação econômica do réu, mantenho a verba indenizatória fixada
em R$ 15.000,00 (quinze mil reais), valor este que se coaduna com os
parâmetros utilizados pela Câmara em demandas análogas.
Por derradeiro, apenas consigno que entendimento ora
esposado não implica ofensa a qualquer dispositivo, seja de ordem
constitucional ou infraconstitucional, inclusive aqueles invocados pelas
partes em suas manifestações no curso do processo.
Nesses
termos,
o
VOTO
é
no
sentido
de
NEGAR
PROVIMENTO AO APELO.
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DES. TÚLIO DE OLIVEIRA MARTINS (REVISOR) - De acordo com o(a)
Relator(a).
DES. JORGE ALBERTO SCHREINER PESTANA (PRESIDENTE) - De
acordo com o(a) Relator(a).
DES. JORGE ALBERTO SCHREINER PESTANA - Presidente - Apelação
Cível nº 70028142636, Comarca de Pelotas: "NEGARAM PROVIMENTO.
UNÂNIME."
Julgador(a) de 1º Grau: JOAO LUIS PIRES TEDESCO
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