CONCURSO DE CRIMES Concurso de crimes é a expressão utilizada para designar as hipóteses em que o agente, mediante uma, duas ou mais condutas, comete duas ou mais infrações penais. Quando se fala em concurso de crimes, significa que o agente efetivamente cometeu e, por isso, responderá pelas diversas infrações, não se confundindo com as situações relacionadas ao princípio da consunção em que, embora as condutas se amoldem em mais de um tipo penal, o agente só responde por um delito, ficando os demais absorvidos, quer por se tratar de crimemeio, quer por ser considerado post factum impunível. Aplica-se, por exemplo, o princípio da consunção quando o agente falsifica um cheque para cometer estelionato, ficando a falsificação do documento absorvida pelo crime contra o patrimônio por se tratar de crime-meio (Súmula n. l7 do Superior Tribunal de Justiça), ou quando o agente, após furtar um quadro, nele ateia fogo, ficando o delito de dano absorvido por se tratar de post factum impunível. Em suma, para que se possa cogitar de concurso de crimes, é preciso que não se mostrem presentes os requisitos para a aplicação do princípio da consunção. Quando há dois delitos em apuração em uma mesma ação penal, porém, cada um deles sendo atribuído a réu diverso, não se está diante de concurso de crimes. Esta expressão somente é usada para se referir a dois ou mais crimes cometidos pela mesma ou pelas mesmas pessoas, mediante uma ou mais condutas. À primeira vista, se o agente cometeu dois ou mais delitos, deveria responder por todos, somando-se as penas. O legislador, contudo, percebendo que ocorreriam inúmeros exageros no montante da reprimenda, estabeleceu regras quanto à sua fixação nos casos de concurso de crimes, visando tornar mais justa a pena final. Suponha-se que o motorista de um ônibus, distraidamente, avance um sinal vermelho e colida com outro ônibus, provocando a morte de 60 pessoas. Caso sobrevivesse e as penas fossem somadas, estaria incurso em uma pena mínima de 160 anos de detenção (art. 302, parágrafo único, IV, do Código de Trânsito Brasileiro) - homicídio culposo na direção de veículo praticado por motorista profissional. Para tal situação, entretanto, o legislador previu o concurso formal de crimes, em que o piloto só recebe uma pena, aumentada de 1/6 até 1/2, de modo que, no exemplo acima, a pena máxima seria de 9 anos. ESPÉCIES As modalidades de concurso de crimes previstas no Código Penal são: a) concurso material (art. 69); b) concurso formal (art. 70); c) crime continuado (art. 71) . CONCURSO MATERIAL Dá-se o concurso material, nos termos do art. 69 do Código Penal, quando o agente, mediante duas ou mais ações ou omissões, comete dois ou mais crimes, idênticos ou não. Nesses casos, as penas são somadas. O concurso material é também chamado de concurso real ou cúmulo material. Só se pode cogitar de soma de penas na sentença se ambos os delitos estiverem sendo apurados na mesma ação penal. Para tanto, é necessária a existência de alguma forma de conexão entre eles, pois só assim se justifica a apuração no mesmo feito. É o que acontece, por exemplo, se o agente mata o marido para estuprar a esposa, quando se mostra presente a conexão teleológica. Em tal caso, os crimes são apurados em conjunto e o juiz, ao sentenciar o acusado, deve somar as penas dos crimes de homicídio qualificado e de estupro. Por sua vez, se os delitos não são conexos, cada qual deve ser apurado em um processo distinto e receber pena isoladamente (uma sentença para cada crime). A soma só acontecerá posteriormente, no juízo das execuções criminais. Ex.: um criminoso que pratica crimes de estupro e homicídio contra vítimas diversas e em locais distintos, não havendo qualquer ligação entre os delitos. Importante salientar que, também no crime continuado, o sujeito comete dois ou mais crimes por meio de duas ou mais ações. Neste, entretanto, o juiz aplica uma só pena, aumentada de 1/6 a 2/3, porque os crimes são da mesma espécie e cometidos nas mesmas circunstâncias de tempo, local e modo de execução. Assim, a regra do concurso material só pode ser aplicada quando faltar algum dos requisitos do crime continuado. Espécies O concurso material pode ser: a) homogêneo: quando os crimes cometidos forem idênticos (dois roubos, dois estupros etc.). Para o reconhecimento desta modalidade de concurso material, em que as infrações penais são da mesma espécie, é preciso que sejam diversas as circunstâncias de tempo, local ou modo de execução, pois, caso contrário, a hipótese seria de crime continuado. Haverá, portanto, concurso material, se os dois roubos foram cometidos em datas distantes um do outro, ou em cidades diferentes, ou, ainda, se foram cometidos por modos de execução distintos; b) heterogêneo: quando os crimes praticados não forem idênticos (um furto e um estelionato; um estupro e um aborto etc.). Nestes casos, em que os delitos não são da mesma espécie, é fácil a distinção em relação ao crime continuado. A soma das penas A soma das penas propriamente dita só é possível quando os crimes cometidos forem apenados com a mesma espécie de sanção. Assim, se o réu for condenado por furto e estelionato (ambos apenados com reclusão) a 1 ano por cada um dos crimes, a pena final será de 2 anos de reclusão. O mesmo raciocínio se aplica se os delitos forem todos apenados com detenção. Se, entretanto, as penas privativas de liberdade previstas forem distintas, não haverá soma (no sentido aritmético). Em tais casos, estabelece a parte final do art. 69 que o juiz fixará as duas penas, sem somá-las, e o réu cumprirá primeiro a pena de reclusão e depois a de detenção . Concurso material e penas restritivas de direitos Estabelece o art. 69, § 1°, do Código Penal (já revogado tacitamente), que, quando ao agente tiver sido aplicada pena privativa de liberdade, não suspensa, por um dos crimes, para os demais será incabível a substituição por pena restritiva de direitos. A finalidade deste dispositivo era afirmar que, no caso de concurso material, se o condenado tivesse de cumprir pena privativa de liberdade por um dos delitos, em relação ao outro não caberia pena restritiva de direitos. Acontece que a Lei n. 9.714/98 alterou o capítulo das penas, criando algumas novas modalidades de penas restritivas de direitos, que podem ser cumpridas concomitantemente com a pena de prisão. Por isso, o art. 44, § 5°, do Código Penal estabelece que, quando o condenado já estiver cumprindo pena restritiva e sobrevier condenação a pena privativa de liberdade por outro crime, o juiz da execução deverá decidir a respeito da revogação da pena restritiva, podendo deixar de decretá-la, se for possível ao condenado cumprir a pena substitutiva anterior. Assim, atualmente é possível, ao contrário do que diz o art. 69, § 1° (que sofreu revogação tácita), que o juiz, em casos de concurso material, aplique para um dos delitos pena privativa de liberdade a ser cumprida efetivamente em prisão - e, em relação ao outro, realize a substituição por pena restritiva de direitos compatível com o cumprimento da pena privativa de liberdade. Ex.: o juiz pode condenar o réu a 12 anos de reclusão, em regime inicial fechado, por um crime de homicídio, e, no que diz respeito ao crime de estelionato apurado nos mesmos autos, aplicar a pena restritiva consistente na perda de bens. Após o advento da Lei n. 9.714/98, as penas restritivas de direitos nos crimes dolosos passaram a ser admitidas em condenações de até 4 anos, desde que não haja emprego de violência contra pessoa ou grave ameaça. Além disso, de acordo com a atual redação do art. 44, § 2°, do Código Penal, dada por aquela lei, na condenação superior a 1 ano (e inferior a 4), o juiz pode substituir a pena por uma restritiva e outra de multa, ou por duas restritivas de direitos. Suponha-se, então, que o réu seja condenado a 2 anos por um furto qualificado e mais 1 ano e 6 meses por uma apropriação indébita. A substituição por penas restritivas é cabível porque as penas soma- das não superam 4 anos (se superassem, o juiz deveria fixar pena privativa de liberdade em regime inicial semiaberto). Discute-se, na prática, se o juiz ornará as penas e ao final as substituirá por duas penas restritivas (ou por uma restritiva e outra de multa), ou se fará duas substituições (a primeira em relação ao furto e a segunda em relação à apropriação indébita), podendo aplicar, nesta hipótese, quatro penas restritivas ou duas restritivas e mais duas multas. Essa questão não seria relevante se todas as penas restritivas substituíssem as privativas de liberdade pelo mesmo tempo, pois seria irrelevante cumprir 3 anos e 6 meses de prestação de serviços à comunidade pela soma das penas, ou cumprir 2 anos pelo furto qualificado e depois mais 1 ano e 6 meses pela apropriação indébita (lembre-se de que o prazo prescricional é sempre individual em relação a cada crime, mas não corre durante o cumprimento da pena). Contudo, se adotada a última corrente, o juiz poderia fixar, por exemplo, penas de prestação de serviços à comunidade (uma pelo furto e outra pela apropriação) e mais duas prestações pecuniárias (uma para cada crime), hipótese em que o réu teria uma sanção a mais a cumprir (uma prestação pecuniária a mais). Parece-nos que esta é a orientação correta, pois é o que ocorreria se o sujeito sofresse duas condenações em processos distintos, não havendo razão para ser beneficiado pelo mero fato de os crimes, cometidos em concurso material, serem apurados nos mesmos autos. A soma das penas prevista em dispositivos da Parte Especial do Código Penal Em diversos crimes previstos no Código Penal, o legislador mencionou expressamente que a violência utilizada pelo agente como meio de execução não fica por ele absorvida, constituindo, assim, exceção ao princípio da consunção. Ademais, em tais casos, o legislador adotou redação que leva à conclusão de que as penas serão somadas, ainda que tenha havido uma única ação criminosa. Vejamos os seguintes exemplos: a) no crime de injúria real (ofensa à honra por meio de agressão), a pena é de detenção, de 3 meses a 1 ano, e multa, além da pena correspondente à violência (art. 140, § 2°); b) no crime de constrangimento ilegal, o art. 146, § 2°, prevê que, além das penas cominadas, aplicam-se as correspondentes à violência; c) no crime de resistência, o art. 329, § 2°, estabelece que as penas deste artigo são aplicadas sem prejuízo das correspondentes à violência. Note-se que a redação dos dispositivos dá a clara noção de que as penas devem ser somadas, pois dizem que uma pena será aplicada além da outra ou sem prejuízo da outra. Por isso, se alguém agride um policial para não ser preso e acaba lesionando-o, serão somadas as penas dos crimes de resistência e de lesão corporal, embora a agressão tenha sido única. Regras idênticas são encontradas, dentre outros crimes, nos de dano qualificado pelo emprego de violência (art. 163, parágrafo único, II), atentado contra a liberdade de trabalho (art. 197), coação no curso do processo (art. 344), exercício arbitrário das próprias razões (art. 345), evasão mediante violência contra pessoa (art. 352), arrebatamento de preso (art. 353), motim de presos (art. 354) etc . CONCURSO FORMAL Ocorre o concurso formal, nos termos do art. 70, caput, do Código Penal, quando o agente, mediante uma única ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não. É também chamado de concurso ideal. Se os delitos forem idênticos, o dispositivo determina que o juiz aplique uma só pena, aumentada de 1/6 até 1/2 (sistema da exasperação da pena). É o chamado concurso formal homogêneo. Ex.: agindo com imprudência, o agente provoca um acidente no qual morrem duas pessoas. Nesse caso, o juiz aplica a pena de um homicídio culposo, no patamar de 1 ano (supondo-se que tenha optado pela pena mínima) e, na sequência, aumenta-a de 1/6, chegando ao montante final de 1 ano e 2 meses de detenção. Se os delitos, todavia, não forem idênticos, temos o concurso formal heterogêneo, em que a lei determina que seja aplicada a pena do crime mais grave, aumenta- da também de 1/6 até 1/2. É o que ocorre, por exemplo, quando alguém, agindo com imprudência, provoca a morte de uma pessoa e lesões corporais na outra. Note-se que, aplicando-se a pena do crime mais grave (homicídio culposo), aumentada de 1/6, chegaremos à mesma pena do caso anterior (1 ano e 2 meses), muito embora, na situação anterior, tivessem sido praticados dois homicídios culposos. Concurso material benéfico no concurso formal heterogêneo Na hipótese de concurso formal heterogêneo, é possível que ocorra uma distor- ção na aplicação da pena. Com efeito, imagine-se um crime de estupro de vulnerá- vel (art. 217-A) em concurso formal com o de perigo de contágio de moléstia vené- rea (art. 130, caputi, ou seja, um sujeito acometido de sífilis que estupra uma jovem de 12 anos de idade. Suponha-se, então, que o juiz fixe a pena mínima para os dois delitos. No estupro, o mínimo é de 8 anos, e, no crime de perigo, é de 3 meses. Se as penas fossem somadas, atingiríamos o total de 8 anos e 3 meses, mas, se aplicássemos a regra do concurso formal, chegaríamos a uma pena de 9 anos e 4 meses (8 anos mais 1/6). Nesse caso, a regra do concurso formal, criada para beneficiar o acusado e evitar penas desproporcionais, estaria a prejudicá-la. Atento a esse detalhe, o art. 70 do Código Penal, em seu parágrafo único, estabeleceu que a pena resultante da aplicação do concurso formal não pode ser superior àquela cabível no caso de soma das penas. Por isso, sempre que o montante da pena decorrente da aplicação do au- mento de 1/6 até 1/2 (referente ao concurso formal) resultar em quantum superior à soma das penas, deverá ser desconsiderado tal índice e aplicada a pena resultante da soma. A essa hipótese, dá-se o nome de concurso material benéfico . Critério para a exasperação da pena A jurisprudência pacificou entendimento no sentido de que é o número de crimes praticados o critério que deve ser levado em conta pelo juiz para aplicar o índice de exasperação da pena. Assim, quando o sujeito, mediante uma única imprudência, provoca a morte de duas pessoas, deve ser aplicado o aumento mínimo de 1/6, porém, se o número de vítimas for maior, o índice, igualmente, deve ser maior. Quando o número de vítimas for exorbitante, é evidente que o Índice aplica- do deve ser o máximo previsto em lei (1/2). Nesse sentido: "Crimes de roubo. Concurso formal. Critérios de fixação da pena. Número de crimes. CP. art. 70. I NÚMERO DE CRIMES ÍNDICE DE AUMENTO 2 1/6 3 1/5 4 1/4 5 1/3 6 OU MAIS 1/2 Concurso formal perfeito e imperfeito O instituto do concurso formal, com aplicação de uma só pena exasperada, poderia servir de estímulo a marginais inescrupulosos, que, visando benefícios na aplicação da pena, poderiam se utilizar de subterfúgios na execução do delito. As- sim, se um desses bandidos quisesse cometer três homicídios poderia colocar fogo na casa onde estivessem as três vítimas ou prendê-las dentro de um carro e jogá-lo de um precipício. Teria, com isso, cometido três homicídios com uma só ação e poderia receber uma só pena com exasperação. Atento a essa possibilidade, o legislador criou, na 2º parte do art. 70, caput, do Código Penal, o concurso formal imperfeito (ou impróprio), no qual as penas são somadas, como no concurso material, sempre que o agente, com uma só ação ou omissão dolosa, praticar dois ou mais crimes, cujos resultados ele efetivamente visava (autonomia de desígnios quanto aos resultados). No exemplo acima, portanto, o criminoso teria somadas as penas dos três homicídios cometidos com a ação única, já que os delitos são dolosos e o agente efetivamente queria matar as três vítimas. Assim, pode-se dizer que o concurso formal traz duas hipóteses de aplicação de pena: a) concurso formal próprio (ou perfeito), no qual o agente não tem autonomia de desígnios em relação aos resultados e cuja consequência é a aplicação de uma só pena aumentada de 1/6 até 1/2; b) concurso formal impróprio (ou imperfeito), no qual o agente atua com dolo direto em relação aos dois crimes, querendo provocar ambos os resultados, hipó- tese em que as penas são somadas. Saliente-se que o concurso formal perfeito não é instituto exclusivo dos crimes culposos. Ao contrário, é o concurso formal imperfeito que pressupõe a existência de dolo direto, ou seja, a intenção específica de cometer ambos os delitos. Por exclusão, portanto, aplica-se a regra do concurso formal perfeito, em todas as outras hipóteses em que, com uma só ação ou omissão, o agente tenha cometido dois ou mais crimes. Existe, pois, concurso formal próprio: a) se os dois (ou mais) delitos forem culposos; b) se um crime for culposo, e o outro, doloso (como nas hipóteses de aberratio ictus e aberratio criminis com duplo resultado); c) se ambos os delitos forem fruto de dolo eventual; d) se um dos crimes for resultado de dolo direto, e o outro, decorrente de dolo eventual. Aberratio ictus com duplo resultado Aberratio ictus, ou erro de execução, existe quando o agente, querendo atingir determinada pessoa, efetua o golpe, mas, por má pontaria ou outro motivo qualquer, acaba atingindo pessoa diversa da que pretendia, hipótese em que o art. 73 do Código Penal prevê que o agente responde como se ti- vesse atingido a pessoa visada. Pode acontecer, todavia, de o sujeito atingir quem pretendia e, por erro de execução, atingir também outra pessoa. Nesse caso, o agente responde por crime doloso em relação a quem pretendia matar e por delito culposo em relação ao outro. Em tal caso, a parte final do art. 73 diz que se aplica a regra do concurso formal. Como o agente queria apenas um dos resultados, aplica-se a regra da exasperação da pena (concurso formal perfeito) . A berra tio criminis com duplo resultado Nesta modalidade, o sujeito quer cometer um crime e, por erro, comete outro. O exemplo sempre lembrado é o do agente que atira uma pedra querendo cometer crime de dano, mas, por erro, acerta uma pessoa que passava pelo local, causando-lhe lesões. Neste caso, o art. 74 do Código Penal estipula que o agente só responde pela lesão culposa, que absorve a tentativa de dano. Caso, porém, o agente atinja o bem que pretendia e, por erro, atinja também o outro, responde pelos dois crimes em concurso formal, conforme prevê a parte final do art. 74 do Código Penal. No exemplo acima, o agente responderia por crime de lesão culposa em concurso formal perfeito com o crime de dano . CRIME CONTINUADO O conceito de crime continuado encontra-se no art. 71, caput, do Código Penal. De acordo com tal dispositivo, "quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tem- po, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subseqnentes ser havidos como continuação do primeiro". A finalidade do instituto é a de evitar a aplicação de penas exorbitantes, pois a consequência do reconhecimento da continuidade delitiva é a aplicação de uma só pena, aumentada de 1/6 a 2/3 (sistema da exasperação). Assim, quando um criminoso resolve, por exemplo, furtar estepes de veículos estacionados na rua e, em uma sema- na, consegue furtar 100 estepes de carros diferentes, ele, em tese, teria que receber uma pena mínima de 100 anos de reclusão, pois cometeu 100 crimes de furto simples que têm pena mínima de 1 ano cada. Ao se reconhecer o instituto do crime continuado em tal caso, a consequência será a aplicação de uma só pena aumentada de 1/6 a 2/3.1 Por isso, se aplicada a pena mínima ao furto (1 ano), aumentada no patamar máximo de 2/3, a pena final será de 1 ano e 8 meses. A diferença na pena, portanto, é enorme . Aplicação da pena No crime continuado, os delitos devem ser necessariamente da mesma espécie. Não há dúvida de que crimes cometidos em sua modalidade simples e também na qualificada, quando atingem exatamente os mesmos bens jurídicos, são tidos como da mesma espécie. É o que ocorre entre os crimes de furto simples e qualificado (o único bem jurídico atingido é o patrimônio). Por isso, o próprio art. 71, caput, do Código Penal, realça que, nas hipóteses de continuação criminosa, aplica-se a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de 1/6 a 2/3. Tal como ocorre no crime continuado, o juiz, na escolha do quantum de exasperação, deve levar em conta o número de infrações perpetradas. Quanto maior o número de delitos componentes da continuação, maior deverá ser o índice de aumento. Há muito tempo, nossos tribunais fixaram os seguintes critérios para servir de parâmetro na aplicação da pena no crime continuado: NÚMERO DE CRIMES ÍNDICE DE AUMENTO 2 1/6 3 1/5 4 1/4 5 1/3 6 1/2 7 OU MAIS 2/3 a) Teoria da unidade real. Essa teoria, concebida por Bernardino Alimena, entende que as hipóteses de crime continuado constituem, em verdade, crime único. b) Teoria da ficção jurídica. O crime continuado é constituído por uma pluralidade de crimes, mas, por ficção legal, é tratado como delito único no momento da aplicação da pena. Trata-se de teoria desenvolvida por Francesco Carrara e nitidamente adotada pelo Código Penal Brasileiro que, ao definir crime continuado, menciona que o sujeito "pratica dois ou mais crimes", mas devem os sub- sequentes ser havidos como continuação do primeiro apenas para a fixação da pena. Tanto é verdadeira esta conclusão que o art. 119 do Código Penal prevê que, no caso de concurso de crimes, a extinção da punibilidade incidirá sobre a pena de cada um isoladamente. c) Teoria mista. Para esta teoria, o crime continuado não constitui crime único nem concurso de crimes, e sim outra categoria (autônoma) Requisitos O art. 71 do Código Penal expressamente exige os seguintes requisitos para o reconhecimento do crime continuado: a) Pluralidade de condutas. Tal como ocorre no concurso material, o crime continuado demanda a realização de duas ou mais ações ou omissões criminosas, opondo-se, portanto, ao instituto do concurso formal que exige conduta única. b) Que os crimes cometidos sejam da mesma espécie. São aqueles previstos no mesmo tipo penal, simples ou qualificados, tentados ou consumados. Desse modo, pode haver crime continuado entre furto simples e furto qualificado, mas não entre furto e apropriação indébita, entre furto e roubo ou entre roubo e extorsão etc. É de se ressalvar, outrossim, que existe corrente que dá outra interpretação ao conceito de "crimes da mesma espécie", argumentando que devem ser assim entendi- dos aqueles cometidos mediante os mesmos modos de execução e que atinjam o mesmo bem jurídico. Para essa corrente, é admissível o reconhecimento da continuidade delitiva entre o roubo e a extorsão, já que ambos são cometidos mediante violência ou grave ameaça e atingem o mesmo bem jurídico (patrimônio), e entre furto mediante fraude e estelionato. Saliente-se, porém, que a interpretação amplamente dominante em termos doutrinários e jurisprudenciais é aquela mencionada anteriormente, que interpreta que são da mesma espécie apenas aquelas condutas que integram o mesmo tipo penal- simples ou qualificados, consumados ou tentados. c) Que os crimes tenham sido cometidos pelo mesmo modo de execução (conexão modal). Por esse requisito, não se pode aplicar a regra do crime continuado entre dois roubos quando, por exemplo, um deles tiver sido cometido mediante violência e o outro, mediante grave ameaça. d) Que os crimes tenham sido cometidos nas mesmas condições de tempo (conexão temporal). A jurisprudência vem admitindo o reconhecimento do crime continuado quando entre as infrações penais não houver decorrido período superior a 30 dias. e) Que os crimes tenham sido cometidos nas mesmas condições de local (conexão espacial). Admite-se a continuidade delitiva quando os crimes forem pra- ticados no mesmo local, em locais próximos ou, ainda, em bairros distintos da mesma cidade e até em cidades contíguas (vizinhas). Unidade de desígnios como requisito do crime continuado Existe séria divergência em torno de a unidade de desígnios por parte do criminoso ser requisito do crime continuado. As teorias sobre o tema são as seguintes: a) teoria objetiva pura: o crime continuado exige somente os requisitos de ordem objetiva elencados no art. 71 do Código Penal que os crimes sejam da mesma espécie e cometidos nas mesmas circunstâncias de tempo, local e modo de execução. A lei não exige qualquer requisito de ordem subjetiva, dispensando a verificação quanto à finalidade do agente ao reiterar a ação delituosa; b) teoria objetivo-subjetiva: a continuação delitiva pressupõe a coexistência dos requisitos objetivos e subjetivo (unidade de desígnios), ou seja, só pode ser reconhecida quando demonstrada a prévia intenção de cometer vários delitos em continuação. Esta teoria é também chamada de mista. De acordo com ela, existe crime continuado quando, por exemplo, o caixa de um estabelecimento subtrai diariamente certa quantia em dinheiro da empresa, não o configurando, entretanto, a hipótese de assaltante que rouba aleatoriamente casas diversas, sem que haja qualquer vínculo entre os fatos, de forma a demonstrar que se trata de criminoso contumaz, habitual, que não merece as benesses legais. Distinção entre crime habitual e continuado No crime habitual, a tipificação pressupõe a reiteração de condutas. A prática de um ato isolado não constitui crime. Ex.: curandeirismo (art. 284 do CP). a continuação delitiva, cada conduta isoladamente constitui crime, mas, em virtude de estarem presentes os requisitos legais, aplica-se uma só pena seguida de exasperação. Crime continuado qualificado ou específico A reforma da Parte Geral decorrente da Lei n. 7.209/84 fez cessar discussão até então existente em torno da possibilidade do reconhecimento da continuação entre crimes violentos contra vítimas diferentes, como em casos de homicídio, roubo, estupro etc. Com efeito, a atual redação do art. 71, parágrafo único, do Código Penal expressamente admite a continuação delitiva ainda que os crimes sejam dolos os, cometidos contra vítimas diferentes e com emprego de violência à pessoa ou grave ameaça. Ocorre que, nesses casos, o juiz poderá até triplicar a pena de um dos crimes (se idênticos) ou do mais grave (se diversas as penas), considerando, para tanto, os antecedentes do acusado, sua conduta social, sua personalidade, bem como os motivos e as circunstâncias dos crimes. É evidente, todavia, que a hipótese de triplicação da pena só existirá se forem cometidos três ou mais crimes, pois, caso contrário, o crime continuado poderia acabar implicando pena maior do que a obtida com a soma delas. Assim, se foram praticados dois crimes, o juiz, no caso concreto, poderá apenas somar as respectivas penas. O instituto do crime continuado qualificado tem sido aplicado, por exemplo, em situações de chacina, em que os assassinos matam várias vítimas, ou de crimes de estupro cometidos seguidamente contra vítimas diversas. A propósito: "ao paciente foi reconhecida a presença de continuidade específica nas tentativas de homicídio duplamente qualificado. O aumento da pena em razão do crime continuado se fundamentou na regra consoante a qual nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, poderá o juiz aumentar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas até o triplo (CP, art. 71, parágrafo único), levando em consideração as circunstâncias judiciais do art. 59, do Código Penal, especialmente as de índole subjetiva. • Concurso material benéfico Nos termos já explicitados no tópico anterior, deve-se ressaltar que o próprio parágrafo único do art. 71 do Código Penal ressalva, também em relação à continuidade delitiva, o cabimento do concurso material benéfico (para que as penas sejam somadas), quando a aplicação do triplo da pena (no crime continuado qualificado) puder resultar em pena superior à eventual soma. É que, de acordo com o dispositivo, o juiz pode triplicar a pena do crime mais grave. Suponha-se, assim, que haja continuidade entre dois homicídios simples e um qualificado pelo motivo torpe. Se o juiz triplicar a pena do crime qualificado, chegará a uma pena mínima de 36 anos. Todavia, se somar as penas dos dois homicídios simples com a do qualificado, a pena mínima será de 24 anos. Dessa forma, em tal situação as penas devem ser somadas como no concurso material. Denominações do crime continuado Existem, destarte, duas espécies de crime continuado: a modalidade simples ou comum, prevista no caput do art. 71, em que o juiz aplica o sistema da exasperação da pena ao crime mais grave, e a modalidade qualificada ou específica, em que o juiz pode somar as penas até o triplo da pena prevista, também para o crime mais grave. Simples Pena do crime mais grave aumentada de 1/3 a 2/3 crimes da mesma espécie e mesmas circunstâncias de tempo, local e modo de execução Qualificado Possibilidade de ser triplicada a pena do crime mais grave crimes dolosos, cometidos com violência ou grave ameaça contra vítimas diferentes Superveniência de lei nova mais gravosa no interregno entre as condutas que compõem o crime continuado Nos termos da Súmula n. 711 do Supremo Tribunal Federal, a lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado, se a sua vigência for anterior à cessação da continuidade. Assim, se alguém cometeu três crimes de estelionato em dias diversos e, ao praticar o último dos crimes, já havia uma nova lei tornando mais alta a pena do estelionato, a pena será aplicada com base na nova lei. Não se trata de retroatividade de lei mais grave, mas sim de aplicação da nova lei a fato cometido já na sua vigência . Unificação das penas Se na sentença não tiver sido possível aplicar o sistema da exasperação da pena decorrente do concurso formal ou do crime continuado por terem sido instauradas ações penais distintas para cada um dos fatos criminosos, será possível que, no juízo das execuções, seja feita a unificação. Assim, no momento em que o juiz de referida vara verificar a presença dos requisitos do concurso formal ou do crime continuado, decorrentes de condenações lançadas em sentenças diversas (por crimes distintos), deverá, em vez de somar as penas, desprezar uma delas, mantendo apenas a mais grave, e, em seguida, aplicar o índice de exasperação de que tratam os arts. 70 e 71 do Código Penal. CONCURSO DE CRIMES E SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO A suspensão condicional do processo é benefício descrito no art. 89 da Lei n. 9.099/95, cuja premissa é a pena em abstrato do delito não superar 1 ano. A lei prevê ainda que o réu deve ser primário e que não pode estar sendo processado por outro crime, devendo, ainda, serem favoráveis as demais circunstâncias judiciais. Em relação ao montante da pena mínima, leva-se em conta o crime mais grave com a exasperação mínima do concurso formal ou do crime continuado, que é de 1/6, ou, no caso do concurso material, as penas mínimas devem ser somadas. Por isso, se alguém está sendo acusado por dois crimes de furto simples, em concurso formal ou em continuação delitiva, a pena mínima é de 1 ano e 2 meses (pena de 1 ano pelo furto simples acrescida de 1/6), não cabendo a suspensão condicional do processo. Da mesma maneira, se alguém está sendo processado por três crimes que possuem pena mínima de 6 meses, em concurso material, a conclusão é de que igual- mente não cabe o benefício porque o mínimo de pena é de 1 ano e 6 meses. Nesse sentido, foram aprovadas duas súmulas: 1) Súmula n. 723 do Supremo Tribunal Federal: "não se admite a suspensão condicional do processo por crime continuado, se a soma da pena mínima da infração mais grave com o aumento mínimo de 1/6 for superior a 1 ano". 2) Súmula n. 243 do Superior Tribunal de Justiça: "o benefício da suspensão condicional do processo não é aplicável em relação às infrações penais cometi- das em concurso material, concurso formal ou continuidade delitiva, quando a pena mínima cominada, seja pelo somatório, seja pela incidência da majorante, ultrapassar o limite de 1 ano". DIFERENÇA ENTRE PLURALIDADE DE AÇÕES E PLURALIDADE DE ATOS E SUA IMPORTÂNCIA NA CONFIGURAÇÃO DE CRIME ÚNICO, CONCURSO FORMAL OU CRIME CONTINUADO Atente-se ao fato de que o Código Penal, ao tratar do concurso formal, exige unidade de ação (ou omissão), enquanto ao regulamentar o concurso material e o crime continuado exige pluralidade de ações (ou omissões). Esta, todavia, não se confunde com unidade ou pluralidade de atos. Uma ação é sinônimo de contexto fático único, que pode ser cindido em vários atos. Além disso, na apreciação do concurso de crimes, deve-se levar em conta a existência ou não de lesão a mais de um bem jurídico. Vejamos os seguintes casos: a) Quando, em uma mesma ocasião, o agente penetra diversas vezes o pênis na vítima do crime de estupro, estamos diante de crime único (uma ação e vários atos contra a mesma vítima). Se, entretanto, o pai, valendo-se da convivência no lar, estupra a própria filha em dias diversos, temos crime continuado na modalidade simples (mais de uma ação contra a mesma vítima). Se o agente estupra mulheres diferentes em um mesmo contexto fático (uma de cada vez, evidente- mente) ou em ocasiões próximas, temos pluralidade de ações, aplicando-se o crime continuado qualificado. b) Se o sujeito mata a vítima com várias facadas, há crime único de homicídio, pois apenas uma vida foi ceifada. Trata-se de ação única composta de diversos atos (facadas). Não se caracteriza o concurso formal por ter havido uma só mor- te (um só resultado). Por sua vez, se, por imprudência, ele provoca, na mesma colisão de veículos, a morte de duas pessoas, incorre em concurso formal (ação única com pluralidade de vítimas). Se o sujeito com uma única explosão mata, concomitante e dolosamente, os dois ocupantes de um carro, responde por dois crimes em concurso formal (impróprio). Houve uma ação (explosão) com duplo resultado morte. Se o sujeito, sucessivamente, atira e mata pessoas diversas (várias ações e vítimas), incorre no crime continuado qualificado. Infrações penais com tipo misto alternativo Existem inúmeros crimes na legislação penal que são formados por mais de um "verbo" (núcleo) separados pela conjunção alternativa "ou". No art. 122 do Código Penal, por exemplo, pune-se quem induz, instiga ou auxilia outrem a cometer suicídio. Nos crimes dessa natureza, a realização de uma das condutas típicas já é sufi- ciente para tipificar a infração penal, porém a realização de mais de uma delas, desde que em relação à mesma vítima, configura crime único e não continuado. Ex.: pessoa que convence a vítima a se matar (induzimento) e que, posteriormente, fornece-lhe veneno para que seja utilizado no ato suicida (auxílio) responde por um só delito. Aborto de gêmeos O abortamento criminoso de gêmeos necessita de apreciação em torno do dolo do sujeito ativo. Com efeito, quando uma mulher anuncia a gestação, há uma presunção de que se trata de feto único, posto que a gravidez de gêmeos ocorre, aproximadamente, na proporção de uma para cada duzentas. É evidente, contudo, que, após a realização de ultrassom ou outro exame específico, torna-se conhecido o fato de a mulher estar esperando dois bebês. Assim, a solução é muito simples. Se o agente provoca o aborto em gêmeos, sem conhecer este aspecto, responde por crime único, pois puni-la pelos dois delitos seria responsabilidade objetiva (não há dolo em relação a um dos resultados e não existe crime culposo de aborto). Se o agente, contudo, sabia que eram gêmeos e, ainda assim, realizou a manobra abortiva contra ambos, responde por dois delitos em concurso formal. Em tais casos, é possível dizer que houve dolo direto (autonomia de desígnios) em relação aos dois delitos, devendo o agente ter as penas somadas por se tratar de concurso formal imperfeito. Lesões corporais e concurso de crimes Se, em contexto fático único, o agente desfere inúmeros golpes contra a vítima, provocando diversas lesões em seu corpo (no rosto, nas pernas, no braço etc.), responde por crime único. Se, entretanto, uma dessas lesões for grave e as demais leves, o agente responderá somente pela modalidade mais grave. Às vezes, ocorre de o agente agredir a vítima em oportunidades diversas, hipótese que configura o crime continuado. Assim, se o marido agride a esposa em dias seguidos, provocando-lhe lesões, comete o crime de lesão corporal qualificado pela violência doméstica (art. 129, § 9°, do CP), em continuidade delitiva. Como se trata de uma só vítima, o juiz deve aplicar uma só pena, aumentada de 1/6 a 2/3 (crime continuado simples). Roubo e concurso de crimes Quando o roubador, com uma arma, ameaça duas pessoas na rua, mas subtrai objetos de apenas uma delas (sequer tentando levar pertences da outra), responde por crime único de roubo, na medida em que houve lesão patrimonial única. Se, entre- tanto, leva bens das duas (duplo resultado), responde por dois crimes de roubo em concurso formal. A jurisprudência entende tratarse de ação única (grave ameaça concomitante contra ambas), composta de dois atos (subtrações). Se os assaltantes fazem uma espécie de "arrastão" em um prédio, adentrando sequencialmente nos diversos apartamentos que compõem o edifício e subtraindo pertences dos moradores, respondem por delitos de roubo em continuidade delitiva. A pluralidade de ações está clara, na medida em que os ladrões realizaram diversas abordagens e ingressaram sucessivamente nos apartamentos. Latrocínio e roubo simples não são crimes da mesma espécie porque, embora o latrocínio seja uma das modalidades de roubo qualificado, contém uma considerável diferença em relação à figura simples, qual seja, afeta a vida além do patrimônio. Os bens jurídicos atingidos, portanto, não são exatamente os mesmos, de modo que entre tais delitos há sempre concurso material. Ex.: agente que rouba um banco e mata o segurança e, na fuga, rouba também um carro que estava nas proximidades. Receptação e concurso de crimes Se o receptador compra vários bens furtados da mesma vítima, incorre em crime único. Se, todavia, compra, de uma só vez, objetos que foram furtados de vítimas diversas, ciente disso, responde pelos delitos em concurso formal. Quadrilha e concurso de crimes É pacífico o entendimento doutrinário e jurisprudencial no sentido de que o de- lito de quadrilha (art. 288 do CP) é formal, isto é, consuma-se no exato instante em que os seus componentes entram em acordo e se associam com a finalidade de come- ter crimes. Caso eles, posteriormente, cometam efetivamente as infrações para as quais se uniram, responderão por todas elas em concurso material com o delito de quadrilha. Coexistência de duas formas de concurso de crimes Não existe grande dificuldade quando se trata de coexistência de concurso material com uma das outras modalidades de concurso. Assim, se uma pessoa comete um estupro em concurso material com dois crimes de furto, estes em concurso formal entre si, o juiz deve aplicar a pena de um dos furtos, com o acréscimo de 1/6 a 1/2 (decorrente do concurso formal) e, em seguida, somar com a pena do estupro. O mesmo raciocínio vale quando o agente comete um crime em concurso material com outros em relação aos quais exista continuidade delitiva. CONCURSO ENTRE CRIMES E CONTRAVENÇÕES No concurso de infrações, executar-se-á inicialmente a pena mais grave (art. 76). Esse dispositivo se refere ao concurso entre crime e contravenção penal em que as penas de reclusão ou detenção devem ser executadas antes da pena de prisão simples referente à contravenção. SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA A suspensão condicional da pena, ou sursis, consiste na suspensão da execução da pena privativa de liberdade aplicada pelo juiz na sentença condenatória, desde que presentes os requisitos legais, ficando o condenado sujeito ao cumprimento de certas condições durante o período de prova determinado também na sentença, de forma que, se após seu término o sentenciado não tiver dado causa à revogação do benefício, será declarada extinta a pena . NATUREZA JURÍDICA O sursis não é espécie de pena prevista no rol do art. 32 do Código Penal. Trata- -se de medida alternativa ao cumprimento da pena, sendo, porém, condicionada. Cuida-se, inegavelmente, de um benefício, pois, de modo indiscutível, é mais vantajoso do que o cumprimento da pena em regime prisional. O próprio Código Penal denomina quem está em cumprimento de sursis de beneficiário (art. 81). Por conta disso, podemos, então, dizer que o sursis é um benefício legal alternativo ao cumprimento da pena privativa de liberdade. É, ao mesmo tempo, forma de execução de pena, pois pressupõe decreto condenatório e substituição da pena de prisão pelo cumprimento de condições - inclusive prestação de serviços à comunidade ou limitação de fim de semana. SISTEMAS São dois os principais sistemas de suspensão condicional da pena: a) Sistema anglo-americano: o juiz reconhece a existência de provas contra o acusado, mas não o condena, submetendo-o a um período de prova. Cumpridas as condições nesse período, o juiz extingue a ação penal, mantendo o réu a sua primariedade. b) Sistema belgo-francês: o juiz condena o réu, mas suspende a execução da pena imposta, desde que presentes certos requisitos. Este é o sistema adotado no Brasil. OPORTUNIDADE PARA A CONCESSÃO O sursis pressupõe a prolação de sentença condenatória. O juiz deve julgar procedente a ação penal e fixar a pena em sua integralidade, estabelecendo seu montante final de acordo com o critério trifásico e o regime prisional inicial. Somente depois disso poderá ser concedido o sursis. A necessidade de prévia fixação da pena e de seu regime inicial é evidente. Primeiro, porque o sursis só pode ser concedido se a pena não superar 2 anos, de modo que apenas com a determinação efetiva do montante é que será possível ao magistrado apreciar o cabimento do benefício. Segundo, porque, em caso de revogação do sursis, o condenado terá que cumprir a pena originariamente imposta e, para que isso seja possível, é preciso que estejam definidos seu montante e o regime inicial. ESPÉCIES O Código Penal prevê três modalidades de sursis: a) sursis simples (art. 77, caput); b) sursis especial (art. 78, § 2°); c) sursis etário e humanitário (art. 77, § 2°) . Sursis simples A lei não define expressamente a modalidade "simples" do sursis, porém, por exclusão, deve ser assim considerada a modalidade em que o réu ainda não reparou o dano causado pelo crime ou quando não lhe forem inteiramente favoráveis os requisitos do art. S9 do Código Penal, uma vez que, se presentes estes requisitos, esta- remos diante do sursis especial, definido no art. 78, § 2°, do Código, que sujeita o condenado a condições mais brandas . Requisitos do "sursis" simples Seus requisitos estão elencados no art. 77 do Código Penal. A doutrina costuma classificá-los em requisitos objetivos e subjetivos . Requisitos objetivos são os seguintes: a) Que o réu seja condenado a pena privativa de liberdade não superior a 2 anos (art. 77, caput, do CP). Pressupõe-se, portanto, que haja condenação, que a pena aplicada seja privativa de liberdade (reclusão ou detenção) e que seu montante não ultrapasse 2 anos. De acordo com o art. 80 do Código Penal, o sursis não se estende a pena restritiva de direitos ou multa. Por isso, se alguém for condenado a 1 ano de reclusão, e multa, o juiz poderá aplicar o sursis em relação à pena privativa de liberdade, mas a multa deverá ser paga, uma vez que não pode ser objeto da suspensão. Nos casos de concurso de crimes, o limite de 2 anos deve ser apreciado em relação ao montante total aplicado na sentença, e não em relação a cada delito individualmente. No concurso material, se as penas somadas ultrapassarem 2 anos, não será cabível o benefício. Da mesma forma, se for aplicada pena originária de 2 anos, mas, em razão de acréscimo decorrente do crime continuado ou do concurso formal, o montante final for de 2 anos e 4 meses. No caso de aplicação de medida de segurança ao inimputáve1 ou semi-imputável, evidentemente não será cabível o sursis. Primeiro, porque o texto legal se refere expressamente à suspensão condicional da pena (e não da medida de segurança). Segundo, porque a medida de segurança tem finalidades especiais - tratamento do agente e prevenção em relação ao doente mental considerado perigoso -, sendo incompatível com o sursis. b) Que não seja indicada ou cabível a substituição por pena restritiva de direitos ou multa (art. 77, IH, do CP). É evidente que se forem cabíveis tais substituições por penas alternativas (restritiva de direitos ou multa), deve o juiz aplicá-las, restando prejudicado o sursis. Antes do advento da Lei n. 9.714/98, as penas restritivas de direitos só eram viáveis em condenações em que a pena não superasse o limite de 1 ano. Por isso, quando a pena estava contida nesse patamar, os juízes aplicavam a pena restritiva, incidindo o sursis, na maioria das vezes, em condenações superiores a 1 ano e não superiores a 2. Após referida lei, as penas restritivas passaram a ser possíveis em condenações não superiores a 4 anos (nos crimes dolosos), desde que cometidos sem violência ou grave ameaça. Por isso, considerando que o sursis só é cabível em condenações não superiores a 2 anos, sua incidência perdeu consideravelmente a importância, sendo aplicado, em regra, somente em crimes que envolvem violência ou grave ameaça, nas quais a condenação não supera 2 anos. Ex.: crimes de lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, tentativa de homicídio simples com a redução máxima da tentativa (2/3) etc. É que, se a pena aplicada não superar a 2 anos e o delito doloso não envolver violência ou grave ameaça, a substituição por pena restritiva de direitos terá preferência em relação ao sursis . Requisitos subjetivos São considerados de ordem subjetiva os seguintes requisitos: a) Que o réu não seja reincidente em crime doloso (art. 77, I, do CP). Somente se o acusado for condenado por um crime doloso após a condenação por outro crime da mesma natureza é que o benefício se mostra inviável. Se qualquer deles for culposo, ou ambos, o sursis mostra-se viável. Além disso, se a condenação anterior quanto ao crime doloso gerou aplicação exclusiva de pena de multa, igual- mente se mostra possível a suspensão condicional da pena, nos exatos termos do art. 77, § 1°, do Código Penal. b) Que a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias do crime, autorizem a concessão do benefício (art. 77, lI, do CP). Ainda que o réu seja primário, o juiz poderá negar-lhe o sursis, caso ostente maus antecedentes e o magistrado entenda que a conjugação das condenações denote que a suspensão da pena não se mostra suficiente. É claro, porém, que o julgado anterior deve ser referente a crime doloso e que não deve ter havido aplicação exclusiva de pena de multa, pois até para os casos de reincidência é assim. Lembre-se, ainda, do teor da Súmula n. 444 do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual "é vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base". Por lógica, também não poderão ser consideradas como fator impeditivo do sursis. O benefício poderá ainda ser negado se o juiz entender que o acusado tem personalidade violenta ou que os motivos do crime são incompatíveis com a suspensão da pena (ex.: agressão de integrantes de torcida organizada a torcedor de outra equipe com a provocação de lesão grave ou gravíssima). O fato de o réu se tornar revel durante o tramitar da ação penal não impede o sursis. Direito subjetivo do condenado Presentes os requisitos elencados no texto legal, a obtenção do sursis é direito público subjetivo do acusado, não podendo o juiz negar-lhe o benefício sem qualquer fundamentação ou sem razão plausível para tanto. Que o réu seja condenado a pena privativa de liberdade não superior a 2 anos Objetivos Requisitos do Sursis Subjetivos Que não seja indicada ou cabível a substituição por pena restritiva de direito ou multa Que o réu não seja reincidente em crime doloso salvo se a pena antes aplicada for somente de multa Que as circunstâncias judiciais do art.59 do CP autorizem a concessão do benefício "Sursis" e crimes hediondos, tortura e terrorismo Devido às altas penas previstas aos delitos de natureza hedionda e equiparados, normalmente não há que se cogitar de aplicação do sursis. Excepcionalmente, contudo, a hipótese se apresenta em casos práticos, como, por exemplo, quando alguém é condenado por crime de estupro simples tentado (art. 213, cc. art. 14, II, do CP) e o juiz reduz a pena em seu montante máximo de 2/3, alcançando o patamar de 2 anos, ou, ainda, quando alguém é condenado por crime de tortura, cuja pena mínima é exatamente de 2 anos (art. 1°, da Lei n. 9.455/97). Esses crimes são praticados com emprego de violência ou grave ameaça e, por isso, incabível quanto a eles a substitui- ção por penas restritivas de direitos (se fosse cabível tal substituição, automaticamen- te estaria afastado o sursis). Em razão disso, duas correntes surgiram: a) O sursis é incompatível com o sistema mais severo vislumbrado pelo legislador para os crimes hediondos e equiparados, que prevê, no art. 2°, § 1°, da Lei n. 8.072/90, que tais delitos serão cumpridos em regime inicialmente fechado. Ademais, a própria Constituição Federal, em seu art. 5°, XLIII, determinou tratamento mais gravoso aos delitos hediondos, o que decorre justamente da necessidade de o regime inicial ser o fechado e da progressão se dar com prazo mais longo. Se, todavia, a pena for suspensa, o autor do crime hediondo recebe- rá o mesmo tipo de sanção destinada aos criminosos comuns. b) Como não há vedação expressa no texto legal, não cabe ao juiz negar o benefício se o acusado preencher os requisitos genéricos do art. 77 do Código Penal. É a opinião que tem prevalecido na doutrina e na jurisprudência. Damásio de Jesus' assim se pronunciou: "Crimes hediondos - a execução da pena imposta em face de sua prática, presentes seus pressupostos objetivos e subjetivos, não é incompatível com o sursis (. .. ). Ocorre que o sursis constitui uma medida penal sancionatória de natureza alternativa, não se relacionando com os regimes de execução". "Sursis" e tráfico ilícito de entorpecentes Apesar de o tráfico de drogas ser delito equiparado a hediondo, a análise do cabimento do sursis quanto a tal crime possui aspectos diferenciados, por haver vedação expressa à suspensão condicional da pena no art. 44, caput, da Lei Antidrogas (Lei n. 11.34312006). O Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do referido art. 44 no tocante à vedação da conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos (ver item 22.4), mas não fez o mesmo em relação ao sursis, que, no regime atual, constitui benefício de maior grandeza, pois só obriga à prestação de serviços à comunidade ou limitação de fim de semana no primeiro ano de cumpri- mento, podendo ser ainda menos restritivo caso se trate de sursis especial. Por essa razão, os tribunais não têm Em suma, o que se percebe na jurisprudência dos tribunais superiores é a possibilidade da substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos nos crimes de tráfico (quando a pena não superar 4 anos e o delito não envolver violência ou grave ameaça). Já em relação aos crimes hediondos, tortura e terrorismo, que, em regra, envolvem violência ou grave ameaça, sendo, por isso, incompatíveis com as penas restritivas de direitos, há julgados admitindo a aplicação do sursis (em- bora o tema seja ainda controvertido), desde que a pena não supere 2 anos . Condições Presentes os requisitos legais, o acusado tem direito ao benefício. Deve, por isso, o magistrado, concomitantemente à concessão, fixar as condições a que fica subordinado o agente durante o período de prova. De acordo com o art. 157 da Lei de Execuções Penais, o Juiz ou Tribunal deverá, na sentença que aplicar pena privativa de liberdade no limite de 2 anos, pronunciar- -se, motivadamente, sobre a suspensão condicional da pena, quer a conceda, quer a denegue. Já o art. 158 estabelece que, concedida a suspensão, o Juiz especificará as condições a que fica sujeito o condenado, pelo prazo fixado, começando este a correr da audiência admonitória. As condições do sursis são classificadas em legais e judiciais. a) Condições legais. São obrigatórias e encontram-se expressamente elencadas no texto da lei, isto é, no art. 78, § 1°, do Código Penal, que dispõe que, no primeiro ano do período de prova, deverá o condenado prestar serviços à comunidade ou submeter-se a limitação de fim de semana. b) Condições judiciais. De acordo com o art. 79 do Código Penal, o juiz pode especificar outras condições a que fica subordinada a suspensão, desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do condenado. Essas condições evidente- mente não podem ser vexatórias nem atingir direitos fundamentais do indivíduo (obrigação de doar sangue, de frequentar cultos religiosos etc.). Poderão, outrossim, ser estabelecidas condições como as de sujeição a tratamento para toxicômanos, frequência a aulas sobre normas de trânsito, obrigação de comparecimento ao juízo para justificar suas atividades etc. Durante o período de prova, o sentenciado fica obviamente proibido de realizar condutas que causem a revogação do benefício. São as chamadas condições indiretas do sursis . Omissão na fixação das condições pelo juiz ou tribunal No atual sistema penal, não existe sursis incondicionado. Se o juiz, ao sentenciar, omitir-se na fixação das condições, deverão ser interpostos embargos de declaração. O mesmo deve ocorrer se o Tribunal conceder o sursis e não fixar as condições e nem conferir expressamente ao juízo das execuções a incumbência de fazê-lo, conforme permite o art. 159, § 1°, da Lei de Execuções Penais. Sursis especial Nos termos do art. 78, § 2°, do Código Penal, se o condenado houver reparado o dano, salvo impossibilidade de fazê-lo, e se as circunstâncias do art. 59 lhe forem inteiramente favoráveis, o juiz poderá aplicar o sursis especial, no qual o condenado terá de se submeter a condições menos rigorosas, a saber; a) proibição de frequentar determinados lugares (bares, boates, locais onde se vendem bebidas alcoólicas etc.); b) proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do juiz; c)comparecimento pessoal e obrigatório a juizo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades. Sursis etário e sursis humanitário Se o condenado tiver idade superior a 70 anos na data da sentença e for conde- nado a pena não superior a 4 anos, o juiz poderá também conceder o sursis, mas, nesse caso, o período de prova será de 4 a 6 anos. Este é o chamado sursis etário. Do mesmo modo poderá proceder o juiz, se razões de saúde do acusado justificarem a suspensão no caso de ser aplicada pena não superior a 4 anos, hipótese conhecida como sursis humanitário (doença grave, invalidez etc.). Essas modalidades de suspensão condicional da pena estão previstas no art. 78, § 2°, do Código Penal. As demais regras são idênticas (condições a que deve se submeter o condenado, hipóteses de revogação etc.). EXECUÇÃO DO SURSIS Nos termos do art. 160 da Lei de Execuções Penais, após o trânsito em julgado da sentença, o condenado será notificado para comparecer à audiência admonitória, na qual será lida a sentença condenatória pelo juiz, sendo o acusado, assim, cientificado das condições impostas e advertido das consequências de seu descumprimento e da prática de nova infração. A ausência injustificada do condenado, notificado pessoalmente ou por edital pelo prazo de 20 dias, ou, ainda, sua recusa em aceitar o cumprimento das condições (manifestada na audiência), obriga o juiz a tornar sem efeito o benefício e determinar o cumprimento da pena privativa de liberdade originariamente imposta na sentença (art. 161 da LEP). É o que se chama da cassação do sursis. A fiscalização do cumprimento das condições é atribuída ao serviço social, penitenciário, Patronato, Conselho da Comunidade ou à instituição beneficiada com a prestação de serviços. Estes órgãos serão inspecionados pelo Ministério Público ou pelo Conselho Penitenciário, ou por ambos. Os órgãos responsáveis pela fiscalização deverão comunicar imediatamente ao juízo das execuções qualquer fato capaz de acarretar a revogação do benefício, a prorrogação do período de prova ou a modificação das condições (art. 158, § 5°, da LEP). O juiz poderá, a qualquer tempo, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante proposta do Conselho Penitenciário, modificar as condições e regras estabelecidas na sentença, ouvido previamente o condenado (art. 158, § 2°, da LEP) . PERÍODO DE PROVA Conforme acima mencionado, se o réu não comparecer à audiência admonitória ou recusar as condições impostas, o sursis será tornado sem efeito pelo juiz, expedindo-se mandado de prisão para o cumprimento da pena. Se, entretanto, for realiza- da a audiência e o réu aceitar as condições, terá início o período de prova. A audiência admonitória, portanto, é o marco que dá início à execução do sursis. Período de prova é o montante de tempo fixado pelo juiz na sentença, no qual o condenado deve dar mostras de boa conduta, não provocando a revogação do benefício. Ao seu término, se o condenado não tiver dado causa à revogação ou prorrogação do sursis, o juiz decretará a extinção da pena (art. 82 do CP). A duração do período de prova em regra é de 2 a 4 anos, porém existem algumas exceções como no sursis etário ou humanitário em que pode ser de 4 a 6 anos, ou nas contravenções penais em que varia entre 1 e 3 anos. Para estabelecer o quantum do período de prova entre seus montantes mínimo e máximo, o juiz deve levar em conta a gravidade do crime cometido e as circunstâncias do art. 59 do Código Penal. Se o magistrado optar por fixá-lo acima do mínimo legal, deverá expressamente mencionar as razões de tal proceder, sob pena de nulidade da sentença neste aspecto e consequente redução ao patamar básico. REVOGAÇÃO DO SURSIS A revogação do benefício pressupõe que o condenado esteja em período de prova, isto é, que já tenha sido realizada a audiência admonitória. A revogação implicará a necessidade de cumprimento integral da pena originariamente imposta na sentença, não havendo desconto proporcional ao tempo já cumprido antes da revogação. O art. 81, caput, do Código Penal, elenca as hipóteses em que a revogação é obrigatória, enquanto em seu § 1° encontram-se os casos de revogação facultativa . Revogação obrigatória Em tais casos, o juiz não tem discricionariedade, de modo que, constatada a hipótese de revogação, cabe-lhe compulsoriamente proferir decisão revogando o sursis. As hipóteses de revogação obrigatória são as seguintes: a) Superveniência de condenação irrecorrível pela prática de crime doloso (art. 81, I, do CP). Pouco importa se a condenação se refere a crime anterior ou posterior ao início do período de prova. O que se mostra necessário é que a condenação tenha transita- do em julgado e que se refira a crime doloso. Na prática, entretanto, os juízes pro- ferem tal decisão, na medida em que, sem ela, o cartório b) Frustração da execução da pena de multa, embora solvente o condenado (art. 81, lI, Ia parte, do CP). É praticamente pacífico o entendimento de que houve revogação tácita deste dispositivo em razão do advento da Lei n. 9.268/96, que não mais permite a prisão como consequência do não pagamento da pena de multa, que, de acordo com a atual redação do art. 51 do Código Penal, considera-se dívida de valor, sendo-lhe aplicável a legislação tributária. c) Não reparação do dano provocado pelo delito, sem motivo justificado (art. 81, II 2ª parte). Nesse caso, o condenado deve ser ouvido antes de ser decretada a revogação, a fim de que possa justificar a falta de reparação do prejuízo. Poderá, assim, demonstrar, dentre outros motivos, que não possui condições financeiras para arcar com os valores, que a vítima renunciou à indenização, que ela se encontra em local desconhecido, hipóteses em que não haverá revogação. d) Descumprimento da prestação de serviços à comunidade ou limitação de fim de semana no primeiro ano do período de prova (art. 81, III, do Código Penal). O juiz deve também dar oportunidade ao sentenciado para justificar o descumprimento, só declarando a revogação do sursis se não for apresentada escusa satisfatória . Revogação facultativa Verificada uma das situações previstas em lei, caberá ao juiz, de acordo com as circunstâncias do caso concreto, proferir decisão revogando o sursis, mantendo-o ou, ainda, prorrogando o período de prova até o seu limite máximo, se este não foi O fixado na sentença (art. 81, § 30, do CP). As hipóteses de revogação facultativa são as seguintes: a) Superveniência de condenação irrecorrível, por crime culposo ou contravenção, a pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos (art. 81, § 10, do CP). É evidente que o juiz deve verificar a viabilidade de o acusado prosseguir cumprindo as condições do sursis, precipuamente se o período de prova encontrar-se no primeiro ano, quando o acusado é obrigado a prestar serviços à comunidade ou sujeitar-se a limitação de fim de semana. Obviamente se, na nova condenação, for fixado o regime inicial semiaberto (o mais rigoroso cabível em relação a crimes culposas ou contravenções), não será possível a manutenção do sursis, pois será inviável que o sujeito continue cumprindo as condições referentes à primeira condenação. Sendo fixado o regime inicial aberto ou sendo a pena substituída por restritiva de direitos, poderá o juiz, se assim entender pertinente, manter o sursis, revogá-lo ou prorrogar o período de prova. b) Descumprimento de qualquer das condições judiciais fixadas no "sursis" simples ou das condições do "sursis" especial (art. 81, § 1°, do CP). O juiz deve também dar oportunidade ao sentenciado para justificar o descumprimento, só declarando a revogação do benefício se não for apresentada escusa satisfatória ou se o descumprimento for reiterado. Relevância da distinção entre cassação e revogação do sursis A cassação se dá antes da realização da audiência admonitória (réu que não comparece ao juízo ou que recusa o benefício). Ocorre, portanto, antes do início de execução do sursis. A revogação, conforme já estudado, ocorre depois. No primeiro caso, o termo a quo da prescrição da pretensão executória é o trânsito em julgado da sentença para a acusação (art. 112, I, 1ªa parte, do CP), enquanto, no segundo, é a data da revogação do sursis (art. 112, I, 2ª parte, do CP) . PRORROGAÇÃO DO PERÍODO DE PROVA Se o condenado, durante o período de prova, passa a ser processado por outro crime ou contravenção, considera-se prorrogado o prazo até o julgamento definitivo (trânsito em julgado) da nova acusação (art. 81, § 2°). Assim, se o agente vier a ser condenado, poderá dar-se a revogação do sursis, hipótese em que o agente terá de cumprir a pena privativa de liberdade suspensa condicionalmente na sentença originária. Se, entretanto, vier a ser absolvido, o juiz decretará a extinção da pena referente ao processo no qual foi concedida a suspensão condicional. Obrigatória e automática Prorrogaçao do período de prova Facultativa Se o condenado estiver sendo processado por outro crime ou contravenção Nos casos em que a revogação do sursis é facultativa, o juiz em de decretá-la, prorroga o período de prova até o máximo SURSIS SIMULTÂNEOS Existe a possibilidade do cumprimento simultâneo de dois sursis nas seguintes hipóteses: a) Se o réu, já condenado por um crime no qual foi concedido o sursis, for nova- mente condenado por crime doloso, e a nova sentença for proferida antes da audiência admonitória referente ao primeiro delito. É necessário que, quanto à última condenação, a pena não supere 2 anos e que o acusado tenha sido considerado primário (crime cometido antes da primeira condenação, por exemplo). Nesta hipótese, a nova condenação não gera a revogação do primeiro sursis por- que proferida antes do início do período de prova. b) Se o sentenciado, durante o período de prova, for condenado por crime culposo ou contravenção penal a pena não superior a 2 anos, e o juízo das execuções não revogar o sursis em relação ao primeiro delito (a hipótese é de revogação facultativa). Note-se que, em relação à segunda infração, o réu não está impedido de obter o sursis, por não ser reincidente em crime doloso . SURSIS E DETRAÇÃO PENAL A detração é incabível porque o sursis é benefício que não guarda proporção com a pena privativa de liberdade fixada na sentença. Assim, se alguém for condena- do a 1 ano e 4 meses de reclusão e o juiz conceder o sursis por 2 anos, não poderão ser descontados desse período de prova, por exemplo, os 3 meses em que o réu permaneceu preso durante o tramitar da ação. É claro, entretanto, que a consequência de eventual revogação do sursis é a obrigação de o sentenciado cumprir a pena originariamente imposta na sentença e, em tal caso, deverá ser descontado o tempo de prisão processual. SURSIS E LEI DAS CONTRAVENÇÕES PENAIS O art. 11 da Lei das Contravenções Penais permite a aplicação do sursis quando reunidas as condições estabelecidas no Código Penal. O período de prova, entretanto, será fixado entre 1 e 3 anos. No que diz respeito à execução do benefício, causas de revogação e prorrogação, dentre outras, aplicam-se os mesmos dispositivos do Código Penal, uma vez que não há regramento especial sobre o assunto na lei própria . DISTINÇÃO ENTRE A SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA (SURSIS) E A SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO (SURSIS PROCESSUAL) Na suspensão condicional da pena, o réu é condenado a pena privativa de liberdade e, por estarem presentes os requisitos legais, o juiz suspende essa pena, submetendo o sentenciado a um período de prova, no qual ele deve observar certas condições. Se o benefício for revogado, será expedido mandado de prisão, mas se as condições forem integralmente cumpridas, o juiz extinguirá a pena. Como existe condenação, caso o sujeito venha a cometer novo crime, será considerado reincidente. Na suspensão condicional do processo, criada pelo art. 89 da Lei n. 9.099/95, o agente é acusado da prática de infração penal cuja pena mínima não excede a 1 ano e, desde que não esteja sendo processado, que não tenha condenação anterior por outro crime e que estejam presentes os demais requisitos que autorizariam o sursis (art. 77 do CP), deve o Ministério Público fazer uma proposta de suspensão do processo, por prazo de 2 a 4 anos, no qual o réu terá de submeter-se a algumas condições: reparação do dano, salvo impossibilidade de fazêlo; proibição de frequentar determinados locais; proibição de ausentar-se da comarca onde reside sem autorização do juiz; e comparecimento mensal e obrigatório a juízo, para informar e justificar suas atividades.